Liberdade provisória no crime de deserção é um direito que deve ser assegurado ao militar

17/04/2015 às 19:12
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Do mesmo modo, essa credibilidade que goza a classe militar diante de toda a sociedade, merece a seu favor todos os direitos e garantias individuais, em específico a presunção de inocência, pois antes de serem militares são cidadãos pertencentes ao Estado

O crime de Deserção previsto no artigo 187, do Código Penal Militar, é uma infração penal grave, pois afronta diretamente os pilares constitucionais da disciplina e hierarquia, ao paço que o militar-infrator, abandonou a missão castrense não se importando com seus subordinados, pares e superiores. Em muitos casos o desertor deu as costas a Nação, que conta com seus serviços que no solene compromisso a bandeira poderá ser com o sacrifício da própria vida! (Artigo 171, inciso V, do Decreto nº 88.513, de 13 de julho 1983)

No âmbito das Força Armadas e Auxiliares, não há qualquer dúvida das consequência jurídicas disciplinadas pelo legislador, àqueles que desertam, como a possibilidade de prisão em flagrante, pois trata-se de crime permanente, mesmo havendo apresentação voluntária ou captura, após formalização do termo de deserção.

A prisão é plenamente legal, nos termos do artigo 452 do Código de Processo Penal Militar, até que venha sentença definitiva que a depender do caso, poderá ser condenatória, e em raríssimos casos absolutória, como no caso de estado de necessidade entre outros (artigo 39 do CPM)

Contudo, em um Estado Democrático de Direito a efetivação dos direitos e garantias individuais se impõem, a toda e qualquer pessoa que esteja suportando um processo criminal, se não vejamos.

A vedação a liberdade provisória ou relaxamento de prisão aqueles que estejam sendo processados pelo crime de Deserção, preenchidos os requisitos legais é um direito, que decorre do Princípio constitucional da presunção de inocência.

A Bíblia política ao disciplinar no artigo 5º, inciso LVII “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, deve ser interpretada de forma logico-sistemática, ou seja, em conjunto com todo arcabouço constitucional e infraconstitucional principalmente no que tange aos tratados de direitos humanos (Decretos 592 ̸ 92 e de nº 678 ̸ 92) em que o Brasil é signatário, reafirmando que a prisão cautelar decorrente de crime Militar ou comum, antes do trânsito em julgado da decisão judicial é exceção, e não regra.

Logo a autorização Constitucional, prevista no artigo 5º, inciso LXI “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei,” no crime de Deserção somente se dá em casos excepcionais, com observância obrigatória dos requisitos da prisão preventiva, disciplinados nos artigos 254 e seguintes do Código de Processo Penal Militar.

Portanto ao debruçarmos especificamente na prisão cautelar decorrente do crime de Deserção, não se pode dar tratamento mais severo do que a Carta Magna resolveu aplicar, verificando que o próprio Código de Processo Penal Militar no artigo 257, guarneceu꞉

“Art. 257 O juiz deixará de decretar a prisão preventiva, quando, por qualquer circunstância evidente dos autos, ou pela profissão, condição de vida ou interesse do indiciado ou acusado, presumir que este não fuja, nem exerça influência em testemunha ou perito, nem impeça ou perturbe, de qualquer modo, a ação da justiça.”

Por conseguinte, é dizer, mesmo na justiça castrense, guardadas as devidas proporções, a decretação judicial da custódia cautelar deve atender, ao menos em tese, aos requisitos previstos para a prisão preventiva nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

Todavia, não se deixa de aquilatar as especifidades da vida na caserna, como a necessidade da pronta intervenção para manutenção da disciplina, uma vez que a perda do controle da tropa poderá assumir proporções desastrosas. Contudo, esses casos são excepcionais, e as Forças Armada e Auxiliares, têm na sua maioria esmagadora Militares disciplinados, possuidores de um elevado senso de responsabilidade e espirito de corpo.

Do mesmo modo, essa credibilidade que goza a classe militar diante de toda a sociedade, merece a seu favor todos os direitos e garantias individuais, em específico a presunção de inocência, pois antes de serem militares são cidadãos pertencentes ao Estado Brasileiro.

Neste sentido o Superior Tribunal Militar, instância máxima na apuração e julgamento de crimes militares, corte de elevado respeito e credibilidade em todo judiciário, deve rever seu posicionamento a fim de evitar dar interpretação mais severa dos dispositivos legais hora explanados, adaptando a nova realidade.

Nesta senda o Supremo Tribunal Federal, nas celebres palavras de seu decano ensinou a todos nós꞉

EMENTA ꞉ RECURSO ORDINÁRIO EM “HABEAS CORPUS” – PRETENDIDA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA-COMPROVADA NECESSIDADE DE SUA DECRETAÇÃO-DECISÃO FUNDAMENTADA-MOTIVAÇÃO INIDÔNEA QUE ENCONTRA APOIO EM FATOS CONCRETOS-LEGALIDADE DA DECISÃO QUE DECRETOU A PRISÃO CAUTELAR-INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL-RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO. PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL. – A prisão cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada ou mantida em situações de absoluta necessidade. – A decretabilidade ou manutenção da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes.

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DEMOSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO CAUTELAR DO RECORRENTE. – Revela-se legítima a prisão cautelar se a decisão que a decreta encontra suporte idôneo em elementos concretos e reais que – além de se ajustarem aos fundamentos abstratos definidos em sede legal – demonstram que a permanência em liberdade do suposto autor do delito comprometerá a garantia da ordem pública e frustrará a aplicação da lei penal. (RHC n 114714, Rel. Min. Celso de Melo, j. 14 de Novembro de 2013)

Assim sendo, concluo que as consequências jurídicas decorrente do crime de Deserção são as seguintes꞉

a) O artigo 452, do Código de Processo Penal, está em harmonia com a Carta da República, nos termos doa artigo 5º, inciso LXI, porque possibilita a prisão sem ordem judicial e independente de flagrante de delito nos casos de crimes propriamente militar;

b) O artigo 453, do Código de Processo Penal Militar, deve ser interpretado de forma restritiva, no sentido de que a prisão cautelar do desertor tem como prazo máximo 60 dias. Caso o processo não seja julgado nesse período, a liberdade se impõe, sob pena de constrangimento ilegal por excesso de prazo. No entanto isso não quer dizer que o juiz não possa conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão antes daquele prazo;

c) O artigo 270, alínea “b”, do Código de Processo Penal Militar, e a Súmula nº 10, do Superior Tribunal Militar, merecem uma revisão na sua interpretação por parte do Egrégio Tribunal Castrense, porque estão em inconstitucionalidade frontal com a Constituição Federal. Isto porque, na medida em que interpretam esses dispositivos conferindo legitimidade para que a prisão do desertor decorra de lei, sem a possibilidade de liberdade antes de 60 dias, independentemente da presença dos requisitos da prisão preventiva, em total confronto com os Princípios Constitucionais da Presunção de Inocência, Inafastabilidade da Jurisdição.

Por derradeiro não posso deixar de verificar que há afronta ao Princípio da Razoabilidade e Proporcionalidade, uma vez que, apesar da gravidade do crime de Deserção, a reprimenda estatal é de detenção de 06 meses a 02 anos de detenção, não justificando-se uma reprimenda antecipada antes da sentença definitiva.

Desse modo, entendo que a liberdade provisória ou o relaxamento da prisão do acusado do crime de Deserção é um direito, no qual patrocino a despeito de paixões sobre o tema, com toda a convicção de ciência e consciência, pois o Militar, antes de ser um profissional é um cidadão.

Sobre o autor
Anderson de Santa Rita

Atua representando interesses junto à Administração Pública e Institutos Próprios de Previdência. Especialista em Direito Público, Militar,Criminal, Imobiliário e Civil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Esse artigo explana de forma bem simples, o direito que possui o militar de ver-se processado na justiça militar com a presunção de inocência, de forma ampla e assistindo-se, assim, o direito de ter a liberdade provisória quando processado pelo crime de deserção.

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