Tráfico de pessoas: uma análise legal e social

07/05/2015 às 11:49
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O texto aborda os mais variados temas ligados ao Tráfico Humano, bem como suas características, abordagem no ordenamento jurídicos, causas e consequências.

CAPÍTULO I – DO LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOA PARA FIM DE PROSTITUIÇÃO E OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL – UMA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO EM VIGOR

Inicialmente, é necessária uma análise dos dispositivos legais do Capítulo V do Código Penal, uma vez que o mesmo passou por diversas modificações e, atualmente, traz uma ideia muito diferente dos tipos penais antes de 2005. Além disso, imprescindível é a distinção entre os delitos elencados no referido Capítulo, visto que tais dispositivos protegem a um mesmo bem jurídico, qual seja, a dignidade sexual da pessoa, entretanto, não devem ser confundidos. Dessa maneira, passamos a analisar os artigos que compõem o Capítulo supramencionado.

O Capítulo V do Código Penal teve sua denominação alterada pela Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009, que antes era “Do Lenocínio e do Tráfico de Pessoas”.

Lenocínio vem do latim lenocinium, que significava o tráfico de escravas para a prostituição. (MIRABETE, 2010)

Há tempos, é cada vez mais comum as pessoas se indignarem com a situação econômica a qual se encontram e buscam uma forma de melhorar tal realidade, buscando formas para mudar seu futuro. É quando lhes são apresentadas formas fáceis e rápidas de conseguirem tal objetivo.

Com o intuito de iludir e enganar as vítimas, o mundo da prostituição é um comércio bastante rentável para as pessoas que dela se beneficiam.

A prática da prostituição não é fato tipificado em nosso ordenamento jurídico como ilícito, pois o legislador optou por não tutelar nenhum bem jurídico especificamente.

A prostituição é uma fatalidade da vida social, sendo conhecida desde os mais remotos tempos. Nem por isso deixa de ser preocupante, sendo causa de grande inquietação. Mas como a prostituição, em si mesma, não atinge nenhum bem jurídico que o legislador entendeu de tutelar sob a sanção da pena, não constitui delito. (JESUS, 2010)

Apesar disso, o legislador tomou o cuidado de tipificar as condutas daqueles que auxiliam e lucram com essa prática, que estimulam e fomentam a prostituição e outras formas de exploração sexual.

O objeto jurídico tutelado também sofreu alteração pela lei 12.015/09, que deixou de ser os bons costumes ou a moralidade pública passando a ser a dignidade sexual da pessoa.

O lenocínio se diferencia de outros crimes sexuais principalmente porque no primeiro, o agente não procura satisfazer a própria lascívia, ao contrário, é com a satisfação da lascívia de outrem que o delito se torna lucrativo; pela prática sexual inter alios. É, portanto, sua principal característica, pois os rufiões e traficantes de pessoas atuam como mediadores e auxiliares do meretrício.

O lenocínio é dividido em duas formas:

a) lenocínio principal: ocorre quando a iniciativa de corrupção parte do agente. No caso do tráfico de pessoas, pode-se exemplificar com a promoção da entrada no território nacional de pessoas que venham exercer a prostituição;

b) lenocínio acessório: ocorre quando já existe um estado de imoralidade e o agente apenas colabora para a sua continuidade. Como exemplo, a o agente que facilita a entrada no território nacional de pessoas que exercerão a prostituição.

1.1. Mediação para servir à Lascívia de Outrem

O artigo 227 do Código Penal é considerado uma forma de lenocínio principal e é assim definido: “Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem: Pena – reclusão, de um a três anos.” Já o lenocínio acessório é aquele que pressupõe uma possível corrupção ou prostituição da vítima.

1.1.1. Objetividade Jurídica

O objeto jurídico é a dignidade sexual da pessoa, como ensina MIRABETE J. F. (2010):

Tutela-se no dispositivo a dignidade sexual da pessoa, protegendo-a a lei contra influências de terceiros que possam prejudicar a liberdade de escolha na vivência de sua sexualidade e contribuir para a sua sujeição e diferentes formas de exploração. Com o dispositivo, visa a lei evitar o incremento e o desenvolvimento da prostituição e de outras formas de exploração sexual.

1.1.2. Sujeitos do Crime

Quanto aos sujeitos do delito, tem-se que sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não sendo, contudo, o destinatário da conduta punido por este crime, responderá, eventualmente por outro delito, por não estar satisfazendo a lascívia de outrem, e sim a sua própria.

Por sua vez, sujeito passivo também poderá ser qualquer pessoa, não havendo qualquer distinção entre homens e mulheres como outrora se considerava.

Se a vítima é menor de 14 anos, o crime é outro, corrupção de menor. Já se ela possui mais de 14 e menor de 18 anos, o crime é qualificado.

Afirma Bento de Faria, em lição que permanece válida em face da atual redação do dispositivo, que pouco importa que a vítima já esteja corrompida, desde que o lenocínio é punido per se, sem distinção de sexo e independentemente das qualidades morais da vítima,

Tratando-se de prostitutas, porém, se não há a necessidade de induzimento à prática do ato, inocorre o crime. Já se tem decidido que a meretriz não pode ser havida como vítima do delito previsto no art. 227 do CP, pois não é induzida, mas se presta, voluntariamente, à lascívia de outrem. (MIRABETE, 2010)

1.1.3. Tipo Objetivo

A conduta prevista no dispositivo é “induzir”, que significa instigar, incitar, levar, persuadir. Para haver o induzimento, é necessário que se tenha havido promessas, súplicas, sendo imprescindível que a conduta seja idônea a levar a vítima a satisfazer a lascívia de outrem.

Lascívia é a libidinagem, sensualidade, concupiscência, luxúria, “que tanto pode ser a conjunção carnal como as práticas sexuais anormais ou meramente contemplativas, ou quaisquer outras expressivas de depravação física ou moral”. (FARIA, 1.959)

Só haverá o delito em estudo se este for praticado a favor de pessoa determinada; se for dirigido a um número indeterminado de pessoas ou se presente a habitualidade, o crime será o previsto no artigo 228 do Código Penal (favorecimento da prostituição).

1.1.4. Tipo Subjetivo

O dolo é a vontade de persuadir, de convencer, de induzir a vítima e o elemento subjetivo do injusto é a finalidade de satisfazer a lascívia de outrem. Se a conduta é praticada com intuito lucrativo, o crime é qualificado.

1.1.5. Consumação e Tentativa

Consuma-se o delito no momento em que a vítima satisfaz a lascívia de terceiro, independentemente da satisfação sexual desde.

O iter criminis é passível de fracionamento. Logo, a tentativa é possível.

1.1.6. Formas Qualificadas

O artigo 227, parágrafo primeiro, prevê três hipóteses de qualificadoras do crime, em que a pena passa a ser de reclusão, de dois a cinco anos.

A primeira hipótese de crime qualificado ocorre quando a vítima é “maior de 14 anos e menor de 18 anos”. O objetivo aqui é proteger aquelas pessoas cujo desenvolvimento físico e psíquico ainda não foi concluído. Vale lembrar que quando o crime é praticado contra vítimas menores de 14 anos, aplica-se a figura típica do artigo 218 do Código Penal, com redação dada pela Lei n. 12.015/2009 (corrupção de menores).

A segunda parte do parágrafo primeiro do artigo 227, contempla o chamado “lenocínio familiar”, ou seja, é aquele cujo o agente é “ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador da vítima”. Tal redação foi dada pela Lei n. 11.106/2005, que alterou o dispositivo passando a se referir ao “cônjuge ou companheiro” e não apenas ao marido, como era na redação original. O rol apresentado é taxativo.

Por fim, apresenta-se a terceira hipótese quando o agente é qualquer pessoa a quem esteja a vítima confiada para fins de educação (ex.: diretor de escola em relação ao aluno), tratamento (ex.: enfermeiro em relação ao doente) ou guarda (ex.: carcereiro em relação ao preso).

Já o parágrafo segundo qualifica o crime se for cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude. Esta é caracterizada quando empregado meio enganoso para induzir ou manter a vítima em erro.

A última qualificadora do artigo 227 é aquela em que o agente o pratica com o fim de lucro. É o chamado lenocínio questuário. Para tanto, não é necessário que o agente obtenha o lucro almejado, basta, ao contrário, que o lenão seja levado à prática delitiva com o propósito de auferir a vantagem econômica.

1.1.7. Qualificação Doutrinária

Segundo o doutrinador Damásio de Jesus (2010):

A mediação para servir à lascívia de outrem é crime material, uma vez que o legislador descreveu a conduta criminosa e o resultado exigindo a produção deste para a consumação do delito.

É também crime comum. Pode ser realizado por qualquer pessoa, sem distinção de sexo.

Trata-se ainda de crime comissivo. Exige-se que o sujeito pratique o delito mediante ação, fazendo alguma coisa que induza a vítima a satisfazer a lascívia de outrem. É ainda crime instantâneo. Consuma-se em determinado instante, sem continuidade temporal.

1.2. Favorecimento da Prostituição ou Outra Forma de Exploração Sexual

A redação dada pela Lei 12.015/2009 para o artigo 228 do Código Penal define o delito: “Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.”

1.2.1. Objetividade Jurídica

De acordo com as alterações introduzidas pela Lei n. 12.015/2009, protege-se em geral, nos crimes sexuais, a dignidade sexual da pessoa e, neste delito, o interesse social consistente em que a função sexual se exerça normalmente, de acordo com os bons costumes e a moralidade pública.

1.2.2. Sujeitos do Delito

Qualquer pessoa pode cometer o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual.

Sujeito passivo, por sua vez, também pode ser qualquer pessoa, vez que o dispositivo refere-se a alguém, não fazendo qualquer distinção entre homens e mulheres.

1.2.3. Elementos Normativos do Tipo

A lei afirma que a prostituição é uma forma de exploração sexual, todavia, não define o significado da expressão. Entretanto, é certo que o conceito de exploração sexual é mais amplo e abrange o da prostituição. Dessa forma, o legislador permite a busca de seu significado mediante interpretação analógica.

Há grande divergência na doutrina quanto a definição de prostituição. Damásio de Jesus (2010) define como “um modo de viver da pessoa, consistindo em entregar-se sexualmente a quem solicita, mediante o recebimento do preço”. Para o doutrinador, para que se possa caracterizar a prostituição, é necessário que a conduta seja feita com habitualidade e que o número de pessoas a quem se entrega seja indeterminado.

Do mesmo modo, a exploração sexual causa divergência na doutrina, não devendo ser confundida com a satisfação sexual (atividade lícita). O fato é que a exploração é expressão que abrange a da prostituição e está relacionada ao uso do corpo como mercadoria, para fins sexuais.

A exploração sexual, do mesmo modo que a prostituição (mercancia sexual do corpo), dá-se quando uma pessoa tira proveito da outra, promovendo sua degradação, sob o aspecto da sexualidade, fazendo com que esta se comporte como objeto ou mercadoria. (ESTEFAM, 2009)

No sentido mais abrangente, configura-se a exploração sexual na prostituição ou em

outras formas sempre que a sexualidade da pessoa, em detrimento de sua

essencialidade natural, como aspecto de sua personalidade, passa a se constituir, de forma habitual, em mercadoria ou objeto de uso em proveito de outros, qualquer que seja a natureza deste, econômica ou não, sem se excluir o proveito de natureza sexual. (MIRABETE, 2010)

1.2.4. Tipo Objetivo

Tem-se no dispositivo, cinco condutas que caracterizam o delito. A saber:

Induzir: persuadir, aconselhar, instigar, incitar, etc.

Atrair: significa exercer atração; indica conduta de persuadir a vítima o agente que, em regra, se encontra no ambiente da prostituição de ou exploração sexual por outra forma.

Facilitar: favorecer, tornar mais fácil, afastar dificuldades, presta auxílio para a prostituição ou exploração sexual de outrem. Pode haver a facilitação por omissão, desde que o agente tenha dever jurídico de impedir o fato, como, por exemplo, o pai que aceita e tolera a prostituição de sua filha.

Impedir: significa obstar, criar óbices. Aqui, pressupõe-se que a vítima já se encontra no ambiente da prostituição ou outra forma de exploração sexual e o agente opõe-se ao abandono, aconselhando a vítima, criando melhores condições materiais.

Dificultar: criar embaraços, empecilhos.

Vale lembrar que o crime de favorecimento da prostituição não é delito habitual, bastando a prática de uma das condutas, por uma vez, para que se aperfeiçoe o ilícito.

1.2.5. Tipo Subjetivo

O elemento subjetivo para esta infração é o dolo, a vontade de atrair, induzir, etc. É irrelevante a distinção do simples dolo com aquele em que há a finalidade de obtenção de lucro, vez que, independentemente de haver tal intuito, o crime se caracterizará, ora na modalidade simplificada, ora na modalidade qualificada.

1.2.6. Consumação e Tentativa

A consumação do delito não se configura com a simples conduta de induzir, atrair, etc., mas exige que seja produzido na vítima o efeito querido pelo agente. Independe, contudo, do consórcio carnal do terceiro com o sujeito passivo. Assim, quanto às três primeiras condutas, a consumação opera-se com o estado de prostituição em que a vítima já está no prostíbulo ou à disposição dos fregueses, ainda que não tenha recebido qualquer um. No último, o impedimento do abandono consuma o crime, que, nesse caso, tem caráter permanente. (MIRABETE, 2010)

Vale ressaltar que, se a prostituta tenta abandonar a prostituição e o agente cria obstáculos, ainda que estes sejam superados, há a caracterização do delito.

A tentativa é possível quando, apesar da conduta do agente, esta não surtir o efeito almejado. Como exemplo, pode-se citar o agente que tenta impedir o abandono da prostituição, mas a vítima consegue fazê-lo.

1.2.7. Formas Qualificadas

As qualificadoras do crime estão previstas nos parágrafos do artigo 228 do Código Penal.

No parágrafo primeiro, a pena é de 03 (três) a 08 (oito) anos “se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”. Tal redação foi dada pela Lei n. 12.015/2009.

Ocorre a qualificadora prevista no parágrafo segundo “se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude”, passando a pena a ser de 04 (quatro) a 10 (dez) anos de reclusão.

Por fim, caracteriza-se a forma qualificada “se o delito é cometido com o fim de lucro” (lenocínio questuário), onde a pena aplicada é também a de multa.

1.2.8. Qualificação Doutrinária

Pelos ensinamentos de Damásio de Jesus (2010):

Trata-se de crime de conteúdo variado ou de ação múltipla. O tipo faz referência a várias modalidades de conduta. Assim, mesmo que o agente realize mais de uma conduta, estas serão consideradas fases de um só delito. O sujeito responde por crime único, por exemplo, se induz alguém à prostituição, facilita o seu exercício e depois impede a prostituta de abandonar tal modo de vida.

É ainda crime material. O legislador descreveu a conduta e o resultado, exigindo a sua ocorrência para a consumação.

Nas modalidades “induzir”, “atrair” ou “facilitar”, a prostituição é delito instantâneo. O momento consumativo se dá em determinado instante. O mesmo se dá na conduta “dificultar”. Na modalidade “impedir”, é crime permanente. Enquanto o sujeito ativo estiver impedindo a prostituta ou o prostituto de abandonar a prostituição (ou de ser vítima de exploração sexual), o delito estará em fase de consumação, podendo a conduta antijurídica cessar, dependendo de sua vontade.

1.3. Casa de Prostituição

O artigo 229 do Código Penal prevê o crime chamado casa de prostituição nos seguintes termos: “Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena – reclusão, de 02 (dois) a 05 (cinco) anos, e multa”.

Na antiguidade, o Estado chegou até a manter, ou pelo menos regulamentar, os lupanares, hospedarias ou banhos públicos onde se instalava a prostituição. Modernamente, porém, pune-se, como forma especial de favorecimento à prostituição, o fato de se manter locais para encontros libidinosos. (MIRABETE, 2010)

1.3.1. Objetividade Jurídica

O objeto jurídico aqui tutelado continua sendo a dignidade sexual da pessoa, assim como a disciplina da vida sexual, de acordo com os bons costumes, a moralidade pública e a organização da família.

1.3.2. Sujeitos do Delito

Sujeito ativo é qualquer pessoa que mantenha o estabelecimento em que ocorra exploração sexual. Se alguém mantém a casa por conta de terceiro, este também será sujeito ativo do crime. Porém, a prostituta que recebe seus clientes em casa, não comete crime, pois apenas exerce o meretrício e não o mantém. Se tal conduta fosse incriminada, estaria proibindo-se uma conduta que, apesar de imoral, não é criminosa, que é a prostituição pura e simples.

Vale lembrar que, o dono do imóvel alugado para prostitutas não é sujeito ativo do delito se não tiver nenhuma mediação ou participação para a prática da prostituição.

Sujeito passivo do delito são as pessoas que exercem a prostituição ou se sujeitam a outra forma de exploração sexual, ou, não exercendo, entregam-se à lascívia alheia. Se a vítima for menor de 18 (dezoito) anos, configura-se o crime descrito no artigo 218-B, parágrafo segundo, inciso II, do Código Penal.

É considerado também sujeito passivo, a sociedade, uma vez que a prática do delito ofende os bons costumes.

1.3.3. Tipo Objetivo

A conduta típica é manter, que significa conservar, permanecer, sustentar, prover, fazer com que exista a casa de prostituição ou na qual se pratica outra forma de exploração sexual.

Exige-se a habitualidade, mas não a repetição dos atos libidinosos, ou seja, se uma casa de prostituição foi instalada e houve apenas um ato, o crime já está caracterizado. Havendo permanência, reiteração, continuidade no acolhimento de pessoas para os fins vedados, o crime é permanente, permitindo-se em qualquer tempo a prisão em flagrante.

Não só o pensionato de meretrizes, o conventilho, o bordel, o prostíbulo, o lupanar, o alcoice, a casa de rendez-vous ou de passe, o hotel de cômodos à hora, senão também todo e qualquer local destinado a encontros lascivos, sejam ou não com prostitutas, propriamente tais. (HUNGRIA, 1.981)

Tem se entendido na doutrina e acolhido na jurisprudência, que se deve dar interpretação estrita ao dispositivo, não se considerando como casa de prostituição, hotéis de alta rotatividade, estabelecimentos destinados, em princípio, a receber qualquer espécie de hóspedes.

Entretanto, se o agente tem conhecimento do exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual naquele local, configura-se o delito.

1.3.4. Tipo Subjetivo

Em primeira análise, tem-se o dolo como elemento subjetivo do delito, que é a vontade de manter, por conta própria ou de terceiro, a casa ou local, com o conhecimento de que ali se pratica a prostituição ou outra forma de exploração sexual.

Há ainda a necessidade de existência de um dolo específico, qual seja, a intenção de satisfazer a lascívia de outrem.

1.3.5. Consumação e Tentativa

Consuma-se o delito quando o sujeito já iniciou a manutenção da casa ou local e lá já se praticou um ato libidinoso, fruto da prostituição ou exploração sexual. Vale lembrar que, embora se exija a habitualidade, não é necessário que os atos sejam praticados reiteradamente, bastando um único ato para a caracterização do crime.

Tratando-se de crime habitual, a tentativa não é admitida. Ou há meros atos preparatórios, ou já houve a instalação destinada a prostituição ou outra forma de exploração sexual e o delito consumou-se.

1.3.6. Qualificação Doutrinária

Pelo que doutrina Damásio de Jesus (2010):

Trata-se de crime comum, habitual e permanente.

É crime comum porque pode ser praticado por qualquer pessoa, sem distinção de sexo.

É habitual. Somente a reiteração da conduta reprovável, de forma a constituir um hábito ou estilo de vida, faz surgir o crime.

É ainda crime permanente, uma vez que causa uma situação danosa ou perigosa que se prolonga no tempo. O momento consumativo se protrai no tempo, caracterizando-se pela circunstância de a consumação poder cessar por vontade do agente.

1.4. Rufianismo

O artigo 230 do Código Penal estabelece o crime de Rufianismo da seguinte maneira: “Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça: Pena – reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e multa”.

Portanto, o Rufianismo é uma forma de Lenocínio, em que o agente explora quem exerce a prostituição, que vai servir à lascívia alheia.

A Lei nº 12.015/2009 não alterou a descrição típica para a inclusão de formas similares de exploração sexual como fez em outros dispositivos que se referem à prostituição, mas deu nova redação às qualificadoras.

1.4.1. Objetividade Jurídica

O bem tutelado continua sendo a dignidade sexual da pessoa, visando coibir a ação parasitária do rufião em torno da prostituição.

1.4.2. Sujeitos do Delito

Sujeito ativo do crime é o rufião, que pode ser qualquer pessoa, não sendo necessário que o agente coopere, proteja ou auxilie quem exerce a prostituição. Os rufiões são classificados em:

Maquereau – é aquele que não se associa com a meretriz, utilizando-se da coação, inclusive pela força ou terror.

Comerciante – é o rufião que se associa com a meretriz e faz da prática apenas um comércio, tendo vasta zona de atividade e cuja mercadoria é a mulher.

Calinflero – são aqueles que atuam pelo poder de sedução ou do amor, se faz amado pela vítima.

A pessoa que se dedica à prostituição, homem ou mulher, é o sujeito passivo do crime.

1.4.3. Tipo Objetivo

O núcleo do tipo é o verbo “tirar proveito”, que pode ser feito, ora participando diretamente dos lucros da prostituta, ora fazendo-se por ela sustentar, no todo ou em parte.

Caracteriza-se o delito quando o agente tira proveito da prostituição, ou porque participa de seus lucros, ou porque se faz sustentar, ainda que parcialmente, por quem a exerce. No primeiro caso é o sujeito uma espécie de sócio da meretriz, não desaparecendo o crime se possui ele outra fonte de renda ou ocupação. (MIRABETE, 2010)

Os lucros auferidos pelo rufião podem ser em espécie, ou qualquer outro tipo de vantagem. É necessário, porém, que o mesmo partilhe com a meretriz o produto de seu comércio carnal. Evidente é que, se o tipo penal pune o menos, punirá o mais. A expressão “participando de seus lucros” deve ser interpretada de maneira extensiva. Ora, é certo que, se a lei penal pune o rufião que tira proveito da prostituição alheia, participando de seus lucros, com maior razão pune o rufião que fica com todo o lucro auferido pela prostituta com seu comércio carnal.

A segunda hipótese prevista pelo dispositivo é aquela em que o rufião se faz sustentar pela meretriz, ainda que parcialmente. Recebe ele dinheiro, alimentação, moradia, assistência, vivendo à sombra do meretrício. Todavia, se o agente é sustentado por pessoa que pratica a prostituição, mas com o dinheiro de outra fonte, não haverá caracterização do crime em análise.

Se a meretriz sustentar pessoa que lhe é devido direito de alimentos, não haverá crime, caso contrário, o delito estará configurado.

Não se exige que a iniciativa de tirar proveitos da prostituta seja do agente, ao contrário, ainda que haja o oferecimento espontâneo da prostituta, a passividade do rufião, que se limita a auferir lucros da prostituição alheia, não desfigura o crime.

Para a caracterização do rufianismo, é imprescindível a habitualidade. Não há delito se o agente aufere, ocasionalmente, proveito da prostituição da vítima. Da mesma forma, não haverá delito para aquele que, gratuitamente, recebe as complacências amorosas de uma meretriz, dela recebendo dinheiro e presentes. Por esse motivo, não se considerou como prova do crime a autuação em flagrante.

1.4.4. Tipo Subjetivo

O dolo do crime é a vontade de conscientemente e habitualmente, tirar proveito da prostituição alheia, seja participando diretamente dos lucros da meretriz, seja fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem exerça a prostituição. O erro por parte do sujeito quanto à fonte de renda elide o dolo e, consequentemente, exclui o crime.

1.4.5. Consumação e Tentativa

O rufianismo consuma-se com a participação reiterada nos lucros ou então, com a manutenção do agente por quem exerce a prostituição. Como já visto, é necessário para tanto, que se caracterize a habitualidade, vez que, um só ato próprio do sistema de vida do rufião não caracteriza o delito.

Como trata-se, mais uma vez, de crime habitual, a tentativa não é admitida.

1.4.6. Formas Qualificadas

Os parágrafos primeiro e segundo do artigo 230 do Código Penal, com redação dada pela Lei 12.015/2009, preveem as formas qualificadas do delito de rufianismo.

O crime é qualificado, nos termos do parágrafo primeiro “se o crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”. Nesse caso, a pena passa a ser de 03 (três) a 06 (seis) anos de reclusão, e multa.

 Também qualifica-se o crime se a vítima é menor 18 (dezoito) anos e maior de 14 (quatorze) anos. O legislador se esqueceu de proteger o menor de 14 (quatorze) anos, tendo em vista que não se previu a figura específica do rufianismo na hipótese de ser o sujeito passivo vulnerável. Todavia, se o rufião submete pessoa menor de 14 (quatorze) anos à prostituição ou qualquer outra forma de exploração sexual, pratica o crime de estupro de vulnerável.

Nos termos do parágrafo segundo, “se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: Pena – reclusão, de 02 (dois) a 08 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência”. Causa estranheza a liberalidade do legislador em fixar a pena mínima de dois anos, abaixo das demais qualificadoras, sendo que o fato apresenta tanta ou maior gravidade que os previstos no parágrafo anterior.

Quando o legislador menciona “violência”, está se referindo à violência física contra a pessoa. A ameaça é promessa de mal sério. A fraude é o emprego de engodo, ardil ou artifício, capaz de enganar. Passa a caracterização do delito, é necessário que seja grave.

1.4.7. Qualificação Doutrinária

Damásio de Jesus (JESUS, 2010) qualifica doutrinariamente o crime de rufianismo como delito de forma vinculada, comum, habitual e permanente.

É de forma vinculada porque o legislador, após definir de maneira genérica a conduta (“tirar proveito da prostituição alheia”), especificou a atividade do sujeito (“Participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça”).

É delito comum. Pode ser praticado por qualquer pessoa.

Trata-se de crime habitual. Só a reiteração da mesma conduta reprovável, de forma a constituir um estilo ou hábito de vida, faz surgir o crime. É delito profissional, uma vez que o agente realiza as ações com intenção de lucro,

É ainda crime permanente. Causa uma situação danosa que se prolonga no tempo, dependentemente da vontade do agente. Enquanto não cessar a permanência o delito estará se consumando.

1.5. Tráfico Internacional de Pessoas para fim de Exploração Sexual

O tráfico internacional de pessoas está definido no artigo 230 do Código Penal nos termos seguintes: “Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro: Pena – reclusão, de 03 (três) a 08 (oito) anos.

Na redação original do art. 231, punia-se tão somente o tráfico de mulheres, também impropriamente chamado de tráfico de brancas. Adaptando o legislador a lei interna aos mencionados tratados e convenções internacionais e à realidade de que elevado é o número não apenas de mulheres, mas também de homens e crianças, de ambos os sexos, que são levados de um país a outro com o fim de exercer a prostituição, a Lei nº 11.106, de 28-3-2005, alterando o nomem juris de tráfico de mulheres para tráfico internacional de pessoas, deu nova redação ao art. 231. A Lei nº 12.015, de 7-8-2009, alterou novamente a denominação para tráfico internacional de pessoas com o fim de exploração sexual e modificou o tipo penal (...). (MIRABETE, 2010)

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O Código Penal, em seu artigo 7º, inciso II, alínea “a”, adotou o princípio da Justiça Universal (ou cosmopolita), estabelecendo ficarem sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crime que, por tratados ou convenções internacionais, o Brasil se obrigou a reprimir. Como se verificará adiante, o tráfico internacional de pessoas é um dos delitos em que há essa obrigatoriedade brasileira.

1.5.1. Objetividade Jurídica

O bem jurídico tutelado é, mais uma vez, a dignidade sexual da pessoa, protegendo-a de condutas que favorecem a exploração sexual mediante o tráfico internacional de pessoas.

1.5.2. Sujeitos do Delito

Sujeito ativo do delito em questão pode ser qualquer pessoa, independentemente do sexo. É muito comum que para a prática do crime, haja uma associação criminosa de agentes, sendo que, pode haver, inclusive, a participação de funcionários de alfândega, por exemplo.

Antes da Lei nº 11.106/2005, o dispositivo penal previa apenas as mulheres como sujeito passivo do delito. Os Códigos italiano, polonês e suíço já protegiam também o homem. Com a atual redação, ao se referir a “alguém”, o tipo penal pune o tráfico internacional de qualquer pessoa, e não mais exclusivamente o de mulheres.

Portanto, pode ser sujeito passivo do crime, também o homem, sobretudo os travestis, que vivam no meretrício masculino.

1.5.3. Tipo Objetivo

Tipifica-se no artigo 231 o tráfico internacional de pessoas para o fim de exploração sexual. Assim, têm-se as seguintes condutas:

Promover a entrada, no território nacional, de alguém que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro. O verbo “promover” significa dar causa, tomar iniciativa.

Facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro. O verbo “facilitar” significa tornar mais fácil, auxiliar, ajudar.

A antiga redação do dispositivo previa também como tipo penal, o verbo “intermediar”, que foi suprimida pelo advento da Lei nº 12.015/2009. Assim, se a prática não configurar a conduta de agenciar, constituirá uma forma de facilitação, como, por exemplo, o fornecimento de dinheiro, passaporte, compra de roupas ou utensílios para a viagem, etc. Vale lembrar que, basta a entrada ou saída de uma só pessoa para a caracterização do crime.

A simples passagem da vítima por nosso território constitui crime, vez que nele está entrando ou saindo. Ademais, nos termos do artigo 6º, pune-se pela lei brasileira o crime praticado, ainda que em parte, no Brasil, ou quando nele se produz resultado, ainda que parcial.

O parágrafo primeiro do dispositivo prevê ainda, outras condutas típicas: “Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la”.

Pune-se, assim, quem agenciar (servir de agente ou intermediário), aliciar (atrair, seduzir, envolver, instigar), comprar (adquirir, obter mediante pagamento), transportar (levar de um lugar a outro), transferir (mudar ou remover para a outra parte, lugar ou posto) ou alojar (receber em hospedagem ou em moradia transitória) a pessoa traficada. Esqueceu-se o legislador da ação de vender que é prevista no crime de tráfico interno (art. 231-A). (MIRABETE, 2010)

Esse crime é tipo misto alternativo e, portanto, a prática de uma ou diversas ações típicas configura crime único. Da mesma maneira, não é necessário, para a sua caracterização, que haja pluralidade de vítimas, visto que o tipo penal traz o elemento “alguém”.

O consentimento da vítima é irrelevante para a caracterização do delito em estudo. Ora, em muitos casos, a vítima desconhece a real razão de sua transferência para outro país. É essa a essência do crime de tráfico internacional de pessoa, a persuasão, o engano, a fraudulenta promessa à vítima de uma oportunidade de emprego e uma mudança de vida, sendo que, quando chegam a países estrangeiros, são obrigados a se prostituírem ou se submeter-se a outra forma de exploração sexual.

1.5.4. Tipo Subjetivo

O tráfico internacional de pessoas tem como elemento subjetivo do tipo o dolo, que é a vontade, livre e consciente, de praticar uma das ações típicas com o conhecimento de que a pessoa é traficada para que, no país de destino, exerça a prostituição ou seja submetida a outra forma de exploração sexual.

O desconhecimento do agente a respeito da atividade que será exercida pelo sujeito passivo é erro de tipo que exclui o dolo.

1.5.5. Consumação e Tentativa

Para a consumação do delito basta a entrada ou a saída da pessoa do território nacional, não se exigindo o efetivo exercício da prostituição, basta para tanto, que tenha essa finalidade. Trata-se aqui de crime de perigo, onde não se exige o resultado para a consumação.

A tentativa é possível, visto que o iter criminis é passível de fracionamento e ocorre, por exemplo, quando o agente prepara a documentação e compra a passagem, mas a vítima é detida antes do embarque para o exterior.

1.5.6. Causas de Aumento de Pena

O artigo 231, parágrafo segundo, traz as circunstâncias que determinam o acréscimo de metade da pena cominada para o tráfico, nos seus incisos I a IV.

A primeira delas é a de ser a vítima menor de 18 (dezoito) anos. E aqui, não há qualquer distinção entre o maior e o menor de 14 (quatorze) anos.

O inciso II resguarda a vítima que, por enfermidade ou deficiência mental, não ter o necessário discernimento para a prática do ato.

Refere-se a lei no dispositivo não somente ao discernimento em geral a respeito das questões sexuais, mas, também, especificamente, à capacidade de entender o significado do tráfico de que é a vítima. Nessas duas hipóteses, incluíram-se as qualificadoras porque não tipificadas condutas semelhantes entre os crimes contra vulnerável. (MIRABETE, 2010)

Já o inciso seguinte aumenta a pena para as relações preexistentes entre o agente e a vítima: “se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”.

Por fim, o último inciso do dispositivo prevê aumento de pena quando há o emprego de violência, grave ameaça, ou fraude. Diferentemente dos demais crimes até aqui estudados, o legislador não previu a soma de pena com a aplicável pela lesão corporal.

Se o crime é praticado com o fim de auferir vantagem econômica, a pena não é majorada, mas se aplica também a multa, conforme previsto no parágrafo terceiro do dispositivo.

1.5.7. Competência

Diante da existência de tratados e convenções internacionais sobre o tráfico internacional de pessoas e do disposto do artigo 109, inciso V da Constituição Federal (“Aos juízes federais competem processar e julgar: os crimes previstos em tratado e convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”), a competência é da Justiça Federal.

1.5.8. Qualificação Doutrinária

O tráfico internacional de pessoas é crime comum, material, instantâneo e plurissubsistente. É crime comum, porque pode ser praticado por qualquer pessoa, sem distinção de sexo. Trata-se de crime material, uma vez que a lei penal faz referência à conduta e ao resultado, exigindo a ocorrência deste para a caracterização do momento consumativo. É instantâneo: consuma-se com a entrada ou saída da pessoa do território nacional, em certo e determinado instante, sem continuidade temporal.  É crime plurissubsistente, são necessários vários atos do sujeito para a sua configuração. (JESUS, 2010)

1.6. Tráfico Interno de Pessoa para fim de Exploração Sexual

O tráfico interno de pessoas foi inserido pela Lei nº 11.106/2005 e alterado pela Lei nº 12.015/2009, sendo que atualmente a redação do artigo 231-A é a seguinte: “Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual: Pena – reclusão, de 02 (dois) a 06 (seis) anos”.

1.6.1. Objetividade Jurídica

Tutela-se com o dispositivo a dignidade sexual da pessoa contra as diversas formas de exploração sexual, coibindo-se o seu incremento por atividades de aliciamento e de favorecimento do fluxo de pessoas dirigido a essa finalidade dentro do território nacional.

1.6.2. Sujeitos do Delito

Tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo podem ser qualquer pessoa. A lei não exige características ou condições específicas do agente ou da vítima para a caracterização do delito.

1.6.3. Tipo Objetivo

As condutas previstas no tipo são as de “promover” ou “facilitar” (cujos significados já foram objetos de estudo), o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual.

O parágrafo primeiro tipifica as mesmas condutas que o artigo anterior, acrescentando, contudo a ação de “vender” (transferir para outrem em troca de dinheiro) a pessoa traficada.

Com o tráfico de uma única pessoa já ocorre o delito. O consentimento do sujeito passivo é irrelevante para a configuração do crime. Caracteriza-se o delito mesmo na hipótese de pessoa que já exerça a prostituição ou já se encontre sujeita a outra forma de exploração sexual. Pratica, assim, o crime em estudo o agente que promove ou facilita o transporte ou o alojamento de pessoa para o atendimento ao denominado turismo sexual; aquele que por uma das condutas descritas colabora para que prostitutas exerçam o meretrício em outro local ou região do território nacional etc. (MIRABETE, 2010)

1.6.4. Tipo Subjetivo

O elemento subjetivo, à semelhança do tráfico internacional, é o dolo, a vontade livre de praticar uma das condutas previstas no caput ou no parágrafo primeiro do iludido artigo.

1.6.5. Consumação e Tentativa

O crime se consuma com a prática de uma das ações previstas no dispositivo, independentemente de que a pessoa traficada exerça efetivamente a prostituição ou se sujeite a outra forma de exploração sexual no local de destino. Trata-se, portanto, a exemplo do artigo 231, de crime de perigo.

A tentativa é plenamente possível, em qualquer das modalidades de conduta, visto que o iter criminis admite o fracionamento.

1.6.6. Causas de Aumento de Pena

As causas de aumento de pena para o tráfico interno de pessoas são idênticas as do tráfico internacional de pessoas, que já foram examinadas, aumentando-se, da mesma forma, da metade a sua pena.

1.6.7. Qualificação Doutrinária

Cuida-se de crime comum, formal, instantâneo e plurissubsistente.

Trata-se de crime comum, porque qualquer pessoa pode cometê-lo.

Constitui delito formal, porquanto não é preciso que a vítima efetivamente exerça a prostituição.

Cuida-se, ademais, de crime instantâneo, pois se consuma com o ato de promover ou facilitar o deslocamento de pessoa, em momento certo, sem continuidade temporal.

É crime plurissubsistente por admitir fracionamento do iter criminis. (JESUS, 2010)

CAPÍTULO II – DOS ASPECTOS HISTÓRICOS DO TRÁFICO DE PESSOAS

2.1. A origem da prática delituosa

O tráfico de pessoas é uma prática das mais antigas da humanidade. Era relacionado ao comércio vil e desumano, que perdura no tempo e, atualmente é confundido com outras práticas criminosas e de violação dos direitos humanos.

No território nacional, essa prática se iniciou com a colonização e o descobrimento do País, em 1500, o escravo é visto como a mercadoria mais apresenta lucratividade para os colonizadores.

A única riqueza encontrada no Brasil num primeiro momento foi o pau-brasil, que despendia de mão-de-obra pesada, o que parecia providencial era poder utilizar o trabalho daqueles tidos como escravos.

Dessa forma, em 1502 começou a vinda dos primeiros escravos para o Brasil, ao passo que, com o posterior cultivo da cana de açúcar, se fazia cada vez mais necessária a exploração dessa mão-de-obra.

Sabemos que a escravidão já existia na África antes da chegada dos europeus no continente, mas a escravidão se tornou um negócio lucrativo tanto para os africanos que escravizavam, quanto para os europeus que escravizavam escravos. A acentuação da escravidão na África aconteceu porque as vendas de escravos para a América se tornou uma lucrativa atividade. (CARVALHO, 2014)

Assim, o número de negros importados para a escravidão era cada vez maior, sendo que o Brasil figurava como o maior importador desses homens. Entre 1502 e 1860, mais de 9 milhões e meio de africanos foram exportados para as Américas. (MATTOSO, 1981)

2.2. A escravidão

A escravidão pode ser definida como uma forma de exploração, cuja característica específica se encontra numa relação entre dois seres humanos, um considerado sujeito e proprietário e outro considerado objeto e propriedade. O escravo era um objeto de propriedade, alienável e submetido ao seu senhor, uma pessoa sem direitos, que podia ser destinada a qualquer tipo de trabalho, punida, dependendo da vontade do seu senhor, morta como vítima de sacrifícios, comprada ou vendida como mercadoria, dentro ou fora da comunidade de origem. (SOUZA, 2014)

Na verdade, acreditava-se que os negros eram mais fortes e mais resistentes à doenças e pragas da época, por isso enchiam tanto os olhos dos europeus, pois teriam mão-de-obra barata, rentável, e que dificilmente lhes trariam alguma despesa.

Com o crescimento descontrolado das riquezas daqueles que escravizavam, outras nações passaram a ter interesse nessa prática, vez que era a perfeita combinação para o aumento de seus lucros. Outro fator que contribuiu para o tráfico negreiro foi o fato de, nem o Estado, nem a Igreja, condenavam a exploração dos escravos-africanos.

O Homem sendo tratado como um objeto não é pensamento recente, pois os negros-africanos, ao desembarcarem nos países em que seriam escravizados e comprados pelos Senhores de engenho, recebiam marcas a ferro quente na pele para serem identificados a quem pertenciam e, a cada nova venda, uma nova marca no corpo lhe era feita.

Em meados do século XVI, onde o comércio cambial se fazia presente, os negros chegavam a ser trocados por fumo produzido no Brasil.

Mas com o passar do tempo, a sociedade começou a abrir os olhos para essa prática desumana que havia se tornado comum. Escritores chegaram a fazer textos sobre o repúdio que sentiam a respeito disso.

Sem dúvida, o poeta Castro Alves, notadamente demonstrou sua insatisfação com toda a situação que vivia o país. Em seu poema “Navio Negreiro” denuncia as condições de miserabilidade que existiam dentro dos navios que transportavam os negros, com fortes expressões descrevia as péssimas condições com que os negros eram acomodados. Não havia saneamento mínimo, vez que os mesmos eram acomodados em porões e ali passavam semanas e até meses, onde contraíam e transmitiam doenças para eles mesmos. (ALVES, 2014)

Em razão disso, muitos escravos não conseguiam concluir a viagem, ora por causa das doenças e pestes, ora em razão de espancamento.

Como se não bastasse, os senhores de engenho passaram a comprar também mulheres escravas da África e passaram a explorá-las de todas as formas, inclusive sexualmente. As escravas eram vendidas como mera mercadoria, conforme se denota do anúncio publicado no jornal “A Lei”, de São Paulo, em 1º de março de 1853, colacionado por Fonseca (1982, p. 124): “Escrava para vender – Vende-se uma boa escrava crioula de 15 anos de idade, sem vícios, moléstia ou defeito”.

CAPÍTULO III – DAS MODALIDADES DO TRÁFICO DE PESSOAS

O tráfico de pessoas é definido pela Organização das Nações Unidas (ONU), no Protocolo de Palermo (2003, ratificado pelo Brasil pelo Decreto n. 5.017, de 12 de março de 2004), nos seguintes termos:

a) A expressão “tráfico de pessoas” significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou o uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem, ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.

Necessário é, portanto, distinguir as variadas finalidades do tráfico de pessoas, sendo que este, ao contrário do que o senso acredita, não é apenas para o fim de exploração sexual, senão, vejamos:

3.1. Tráfico de Pessoas para fins de Exploração Sexual

"Mandava sua fotografia toda semana para a família, para dizer que estava tudo bem... Um dia ligou e pediu que comunicasse a Polícia Federal, a Embaixada, que as mulheres estavam todas retidas, todas presas... eram obrigadas a prostituir-se senão morriam de fome e muitas usavam drogas. Eu fiquei sem saber o que fazia...

Aplicaram overdose nela, soltaram na rua... morreu minha filha...Eu fiquei fazendo curso nessa rua, sem saber o que fazia...” (Relato de João Borges, pai de Simone Borges (23) que foi traficada e morta três meses depois de sua chegada à Espanha).

Essa modalidade de tráfico internacional de pessoas, já analisada, está definida no artigo 231 do Código Penal. Vale lembrar, que a Lei nº 12.015/2009 trouxe a nova redação nos seguintes termos:

Art. 231 – Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venham exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

3.2. Tráfico de Pessoas para fins de trabalho ou serviços forçados

No Brasil, a maioria dos trabalhadores escravos, vítimas do tráfico internacional de pessoa, está na área rural, em especial nas fronteiras agrícolas e nas frentes de trabalhos sazonais, onde a fiscalização e a possibilidade de fuga são mais difíceis.

Certo é que as condições de vida dessas pessoas são deploráveis. No tráfico de pessoa, as vítimas são enganadas e iludidas com promessas de um futuro melhor tão logo se mudem para o país de destino. Nessa espécie de tráfico não é diferente, as pessoas, procurando melhorar de vida, ou simplesmente vendo uma oportunidade de emprego, já que os índices de desemprego são muito grandes, se deixam enganar pelas falsas promessas e acabam vítimas desse crime.

Abaixo, um breve relato do cientista político e jornalista, Leonardo Sakamoto, que retrata a situação de muitos trabalhadores explorados em situações análogas à escravidão. O texto foi feito a partir de depoimentos colhidos por ele, em ações de fiscalização realizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, entre 2001 e 2004.

A pele de Manuel se transformou em couro, curtida anos a fio pelo sol da Amazônia e pelo suor de seu rosto. No Sudeste do Pará, onde boi vale mais que gente, talvez isso lhe fosse útil. Mas acabou servente dos próprios bois, com a tarefa de limpar o pasto. “Fizeram açude para o gado beber e nós bebíamos e usávamos também”.

Trabalhava de domingo a domingo, mas nada de pagamento, só feijão, arroz e a lona para cobrir-se de noite. Outro tipo de cerca, com farpas que iam mais fundo, o impedia de desistir: “O fiscal de serviço andava armado. Se o pessoal quisesse ir embora sem terminar a tarefa, eles ameaçavam, e aí o sujeito voltava”.

Na hora de acertar as contas, os “gatos” [contratadores de mão de obra a serviço do fazendeiro] informaram que Manuel e os outros tinham “comido” todo o pagamento e, se quisessem dinheiro, teriam que ficar e trabalhar mais. “Eles dizem que a lei não entra na fazenda”. Manuel fugiu e resolveu ir atrás dos seus direitos.

Com base em sua denúncia à Comissão Pastoral da Terra, uma equipe de fiscalização do governo federal            entrou, em dezembro de 2001, em uma propriedade rural, em Eldorado dos Carajás, Sudeste do Pará. Após ter seus direitos pagos pela fazenda, disse que tomaria o rumo de volta ao Maranhão para rever os filhos, depois de quatro anos. “Quem dá queixa tem de sair, porque senão dança. Perde a vida e ninguém sabe quem matou”. Sua intenção era começar de novo, mas de forma diferente. Pois o cativeiro é apenas a ponta de um novelo que, desenrolado, se inicia a própria terra de cada trabalhador.

Manuel nasceu às margens do Rio Parnaíba, numa cidade maranhense na divisa com o Piauí, no dia 8 de outubro. Do ano não se lembra, e os documentos que poderiam atestar sua idade se perderam. Acredita que tivesse em torno de 40 anos na época da libertação. Certeza fica para a quantidade de filhos: cinco, todos com o primeiro nome do pai. O mais novo tinha oito anos. Sua região possui água o ano inteiro por conta do rio. Terra é que é difícil. Morador de um vilarejo, não conseguiu área para fazer uma pequena plantação e, por isso, era obrigado a cultivar na propriedade de outros e dividir o resultado da produção de subsistência com o dono. “Se tivesse terra não teria vindo para o Pará”, explicou.

A família o acompanhou quando decidiu ir a Eldorado dos Carajás, atraído pelas histórias de trabalho farto naquela região de fronteira agrícola. Com o tempo, foram embora e ele continuou sozinho, de pasto em pasto. Em uma das oito vezes que pegou malária, parou o serviço para se tratar e ficou sem receber os 30 dias que tinha trabalhado. No mês seguinte à sua libertação da fazenda pelo grupo de fiscalização, tentei entrar em contato com Manuel em sua terra natal, para saber se tinha feito boa viagem e tomado rumo de uma vida melhor. Mas ninguém sabia do seu paradeiro. (SAKAMOTO, 2007)

A realidade do trabalho escravo atinge não só as áreas rurais, como também no âmbito do trabalho doméstico. O trabalho infantil doméstico é considerado perigoso e, portanto, é proibido até os 17 (dezessete) anos de idade. Todavia, o trabalho infantil doméstico segue sendo uma realidade no Brasil e as dificuldades de fiscalização tornam difícil detectar os abusos e exploração.

Por vezes, a exploração do trabalho doméstico é disfarçada por discurso de apoio e ajuda à criança ou adolescente para retirá-la da situação de pobreza. Normalmente, essas crianças não têm estudo ou informação, nem mesmo aceso à educação e, acabam sofrendo abusos físicos, sexuais e psicológicos por parte de seus empregadores. Dessa forma, são obrigadas a manter relações sexuais com os homens da família, são privadas de liberdade e submetidas a condições análogas à escravidão. Ainda, na maioria das vezes, essas vítimas estão distantes de suas casas e têm muito pouco contato com o mundo exterior e, às vezes, sequer dispõem de meios para comunicar-se com suas famílias.

O tráfico para fins de trabalho doméstico pode ser interno ou internacional. Infelizmente, segundo a Organização Internacional do Trabalho, ainda não se tem um número preciso dessa violação de direitos humanos.

3.3. Tráfico Internacional de Pessoas para fins de remoção de órgãos

Se existe prática pior que as modalidades anteriores de tráfico de pessoas, certamente é o tráfico para remoção de órgãos. Os traficantes oferecem grandes quantias em dinheiro para pessoas pobres e desempregadas doarem seus órgãos. Por vezes, o dinheiro não é dado e as condições pós-operatórias são inadequadas.

O número de pessoas exploradas com esse fim é cada vez maior. Elas são obrigadas a fornecerem seus órgãos para serem transplantados em outras pessoas. O problema se dá em razão de uma aguda escassez de órgãos para transplante em todo o mundo e uma desproporção entre a crescente demanda por transplantes e os estritos limites definidos nas fontes disponíveis.

Do mesmo modo que as condutas já analisadas, o tráfico de pessoas para remoção de órgãos faz suas vítimas pessoas com baixa instrução, que normalmente não possuem informação nenhuma, principalmente sobre esse crime. Isso se dá pela clandestinidade que é feita e o fato de as vítimas terem pouca oportunidade para denunciar, já que, em sua maioria, elas são pobres, desempregadas e com baixo nível educacional.

Além disso, quando terminado o procedimento, as vítimas ainda recebem ameaças, para não denunciarem o ato criminoso.

Além da violência crescente e da corrupção, o Brasil vive de algumas tragédias silenciosas. Uma delas está relacionada diretamente com algo que deveria salvar vidas, a doação de órgãos. Pela simples natureza de falta de controles, corrupção, sistema ineficaz, além da natureza maldosa do ser humano, muitas famílias têm suas vidas destruídas pela simples ganância do ser humano. (RIBEIRO, 2014)

O crime atinge quase todos os países, mas alguns deles têm maior incidência, como por exemplo, a China, Índia, Paquistão, Rússia e Brasil. Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, de todos os transplantes realizados no mundo, 5% (cinco por cento) estão relacionados diretamente com o tráfico de órgãos.

Pelos diversos relatórios internacionais de organismos que investigam o crime, como da própria interpol, a estrutura por trás do tráfico de pessoas para remoção de órgãos é extremamente inteligente e organizado, como uma verdadeira máfia envolta em sigilo e com “peixes” muito grandes da política, da medicina e de outros grupos criminosos.

Na China, o cometimento de crimes é providencial. Aqueles que são condenados à morte por delito que tenha cometido, são literalmente “aproveitados” para alimentar esse nefasto comércio.

O Blog EXAME Brasil no Mundo conversou com o brasileiro, residente em Londres, Paulo Pavesi que sofre na “pele” a tragédia do crime de tráfico de órgãos. Seu filho, Paulo Veronesi Pavesi, o Paulinho, na época com 10 anos, sofreu um acidente no playground do prédio que morava. Depois de diversos exames, foi constatado morte encefálica, e a família resolveu doar os órgãos. Mas o Paulo Pavesi desconfiou da conta hospitalar e dos procedimentos realizados, e a partir daí começou, com faro investigativo, uma das maiores batalhas de sua vida. O caso de Paulo Pavesi e de seu filho Paulinho, é mais um entre muitos da tragédia silenciosa que acontece diariamente no mundo e no Brasil. Os médicos envolvidos no caso de Paulinho estão presos. Os mesmos foram condenados pela justiça, mas absolvidos pelo Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, onde o caso ficou conhecido como o caso de “Poços de Caldas”. (RIBEIRO, 2014)

CAPÍTULO IV – DO TRÁFICO DE PESSOAS SOB A ÓTICA DO DIREITO INTERNACIONAL

O Brasil adota o sistema “Dualismo” no Direito Internacional, tomando-se por base toda a Constituição e leis nacionais. Os sistemas internacional e interno são independentes e distintos de tal modo que a validade jurídica de uma norma interna não se condiciona à sua sintonia com a Ordem Internacional.

4.1. Princípios Internacionais

Para que se possa entender a relação que há entre a legislação brasileira e a estrangeira, bem como a forma de sua aplicabilidade, principalmente no que diz respeito ao tráfico de pessoas, necessário é conhecer os princípios que regem as relações estatais.

4.1.1.      Princípio da Soberania

Por soberania nacional, entende-se a autoridade superior que sintetiza politicamente e segundo os preceitos de direito, a energia coativa do agregado nacional. Não se deve confundir com “autonomia”.

Esse princípio é também um dos três elementos que constitui um Estado (em conjunto com território e povo). Nenhum país tem autoridade sobre outro, ao passo que nenhum poderá se impor a qualquer outro. É em razão deste princípio que se tem dificuldade em discernir qual lei será aplicada quando, por exemplo, um mesmo crime ocorre em países diversos.

4.1.2.      Princípio da Igualdade

Pelo princípio da igualdade, todos os Estados são iguais perante a ordem jurídica internacional, sem considerações de ordem econômica, social, cultural ou política.

4.1.3.      Princípio da Boa-fé

O princípio da boa-fé é dividido em boa-fé subjetiva, entendendo-se por tal a crença de que o que fica acordado será realmente cumprido; e objetiva, sendo o aspecto material da boa-fé. É o principio geral que estabelece um roteiro a ser seguido         nos negócios jurídicos, incluindo normas de condutas a serem seguidas pelas partes.

Por este princípio, os tratados e convenções assinados por diferentes países devem ser cumpridos, pois, um Estado presume que o outro proceda pelo princípio da boa-fé.

Em decorrência deste, tem-se a chamada cláusula “pacta sunt servanda”, onde, o que foi acordado pelas partes deve por elas ser cumprido.

4.1.4.      Princípio da Não-Agressão e da Solução Pacífica dos Conflitos

Pelo princípio da não-agressão, os Estados não utilizarão o uso da força ou violência relacionada à invasão territorial.

Já a solução pacífica dos conflitos permite que os Estados se utilizem dos meios diplomáticos aos meios coercitivos a fim de que se estabeleça uma solução plausível e sem o uso de violência, caso contrário, uma guerra de poder poderia acontecer, vez que todo Estado é soberano.

4.2.      Acordos Internacionais assinados pelo Brasil em relação ao Tráfico de Pessoas

Seguindo os princípios supramencionados, o Brasil assinou e ratificou vários tratados e convenções, inclusive sobre o tema abordado. É importante salientar o quanto os órgãos da justiça e do governo são empenhados em minimizar os efeitos devastadores do tráfico de pessoas.

Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), os direitos humanos são vistos como direitos universais que devem ser garantidos de forma inter-relacionada e interdependente. Não há, portanto, como dizer que um direito é mais importante que o outro, ou que um país tem maior aplicabilidade em relação a esses direitos do que o outro.

4.2.1. Protocolo de Palermo

Sem dúvida, o grande avanço na legislação brasileira foi a assinatura do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional para Prevenir, Reprimir e Sancionar o Tráfico de Pessoas, especialmente o de Mulheres e Crianças, mais conhecido como Protocolo de Palermo, promulgado pelo Decreto nº 5.107, de 12 de março de 2004, do qual o Brasil é signatário desde dezembro de 2000.

Esse tratado é, com certeza, o mais importante no que se diz respeito às políticas de repressão ao tráfico internacional de pessoas. Foi a partir desse instrumento que o Brasil pôde modificar sua legislação interna, onde o Código Penal deixou de prever o crime de tráfico de pessoas apenas quando praticado contra mulheres. Além disso, com o advento da lei nº 11.106/2005, o Código Penal passou a tipificar dois crimes: o de tráfico internacional de pessoas no artigo 231 e o tráfico interno de pessoas no artigo 231-A. A partir dessa alteração, qualquer pessoa, seja homem, mulher, adulto, criança ou adolescente, pôde ser reconhecida como vítima desse delito.

Todavia, o ordenamento jurídico brasileiro continua incompleto, pois trata do tráfico interno e o tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual. O tráfico para fins de trabalho escravo e comércio de órgãos não possuem regulamentação específica. Esse último já é tipificado como crime no País, mas não existe regulamentação específica para a situação de tráfico com a finalidade de remoção e comercialização de órgãos. Por outro lado, as ações de enfrentamento ao trabalho escravo têm se apoiando no crime tipificado no artigo 149 do Código Penal Brasileiro – “reduzir alguém à condição análoga à de escravo”.

Outra previsão importante trazida pelo Protocolo de Palermo, além da criminalização das pessoas e organizações que lucram com o tráfico de seres humanos no mundo, é a proteção às vítimas.

Em seu artigo 6º, o Protocolo enumera várias medidas que os Estados deverão tomar em relação às vítimas do tráfico internacional de pessoas, como, por exemplo, o fornecimento de apoio e assistência médica, psicológica e material, dentre outras.

Apesar dessa previsão, infelizmente não é o que se verifica por parte dos Estados. Isso porque, na maioria das vezes, a partir do entendimento das autoridades, as vítimas do tráfico de pessoas são tidas como migrantes irregulares, o que afasta a aplicação do Protocolo de Palermo e atrai a aplicação do Protocolo Adicional À Convenção das Nações Unidas contra o Crime Transnacional        Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea. Por ele, os migrantes irregulares não possuem direito de assistência nos mesmos moldes das vítimas do tráfico de pessoas. Assim, essas pessoas, que são vítimas desse terrível crime, acabam por ser deportadas para seus países de origem e não recebendo qualquer auxílio psicológico, médico ou material.

4.2.2. Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas

Posteriormente, o Decreto nº 5.948, de 26 de outubro de 2006, aprovou a Política Nacional de Enfrentamento ao tráfico de Pessoas que instituiu princípios, diretrizes e ações para coibir a prática do tráfico.

A Política Nacional traz em seu bojo um enfoque norteador de seus fins: a prevenção ao tráfico, de forma a atuar com ênfase dentre os principais grupos de pessoas que estejam sujeitos à exploração, bem como inibindo as ações dos aliciadores; a repressão, ou seja, o combate direto aos traficantes, não só lhes impondo as sanções cabíveis, mas também buscando, por meio da interação com outros governos, a desarticulação das redes criminosas; e ainda, a atenção às vítimas, que constitui o amparo psicológico, jurídico e assistencial, de forma geral, aos que conseguem desprender-se da situação de exploração e encontram dificuldades para regressar ao seu local de origem e também de reinserir-se na sociedade.

4.2.3. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher

Também conhecida por “Convenção do Belém do Pará”, concluída em junho de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher foi ratificada pelo Decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996 e define a violência contra a mulher como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado” (grifo nosso).

O que se vê, pois, é uma violação de diversos ordenamentos jurídicos quando se fala no tráfico de pessoas, especialmente contra as mulheres, que atualmente ainda são a maioria em número de vítimas.

De acordo com o Ministério da Saúde, as vítimas que procuram os serviços de saúde são na maioria mulheres, na faixa etária entre 10 a 29 anos. Há uma maior incidência nas vítimas que possuem de 10 a 19 anos. O que é comum é serem atraídas pela oportunidade de realizarem o tão almejado sonho de ser modelo. É um mundo que toda garota quer entrar e quando recebem a falsa proposta, dificilmente negam.

4.2.4. Tribunal Penal Internacional

O Tribunal Penal Internacional foi criado através do Tratado de Roma em 17 de julho de 1998 para julgar os crimes graves contra a humanidade, visando extirpar a impunidade aos crimes internacionais. O Brasil assinou o Pacto em 2000, tendo o ratificado no ano de 2002 após aprovação do Congresso Nacional, por meio do Decreto nº 4.388 de 25 de setembro de 2002.

A objetividade da criação do Tribunal Penal Internacional é o de proteger a dignidade da pessoa humana valendo-se da repressão e punição aos crimes que atentem contra este preceito.

Firmou-se por meio do conceito de jurisdição universal, a ideia de que há certos delitos cuja repressão interessa não apenas ao Estado onde ele se verificou, mas a toda comunidade internacional. Assim sendo, a soberania dos Estados será exercida, também, nas ações conjuntas no plano internacional. (QUEIJO; RASSI, 2010)

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional (1998) define os crimes internacionais de escravidão sexual e de prostituição forçada como crimes contra a humanidade e guerra. A escravidão sexual é, segundo o Estatuto, a conduta de exercer um dos atributos do direito de propriedade sobre uma pessoa, tal como comprar, vender, dar em troca ou impor alguma privação ou qualquer outra forma e reduzir alguém à condição análoga à escravidão.

CAPÍTULO V – DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

É evidente que o delito em estudo tem como um de seus principais fatores a vulnerabilidade social, que está relacionada com a violação dos direitos humanos, em especial à violação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Esses direitos estão previstos na Magna Carta, no capítulo sobre os direitos fundamentais e, como exemplo, podemos citar o direito à educação, saúde, moradia, alimentação, emprego, renda, lazer e cultura.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrente do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A violação desses direitos se materializa na falta de serviços de saúde e educação de qualidade, na gigantesca desigualdade social e econômica, na discriminação de mulheres e negros, nos elevados índices de desemprego que atingem esse grupo da população. Os obstáculos enfrentados por mulheres, negros e outros grupos da sociedade para realizarem seus projetos de vida, como ter um trabalho reconhecido e um nível de renda satisfatório, também constituem elementos que colocam essas pessoas em situação de vulnerabilidade ao tráfico.

De um modo geral, a migração está associada à busca por melhores condições de vida e de trabalho. Os motivos econômicos, o desejo de ganhar dinheiro ou comprar uma casa, por exemplo, se associam a outras motivações, como a busca por ascensão social, ou mesmo à fuga de situações de guerra, de desastres naturais, de discriminação e perseguições baseadas na origem étnica, racial e sexual ou na religião.

As leis migratórias elaboradas pelos países europeus e os Estados Unidos, têm como objetivo principal conter e reprimir a migração. Não conseguindo migrarem de forma regular, os imigrantes muitas vezes arriscam suas vidas e integridades físicas para entrarem em outros países, expondo-se a diversas privações e violações de direitos, o que enseja em se tornar vítima do tráfico de pessoas.

5.1. Proteção das Crianças e Adolescentes

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA define criança como sendo a pessoa de 0 (zero) a 12 (doze) anos de idade incompletos, e adolescente a pessoa de 12 (doze) a 18 (dezoito) anos.

O fato é que criança e adolescente são pessoas que ainda estão em desenvolvimento e, em função disso, têm direito à proteção especial e integral. Atualmente, está implantada a ideia nas pessoas de que a infância tem um valor em si mesmo que deve ser resguardado social e institucionalmente.

Com o passar do tempo, as crianças e adolescentes tiveram maior proteção com os avanços na legislação brasileira. Os tratados internacionais que mais se destacam são a Declaração dos Direitos da Criança e a Convenção sobre os Direitos das Crianças, ambas ratificadas pelo Brasil.

Ainda é comum a vitimização de crianças e adolescentes no tráfico de pessoas.  Na maioria das vezes, as crianças são traficadas para fins de trabalho escravo, e os adolescentes, em sua maior parte, garotas, são traficadas para fins de exploração sexual.

A responsabilização nesse caso, deve ir além dos sujeitos ativos do delito, chegando aos pais, se tiverem conhecimento do fato ou não tomarem as devidas precauções, já que têm o dever jurídico de proteção à essas pessoas

CAPÍTULO VI – OUTROS DADOS SOBRE O TRÁFICO DE PESSOAS

Como já explanado, muitas das vezes as próprias vítimas impedem que a Polícia Federal chegue até os aliciadores e os prendam, seja porque neles encontraram uma oportunidade de mudar de vida, seja porque encontraram um afeto que outrora não tinham.

Segundo o Ministério da Justiça, entre 2005 e 2011 a Polícia Federal (PF) registrou 157 (cento e cinquenta e sete) inquéritos por tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual, enquanto que o  Poder Judiciário, segundo o Conselho Nacional de Justiça, teve 91 (noventa e um) processos distribuídos.

Os números ainda revelam que foram instaurados no total 514 (quinhentos e quatorze) inquéritos pela Polícia Federal entre 2005 e 2011, dos quais 13 (treze) de tráfico interno de pessoas e 344 (trezentos e quarenta e quatro) de trabalho escravo. Os dados foram alcançados com o primeiro relatório elaborado pela Secretaria Nacional da Justiça, do Ministério da Justiça.

Quanto a prisões e indiciamentos, no período entre 2005 e 2011, a Polícia Federal indiciou 381 (trezentos e oitenta e um) suspeitos por tráfico internacional de pessoas para exploração sexual. Desse total, 158 (cento e cinquenta e oito) foram presos. Ou seja, menos da metade dos crimes levou à punição do criminoso. O relatório aponta que há uma dificuldade em reunir provas do crime, o que dificulta a punição. O registro do tráfico também é dificultado pela própria legislação penal, que é inadequada, pois prevê somente o tráfico para fins de exploração sexual, deixando a margem do sistema outras modalidades como o tráfico para fins de remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo e o tráfico para fins de trabalho escravo.

Segundo relatório do Sistema Nacional de Estatísticas de Segurança Pública e Justiça Criminal (SINESPJC) da Polícia Militar, houveram 1.735 (mil, setecentos e trinta e cinco) vítimas de tráfico interno de pessoas para fins de exploração sexual, entre 2006 e 2011. Embora os dados de vítimas de tráfico interno sejam maiores que os de tráfico internacional, não é possível apontar que haja mais ocorrências de um do que o de outro.

6.1. Perfil das Vítimas

 A grande maioria das vitimas de exploração sexual, turismo e trafico é do sexo feminino e, a maior parte delas é negra.

As mulheres e adolescentes em situação de tráfico são da classe popular, de baixa renda, com baixa escolaridade, habitam espaços urbanos periféricos com carência de saneamento, transporte etc., moram com algum familiar e têm filhos;

A história é sempre a mesma: os criminosos apresentam uma oportunidade de emprego, ou um namorado chama para ir ao exterior ou até mesmo brincam com o sonho dessas garotas de serem modelos. Eles pagam todas as despesas com a viagem, documentação, passagem, alimentação, dizem que é por conta da empresa contratadora e, quando chegam no país de destino, lhes informam que estão devendo o dinheiro gasto, o que as obrigam a trabalharem e serem exploradas. Não lhes é repassado o valor integral do serviço, muito pelo contrário, o que lhe dão é suficiente apenas para sustentar-se e, aquela dívida que a cada dia fica cada vez maior, jamais é paga.

Muitas nunca trabalharam como  profissionais do sexo antes de serem traficadas, mas a maioria traz na sua história de vida experiências de violência física e psicológica como estupro, abandono, negligência, maus-tratos, abuso e exploração sexual, muitas vezes intrafamiliar.

Algumas garotas sofrem agressões físicas e psicológicas e, por conta de tudo o que acontece, muitas das vezes elas  contraem doenças, que não são tratadas de forma devida. Muitas delas chegam a morrer, seja por falta de tratamento médico, seja porque foram mortas pela organização.

6.2. Os Traficantes

O traficante pode exercer várias funções na rede do tráfico, dentre elas:

Recrutador é a pessoa encarregada de convidar as vítimas ou convencê-las a consentir com o transporte, mediante fraude, tais como promessas de emprego, estudo ou casamento. Trata-se uma pessoa física, ou às vezes até jurídica que, busca persuadir o indivíduo a realizar a viagem.

Transportador é aquele ou aquela que é responsável pelo transporte da vítima. Às vezes, o transportador acompanha a vítima até o seu destino final, outras somente a acompanha até o embarque ou providencia os documentos/passagem necessários para o transporte.

Explorador é aquele ou aquela que explora a vítima nas diversas modalidades, tais como a exploração sexual, o trabalho forçado, o trabalho escravo, a remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo e a adoção ilegal.

Responsável pelo Alojamento é aquele ou aquela que mantém a vítima sob seu poder, em alojamento que fica sob sua responsabilidade de manutenção. Este também mantém a segurança do estabelecimento e, portanto, a vigilância sobre a vítima.

Gerente é o responsável pela administração dos negócios.

Financiador /Beneficiário Principal é, em regra, o(a) chefe da organização, que detém a maior parte dos lucros e/ou que financia a prática criminosa, fornecendo dinheiro para o pagamento de transporte, locomoção de vítima e traficantes, manutenção dos estabelecimentos etc.

Dados da Polícia Federal revelam que são as mulheres em maioria as aliciadoras, recrutadoras ou traficantes, que somam cerca de 55% (cinquenta e cinco por cento) dos indiciados. Já o Departamento Penitenciário revela um número maior de homens presos por atividades criminosas relacionadas ao tráfico de pessoas. No Ministério da Saúde, cerca de 65% (sessenta e cinco por cento) dos casos de agressão a vítimas de tráfico de pessoas foram cometidos por homens.

Os aliciadores brasileiros vêm de todas as classes sociais, alguns pertencem às elites econômicas, são proprietários ou funcionários de boates, e muitos exercem funções públicas nas cidades de origem ou de destino do tráfico de mulheres, crianças e adolescentes.

Muitas das vezes, as vítimas são obrigadas a aliciar outras mulheres e acabam se juntando à organização criminosa para a preservação de suas vidas.

Vale lembrar que há nessas pesquisas e diagnósticos uma certa fragilidade dos dados sobre tráfico de pessoas, pois há instituições que ainda não estão preparadas para registrar esse tipo de crime, contribuindo para a subnotificação.

6.3. Principais Rotas

As regiões mais atingidas pelo tráfico de mulheres, crianças e adolescentes são a Norte e a Nordeste, as mais pobres do Brasil.

A Amazônia apresenta o maior número de rotas de tráfico. As características geográficas e culturais da Amazônia podem ser fatores que favorecem o processo de tráfico de seres humanos.  A história da região e os planos para seu desenvolvimento, através de fronteiras extensas, com sete países vizinhos; seu isolamento geográfico e precária infraestrutura, sem fiscalização nas fronteiras; e a migração desordenada, entre outros elementos são apresentados como grandes problemas.

Uma característica particular do tráfico de mulheres na Amazônia é a existência de minas de ouros e projetos de desenvolvimento,  áreas onde têm muitos homens trabalhando longe das famílias, o que provoca tráfico com o fim de prostituição.

A região do Nordeste fica em segundo  lugar no ranking do tráfico de seres humanos no Brasil. Nela, os Estados do Maranhão e de Pernambuco  apresentam o maior fluxo de tráfico.

O que facilita o tráfico na região é a presença de aeroportos internacionais, grandes portos,  a existência de facilidades para o enraizamento das redes criminosas na vida econômica e social local, a corrupção e a fragilidade das políticas de segurança e justiça nos níveis estadual e municipal.

Conforme a Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fisn de Exploração Sexual Comercial no Brasil – PESTRAF (2002), os países considerados fonte do tráfico de pessoas são: Gana, Nigéria e Marrocos, na África; Brasil e Colômbia, na América Latina; República Dominicana, no Caribe; Filipinas e Tailândia, no sudeste da Ásia, enquanto os principais países de destino das vítimas são: Espanha, Itália, Portugal, Holanda, Venezuela, Paraguai, Suíça, Estados Unidos, Japão, Alemanha e Suriname.

Conforme Damásio E. de Jesus (2003, p. 138):

Crianças são traficadas da China para trabalhar na indústria do sexo na Tailândia, enquanto crianças da Coréia e do Vietnã são traficadas para a China. Meninas e jovens são traficadas da Tailândia para a África do Sul, através de Singapura, enquanto crianças provenientes de diversos países da África são traficadas em direção ao Sudeste Asiático, via África do Sul. No Sudoeste Europeu, mulheres e crianças são frequentemente traficadas pelas mesmas rotas pelas quais passam o tráfico de drogas e armas.

6.4. Rede de Enfrentamento

Em 2002 o governo federal implantou os Comitês Estaduais para prevenção e Combate do Tráfico de Seres Humanos nos Estados de maior índice de pessoas traficadas, durante a pesquisa foi possível identificar que a nível nacional os estados de São Paulo, Bahia, Goiás e Pernambuco, lideram o ranking de pessoas traficadas. Tendo como principal destino a Espanha devido à alta incidência do comércio do sexo neste país.

Em 2006 foi aprovado o Decreto 5.948 de 26 de outubro que aprova a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Institui o grupo de trabalho Interministerial ao Tráfico de Pessoas, que ficou conhecido como PNETP.

O Decreto 6.347 de 08 de janeiro de 2008, aprova o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas - PNETP e institui o Grupo Assessor de Avaliação e Disseminação do referido Plano e que tem por objeto prevenir e reprimir o tráfico de pessoas, responsabilizar os seus autores e garantir atenção às vítimas, nos termos da legislação em vigor e dos instrumentos internacionais de direitos humanos.

Em 04 de fevereiro de 2013, por meio do Decreto 7.901 foi instituída a coordenação tripartite e o comitê nacional para coordenar a gestão estratégica e integrada da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Cujas atribuições de acordo com art. 2º consistem em: “analisar e decidir sobre aspectos relacionados à coordenação das ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas no âmbito da administração pública federal; conduzir a construção dos planos nacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas e coordenar os trabalhos dos respectivos grupos interministeriais de monitoramento e avaliação; mobilizar redes de atores e parceiros envolvidos no enfrentamento ao tráfico de pessoas; articular ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas com Estados, Distrito Federal e Municípios e com as organizações privadas, internacionais e da sociedade civil; elaborar relatórios para instâncias nacionais e internacionais e disseminar informações sobre enfrentamento ao tráfico de pessoas; e subsidiar os trabalhos do Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, propondo temas para debates”.

Apesar do desempenho estatal para reprimir o tráfico humano, ainda é possível deparar-se com alguns obstáculos, como a dificuldade em se identificar a atuação criminosa, pois trata-se de um delito silencioso onde as associações amedrontam suas vítimas, impossibilitando a investigação e uma punição eficaz.

Atualmente, o Brasil conta com 16 (dezesseis) Núcleos de Atendimentos a Vítimas de Tráfico de Pessoas e 11 (onze) Posto de Atendimento ao Migrante. Em geral, os Postos se localizam em locais de grande circulação de pessoas e atuam basicamente na orientação e esclarecimento de dúvidas, acolhimento de denúncias, e encaminhamentos diversos.

6.5. Campanha Coração Azul

O Coração Azul representa a tristeza das vítimas do tráfico de pessoas e lembra da insensibilidade daqueles que compram e vendem outros seres humanos. O uso da cor azul das Nações Unidas também demonstra o compromisso da Organização com a luta contra esse crime que atenta contra a dignidade humana.

A campanha Coração Azul busca conscientizar sobre o problema e inspirar aqueles que detêm poder de decisão a promover as mudanças necessárias para acabar com esse crime. Além disso, a campanha arrecada doações para ajudar as vítimas e minimizar o sofrimento.

A Campanha Coração Azul, iniciativa global das Nações Unidas contra o Tráfico de Pessoas, ganhou a adesão do Governo Brasileiro em Maio de 2013. Está cada vez mais ganhando espaço no território mundial e no Brasil vem desempenhando um excelente trabalho, atingindo, sem dúvida, o seu propósito que é o de conscientizar a população a respeito desse crime.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tráfico de pessoas não é das questões mais simples, visto que uma série de fatores inter-relacionados colaboram para que as vítimas caiam nessa capciosa armadilha. Sem dúvida, a principal causa que influi para tanto é a pobreza, a falta de emprego e acesso à educação, ou seja, a desigualdade social. No anseio de buscar um futuro melhor, as vítimas sequer se dão conta que, quando no país de destino, o sonho virará pesadelo.

Para o combate deste crime grandes desafios são apresentados relacionados ao controle e fiscalização dos fluxos migratórios, à atuação da justiça, ao atendimento das vítimas e à prevenção. O enfrentamento ao tráfico de pessoas, portanto, demanda uma grande articulação entre os órgãos estatais, organizações da sociedade civil e comunidade brasileira. Essa última, apesar de seus discursos moralistas, aceita e até mesmo concordam com a prática do tráfico de pessoas, vez que, simplesmente ignoram quando se deparam com pessoas que estão sendo vítimas desse crime, principalmente aquelas exploradas sexualmente, como se fossem um nada, como se fossem o lixo da sociedade.

O fato é que, enquanto não houver maior empenho por parte dos governos brasileiro e estrangeiros, enquanto existir verdadeira “máfia” e corrupção dentro dos órgãos públicos fiscalizadores e a sociedade continuar fechando os olhos para essa realidade que a cerca, esse comércio absurdo, seja para fins de exploração sexual, seja para o trabalho escravo, seja para a remoção de órgãos, continuará sendo o segundo mais rentável em termos de lucratividade e o maior dizimista de vítimas em todo o mundo.

Quando se fala em tráfico de pessoas, se tem uma imagem muito distante daquilo que realmente é. A maioria das pessoas não faz ideia da dor e do sofrimento que há atrás desse delito. Verifica-se que se trata de um crime sem amparo social, o qual atende cerca de 2,5 milhões de vítimas e movimenta aproximadamente, 32 bilhões de dólares por ano, ficando atrás apenas do tráfico internacional de drogas e armas.

As associações criminosas viram nesse meio um comércio extremamente lucrativo, pouco importando, para eles, os sentimentos das pessoas e muito menos com seus direitos constitucionalmente previstos. O tratamento com as vítimas é de verdadeiro descaso, é como se fossem realmente uma mercadoria que, quando não serve mais, se joga fora, dá um fim.

Infelizmente, o tráfico de pessoas é mais comum do que muitos pensam e está mais próximo do que se pode imaginar. Dados comprovam que o Brasil é um grande “exportador” de pessoas para o tráfico.

 Diferentes são as formas que pode induzir a vítima: proposta de emprego, casamento, ascensão no mundo da moda como modelos, ou até mesmo conhecidos ou parentes que, fraudulentamente as atraem para o exterior.

 Apesar do grande esforço por parte do governo federal, ainda se peca muito em relação ao enfrentamento do tráfico de pessoas no Brasil. Prova disso é a dificuldade que a Polícia Federal tem de obter sucesso em apreensões do gênero.

Por outro lado, não se pode esperar que os órgãos estatais tomem as providências necessárias, visto que esse comércio, como já mencionado, é bastante rentável e várias pessoas não têm o interesse de exterminar com esse crime. Dessa maneira, é necessário que a sociedade como um todo pare de ser negligente e comece a olhar em volta que, certamente, encontrará uma vítima do tráfico de pessoas.

A adesão a campanhas dos mais diversos seguimentos pode ser um primeiro passo para sair da mesmice envolta pela estabilidade social e econômica. Mas, principalmente, estar consciente que se deve, em caso de conhecimento de vítima do tráfico de pessoas, se denunciar, imediatamente, com vistas a obter êxito na apreensão dos aliciadores de forma eficaz.

Por fim, o que se pode concluir deste trabalho científico é a extrema importância dos planos em conjunto do Estado e da população no enfrentamento ao tráfico de pessoas, e dos programas de apoio às vítimas e seus familiares; alertar a população em geral sobre como se proceder diante das situações de tráfico humano, bem como cientificá-los das consequências que a prática de tal ato ilícito acarreta ao meio social, encorajando as vítimas a notificarem as autoridades competentes a respeito do que sofreram.

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Dyéssica Souza

Advogada, Funcionária Pública e caminhando para a Magistratura.

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