A democracia grega e a modernidade

20/04/2015 às 13:51

Resumo:


  • A democracia passou por diversos processos de adaptação ao longo da história, desde sua origem nas cidades-estado da Grécia e Roma até sua conformação atual.

  • Robert Dahl explora em seu livro "A democracia de seus críticos" a importância da democracia, relacionando-a com a realidade social e destacando a Poliarquia como um modelo democrático.

  • A democracia grega se caracterizava por uma participação direta dos cidadãos na política, buscando a harmonia, homogeneidade e participação ativa na administração da cidade-Estado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A democracia passou por vários processos de adaptação dentro das sociedades, vivendo em diversos contextos históricos, até chegar à conformação que tem nos dias de hoje. Mas, para melhor compreendermos, iremos expor desde onde a democracia nasceu e em que

A democracia passou por vários processos de adaptação dentro das sociedades, vivendo em diversos contextos históricos, até chegar à conformação que tem nos dias de hoje. Mas, para melhor compreendermos, iremos expor desde onde a democracia nasceu e em que perspectiva ela era baseada e o que dela ainda sobreviveu (na sua conformação originária) e que ainda nos influencia como cidadãos.

Robert Dahl, em seu livro, ‘A democracia de seus críticos’, faz uma explanação fundamental sobre o que é democracia e o porquê de sua importância, procurando examinar e pôr à prova, diante das questões suscitadas pelos próprios críticos da democracia, os pressupostos mais básicos da teoria democrática. Assim, o autor faz uma interpretação da teoria e prática democráticas, inclusive dos limites e possibilidades da democracia, pois relaciona a democracia com a realidade social, estabelecendo a democracia enquanto processo democrático, que pode ser avaliado de acordo com os critérios de inclusão e competição.[2]

Segundo o autor supramencionado, o processo político está ligado a uma liberdade pessoal, pelo fato de a democracia ser o sistema que mais se aproximou do melhor sistema político viável para o povo, do que comparado com os demais regimes, a saber, pelo fato de se pautar: no direito a voto, na liberdade de expressão, na organização política da sociedade civil, no poder se opor ao governo vigente, tornando-se um instrumento de alcance para a liberdade. Dentro dessa perspectiva, o conceito de democracia, a democracia real que é a Poliarquia, definida por Dahl como um governo que assegurava os direitos, liberdades e oportunidades para uma efetiva participação e influência sobre as decisões políticas.[3]

Para melhor explicação sobre onde nasceu à democracia, o capítulo 1 do livro citado anteriormente, fala sobre “A primeira transformação: a cidade-Estado democrática”, nesse capítulo Dahl inicia sua discussão sobre o surgimento do Estado analisando a sua forma primordial, surgida há 2.500 em Roma e Grécia, dentro de uma perspectiva histórica de que a democracia aparece em diversos contextos que nem sempre se correlacionam, sendo que  na democracia grega foi possível detectar ocorrências de avanços mais significativos para a história da democracia. Mostrando que no século V a.C ocorreu uma transformação nas ideias e instituições políticas entre os gregos e romanos que foram tão significativas a ponto de influenciar as democracias modernas.[4]

  Desta forma apresenta-se o modelo grego, no qual a democracia era formada por diversas cidades-Estado, que até então não eram democráticas, começaram a se organizar em sistemas, o que possibilitou a entrada de um número substancial de pessoas livres para que pudessem participar diretamente do governo. Consequência dessa transformação, surgiu uma nova visão de sistema político, em que havia a possibilidade do povo se governa e também o de ter todos os recursos e instituições necessários para fazê-lo. Dahl ao referir-se a “uma perspectiva grega” de democracia, afirma que, antes mesmo de o termo democracia se tornar o que se tornou, sempre houve na Grécia tendências de igualdade em seu sistema político, como por exemplo, a isonomia que era igualdade perante a lei e igualdade de falar na Assembleia, ganhando assim o povo espaço no sistema político.[5]  

   Nesse sentido, o conceito de demokratia, que surge em Atenas, significa demo, o povo, e kratos, governar, onde os cidadãos atenienses eram cada vez mais aceitos, como única autoridade legítima no governo, ou seja, o governo do povo ganhava terreno para se auto governar e a palavra democracia a mais apropriada para o novo sistema.[6]

Sobre a natureza da polís na Grécia, a polís (cidade) como espaço para a existência humana, a participação na política, que só é possível quando o cidadão supera suas necessidades básicas de sobrevivência (equivalente ao estado de natureza hobbesiano), como Hegel já dizia: o homem se torna livre quando sai do reino das necessidades, porém eram subjugados outros, os excluídos da vida da polís – mulheres, crianças e escravos – que permaneciam na vida privada/familiar/oikos. Uma boa polís é aquela que produz bons cidadãos promovendo sua felicidade e os encoraja agir de forma correta, assim esses fins são harmoniosos, pois de acordo com Dahl o homem virtuoso será feliz e ninguém pode ser verdadeiramente feliz a não ser que seja virtuoso. E assim também ocorre com a justiça, uma vez que a justiça é o que tende a promover o interesse comum, pois uma cidade justa deve ter por objetivo desenvolver cidadãos que busquem o bem comum, ou seja, um cidadão bom é aquele que, nos assuntos públicos, sempre busca o bem da polís.[7]  

Assim, a vida da polís é um aprendizado, onde a harmonia entre os cidadãos, a política como construção coletiva, a homogeneidade da população (bem comum), uma escala reduzida, a participação direta e a autonomia da cidade são características para garantir uma boa cidade e isso é garantindo com cidadãos virtuosos, justos e felizes.[8]

Nesse sentido, a natureza da democracia grega é ter uma boa polís, numa cidade onde todos os cidadãos podiam se reunir em assembleia e agir como governantes da cidade, o que levaria a todos se conhecerem, pois, para haver a efetividade da homogeneidade o demos não poderia ser composto de muitos cidadãos pelo fato de não se encaixar na democracia grega que prezava pela participação direta. Porém numa polís democrática nem sempre o que é o bem para um não vai ser o bem do outro, pois no Estado moderno a realidade é bem diferente da que foi relatada por Dahl pelo ateniense hipotético que trazia uma visão grandiosa sobre a democracia.[9]

A democracia ateniense tinha perspectiva de ordem social ideal, pois na visão grega da democracia, o cidadão é uma pessoa íntegra, para quem a política é uma atividade social, natural, não separada nitidamente do resta da vida, e para quem o governo e a polís não são entidades distantes de si, mas sim o contrário, a participação na vida política para o cidadão grego era uma extensão de sua própria vida, onde os valores não eram fragmentados, mas coesos. No entanto a realidade da vida política grega não deve ser confundida com o ideal almejado, mas não se pode julgar a importância dessa visão para o mundo moderno.[10]

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Diante disso na visão grega em termos de consolidação de sua democracia, uma ordem democrática teria de satisfazer pelo menos seis condições: 1. Os cidadãos devem ser harmoniosos em seus interesses para com os demais; 2. Os gregos devem ser homogêneos no que tange as suas características: recursos econômicos, na qualidade de tempo livre de que dispõe, na religião, na educação, ou se forem de raças ou culturas diferentes; 3. O corpo de cidadãos deve ser bem pequeno, para evitar heterogeneidade, desarmonia, para permanecer a religião vigente e a etnia; 4. Os cidadãos devem ser capazes de reunir e decidir, de forma direta sobre as leis e os cursos de ação políticas; 5. A participação dos cidadãos não se limitava ás reuniões da Assembleia, que incluía uma participação ativa na administração da cidade; e por último, 6. A cidade-Estado deve, ao menos idealmente, permanecer completamente autônoma. Entretanto essas condições estavam fora da realidade de todas as democracias modernas que não possuíam harmonia, havia conflitos políticos; o governo representativo; profissionalização da política; subordinação dos elementos a um sistema maior, no nosso caso o Estado, ou seja, a realidade traz limites e possibilidades bem diferentes do tipo ideal, no sentido weberiano, da visão grega de democracia.[11]

Na perspectiva democrática moderna, a visão grega implicava limites práticos, pelos abismos entre o ideal e a realidade da vida política, numa realidade que nem ao menos sabemos como chegar diante de indícios fragmentados. Os limites se concentravam na teoria que não se encaixa com a prática do bem comum que a democracia pretendia; a igualdade jurídica dos cidadãos, pois na realidade a virtude cívica era fragilizada; o equilíbrio de interesses como o bem público, que havia exigências de laços de parentescos e afeto que sucumbiam ao bem comum; a cidadania que era mais exclusiva que inclusiva, uma cidadania que era um privilégio hereditário; a liberdade que era atributo da participação na vida política.

Nesse sentido, podemos perceber que a democracia está atrelada ao conceito de liberdade, segundo Benjamin Constant em seu livro “Da liberdade dos antigos compara à dos modernos”, já nos mostrava que existem duas formas de liberdade: uma liberdade antiga que almejava a participação direta na política; e outra, a liberdade dos modernos cujo sentido é útil individualmente. Assim a dualidade entre essas duas liberdades é atribuída a determinado momento histórico. Quando o autor se refere à liberdade dos modernos, ele leva em consideração o conceito de liberdade das grandes nações do capitalismo da época — a França, os Estados Unidos da América e a Inglaterra — e quando se refere à liberdade dos antigos ele cita Esparta, Atenas, Roma, dentre outros.[12]

Analisando essas diferenças, quando se fala em democracia grega, estamos falando de uma democracia específica, pois era uma democracia com participação direta, voltada para o cidadão grego que carregava uma soberania nacional que tinha uma influência real, diferentemente da dos modernos que consiste em uma suposição abstrata. A democracia grega era de fato uma democracia, pois os gregos não reconheciam a existência de pretensões universais à liberdade, como conhecemos hoje, à igualdade ou aos direitos, fossem eles direitos políticos ou, de maneira mais ampla, direitos humanos.  

REFERÊNCIAS

DAHL, Robert A. A democracia e seus críticos. Tradução Patrícia de Freitas Ribeiro; revisão da tradução Anibal Mari. São Paulo: editora WMF Martins Fontes, 2012.

DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Tradução Celso Mauro Paciornik. São Paulo: editora EDUSP, 1997.

HEGEL, G.W.F. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

CONSTANT, Benjamin. Da Liberdade dos Antigos comparada à dos Modernos. Editora: LPM. 2008.


[1] Graduada em Bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí e mestranda em Ciência Política pela mesma.

[2] Cf. DAHL, Robert. A Democracia e seus Críticos. passim.

[3] Cf. DAHL, Robert. Poliarquia: participação e oposição. passim.

[4] Cf. DAHL, Robert. A Democracia e seus Críticos. passim.

[5] Idem. Ibidem.

[6] Idem. Ibidem.

[7] Idem. Ibidem.

[8] Idem. Ibidem.

[9] Idem. Ibidem.

[10] Idem. Ibidem.

[11] Idem. Ibidem.

[12] Cf. CONSTANT, Benjamin. Da Liberdade dos Antigos comparada à dos Modernos. passim.

Sobre a autora
Ranielle Pessoa de Jesus

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí, com estudos na área de Relações Internacionais e Ciência Política. Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí. Doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí. Atualmente como professora substituta da Universidade Estadual do Piauí (UESPI)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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