1 INTRODUÇÃO Atualmente, os meios de comunicação integram a vida social de tal forma que proporcionam a aproximação de povos, costumes e culturas. A mídia também exerce influência na forma em que inspira comportamentos, ideologias e moda. Desta forma é inegável que a influência midiática constrói a opinião pública, exercendo de forma indireta um tipo de controle social. O conhecimento que se tem sobre os acontecimentos locais, nacionais e internacionais é transmitido, categoricamente, pelos meios de comunicação. Sendo assim, a mídia proporciona o acesso à informação e, concomitantemente, busca formar a opinião pública. É evidente também a manipulação que se faz da notícia, na criação de vilões e mocinhos. O sensacionalismo de determinado fato pode culminar na construção de uma interpretação deturpada da realidade. Os meios de comunicação determinam, mesmo que indiretamente, a maneira como as pessoas devem pensar ou agir. No que diz respeito às informações trazidas no âmbito jurídico, principalmente no Direito Penal, verifica-se que a situação é ainda mais preocupante. O clamor público, influenciado pelos meios de comunicação, pressiona o legislativo na criação de leis mais severas, sem que, contudo, haja efetiva mudança na realidade social com a criação dessas leis. A sociedade está alicerçada no Direito como instrumento de controle social. É impossível imaginar um grupo civilizado sem que haja uma lei que imponha regras de convivência, penalizando os eventuais infratores. Não importa se as regras são escritas ou consuetudinárias, são imprescindíveis para regular o convívio social. Assim, é possível entender que a liberdade de informação e o Direito são essenciais em um Estado Democrático. Contudo, é necessário demonstrar que as pressões feitas pela mídia podem trazer prejuízos aos “personagens” envolvidos no assédio da imprensa, bem como à própria sociedade, que, sem se dar conta, patrocina um interesse ditado pelos detentores da informação. Portanto, é necessário que se faça um estudo crítico dessa relação da Mídia com o Direito Penal, para demonstrar que isso resulta na deturpação da realidade criminal e, também, na criação de novos tipos penais mais severos, trazendo a ilusão de que a maior repressão poderá sanar a violência atual. Sendo assim, a proposta deste trabalho monográfico é fazer considerações acerca da expansão punitiva no Brasil, através da análise da relação dessas duas formas de controle social (A mídia e o Direito Penal), essenciais no Estado Democrático de Direito, demonstrando o que essa relação de influência mútua, entre os meios de comunicação e o Direito, pode trazer de negativo para a sociedade. Para tanto, será feita uma análise do surgimento das Leis n° 8.072/1990 (lei de crimes hediondos) e das suas alterações, n° 11.340/2006 e n° 12.737/2012, que surgiram em decorrência da influência contida nos holofotes midiáticos, destacando as mudanças sofridas com as alterações legislativas no âmbito penal. Outrossim, este trabalho tem como escopo, demonstrar a real necessidade do legislador pátrio de agir com prudência e ponderação perante o sensacionalismo dos meios de comunicação, para que se evite o expansionismo do Direito Penal, na criação de leis simbólicas que não tragam mudanças e efeitos positivos na realidade social. A metodologia utilizada nesta monografia foi o método dedutivo, com a pesquisa doutrinária, que inclui livros, artigos, teses, revistas, informações jornalísticas e Internet, com as principais discussões acerca do tema, bem como de pesquisa de fatos relevantes para o desenvolvimento da questão em comento. De início, será abordada a expansão do direito penal, onde serão feitas breves considerações sobre a teoria do direito penal do inimigo, teoria do Direito penal mínimo e o simbolismo penal, sendo feita uma análise crítica sobre o sentido e a função punitiva do Estado na sociedade atual. Depois, será feita uma abordagem sobre a prevenção do crime no Estado Democrático de Direito, a partir de um breve apanhado de considerações dos criminologistas sobre o tema, o qual engloba também as formas de controle social. Após isso, será feita uma pesquisa sobre a relação de influência midiática na expansão punitiva no Brasil, através da análise do surgimento das Leis n° Leis n° 8.072/1990 (lei de crimes hediondos) e das suas alterações, n° 11.340/2006 e n° 12.737/2012, verificando os efeitos trazidos com as referidas alterações legislativas. Por fim, serão feitas considerações finais sobre o tema, a fim de demonstrar a influência da mídia e os efeitos trazidos com criação das leis supramencionadas.
2 A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL Com o advento da evolução tecnológica e científica, a sociedade sofreu modificações significativas, bem como passou por movimentos revolucionários no decorrer das décadas. As transformações constantes e iminentes resultaram em novas condutas delituosas prejudiciais à comunidade, com novos riscos para a sociedade contemporânea. O Direito Penal também sofreu várias modificações para se adequar às novas necessidades sociais. Sendo assim, surge a exigência social ao Estado, para que este solucione os novos dilemas, e o Direito Penal vem atuar na prevenção de condutas que possuem riscos hipotéticos, uma vez que a coerção estatal, antes, servia como controle de condutas comprovadamente lesivas à coletividade. Além disso, surge a incessante busca por soluções para o problema da criminalidade através do Direito Penal, com o objetivo de que mais leis rigorosas provoquem maior tranquilidade no meio social. A expansão do Direito Penal gerou polêmica, tendo em vista que as atuais intervenções diferem das tradicionais formas de atuação, causando discussão entre os doutrinadores, que se mostram indignados diante da constante criação de leis incriminadoras que buscam ditar um novo Direito Penal, sem se atentar para seu caráter subsidiário e de intervenção mínima. A migração das pessoas que antes viviam na área rural para a área urbana, se deu com a Revolução Industrial. Tal acontecimento causou mudanças na estrutura da sociedade, a qual presenciou a evolução dos meios tecnológicos e de comunicações, o que ampliou a competitividade, levando indivíduos à delinquência. Desta forma, a estrutura social pós-industrial sofreu uma enorme insegurança, uma vez que as pessoas passaram a enxergar as classes marginalizadas como uma ameaça à integridade física e ao patrimônio. A evolução das tecnologias potencializou maior insegurança, já que essas mudanças ocasionaram novas formas delituosas, através das novas tecnologias, os chamados crimes informáticos. Outrossim, é notório os resultados negativos dos excessos praticados pelos meios de telecomunicação, os quais aumentaram as incertezas quanto aos verdadeiros riscos que ameaçavam os indivíduos, por meio da divulgação de notícias com exacerbado sensacionalismo. Assim, se veiculava uma noção maior de perigos que os realmente existentes, causando incertezas sobre qual informação realmente correspondia com a realidade. A Mídia, sensacionalista, caracteriza os criminosos e cria a sensação de temor na sociedade. Notícias de determinada região são ‘nacionalizadas’ de forma épica, fomentando o sentimento de vingança contra os criminosos, os quais são vistos como monstros que devem ser banidos da sociedade definitivamente. Diante disso, nasce a crença no sistema penal repressor como único meio eficaz de combater o crime, resultando, entre outros efeitos, desprezo pelos valores relacionados aos direitos humanos e suas garantias. O entendimento de que o Movimento Lei e Ordem influenciou a legislação pátria é forte por parte dos doutrinadores, principalmente, quando se deparam com mudanças legislativas de caráter eminentemente repressivo, que corroboram para tal entendimento. Daí surge um Direito Penal Simbólico, o qual tem o objetivo de satisfazer a sociedade diante dos altos índices de criminalidade. Defendendo-se, cada vez mais, que o maior rigor nas leis penais é essencial para que a sociedade possa conviver de forma digna e tranquila. Sendo assim, para tornar possível a repressão à criminalidade, o Estado utilizou-se da Mídia, para que esta legitimasse suas ações, criando na opinião popular o alarde social e a ideia de temor da violência constante e inevitável, que só poderia ser eliminada pela efetiva coerção estatal, o que acabou tornando mais flexíveis os direitos fundamentais e trazendo maior rigor ao instituto penal material. Assim, o Direito Penal que deveria ser a última razão, tornou-se, notadamente simbólico. Nesse contexto, verifica-se que a insegurança é a razão pela qual se busca um meio de controle social eficaz que garanta à sociedade a tranquilidade e o retorno à segurança sem ameaças iminentes. Por esta razão é que a sociedade busca no poder de controle do Estado, a solução para seus anseios, acreditando que a punições mais severas possam diminuir o risco, e acaba se afastando da noção do Direito Penal Mínimo, para se aproximar das ideias trazidas pelo Direito Penal do inimigo.
3 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA CRIAÇÃO DE LEIS PENAIS A Carta Magna de 1988 consagrou, entre os direitos fundamentais, a liberdade de pensamento e de imprensa para que não haja mais restrições políticas, ou de qualquer natureza, à mensagem transmitida pelos meios de comunicação, caracterizando, assim, o Estado Democrático de Direito. Ainda, na Constituição Federal de 1988, em capítulo dedicado à comunicação social, é reforçada a liberdade de pensamento e de informação, conforme se observa na leitura do seu art. 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, Processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. É indiscutível que a comunicação é essencial para o desenvolvimento humano, em todos os aspectos. A interação humana permite a transmissão de ideias, de cultura, bem como, a solução de eventuais conflitos que surgem no meio social. Judson Pereira de Almeida (2007, p. 17) afirma o seguinte: O pleno exercício da liberdade de expressão, ao nosso ver, dá-se em duas vertentes: a de informar e de ser informado. Só quando existe esta troca, quando a via de mão dupla está em pleno funcionamento é que se pode falar em liberdade de pensamento e de expressão e, consequentemente, de informação, num Estado Democrático. Diante disso, entende-se que, no ordenamento jurídico pátrio, a democracia só pode ser exercida verdadeiramente, quando se assegura a liberdade de pensamento e informação, sem que a intervenção Estatal possa amordaçar a Imprensa, oportunizando, também, a liberdade do cidadão de ser informado. Contudo, a liberdade de Imprensa não é um direito imune a restrições constitucionais, podendo a Imprensa arcar com a responsabilidade, quando seu exercício representar dano à honra e à imagem das pessoas. A Constituição Federal de 1988 prevê a responsabilidade posterior (perdas e danos) de quem abusar do direito de informar, vedando qualquer censura prévia ao direito de informar, tendo em vista que este também é um direito fundamental. Vejamos o que prevê a Lei Maior em seu art. 5°, incisos IX e X: IX - É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura e licença. X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação. Assim, sendo ambos, direitos fundamentais, cabe ao Judiciário valorar a devida utilização, pois quando se viola a honra e a imagem das pessoas, deve haver a responsabilização, tendo, portanto, a necessidade dessa avaliação axiológica em cada caso. Atualmente, a mídia, preocupada com os lucros advindos das propagandas e com a concorrência, torna-se despreocupada com a credibilidade da informação, deixando-a pra segundo plano. Isso prejudica a sociedade em todo o entendimento que se tem da realidade apresentada. Refletindo sobre o tema, o jornalista Ciro Marcondes Filho faz a seguinte crítica: A lógica da imprensa no capitalismo é exatamente a de misturar coisas, desorganizar qualquer estruturação racional da realidade, e jogar ao leitor o mundo como um amontoado de fatos desconexos e sem nenhuma lógica interna. Ao lado das manchetes, que advertem sobre o pânico (da classe dominante) diante dos saques a estabelecimentos comerciais, do aumento insistente dos assaltos, das greves, da indisciplina civil, do terrorismo, convivem pacificamente manchetes sobre vedetes, novos casamentos de artistas de TV, sobre como ganhar na loto, ou sobre a vitória arrebatadora do time de futebol. Sem essa miscelânea, a imprensa, organizada como empresa lucrativa, não teria sobrevivência comercial. A mesma lógica acompanha o jornalismo radiofônico e televisionado. Analisando a citação supra, verifica-se que os avanços tecnológicos modificaram o rumo do Jornalismo, uma vez que este se transformou em um produto lucrativo e deixou de se preocupar com a veracidade das informações repassadas ao público. O imediatismo com o qual as notícias são veiculadas, dificulta a averiguação da verdade. Judson Pereira de Almeida (2007, p. 22) entende que a notícia se tornou um bem de consumo simbólico, tendo em vista que é transmitida para informar o cidadão, mas, também, para atender ao “mercado” e conquistar bons índices de audiência. De fato, a sociedade está vulnerável diante de tantas informações de credibilidade duvidosa. Disso advém a necessidade de maior responsabilidade pelos veículos de comunicação, para que haja o compromisso com a veracidade da notícia e não só a preocupação com os índices de audiência ou lucratividade. No que diz respeito à produção legislativa penal, verifica-se que o medo, a sensação de insegurança, em razão da incapacidade do Estado em conter a crescente criminalidade são geradas pelos detentores da informação. A discussão sobre a criminalidade é válida e necessária para que a sociedade e os governantes reflitam em maneiras de combater o delito. Mas, o que se tem feito é cobrar soluções imediatas, quais sejam: mais leis e estas, mais severas. O legislador tem cedido a esse apelo e acaba por expandir as normas penais, objetivando conter os anseios da sociedade, de forma imediata e nem sempre eficiente. Desta forma, é importante analisar leis que nasceram do clamor público, através da influência dos meios de comunicação em massa, para fundamentar o entendimento acerca da eficácia destas leis no combate ao delito e das incongruências geradas pela rapidez com que são promulgadas nas épocas em que há ampla divulgação de condutas desviadas no meio social. 3.1 LEI N° 8. 072/90 (LEI DOS CRIMES HEDIONDOS) E SUAS ALTERAÇÕES A denominação crime hediondo foi introduzida no sistema jurídico pátrio, entre os direitos e garantias fundamentais, no art. 5°, XLIII, da Constituição Federal de 1988, que prevê o seguinte: XLIII - A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; Sendo assim, o termo crime hediondo integrou a Constituição como norma penal em branco, ou seja, precisava de um complemento normativo para produzir efeitos. Desta forma, em 25 de julho de 1990 surgiu a Lei n° 8.072/90, na qual o legislador utilizou o método enumerativo , só podendo ser considerado hediondo aquele crime descrito no rol taxativo do art. 1° da lei em comento. A rapidez com que a lei dos crimes hediondos foi promulgada se deu pela pressão midiática à época, sobretudo, em razão do sequestro do empresário paulista Abílio Diniz, que ocorreu em 11 de dezembro de 1989, reforçada a motivação para a mudança com sequestro o do publicitário Roberto Medina, que se deu em 6 junho de 1990 . Por serem as vítimas, pessoas de classe alta, influentes na sociedade, houve grande divulgação pelos meios de comunicação. O projeto de lei 5405/1990, que tratava da regulamentação dos crimes hediondos, foi apresentado pelo senador do Partido da Frente Liberal, Odacir Soares, no dia 17 de maio de 1990. O referido projeto, entre outras providências, passou a considerar o crime de sequestro e extorsão mediante sequestro como hediondo, inaugurando o rol legislativo desse tipo de crime . A repercussão dos casos movimentou o legislativo para que acelerasse o processo de elaboração da lei de crimes hediondos. À época, o então Deputado do Partido dos Trabalhadores (PT), Plínio Arruda Sampaio, disse o seguinte: Por uma questão de consciência, fico um pouco preocupado em dar meu voto a uma legislação que não pude examinar. [...] Tenho todo o interesse em votar a proposição, mas não quero faze-lo (sic) sob a ameaça de, hoje à noite, na TV Globo, ser acusado de estar a favor do sequestro. Isso certamente acontecerá se eu pedir adiamento da votação” – Deputado Plínio de Arruda Sampaio (PT) (INSTITUTO LATINO-AMERICANO PARA PREVENÇÃO DO DELITO E TRATAMENTO DO DELIQUENTE). A alegação do deputado demonstrou, de forma clara, que havia uma forte pressão por parte da mídia, notadamente a televisiva, para que votasse a aprovação da lei em tela, o mais rápido possível, caso contrário, sofreria represálias. Diante disso, nota-se a fragilidade dos legisladores, diante do apelo popular, este, influenciado pelos meios de comunicação em massa, os quais ditam a postura que deve ser tomada, no tempo tolerável, em geral, buscando soluções a curto prazo. Com o advento da Lei n° 8.930/94, a lei de crimes hediondos passou por alterações, com a inclusão de mais crimes, consumados e tentados, em seu rol taxativo . Mais uma vez, a relação das referidas alterações com a influência dos meios de comunicação é notória. Desta vez, o impulso propulsor para a referida alteração na legislação penal foi a morte da atriz Daniella Perez, em 1992. A atriz, filha da famosa autora de novelas Glória Perez, atuava em uma trama de grande repercussão nacional, na época que foi assassinada, pelo seu par romântico da novela, Guilherme de Pádua, o qual cometeu o delito com o auxílio de sua mulher à época, Paula Thomaz . A violência com a qual a jovem atriz foi assinada comoveu a sociedade. A partir disso, Glória Perez, indignada com a política criminal, vigente à época, que não manteve o assassino da sua filha muito tempo na prisão, mobilizou uma campanha de iniciativa popular para emendar a Constituição, visando alterações legais na lei de crimes hediondos, buscando que se tratasse de forma mais rígida o crime de homicídio qualificado, o incluindo entre os hediondos. Em seu sítio eletrônico, a escritora Glória Perez explica como se deu sua iniciativa, que reuniu toda a sociedade em um abaixo assinado pela referida mudança legislativa, culminando em um milhão e trezentas mil assinaturas, em apenas três meses . Isso culminou na primeira lei de iniciativa popular. Assim, nota-se o quanto a divulgação de uma notícia pode mobilizar a sociedade, despertando sentimentos de ódio, inconformismo com o sistema criminal e compaixão pela vítima, principalmente se for famosa, crianças, idosos ou for pessoa influente na sociedade. O Brasil “abraçou” a causa da novelista e conseguiu a mudança legislativa com a inclusão do homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos. No ano de 1998, houve grande repercussão na Mídia o caso da pílula de farinha. Foram registrados vários casos de gravidez indesejada pelas consumidoras da pílula anticoncepcional Microvilar. Em junho daquele ano, o Ministério da Saúde interditou a fábrica e determinou que as referidas pílulas fossem retiradas de circulação do mercado. Diante disso, no dia 20 de agosto de 1998, foi promulgada a Lei n° 9.695. Esta lei, dentre outras providências, incluiu no rol de crimes hediondos o crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. É importante destacar a tipificação legal deste crime, que se encontra no art. 273 do Código Penal Brasileiro, que dispõe o seguinte: Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. § 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. § 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. § 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; V - de procedência ignorada VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente Modalidade culposa § 2º - Se o crime é culposo: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. O acréscimo desse crime de perigo abstrato no rol da Lei n° 8.072/90 foi criticado pelos doutrinadores, que consideraram essa alteração uma irresponsabilidade do legislador, pois, acreditam que tal inserção fere os princípios da proporcionalidade , ofensividade e subsidiariedade do Direito Penal. De fato, é inadmissível que, por exemplo, um homicida tenha o mesmo tratamento legal de alguém que adulterou um inseticida (saneante). Sobre o tema, Guilherme Souza Nucci (2011, p.944) faz as seguintes críticas: Não há dúvida ser indispensável prever figuras típicas incriminadoras para a falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. Do mesmo modo, outros produtos correlatos merecem ser preservados, razão pela qual a sua falsificação também deve ser punida. Não há lesão ao princípio da intervenção mínima (e seu corolário: princípio da ofensividade) a simples tipificação feita no art. 273 e seus parágrafos. Porém, integra a intervenção estatal, no âmbito penal, a previsão de penas para os mais diversos delitos. Se houver exagero punitivo, fere-se o princípio da proporcionalidade e, por via de consequência, o próprio sentido do princípio da ofensividade. Desintegra-se, em última análise, a dignidade da pessoa humana, conturbando-se o princípio da humanidade. Afinal, constitui crueldade aplicar sanção penal desproporcional a qualquer ser humano. É inviável acolher como razoável a pena mínima de dez anos de reclusão, em regime inicial fechado, considerado crime hediondo, para condutas de perigo, quando nem mesmo potencial concreto de dano se exige. Vender um remédio sem registro no órgão de vigilância sanitária não tem, minimamente, o padrão necessário para se comparar a graves delitos de dano, como, por exemplo, o homicídio. No entanto, a pena mínima do homicídio simples é de seis anos de reclusão, enquanto a mínima do crime contra a saúde pública atinge dez anos de reclusão. Nesse prisma, a inconstitucionalidade, por afronta direta ao princípio da proporcionalidade, bem como, indiretamente, à intervenção mínima, é patente. Sendo assim, observa-se que a inserção do crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais no rol de crimes hediondos é uma absurda afronta aos princípios do Direito Penal, o qual vem tendo sua utilização banalizada pelos legisladores, os quais têm apelado, cada vez mais, para a extrema intervenção punitiva do Estado. Ademais, a correlação entre os acontecimentos divulgados na mídia e a mudança legislativa, é clara. O legislador buscou acalmar os ânimos das pessoas que ficaram indignadas, em razão dos casos de gravidez indesejada, divulgados pelos meios de comunicação. Outro crime que causou grande indignação social foi a morte do menino João Hélio, de seis anos, que ficou preso ao cinto de segurança, durante uma tentativa de roubo a um carro, sendo arrastado por mais de sete quilômetros, sem que os assaltantes se importassem . Em menos de dois meses do ocorrido, foi promulgada a Lei n° 11.464/07, que, dentre outras providências, alterou dispositivo sobre a progressão de regime nos crimes hediondos, estabelecendo que esta se daria, apenas, após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. Antes da promulgação dessa lei, o Supremo Tribunal Federal já vinha entendendo que a inadmissibilidade de progressão de regime nos crimes hediondos era inconstitucional e aplicava a progressão de regime após o cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena. Tal entendimento pode ser visto na súmula n° 26, do Pretório Excelso: Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico. Sendo assim, com a promulgação da Lei n° 11.464/07, houve maior rigor no tratamento dos crimes hediondos, se tornando mais severa a progressão do regime para quem cometa os crimes elencados na Lei n° 8.072/90. A última alteração da Lei de crimes hediondos se deu com a Lei n° 12.015, promulgada no dia 7 de agosto de 2009 , que, dentre outras providências, reuniu os crimes de estupro e atentado violento ao pudor em um só, ampliando as hipóteses de estupro, que deixou de se consumar apenas com a conjunção carnal, também, admitindo-se a possibilidade de ter como vítima pessoa do sexo masculino. Essa lei tratou com maior rigor o cometimento de estupro contra menores de 14 anos e deficientes físicos (estupro de vulneráveis). Alterou-se a pena, que era de 6 a 10 anos, passando para, de 8 a 15 anos de reclusão. Aldenor Pimentel Da Silva (2011, pp. 5-6) explica bem a correlação entre os acontecimentos divulgados pela mídia e a promulgação da Lei n° 12.015/09: O projeto que deu origem a essa lei foi apresentado em 2004 pela Comissão Parlamentar Mista de inquérito (CPMI) da Exploração Sexual, mas só foi sancionada em 2008, período em que estava em funcionamento outra comissão parlamentar de inquérito, a CPI da pedofilia. (SENADO FEDERAL, 2010) Na época da aprovação da lei, houve a maciça divulgação na grande mídia de diversos escândalos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes pelo País. A ação de uma quadrilha de aliciamento de menores de idade em Boa Vista, capital de Roraima, por exemplo, mereceu destaque no Jornal Nacional do dia 6 de junho (JORNAL NACIONAL, 6 de jun. 2008) e no programa Domingo Espetacular, da Rede Record, no dia 20 de julho de 2008). (MARTINS, 21 jul. 2008). Como se vê, a aprovação de mudanças na Lei n° 8.072/90, foram precedidas por acontecimentos que comoveram a sociedade e que tiveram muita divulgação pelos meios de comunicação em massa, impulsionando os legisladores a tratarem com maior rigor tais condutas delituosas. Todavia, a severidade legal não fez com que a violência diminuísse no Brasil. Índice do IBGE aponta o crescimento de homicídio entre 1990 (ano de promulgação de Lei n° 8.072/90) a 2009 (ano da última alteração legislativa na Leu n° 8.072/90), através dessa taxa de mortalidade, por 100 mil pessoas, no Brasil: Quadro 1 - Óbitos por causas externas - homicídio - Taxa de Mortalidade Específica (TME) Fonte: Site IBGE, 2013 Outrossim, em estudo feito pelo Instituto Sangari, constatou-se que a média anual de homicídios, por 100 mil habitantes, no Brasil, supera, a média anual de conflitos de guerras civis, como, por exemplo, a guerra civil de Angola (1975 – 2002) e a do Iraque (2003). Ante o exposto, verifica-se que a contramotivação almejada pela sociedade, com a promulgação de leis mais severas, não ocorre. De fato, o rigor legal não interfere no crescimento da criminalidade, demonstrando que o efeito preventivo da pena é quase inexistente. 3.2 LEI N° 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA) No dia 7 de agosto de 2006, foi promulgada a Lei n° 11.340/06, que surgiu com o objetivo de coibir a violência doméstica contra a mulher, trazendo um tratamento diferenciado na prevenção e repressão de crimes desse gênero, prevendo a criação de juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, alterações no Código de Processo Penal, no Código Penal e na Lei de Execução Penal, além de outras providências. A Lei n° 11.340/06 é conhecida pela denominação Lei Maria da Penha, em homenagem a uma biofarmacêutica que sofreu agressões do seu marido, à época, Marco Antonio Herredia Viveiros, chegando a ficar paraplégica em uma das tentativas de homicídio, em 1983. Contudo, Maria da Penha não obteve a devida assistência do Estado e se deparou com a morosidade da justiça, ao ver que seu agressor só foi condenado em 1996, a quinze anos de reclusão (decisão da qual ele recorreu), sendo preso em 2002, cumprindo apenas dois anos de prisão. A repercussão dessa história fez com que Maria da Penha, em 1998, com o auxílio do Centro para a Justiça e o Direito Internacional - CEJIL e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM, encaminhasse o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), requerendo providências. Isso resultou em uma condenação ao Brasil, pela negligência no tratamento de casos de violência doméstica contra a mulher. Dentre outras medidas, foi determinado que o Brasil deveria romper com a tolerância estatal e a discriminação em relação ao tratamento dado à violência doméstica no país. Esse foi o primeiro passo para que se impulsionasse o Poder Legislativo a formular uma lei mais severa que coibisse a prática de violência contra as mulheres no âmbito doméstico, bem como, atuasse preventivamente, através de assistência social. Outrossim, os meios de comunicação contribuíram significativamente para a promulgação da Lei Maria da Penha, com a veiculação de notícias relacionadas ao caso nos noticiários e também de histórias nas telenovelas, que mostravam mulheres que sofriam violência doméstica. Analisando os efeitos dos meios de comunicação na Lei Maria da Penha, Rogério Sanches Cunha (2009, p. 1082) expõe o seguinte: Por vezes, a exposição da mulher em um papel estereotipado serve como verdadeira denúncia e, por isso, traz o tema a debate. Uma novela que representasse uma mulher vítima de frequentes agressões praticadas pelo marido, mas que fosse capaz de reagir, procurando uma delegacia de polícia especializada e valendo-se da proteção legal, teria seus efeitos positivos. Serviria, por exemplo, como poderoso instrumento de divulgação da lei em exame. Mostraria que há alternativas legais capazes de coibir essa espécie de prática. E, dependendo da condução da trama, por seu autor, poderia o agressor ser preso preventivamente, suportando o afastamento do lar, obrigado a pagar alimentos [...] O autor explicou que a abordagem de temas relacionado à violência doméstica na ficção, pode surtir efeitos positivos, no sentido de impulsionar a telespectadora para que não se cale diante das agressões sofridas. Em 2003, Mulheres Apaixonadas, novela do renomado autor, Manoel Carlos, exibida em horário nobre, contou uma história que retratava a violência doméstica. Na trama, Raquel (personagem interpretado por Helena Ranaldi), era uma professora de educação física que tinha fugido do marido Marcos (personagem interpretado por Dan Stulbach) que a agredia. Ele a reencontra e recomeça o terror, agredindo Raquel com uma raquete em várias cenas da novela. A personagem sofria com as agressões e tinha medo de denunciá-lo, pois via que, com a lei vigente, o agressor apenas pagaria cestas básicas e não seria responsabilizado de forma mais severa, podendo voltar a agredi-la com mais ódio e sede de vingança. Sobre a abordagem da violência doméstica na trama, Ludmila Cavalcanti, professora da Escola de Serviço Social (ESS/UFRJ) e Conselheira do Conselho Estadual de Direitos da Mulher do estado do Rio de Janeiro (CEDIM-RJ) fez a seguinte crítica, em 2007: Ainda que a Rede Globo tenha pautado o tema na novela Mulheres apaixonadas, visitado o Centro Estadual dos Direitos da Mulher (Cedim) e transmitido a mensagem no horário nobre, causando grande repercussão, o agressor na trama era patologizado, como se fosse um doente mental, com distúrbio de comportamento, desvio de conduta. Isso cria um estereótipo, levando a sociedade a pensar que os homens agressores são loucos. Quando está provado pelos estudos da Segurança Pública e pelo relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2002 que os maiores agressores são conhecidos das mulheres: maridos, ex-namorados, principalmente. Além disso, no desfecho da novela, a vítima conseguiu superar o trauma, mas o agressor continuou impune. Ele sofreu um acidente e explodiu dentro do carro, o que parece bastante ficcional. Acredito que o desfecho deve ser verdadeiro e positivo, para estimular as mulheres a denunciar. Diante disso, observa-se que a mensagem transmitida por uma novela pode estimular as mulheres que se identificam com a personagem a procurar ajuda, buscar mudanças na lei. Mas se esta é a intenção, então esta mensagem deve ser repassada da forma mais próxima da realidade, demonstrando para a telespectadora que ela terá resultados positivos se noticiara agressão. A discussão acerca de problemas sociais nas telenovelas provoca o envolvimento do público, principalmente em casos nos quais a arte chega tão perto da realidade. Esse fato é demonstrado em pesquisa realizada em Palmas, Tocantins, antes da promulgação da Lei Maria da Penha. Foi constatado um grande aumento de mulheres que tiveram coragem de noticiar à polícia a ocorrência de violência doméstica, na Delegacia da Mulher, em Palmas, Tocantins, no período em que a novela Mulheres Apaixonadas estava sendo exibida. Segundo a pesquisa, no ano de 2002, foram registradas 527 ocorrências, já no ano de 2003, foram 894. Desta forma, verifica-se que a novela serviu para impulsionar as mulheres que sofriam violência doméstica a se desprender do medo de noticiar o fato à Polícia. A empatia com a personagem Raquel foi fator determinante para a mudança de comportamento das telespectadoras, antes da promulgação da Lei Maria da Penha. Não se fará aqui, uma análise pormenorizada dos artigos da lei em tela, pois o que se busca é abordar a influência da mídia na lei em geral e verificar a efetividade dessa norma decorrente do apelo popular. Contudo, entende-se que é importante destacar dispositivos que geraram discussões e que resultaram, justamente, do clamor público. Sendo assim, da mesma forma que foi feita uma análise de dispositivos que surgiram em razão da influência dos meios de comunicação na Lei de crimes hediondos, será feita assim na Lei Maria da Penha. A primeira razão pela qual a lei sofreu uma enxurrada de acerbas críticas foi a sua própria promulgação, por ser uma lei que privilegia o gênero feminino em detrimento do masculino, alguns doutrinadores criticaram a possível inconstitucionalidade da lei, que surgiu em momento de comoção social, alegando a afronta ao princípio constitucional da igualdade. Corrobora com esse entendimento o, ilustre jurista, Valter Foleto Santin: Como se vê, a pretexto de proteger a mulher, numa pseudopostura “politicamente correta”, a nova legislação é visivelmente discriminatória no tratamento de homem e mulher, ao prever sanções a uma das partes do gênero humano, o homem, pessoa do sexo masculino, e proteção especial à outra componente humana, a mulher, pessoa do sexo feminino, sem reciprocidade, transformando o homem num cidadão de segunda categoria em relação ao sistema de proteção contra a violência doméstica, ao proteger especialmente a mulher, numa aparente formação de casta feminina. Adeptos desse modo de vista utilizam o exemplo de que, em uma agressão recíproca, homem e mulher serão tratados de forma diferenciada, uma vez que ela irá usufruir de todos os benefícios da Lei n° 9.099/1995, enquanto o homem sofrerá várias limitações impostas pela Lei n° 11.340/2006, em eventuais medidas restritivas, além de não poder se submeter à Lei n° 9.099/1995. Por outro lado, entre os que defendem o favorecimento trazido pela lei à mulher na condição de vítima de violência doméstica e familiar, estão Helena Lopes de Faria e Mônica de Melo que sustentam a seguinte argumentação: O sistema geral de proteção tem por endereçado toda e qualquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidade. Por sua vez, o sistema especial de proteção realça o processo de especificação do sujeito de direito, que passa a ver isto de forma concreta e específica, pois determinados sujeitos de direitos, ou certas violações de direito exigem uma resposta diferenciada. Importa o respeito à diversidade e a diferença, assegurando-se um tratamento especial. Entre as várias inovações previstas na Lei n° 11.340/2006, têm-se a inaplicabilidade da Lei n° 9.099/1995 nos casos de violência doméstica. Tal inovação causou divergências entre os doutrinadores. O art. 41, da Lei n° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), dispõe o seguinte: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099 de 26 de dezembro de 1995.” Adepto à concepção de que a inaplicabilidade da Lei n° 9.099/95 foi benéfica, Rogério Sanches Cunha (2009, p. 1145) assevera o seguinte: A despeito de inúmeras críticas que foram lançadas, não há dúvida que a opção do legislador foi a mais franca possível no sentido de afastar, peremptoriamente, do âmbito do JECrim o julgamento dos crimes perpetrados com violência doméstica e familiar contra a mulher. O principal argumento para essa postura se funda, em síntese, na banalização do crime, decorrente da brandura da resposta penal proposta pela Lei 9.099/95. Já, Andréia Colhado Gallo Grego Santos e Bruno Baltazar dos Santos são contrários à inaplicabilidade da Lei n° 9.099/95 nos casos de violência doméstica, justificando esse entendimento com as seguintes considerações: Entre alguns dispositivos que apresentam problemas, verifica-se que o artigo 41 da Lei 11.340/2006 retirou da competência do Juizado Especial o tratamento dos casos de violência intrafamiliar, assim, a possibilidade de conciliação da família perante uma autoridade competente foi afastada, sendo dificultada, portanto, a conciliação do casal e, inclusive, do exercício da paternidade responsável. Diante disso, verifica-se que a inaplicabilidade da Lei n° 9.099/95, nesse caso, se dá em razão da busca por maior rigor no tratamento do crime de violência doméstica contra a mulher. O objetivo disso é impossibilitar que o agressor se submeta às prestações alternativas, como por exemplo, o pagamento de cestas básicas, que era o que normalmente ocorria antes da vigência da Lei n° 11.340/2006. Por outro lado, existe a possibilidade do enfraquecimento da estrutura familiar em razão do afastamento da convivência com os filhos, o que pode surtir efeitos negativos, tanto para os filhos quanto para os pais envolvidos nessa problemática. Esse tratamento diferenciado demonstra a crença de que uma pena mais severa provocará melhores resultados no combate à violência doméstica, numa tentativa de atuar na motivação do agressor para que não haja reincidências. Apesar do avanço legislativo, com a previsão das medidas protetivas e assistenciais que visam amparar a vítima e evitar a prática reiterada de agressões, a lei em comento não trouxe efeitos significativos na diminuição dos casos de violência doméstica no que diz respeito aos índices de mortalidade. Tal fato é comprovado em pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Foi constatado que a Lei Maria da Penha não teve impacto sobre a mortalidade por agressões domésticas, conforme se vê no quadro a seguir: Mais uma vez, resta demonstrado que o maior rigor legal não resolve a criminalidade. A função meramente simbólica da lei mostra, nesses casos, que não basta mudar a legislação. Todos, independentemente do gênero, devem receber amparo legal, quando sofrerem agressões físicas ou morais, dentro e fora do âmbito familiar. Noutro aspecto, o implemento das medidas protetivas deve ser feito com bastante cuidado, para que não prejudique o desenvolvimento familiar, através de restrições que afetem os filhos, pois a violência doméstica não afeta apenas a mulher, mas também a família. Acerca do tema, são interessantes as ideias trazidas por Andréia Colhado Gallo Grego Santos e Bruno Baltazar dos Santos: Ora, devido o princípio da paternidade responsável, a legislação pátria atribui aos pais a missão de cuidar dos seus filhos; e isso significa zelar pelo desenvolvimento não só físico, mas também psíquico e moral. Assim, a paternidade responsável se traduz na formação da prole baseada na formação digna do ser humano, o que pode ser dificultado pela forma com que alguns dispositivos da proteção da violência intrafamiliar no contexto da lei Maria da Penha. João Paulo de Aguiar Sampaio e Tiago Abud da Fonseca também corroboram desse entendimento: Não é preciso muito esforço para perceber que a legislação infraconstitucional acabou por tratar de maneira diferenciada a condição de homem e mulher e o status entre filhos que o poder constituinte originário tratou de maneira igual criando, aí sim, a desigualdade na entidade familiar. Ante o exposto, observa-se que é importante que se faça uma análise especial em cada caso, observando suas peculiaridades, para analisar quais as medidas protetivas cabíveis, evitando, sempre que possível, prejudicar a estrutura familiar, que é um importante agente de controle social informal, pois isso também pode influenciar na reincidência. Para que haja a diminuição da violência doméstica é imprescindível a quebra do paradigma social da figura estereotipada da mulher, como “sexo frágil”, e a mudança de entendimento do seu papel na sociedade. Pois, em que pese haver a dependência econômica, em alguns casos, esta não deve ser confundida com inferioridade da mulher, a qual tem sido tratada de forma possessiva por seus agressores. Em pesquisa realizada pelo DataSenado, em agosto de 2013, foi constatado que as mulheres com menor nível educacional são as que mais sofrem com a violência doméstica, 71% dessas mulheres relataram o aumento das agressões. Apurou-se, também, que 31% delas, convivem com o agressor . Isso demonstra que a dependência econômica faz com que as mulheres permaneçam inertes diante da agressão. Então, uma forma de prevenção eficiente, seria investir em assistência e educação, para que essas mulheres ingressem no ambiente de trabalho, qualificadamente, a fim de ter condições de prover o próprio sustento, evitando que suporte agressões morais, físicas e psicológicas, por conta de dificuldades financeiras que impossibilitam a sua subsistência, sem depender do agressor. Não se deve creditar, unicamente, ao Direito Penal a solução desses problemas sociais, sem priorizar políticas públicas de prevenção. Uma lei, por mais perfeita que pareça no “papel”, não surtirá bons efeitos, se não estiver atrelada a uma atuação conjunta da sociedade e do Estado, na luta pela conscientização e educação dos indivíduos. Não se defende aqui a tolerância Estatal diante da violência, mas sim, a adoção de medidas efetivas e não apenas imediatistas e simbólicas, com vistas a produzir efeitos a longo prazo, para que haja a diminuição gradativa da violência. Isso só é alcançado quando a sociedade estiver conscientizada de que o expansionismo legal, por si só, não traz a segurança almejada e pode ter até efeitos negativos, diante do ineficaz efeito ressocializador da pena. Porém, se torna cada vez mais difícil conscientizar a sociedade de que as mudanças legislativas mais rigorosas não trarão a paz social, quando os veículos de comunicação informam de maneira sensacionalista as notícias, causando medo nas pessoas e apontando a severidade legal como primeira opção para solucionar a crescente violência apresentada. A aparente impunidade no caso de Maria da Penha não se deu por falta de legislação que tratasse da violência especificada contra o gênero feminino, mas se deu por morosidade do Judiciário em punir o agressor e, também, por desamparo do Estado, que tem o dever constitucional de prestar assistência social para a proteção da família. Portanto, verifica-se que a Lei Maria da Penha foi mais uma, de outras, criada com o fito de acalmar a população insatisfeita com a criminalidade e causar a falsa sensação de tranquilidade por haver uma lei mais rigorosa que proteja a mulher dos abusos físicos, morais e psicológicos no âmbito familiar. 3.3 LEI N° 12.737/2012 (LEI CAROLINA DIECKMANN) A Lei n° 12.737 foi promulgada em 30 de novembro de 2012, tipificando os crimes informáticos e, dentre outras providências, acrescentou ao Código Penal o art. 154-A, que tipifica a invasão de dispositivo e o art. 154-B, que trata do tipo de ação penal, a qual pode ser: pública condicionada à representação, se envolver interesse de particular; e, pública incondicionada, quando o crime é cometido contra a Administração Direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos. O projeto de lei original n° 2.793/2011(transformado em Projeto de Lei da Câmara n° 35, de 2012), foi proposto pelo deputado Paulo Teixeira e outros, a fim de tipificar condutas nocivas, praticadas através das novas tecnologias. Na justificação do projeto em comento, é explicado que o avanço tecnológico traz a necessidade de serem regulamentadas as novas formas de cometimento de delito, com o objetivo de proteger a sociedade de ações que violem a intimidade, a segurança, o patrimônio, entre outros bem jurídicos que podem ser afetados pela utilização indevida da Internet e outras tecnologias. A Lei em tela, entre outras providências, equiparou os cartões eletrônicos, de débito e crédito, a documentos particulares, ampliando a tipificação do crime de falsificação de documento particular. A alteração, suprindo omissão da legislação quanto aos cartões eletrônicos, evidenciou a busca do legislador pela adequação da lei aos avanços tecnológicos. Apesar da necessidade de tipificação legal das práticas nocivas, decorrentes da utilização indevida das tecnologias que surgiram nas últimas décadas, o Poder Legislativo não encarava com prioridade tais alterações, tanto, que tramitava na Câmara dos Deputados, há muito tempo, projeto de lei que objetivava a mudança da legislação, para regulamentar os crimes informáticos, o Projeto de Lei n° 84, de 1999, de autoria do deputado Luiz Piauhylino. Contudo, a alteração legislativa só aconteceu em 2012, em decorrência da influência dos meios de comunicação, os quais, mais uma vez, foram determinantes para que o Poder Legislativo tratasse com prioridade a regulamentação dos crimes informáticos. O fato que motivou a rápida atuação dos legisladores foi a ampla repercussão da notícia de que fotos íntimas da atriz brasileira, Carolina Dieckmann, teriam “vazado” na Internet, em maio de 2012. Após o ocorrido, a divulgação dos arquivos pessoais da atriz global foi o assunto mais falado pelos brasileiros na famosa rede social, Twitter, ficando até entre os assuntos mais comentados do mundo. Em entrevista ao programa “Fantástico”, exibido aos domingos, em horário nobre, pela Rede Globo de Televisão, Carolina Dieckmann falou sobre a divulgação das fotos, afirmando que foi ameaçada para que desse R$ 10.000,00, a fim de evitar que as imagens íntimas fossem espalhadas na Internet. Como não cedeu à chantagem, as imagens foram publicadas, e logo estavam em sites, por toda a rede. O referido programa televiso, de grande audiência no Brasil, mostrou a atriz chorando, e por várias vezes, o caso foi destaque na televisão e nas principais páginas de notícias da Internet. A exploração da notícia fez com que a sociedade ficasse inconformada com a legislação vigente, tornado um fato isolado a motivação para que o Poder Legislativo tipificasse condutas indevidas praticadas através das novas tecnologias. O projeto de lei, com o escopo de criminalizar os delitos na Internet, foi aprovado em caráter de urgência, tanto pela Câmara de Deputados quanto pelo Senado Federal. É evidente que a atualização da lei era necessária, para que não houvesse omissões frente às novas formas de cometimento de delito no “mundo virtual e tecnológico”. No entanto, a consciência dessa criminalização só se deu em razão do forte apelo midiático. No sítio eletrônico do Senado, é notória a relação do caso Carolina Dieckmann com a produção legislativa penal. Em notícia divulgada em 29/08/2012, destaca-se o seguinte trecho da redação: “O projeto, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), foi provado pela Câmara dos Deputados em maio, logo depois do vazamento de fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann.” Na ocasião, o senador Aloysio Nunes não concordou com a inclusão da matéria na pauta do dia, afirmando que o Senado, já estava atuando em uma comissão especial de senadores com a objetivo de reformar o Código Penal, no qual constaria um capítulo especial sobre os crimes informáticos, fruto do trabalho de comissão de juristas. Por ser uma lei recente, evidentemente, não cabe, ainda, analisar seus efeitos preventivos, como se fez, no decorrer desse trabalho, com as leis n° 8.072/90 e a n° 11.340/06. Diante dessa impossibilidade, cumpre analisar as críticas à lei em tela, que mostram suas incongruências, provavelmente, decorrentes da rapidez a que foi submetida no Poder Legislativo para aprovação. A lei Carolina Dieckmann vem sendo alvo de críticas de alguns juristas, os quais apontam erros na redação da mencionada lei. A urgência com a qual o tema foi abordado pelo legislativo, refletiu nas lacunas existentes, demonstrando que os legisladores pouco se importaram com a qualidade da lei, desde que esta fosse publicada o mais rápido possível para aproveitar a ampla divulgação na mídia, que, indiscutivelmente, traz efeitos positivos para a popularidade política. Sendo assim, é necessário destacar o tipo legal trazido pela lei Carolina Dieckmann, para que possa analisar as críticas feitas. Observe-se, então, o que dispõe o art. 154-A, do Código Penal: Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. § 1o Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput. § 2o Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico. § 3o Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. § 4o Na hipótese do § 3o, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos. § 5o Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra: I - Presidente da República, governadores e prefeitos; II - Presidente do Supremo Tribunal Federal; III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal. Da análise do artigo 154-A, verifica-se que a invasão a dispositivo informático só se configura crime se o invasor tiver os objetivos descritos no tipo e se o dispositivo informático estiver protegido por mecanismo de segurança. Primeiramente, a dificuldade foi definir o que o dispositivo informático abrangeria, pois, como não foi definido pelo legislador, abre oportunidade para várias interpretações. Cristina Sleiman entende que o dispositivo informático compreende “qualquer recurso tecnológico, seja ele um computador pessoal, seja a rede de uma empresa, seja um pendrive, smartphone, Ipad, entre outros, mas pode ser também ser algo imaterial com um banco de dados [...]”. A exigência de proteção por mecanismo de segurança, o que abrange a proteção por senha segundo entendimento da maioria dos juristas, também tem sido alvo de discussões. Sobre o tema, Rogério Greco comenta o seguinte: Não é incomum que pessoas evitem colocar senhas de acesso, por exemplo, em seus computadores, permitindo, assim, que qualquer pessoa que a eles tenha acesso, possa conhecer o seu conteúdo. No entanto, mesmo sem a existência de senha de acesso, a ninguém é dado invadir computador alheio, a não ser que ocorra a permissão expressa ou tácita de seu proprietário. No entanto, para fins de configuração típica, tendo em vista a exigência contida no tipo penal em análise, somente haverá a infração penal se houver, por parte do agente invasor, uma violação indevida do mecanismo de segurança. Analisando a citação supra, é possível verificar que o legislador possibilita que alguém, mesmo de forma ardilosa, instale vulnerabilidades para obter vantagens ilícitas, por exemplo, em um computador pessoal que não esteja protegido por mecanismo de segurança, saindo ileso da configuração típica do art. 154-A, diferentemente, de quem burla o sistema de segurança, sendo que o resultado foi o mesmo e a lesão ao bem jurídico tutelado ocorreu nas duas condutas. Contrário a esse entendimento, José Antônio Milagre tece os seguintes comentários: Por fim, repise-se que a invasão, para caracterizar conduta criminosa, deve ocorrer em ativo protegido por mecanismo de segurança. Resistimos à simplicidade daqueles que entendem que basta uma senha no dispositivo para que ele esteja “protegido”, logo preenchendo os requisitos da lei. Poderemos ter a hipótese de um sistema operacional, por exemplo, Windows, com senha, mas que tem uma vulnerabilidade antiga no navegador nativo (MS11_003 por exemplo). Nesses casos a perícia deverá constatar que a despeito da senha, a máquina estava “desprotegida”, com patches desatualizados e que o titular, por sua conta e risco assim mantinha o serviço na rede em um sistema defasado. Logo, é preciso esclarecer que nem todo o dispositivo “com senha” está com efetivo “mecanismo de segurança” e, consequentemente, nem toda invasão a dispositivo “com senha” poderá ser considerada conduta criminosa, como muitos pensam. Cada caso é um caso. Por outro lado, a lei também veio para proteger usuários comuns, pessoas físicas, logo, não se pode engessar a aplicabilidade porque tal usuário não empreendeu o “melhor” mecanismo de segurança existente para proteger seu ativo. Repise-se, cada caso deverá ter suas características e circunstâncias avaliadas pelo Judiciário, não existindo solução pronta. Diante dessa controvérsia, é notória a necessidade de um posicionamento do legislativo, a fim de que a lei não perca sua finalidade e esteja vulnerável a uma série de interpretações antagônicas em decorrência da omissão do legislador. Em relação às finalidades pelas quais se invade um dispositivo informático, trouxe algumas questões polêmicas. Sobre isso, discorre José Antônio Milagre: A questão da finalidade de “obter dados” é também polêmica. Para um grupo de juristas, a “espiada” não seria crime, só se falando em obtenção nos casos de cópia dos dados do dispositivo, ou quando o agente entra na “posse dos dados”. Para outra corrente, o simples acesso a dados (um select na tabela da vítima, por exemplo) já agride o bem jurídico protegido pelo Direito Penal, e demonstra a “intenção em obter dados” eis que já permite ao cracker, em certos casos, se beneficiar das informações, de modo que tal “contato” com os dados estaria inserido no contexto do “obter dados”, previsto no tipo penal. Cristina Sleiman também faz os seguintes esclarecimentos: Para as empresas de Segurança Digital que praticam em seu dia a dia, testes de intrusão, levantamento de vulnerabilidades, simulam incidentes, entre outros, também deverão ter seus contratos atualizados com esta nova realidade, para que não sofram consequências desastrosas no futuro. Assim, o trabalho informal deve ser abolido e substituído por contratos bem redigidos e bem estruturados. Caberá ao Judiciário, enquanto perdurarem essas lacunas, interpretar, em cada caso, a aplicabilidade do art. 154-A, do Código Penal, buscando diferenciar as condutas desviadas das condutas, verdadeiramente, típicas. A pena para a invasão do dispositivo informático (detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa) foi considerada ínfima por alguns juristas, que criticam até mesmo o procedimento utilizado. Senão, sobre o tema, é interessante o entender do Centro de Apoio Criminal do Ministério Público de São Paulo/SP: Além das imperfeições na redação dos tipos, as penas cominadas na nova lei são ínfimas se considerada a potencial gravidade das condutas incriminadas, bastando dizer que um ataque de denegação de serviço pode colocar em risco vidas de uma população inteira. Implicam, por outro lado, a competência do Juizado Especial Criminal, cujo procedimento sumaríssimo é incompatível com a complexidade da investigação e da produção da prova de crimes de alta tecnologia (perícia no dispositivo informático afetado, por exemplo). Tal entendimento demonstra a crença de que uma pena mais severa desestimularia os que praticam condutas inadequadas no manuseio das novas tecnologias e, consequentemente, tiraria do Juizado Especial Criminal a competência, facilitando as investigações e comprovação probatória dos crimes informáticos. Quanto à equiparação dos cartões magnéticos a documento particular para fins de punição no art. 298 (falsificação de documento particular), do Código Penal, resta fazer esclarecimentos. A falsificação do cartão magnético que cause dano patrimonial tem a configuração típica de furto qualificado por fraude (art. 155, § 4°, inciso II, do Código Penal) em obediência ao princípio da consunção. Ante o exposto, é inegável que a pressa dos legisladores em colocar em vigor a Lei n° 12.737/2012, fez com que esta viesse carregada de lacunas, dando margem a várias interpretações e questionamentos. É de cediço que toda lei é alvo de interpretações distintas, no entanto, a lei em comento, em um só artigo (artigo 154-A, do Código Penal) provoca uma exacerbada quantidade de críticas, com diferentes pontos de vista, dificultando aos operadores de Direito aplicá-la de forma correta.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A expansão do Direito Penal no Brasil, nos últimos anos, trouxe marcas características do Direito Penal do Inimigo, demonstrando a tentativa do Estado de conter a criminalidade e, simultaneamente, responder aos anseios da sociedade, a qual vive em constante insatisfação com o Sistema Penal e clama por mais rigor nas leis, com a crença de que punição mais severa diminuirá a criminalidade e trará maior segurança e paz no meio social. Nesse contexto atual de expansionismo na legislação pátria, a Mídia teve e tem significativa participação, ao passo que, na maioria das vezes, não tem cumprido o seu papel de controle social, de forma responsável e eficaz. Isso porque, é evidente que a exploração sensacionalista das notícias repassadas ao público, gera lucros para os detentores da informação, os quais, preocupados com a concorrência e a lucratividade, deixam para segundo plano a preocupação com a veracidade e a Ética no exercício da função de informar. Tudo isso traz resultados negativos para a sociedade. Diante da notória influência midiática, existe um público que absorve as informações e constrói a sua concepção da realidade criminal, baseando-se naquilo que ouve e vê, através dos meios de comunicação, os quais, de maneira imperceptível pela sociedade, fomentam sentimentos de dor, ódio, medo e vingança, o que, consequentemente, gera a comoção pública para que o legislativo elabore mais leis ou torne mais rigorosas as existentes. O Poder Legislativo, por sua vez, tem cedido a essas pressões da Mídia, seja por mera vulnerabilidade, causada pelo medo de ser rechaçado pelos meios de comunicação, ou, por mera conveniência de satisfazer o clamor público, para que possa ter mais popularidade e aceitação pelos eleitores. De qualquer forma, não é correta, nem responsável, a motivação dos legisladores para a elaboração de mais leis punitivas, sem atentar para sua real necessidade e efetividade no combate ao crime. A criação de uma lei deve ser estudada e analisada por critérios plausíveis e não por mera pressão da Mídia ou fruto da sua influência desta no clamor público. Através da análise feita na Lei n° 8.072/90, constatou-se que, tanto o surgimento desta lei quanto as suas posteriores alterações, surgiram após algum acontecimento criminoso amplamente divulgado pela Imprensa, envolvendo pessoas famosas, influentes na sociedade ou crianças, além de fatos isolados que se tornaram notícia bastante divulgada, alcançando repercussão nacional. Contudo, também restou demonstrado que a lei de crimes hediondos não trouxe efeitos significativos na diminuição da criminalidade. No que diz respeito ao homicídio, os índices continuam os mesmos. Na da análise da Lei n° 11.340/2006 (Maria da Penha), verificou-se que houve a influência da Mídia, tanto através da exploração de notícias quanto através da dramaturgia (telenovela) que muitas vezes, camuflada como entretenimento, estimula os telespectadores a adotarem ou deixarem de adotar determinados comportamentos. No que diz respeito aos efeitos preventivos da supracitada lei, na diminuição da violência doméstica e familiar, também não houve mudanças significativas. Dados estatísticos demonstraram o aumento de mortalidade de mulheres por agressão decorrente desse tipo de violência contra a mulher. Na análise da Lei n° 12.737/2012 (Lei Carolina Dieckmann), vislumbrou-se que um fato isolado, envolvendo a atriz Carolina Dieckmann, com divulgação exacerbada da notícia pelos meios de comunicação, tornou-se a principal motivação para que o Poder Legislativo se atentasse para a necessidade de elaborar uma lei que regulamentasse os crimes informáticos. Diante da impossibilidade de analisar os efeitos preventivos, de diminuição de crimes cometidos através da criação da Lei Carolina Dieckmann, por se tratar de lei recente, foram analisadas as incongruências e omissões derivadas da má redação, em razão da pressa dos legisladores em colocar a lei em vigor, aproveitando o alarde dos holofotes midiáticos. Isso gerou acerbas críticas à nova lei de crimes informáticos, pelos juristas, que se indignaram, diante de tantas lacunas existentes, o que resultou em várias interpretações distintas, dificultando analisar qual é abrangência da aplicabilidade da referida lei. Ante o exposto, é evidente que a criação de leis simbólicas, originadas do clamor público, influenciado pelos meios de comunicação se tornou um círculo vicioso e preocupante, que para ser quebrado, necessita de uma conscientização de todos os envolvidos (Mídia, Poder Legislativo, o Estado e a sociedade). A ausência de maior percepção crítica da sociedade em geral, decorre, principalmente, da falta de uma educação de qualidade, da ausência de promoção de políticas públicas eficientes voltadas a esse fim, que viabilizem a diminuição da desigualdade social e da crescente violência que cerca as classes marginalizadas. É imperioso ressaltar que, a Criminologia demonstra o quão importante é o fortalecimento dos métodos de prevenção primários e dos controles sociais informais no combate ao crime. Isso mostra que, se a sociedade tivesse consciência da importância do seu papel no combate à criminalidade, não se utilizaria tanto de apelos pela intervenção meramente, repressiva e punitiva do Estado, o qual não traz efeitos positivos a médio e longo prazo. Sobre a Mídia, é inegável admitir a sua importância no Estado Democrático de Direito, o qual assegura o acesso à informação, sem censura. No entanto, o compromisso ético de informar de forma imparcial tem sido deixado de lado e, cada vez mais, nota-se a influência dos meios de comunicação na criação deturpada do cenário criminal, que gera consequências negativas para a sociedade. Portanto, verifica-se que a expansão da legislação penal no Brasil se dá pela influência midiática na sociedade, o que resulta na exacerbada quantidade de leis simbólicas no ordenamento jurídico pátrio, entre elas, as Leis n° 8.072/1990, 11.340/2006 e 12.737/2012. REFERÊNCIAS BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Disponível em: . Acesso em setembro de 2013. BRASIL, Código Penal. Decreto-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: Acesso em outubro de 2013. BRASIL, Lei n° 8.072, 25 de julho de 1990. Disponível em: Acesso em outubro de 2013. BRASIL, Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: Acesso em outubro de 2013. 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