PEC37: as mudanças na fase inquisitorial segundo o projeto de emenda

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O presente estudo faz uma breve reflexão e análise sobre o inquérito policial no Brasil e as mudanças que a Proposta de Emenda Constitucional n° 37 traria para o cenário inquisitorial brasileiro. Foi buscado também trazer o conceito do inquérito policial.

Breve Noção Introdutória

 Com o panorama da polícia brasileira atualmente, é possível dividi-la em polícia administrativa e judiciária.  Em relação a esta distinção, a primeira é também chamada de polícia preventiva, pois sua função consiste em um conjunto de intervenções da administração, conducentes a impor à livre ação dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade, a fim de evitar que atos lesivos aos bens individuais e coletivos se concretizem (MORAES, 2006).  

A polícia administrativa é regida pelo Direito Administrativo, revelando, assim, o porquê de seu caráter preventivo.  O que diferencia as duas categorias de polícia é que a administrativa se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades antissociais, enquanto a segunda se preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica (MELO, 2004). Essa categoria é representada pela Polícia Militar.

A Polícia Judiciária, no entanto, tem sua atuação regida, principalmente  pelo Código de Processo Penal. Em sua atuação, predomina o caráter repressivo, pois sua principal função é punir os infratores das leis penais. De acordo com seu próprio nome, a Polícia Judiciária atua em auxílio à Justiça, apurando as infrações criminais e as respectivas autorias. Para melhor elucidar, seu desempenho consiste em uma atividade policial ostensiva, mas acima de tudo investigatória, cuja função se volta a colher provas para o órgão acusatório e, na essência, para que o Judiciário avalie no futuro (NUCCI, 2005). Essa categoria é representada pela Polícia Federal e Polícia Civil.

O Inquérito Policial

No Brasil, o inquérito policial é regido pelo Código de Processo Penal.  Por definição, o inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime. Também serve à composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de base à vítima, em determinados casos, para a propositura da ação penal privada (NUCCI, 2008).

 O inquérito policial caracteriza-se por ser um processo inquisitivo, pois as funções estão concentradas em uma única pessoa, no caso, o delegado de polícia. É também um processo discricionário, já que existe uma margem de atuação do delegado, o qual atuará de acordo com sua conveniência e oportunidade. Qualifica-se ainda, como um processo sigiloso, regido pelo princípio do sigilo natural, cuja razão de ser se define na eficiência das investigações e no resguardo da imagem do investigado (CAPEZ, 2007). 

Ainda no âmbito de suas características, o inquérito policial é um processo escrito, pois os elementos informativos produzidos oralmente devem ser reduzidos a termo. Por fim, é indisponível, já que a autoridade policial não pode arquivar o inquérito policial, apenas cabe ao delegado sugerir o arquivamento, enquanto que essa medida efetiva cabe ao Ministério Público, e dispensável, segundo art. 12 do CPP (CAPEZ, 2007).

 Apesar do que foi dito anteriormente sobre as características principais do inquérito policial, este se encontra muito debatido e problematizado no cenário atual, visto que o que se esperava do processo, na verdade, está abrindo espaço para a justificação de muitos abusos, violências e violação de direitos.

 Muito se fala de que o inquérito policial é moroso, incompleto, fonte de corrupção e causa descrédito à justiça criminal, por ser instrumento que vulnera direitos constitucionais. Fala-se ainda da ausência de controle do inquérito policial, onde muitas vezes há a obtenção de provas e depoimentos por meios não legais, alguns chegando a ser torturantes. Além disso, o cenário brasileiro ainda apresenta muitos casos em que o próprio investigado não possui acesso a um advogado e não é avisado dos seus direitos, direitos estes previstos na Constituição Federal e que muitas vezes é passado de forma omissa durante a fase de investigação e inquérito (MAIA, 2006).

Falta fiscalização, falta controle, falta preparação e capacitação dos próprios policiais e funcionários. Os juízes apontam para a demora e a pouca confiabilidade do material produzido pela polícia, não servindo como elemento de prova na fase processual. Os promotores reclamam da falta de coordenação entre a investigação e as necessidades de quem, em juízo, vai acusar. O inquérito demora excessivamente e nos casos mais complexos, é incompleto, necessitando novas diligências, com evidente prejuízo à celeridade e à eficácia da persecução. Por outro lado, os advogados insurgem-se, com muita propriedade, da forma inquisitiva como a polícia comanda as investigações, negando um mínimo de contraditório e direito de defesa, ainda que assegurados no art.5º, LV da Constituição, mas desconhecidos em muitas delegacias brasileiras. No meio policial, ainda domina o equivocado entendimento de que a Constituição é que deve ser interpretada restritivamente, para adaptar-se ao modelo previsto no CPP (de 1941), e não ao contrário, com o CPP adaptando-se a nova ordem constitucional.

Proposta de Emenda n° 37

A Proposta de Emenda n° 37, apresentada pelo deputado Lourival Mendes, visava incluir o seguinte parágrafo na redação do art. 144 da Constituição Federal de 1988: “A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente”.

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A justificativa apresentada pelo autor da PEC ressaltava que não há prejuízo para a investigação criminal em comissões parlamentares de inquérito (CPIs), o que é garantido por um outro dispositivo presente na Carta Magna. O Deputado, ao elaborar este projeto, evocou o livro do desembargador aposentado Alberto José Tavares da Silva, para quem "a investigação de crimes não está incluída no círculo das competências legais do Ministério Público", levando diversos processos a serem questionados nos tribunais superiores.

Nesse sentido, caso a referida PEC fosse aprovada, caberia exclusivamente à polícia judiciária a investigação policial, assim como o inquérito policial. A mudança visível com a alteração deste dispositivo seria a proibição de investigações realizadas pelo Ministério Público, o qual realiza a maior parte das mesmas atualmente.

O Ministério Público é instituição permanente, caracterizada como essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. É regido pelo arts. 127 ao 130, da Constituição Federal de 1988. Como principal tarefa do Ministério Público, cabe-lhe, exclusivamente, a promoção de ações penais públicas e inquéritos civis.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, apenas 11% das ocorrências sobre crimes comuns são convertidos em investigações policiais e, no caso dos homicídios, somente 8% são apurados. Assim, torna-se claro que, com a aprovação da PEC n°37 aprovada, seria visível a queda de apurações criminais no Brasil.

Referências

ALMEIDA DUARTE, Leonardo. “Uma breve análise sobre o inquérito policial brasileiro”. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12936>. Acesso em 07 jun 2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.html>. Acesso em 07 jun 2014.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 14 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

LOPES JÚNIOR, Aury. A (de)mora jurisdicional no processo penal: o direito a um processo sem dilações indevidas. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre , v.4, n.15 , p. 65-86, jan. 2004.

MAIA, Luciano Mariz. Do Controle judicial da tortura institucional no Brasil hoje à luz do direito internacional dos direitos humanos. 1 ed. Recife, 2008.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 17ª Ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 143

SILVA, Alberto José Tavares da. Investigação Criminal: Competência. 1ª ed. São Luís, 2007.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

Sobre as autoras
Thaiane Vieira Fernandes de Abreu

Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília.

Carolina Pinho de Castro

Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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