O trabalho em condição análoga à de escravo como um dos efeitos da terceirização

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O artigo objetiva realizar uma breve análise de um dos mais ultrajantes efeitos da terceirização: propiciar o trabalho em condição análoga à de escravo (a ofensa máxima da dignidade do trabalhador).

No conceito de Mauricio Godinho Delgado, no Direito do Trabalho, a terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente” [1]. A terceirização torna trilateral a relação trabalhista, vindo a ser um acontecimento profundamente conectado à flexibilização do trabalho. Primeiro terceiriza-se depois flexibiliza-se[2] e, por fim, precariza-se.

Cabe ressaltar que há, de acordo com Viana[3], duas formas de terceirização: a interna e a externa. A primeira se dá quando o empregador recorre aos prestadores de serviços para executarem tarefas dentro da empresa. Já a externa ocorre quando se contrata outra empresa para realizar funções fora da tomadora de serviços.

É fácil verificar que a precarização é da própria lógica da terceirização. Explica Márcio Túlio Viana que as empresas prestadoras de serviço, como não têm condições de automatizar sua produção, acabam sendo forçadas a precarizar as relações de trabalho, para que, com a diminuição do custo da mão de obra, ofereçam seus serviços a um preço mais acessível, ganhando, assim, a concorrência perante outras empresas prestadoras de serviços.[4]Naturalmente, não se trata de justificativa- mas de constatação de um fato econômico

Afirma ainda Viana que:

“A par de acentuar a especialização – que pode, eventualmente, até melhorar a qualidade do produto – essa terceirização externa permite à grande empresa não apenas reduzir os custos, in genere, nem somente se especializar no foco de suas atividades, mas, sobretudo, explorar em níveis desumanos a força-trabalho, valendo-se de suas parceiras”.[5]

 Jorge Luiz Souto Maior assevera que “a terceirização cria o fetiche de que a exploração do trabalho alheio não se insere no contexto de atividade do ‘tomador de serviço’”[6]. O fenômeno da terceirização oficializa, legitima a precarização das relações de trabalho, torna natural a transformação da força do trabalho em mercadoria.

A terceirização cria uma lógica de maior produção eficaz e lucrativa, tornando a exploração em cadeia uma conseqüência natural. Quanto mais se delega, mais tênue se torna a responsabilidade social da empresa e mais ‘legítima’ a desumanização no ambiente de trabalho da base:

É como se o capitalismo para se desenvolver, não mais precisasse da exploração do trabalho humano. A exploração se desloca do capital para o nível dos descapitalizados, que se exploram mutuamente, principalmente quando as empresas de prestação de serviços não são nada mais do que a transformação aparente do “capataz” em “empresário”[7].

Um caso[8] interessante é o de um grupo sucroalcooleiro (Cosan) do Brasil que foi incluído na ‘lista suja’ pelo MTE pela utilização de trabalho em condições análogas às de escravo em sua rede de produção. A defesa da Cosan pautou-se pelo típico argumento que advém da perversidade da terceirização, alegando que quem era a responsável por aqueles trabalhadores era a “empresa” José Luiz Bispo Colheita – ME (sendo que o Sr. José era meramente um agenciador de mão de obra com condição econômica precária), que prestava serviços na usina.

Analisando-se o caso, percebe-se que a empresa utilizou-se do fenômeno da terceirização para se livrar da responsabilidade de ter propiciado condições degradantes a 42 trabalhadores. Assim, todo o sistema concluiu que o mal fora promovido unicamente pela empresa terceirizada. E, ampliando-se o raciocínio, é até provável que se venha a dizer que os verdadeiros culpados pela situação tenham sido os próprios trabalhadores. Afinal, houve um contrato verbal entre eles e o empregador.

Esse caso demonstra que a terceirização impõe uma lógica de violação aos direitos sociais, valendo-se da sutileza de se apresentar, meramente, como técnica moderna e inevitável de produção[9].

À medida que se avança aos fios mais tênues da rede, as empresas vão se tornando menos visíveis. O que a macro-empresa não pode fazer, as micro-empresas fazem, tendo em vista sempre o maior lucro e o menor gasto possível com a manutenção de trabalhadores[10].

Um dos mais graves efeitos da terceirização é justamente a ocorrência de trabalho análogo ao de escravo na base da cadeia de produção. Toda a produção torna-se maculada com o sofrimento de trabalhadores coisificados, sujeitos a condições de indignidade máxima.


[1] DELGADO, Maurício Godinho.  Curso de Direito do Trabalho.  São Paulo: LTr, 2009, p.428.

[2] De certa forma, terceirizar já é flexibilizar.

[3] Explicação de Márcio Túlio Viana em aula da Faculdade de Direito do UFMG em setembro de 2009.

[4] VIANA, Márcio Túlio; RENAULT, Otávio Linhares; DIAS, Fernanda Melazo. O novo contrato de trabalho. Apud: MAIOR, Jorge Luiz Souto. A Terceirização e a lógica do mal.

[5] VIANA, Márcio Túlio; FONSECA, Mariana Martins de Castilho. A “LISTA SUJA” E O TRABALHO ESCRAVO. AS PORTARIAS MTE n° 540/2004 E MIN n° 1.150/2003. São Paulo, 2010.

[6] MAIOR, Jorge Luiz Souto. A Terceirização e a lógica do mal.In: SENA, Adriana Goulart de; DELGADO, Gabriela  Neves; NUNES, Raquel Portugal. Dignidade humana e inclusão social. Ltr, São Paulo, 2010, p.48.

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[7] MAIOR, Jorge Luiz Souto. A Terceirização e a lógica do mal.In: SENA, Adriana Goulart de; DELGADO, Gabriela  Neves; NUNES, Raquel Portugal. Dignidade humana e inclusão social. Ltr, São Paulo, 2010, p. 48.

[8]MAIOR, Jorge Luiz Souto. A Terceirização e a lógica do mal.In: SENA, Adriana Goulart de; DELGADO, Gabriela  Neves; NUNES, Raquel Portugal. Dignidade humana e inclusão social. Ltr, São Paulo, 2010, p. 50.

[9] MAIOR, Jorge Luiz Souto. A Terceirização e a lógica do mal.In: SENA, Adriana Goulart de; DELGADO, Gabriela  Neves; NUNES, Raquel Portugal. Dignidade humana e inclusão social. Ltr, São Paulo, 2010.

[10] VIANA, Márcio Túlio; FONSECA, Mariana Martins de Castilho. A “LISTA SUJA” E O TRABALHO ESCRAVO. AS PORTARIAS MTE n° 540/2004 E MIN n° 1.150/2003.  

Sobre a autora
Adriana Letícia Saraiva Lamounier Rodrigues

Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Minas Gerais em cotutela com a Universidade Tor Vergata (2017). Advogada. Especialista em Direito do Trabalho pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata(2012). Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2011).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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