A percepção geral e dominante é que o Direito constitui algo tão antigo quanto a sociedade humana.
O brocardo latino “ubi societas, ibi jus” traduz uma verdade quase universal, ou seja, onde existe sociedade, existe Direito.
O insuperável jurista Miguel Reale enunciou o Direito da seguinte forma, verbatim:
“Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações e convivência, segundo uma integração normativa de fatos segundo valores”
(LIÇÕES PRELIMINARES DE DIREITO. 27ª edição, 11ª tiragem – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 67).
O Direito, como ciência, estuda as normas de conduta. O mestre Miguel Reale desenvolveu a teoria tridimensional do Direito, segundo o qual o Direito pode ser observado a partir de três aspectos básicos: a) um aspecto normativo (o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência); b) um aspecto fático (o Direito como fato, ou em sua efetividade social e histórica) e c) um aspecto axiológico (o Direito como valor de Justiça) (obra citada, pp. 64-65).
Acerca do Direito de Família, o civilista Sílvio de Salvo Venosa (DIREITO CIVIL: DIREITO DE FAMÍLIA – 3ª edição – São Paulo: Atlas, 2003. Coleção direito civil; v. 6. p. 23) afirma que Clóvis Beviláqua definiu de forma perene, verbo ad verbum:
“Direito de família é o complexo das normas, que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos, que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, as relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os institutos complementares da tutela e curatela”.
Os festejados professores Washington de Barros Monteiro e Regina Beatriz Tavares da Silva (CURSO DE DIREITO CIVIL, 2: DIREITO DE FAMÍLIA. 42ª edição. – São Paulo: Saraiva, 2012. pp. 16-17) acrescentam uma observação muito pertinente, ipsis litteris:
“Nessa definição, apropriada à época de sua formulação, não era referidas as outras espécies de família: a união estável e a comunidade formada pelo pai ou mãe e seus descendentes, que atualmente são reconhecidas pelas Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 226, §§ 3º e 4 º”.
Não é preciso maior esforço intelectual para perceber todo esforço de conceituar o Direito de Família está subordinado à compreensão do alcance e do sentido da palavra família.
A família monogâmica é o modelo adotado pela nossa civilização ocidental. Querer destruir a monogamia e pretender elevar ao status de união estável ou casamento as uniões poligâmicas é querer destruir o alicerce da sociedade brasileira, a família. A família é a base do Estado, merecendo proteção estatal e da sociedade civil.
O excelso Supremo Tribunal Federal já decidiu, ipsis verbis:
“COMPANHEIRA E CONCUBINA - DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. UNIÃO ESTÁVEL - PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. PENSÃO - SERVIDOR PÚBLICO - MULHER - CONCUBINA - DIREITO. A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina”
(STF – RE 590779, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 10/02/2009, DJe-059 DIVULG 26-03-2009 PUBLIC 27-03-2009 EMENT VOL-02354-05 PP-01058 RTJ VOL-00210-02 PP-00934 RB v. 21, n. 546, 2009, p. 21-23 LEXSTF v. 31, n. 363, 2009, p. 292-301 RJTJRS v. 46, n. 279, 2011, p. 33-38 RMP n. 42, 2011, p. 213-219)
O que o chamado “poliamor” quer implantar, sugerindo o reconhecimento de uniões poligâmicas como união estável ou até casamento grupal, na verdade não tem nada de moderno, inovador ou contemporâneo.
O “poliamor” consiste pura e simplesmente no absurdo sob a roupagem do tratamento científico. O neologismo “poliamor” representa flagrante retrocesso, nada mais.
O chamado “poliamor”, ao defender e pregar o ativismo poligâmico não representa nenhum avanço ou progresso para nossa sociedade e muito menos para a família brasileira.
A poligamia defendida pelo “poliamor” é na verdade uma prática superada do período pré-histórico anterior à nossa atual civilização, nos longínquos tempos tribais, da idade da pedra. É claro que falo da nossa civilização ocidental, pois somos brasileiros e portanto pertencemos à civilização atlântica.
A esmagadora maioria dos brasileiros, independentemente do credo (católico, batista, protestante, franciscano, jesuíta, etc.) é de pessoas cristãs, pois somos provenientes de um país cristão, Portugal, e toda a Europa, assim como as Américas (do Norte, Central e do Sul), são integrantes da civilização ocidental atlântica cristã.
No mundo ocidental o ateísmo é uma minoria.
Atualmente, a poligamia ainda existe apenas em tribos africanas afastadas do contato direto com a civilização e em algumas ilhas do pacífico.
Também são minorias as seitas poligâmicas de inspiração nos Califas do Islamismo poligâmico. Parafraseando o jornalista José Nêumanne Pinto, se com um pai e uma mãe a convivência em família já tem seus desafios, imaginem como seria ter, por exemplo, três pais e quatro mães. E não se pode esquecer das conseqüências desastrosas que a institucionalização da poligamia iria trazer para o nosso direito sucessório, se é que ainda iria sobrar algo para se chamar de Direito Sucessório após o reconhecimento oficial da poligamia sob o sugestivo apelido de “poliamor”.
Ninguém nega a existência do chamado “afeto”, estudado em profundidade desde Freud e depois por Carl Jung. Mas hoje o afeto é assunto de outra área do conhecimento, a Psicologia. Não é possível misturar grandezas imiscíveis.
Assim sendo, o afeto é apenas o elemento básico da afetividade, entendida esta como o “conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza” (NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO ELETRÔNICO – 4ª edição, conforme a nova ortografia – verbete “afetividade”).
Só para não deixar o assunto cair no esquecimento, é indispensável reforçar que o modo de vida da nossa civilização contemporânea e ocidental é a família monogâmica e não a poligamia dos tempos tribais pré-históricos. Poligamia, ao contrário do que defendem os teóricos do chamado “poliamor” não é progresso, mas sim retrocesso manifesto. É pretender regredir aos tempos tribais da Idade da Pedra.
A missão do operador do Direito de Família é defender a sua proteção e não sua destruição através da institucionalização da poligamia.
Desconhecer que pertencemos a uma civilização cristã é desconhecer a nossa própria origem.
Como operadores do Direito, não devemos nos deixar seduzir pelos sofismas e pseudo-teorias como o “poliamor”.
É preciso estarmos alertas para evitarmos a incursão de aventureiros com suas pseudo-teorias na seara do Direito de Família.
Bastante exato e acertado é o artigo “Poliamor é negado pelo Supremo e pelo STJ”, de autoria da prestigiada civilista Regina Beatriz Tavares da Silva, disponível no Portal do “Site” de internet “Consultor Jurídico”, cujo endereço eletrônico é https://www.conjur.com.br/2012-abr-26/regina-beatrizpoliamor-negado-supremo-stj e foi acessado em 27 de abril de 2015. Remetemos o leitor ao referido artigo citado.
É digno de menção o lapidar julgado do colendo Superior Tribunal de Justiça abaixo transcrito, que ressalta a importância da monogamia, textualmente:
“DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. RELAÇÃO CONCOMITANTE. DEVER DE FIDELIDADE. INTENÇÃO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. AUSÊNCIA. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 1º e 2º da Lei 9.278/96.
1. Ação de reconhecimento de união estável, ajuizada em 20.03.2009.
Recurso especial concluso ao Gabinete em 25.04.2012.
2. Discussão relativa ao reconhecimento de união estável quando não observado o dever de fidelidade pelo de cujus, que mantinha outro relacionamento estável com terceira.
3. Embora não seja expressamente referida na legislação pertinente, como requisito para configuração da união estável, a fidelidade está ínsita ao próprio dever de respeito e lealdade entre os companheiros.
4. A análise dos requisitos para configuração da união estável deve centrar-se na conjunção de fatores presente em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a continuidade da união, e também a fidelidade.
5. Uma sociedade que apresenta como elemento estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade - que integra o conceito de lealdade e respeito mútuo - para o fim de inserir no âmbito do Direito de Família relações afetivas paralelas e, por consequência, desleais, sem descurar que o núcleo familiar contemporâneo tem como escopo a busca da realização de seus integrantes, vale dizer, a busca da felicidade.
6. Ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade.
7. Na hipótese, a recorrente não logrou êxito em demonstrar, nos termos da legislação vigente, a existência da união estável com o recorrido, podendo, no entanto, pleitear, em processo próprio, o reconhecimento de uma eventual uma sociedade de fato entre eles.
8. Recurso especial desprovido”
(STJ – REsp 1348458/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/05/2014, DJe 25/06/2014)
Após as exposições de argumentos acima, bem como diante dos julgados citados, oriundos das mais altas Cortes deste País, não resta outra alternativa a não ser concluir que o badalado “poliamor”, a pretexto de inovar no ordenamento jurídico pátrio, constitui um retrocesso, ou seja, um atraso, um verdadeiro retorno aos tempos da poligamia pré-histórica. A família monogâmica constitui portanto o ponto culminante da evolução do Direito (como ciência) e da sociedade humana (como civilização).