A APLICAÇÃO DA LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA AOS CONFLITOS URBANOS

01/05/2015 às 18:33
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O TEXTO TRATA DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA NORMA PENAL QUE TRATA DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA A TEMÁTICA DOS CONFLITOS URBANOS.

A APLICAÇÃO DA LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA AOS CONFLITOS URBANOS

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

Enquanto aumentam as manifestações urbanas envolvendo depredações, crimes contra o patrimônio, surge, da parte das autoridades governamentais, a possibilidade de utilização da lei de organizações criminosas a esses conflitos.

A Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, definindo organização criminosa e ainda dispondo sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, revogando-se a Lei 9.034, de 3 de maio de 1995 e, ao final, passou a chamar de associação criminosa, o crime previsto no artigo 288 do Código Penal, com a seguinte redação: ¨Associarem-se 3(três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes¨, com pena prevista de 1(um) ano a 3(três) anos, aumentando-se a pena até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

Por essa lei, editada em face do princípio da legalidade, que deve ser respeitado em matéria legal, considera-se  organização criminosa a associação de 4(quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais(crime ou contravenção penal), cujas penas máximas sejam superiores a 4(quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Temos aqui aquelas associações criminosas que tenham por desiderato a prática de infrações que vão além das fronteiras nacionais, englobando mais de uma nação. Para tanto, será necessário tratado ou convenção internacional que discipline os casos de apenação com relação a crimes cujo resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente.

Trata-se de crime de perigo abstrato, contra a paz pública, presumido pela norma que se contenta com a prática do fato e pressupõe ser ele perigoso.

Penso que é  crime que envolve perigo coletivo, comum, uma vez que ficam expostos ao risco os interesses jurídicos de um número indeterminado de pessoas.

É crime contra a paz pública, independente daqueles que na societatis delinquentium vierem a ser praticados, desde que sejam punidos com penas máximas superiores a quatro anos ou revelem o caráter transnacional,   havendo concurso material entre tal crime e os que vierem a ser praticados pela organização criminosa.

Exige-se o dolo específico, envolvendo o acordo de vontade, um verdadeiro vínculo associativo.

Penso que a associação criminosa deve envolver a prática de crimes dolosos, não culposos, ou contravenções  com pena máxima superior a 4(quatro) anos.

Assim como na quadrilha ou bando estamos diante de um crime permanente, onde os agentes são levados a delinquir indefinidamente, dentro de uma estruturação ordenada,com necessária divisão de tarefas, ainda que informalmente,  mesmo que na prática de crime continuado ou ainda de habitualidade, como se vê no tráfico de mulheres, dentro de uma contínua vinculação entre os que participam da organização.

Entendo que essas premissas devem ser bem sopesadas pelas autoridades na aplicação da nova Lei de Organizações Criminosas.

A bem da razoabilidade não se pode admitir que tal diploma legal somente seja objeto de aplicação, porque é caso de prender, por prender, uma vez que muitos dos delitos praticados por essas pessoas envolvidas nos tumultos, são alvo do que chamamos de crimes de menor potencial ofensivo, onde as normas que são objeto dos Juizados Especiais Criminais, levam a que a prisão seja a última ratio, levando-se em conta o caráter despenalizador, com pleitos de transação penal ou suspensão condicional do processo que devem ser oferecidos pelo Ministério Público.

Registro a lúcida opinião do Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, no Rio de Janeiro, de que o enquadramento de manifestantes na Lei de Organizações Criminosas é inconstitucional e não deveria ser usado para casos de manifestações públicas.  

Assim como não parece ser caso de aplicação da lei de segurança nacional a esses conflitos, porque, a princípio, não se fala em derrubada das instituições do Estado, dentro de uma linha maniqueísta própria dos governos de exceção, mister que se tenha cautela em falar  em associação criminosa, uma vez que é necessário a prova de uma estruturação ordenada com divisão de tarefas, voltada a prática de crimes, isso porque no tipo penal da associação criminosa, entende-se que é de rigor que, além dessa reunião, haja um vínculo associativo permanente para fins criminosos, uma predisposição comum de meios para a prática de uma série indeterminada de delitos e uma contínua vinculação entre os associados para a concretização do programa delinquencial(RT 493/322, 570/352,575/414, dentre outros).

O exemplo presente está nas prisões ocorridas no Rio de Janeiro, onde  a 21ª Vara Criminal, atendendo a um pedido do Ministério Público Estadual, revogou a prisão de mais de 31 manifestantes, todos maiores de idade.

Em sua decisão, o Judiciário aceitou os argumentos do Parquet ao reconhecer que não há prova de que os presos realmente façam parte do grupo Black Blocs e de que participaram de ações violentas durante as manifestações.

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Sabe-se que ao receber o auto de prisão, a primeira providência do juiz é checar a sua legalidade, ou seja, analisar se a prisão foi realizada de forma correta, a saber: se era caso de flagrante delito e se todas as formalidades legais foram devidamente cumpridas.

Por sua vez, verificando estarem presentes os requisitos da prisão preventiva, consoante o artigo 312 do Código de Processo Penal, sem que se possa aplicar qualquer outra medida alternativa(artigo 319 do Código de Processo Penal), o juiz converte a prisão em flagrante em prisão preventiva.

Todavia, se verificar que a prisão em flagrante está em ordem, mas não é o caso de se manter preso o indiciado, uma vez carentes os requisitos da preventiva, o juiz  deve conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança, consoante o caso concreto.

No caso reportado, foi lembrado pelo Juízo prolator da decisão de soltura  que ¨a materialidade pode se encontrar fundamentada nos danos sofridos pelos patrimônios públicos e particulares. Porém, a autoria está esvaziada, na medida em que não se pode afirmar coerentemente que as pessoas detidas foram as responsáveis pela prática dos crimes noticiados.¨

E mais: observou-se que foi imputado aos detidos o crime de associação criminosa, previsto no artigo 288 do Código de Penal. Assim foi dito: ¨Tal delito não se pode comprovar numa situação flagrancial, pois para suas prática exige-se estabilidade, e ato isolado não configura estabilidade, tampouco vínculo entre os associados e permanência.¨

Conclui-se por entender que ¨não há como demonstrar a existência de um grupo voltado para a prática de crimes apenas de acordo com a roupa e a faixa etária.¨

Patente, no exemplo demonstrado, que a prisão é realmente a última ratio, num sistema de direito, voltado para o Estado Democrático.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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