Direito ambiental: a atuação do sistema judiciário para tutela dos animais

Exibindo página 4 de 4
Leia nesta página:

Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:

Signatário (a):

ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061

Nº de Série do Certificado:

602B748827A71828

Data e Hora:

09/10/2014 16:58:32


 

D.E.

Publicado em 17/10/2014

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0002771-12.2003.4.03.6115/SP

   

2003.61.15.002771-2/SP

 

RELATOR

:

Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO

APELANTE

:

Uniao Federal

ADVOGADO

:

SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO

APELADO(A)

:

Ministerio Publico Federal

PROCURADOR

:

RONALDO RUFFO BARTOLOMAZI e outro

APELADO(A)

:

Ministerio Publico do Estado de Sao Paulo

PROCURADOR

:

MARCOS ROBERTO FUNARI e outro

PARTE RÉ

:

MIGUEL DA SILVA LIMA

ADVOGADO

:

SP050586 GERALDO LUIS RINALDI e outro

PARTE RÉ

:

SERGIO RIBEIRO DA SILVA

ADVOGADO

:

SP101241 GISMAR MANOEL MENDES e outro

REMETENTE

:

JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE SAO CARLOS > 15ª SSJ > SP

No. ORIG.

:

00027711220034036115 2 Vr SAO CARLOS/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. DEGRADAÇÃO DE MATA ATLÂNTICA E DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESPONSABILIDADE DOS OCUPANTES E PROPRIETÁRIO. OBRIGAÇÃO REAL. ASSENTAMENTO DE TRABALHADORES. INVIABILIDADE. REMANESCENTE DE MATA ATLÂNTICA EM ESTÁGIO AVANÇADO DE REGENERAÇÃO. CRIAÇÃO DE UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. ATO POLÍTICO. EXCLUSÃO DE MULTA. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDAS.

I. A Lei n° 4.771/1965 efetivamente dá uma atenção especial aos terrenos com inclinação entre 25 e 45 graus e às margens de curso d'água: enquanto que o aproveitamento econômico dos primeiros se restringe à extração de toros (artigo 10), as segundas configuram área de preservação permanente, insuscetível de exploração (artigo 2°).

II. A severidade do regime se notabiliza ainda mais diante de remanescentes de Mata Atlântica - Floresta Estacional Semidecidual.

III. O Decreto n° 750/1993, ao regulamentar o uso do bioma, veda, em alguns casos, a supressão da vegetação - abrigo de espécies em extinção, função de corredor ecológico, valor paisagístico - e, em outros, impõe o licenciamento, com motivação aprisionada - utilidade pública ou interesse social.

IV. O desmatamento feriu legislação delicada do meio ambiente e sujeita os responsáveis à reparação dos danos causados, independentemente da existência de culpa (artigo 14, §1°, da Lei n° 6.938/1981).

V. Os laudos técnicos atestam que Miguel da Silva Lima e Sérgio Ribeiro da Silva ocuparam as três glebas mesmo após o registro da propriedade em nome da União, cultivaram inicialmente milho nos 65 hectares, substituíram depois a cultura por cana-de-açúcar e, como meio de otimização da produção, criaram uma servidão de passagem nas margens do ribeirão Pântanos.

VI. A União também responde pelo processo de degradação. Após o trânsito em julgado da condenação criminal proferida contra Miguel da Silva Lima e a decretação de perdimento dos proveitos do crime, ela adjudicou as três glebas. A carta foi registrada na data de 20/10/1993 no CRI de Descalvado.

VII. A União demorou dez anos para propor a ação reivindicatória e permitiu que os ocupantes de má-fé poluíssem o meio ambiente. Se houvesse administrado corretamente o patrimônio imobiliário, a ponto de verificar na região um ponto de extrema sensibilidade ecológica, teria poupado ou minimizado as infrações praticadas pelos réus.

VIII. De qualquer jeito, a obrigação de recuperação e restauração dos recursos ecológicos tem natureza real, ou seja, adere à coisa. O novo Código Florestal estabelece expressamente que o dever de preservação vincula qualquer um que venha a assumir a propriedade ou a posse de espaço degradado (artigo 2°, §2°).

IX. A proibição de desmatar persiste e não é atenuada ou mesmo revogada pela execução do projeto de reforma agrária.

X. O Decreto n° 750/1993 veda o corte, a supressão e a exploração de vegetação de Mata Atlântica que sirva de refúgio a espécies da fauna em extinção (artigo 7°). O licenciamento nessas circunstâncias não se viabiliza.

XI. O laudo técnico do DPRN, o do assistente do Ministério Público do Estado de São Paulo e o do perito judicial expõem que as fazendas abrigam animais oficialmente raros ou em risco de desaparecimento, como o lobo guará, jaguatirica, onça parda, jaguarundi, entre outros.

XII. A Lei n° 11.428/2006, ao revogar o Decreto n° 750/1993 e interditar, nos moldes antigos, a supressão de formação vegetal que abrigue espécies ameaçadas de extinção, traz uma novidade: estende a proibição para as propriedades rurais que não respeitem as áreas de preservação permanente e a reserva legal (artigo 11, I, a, e II).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

XIII. Uma parte das margens do ribeirão dos Pântanos - APP - está degradada e não consta a demarcação ou a aprovação da reserva legal. A União, como titular dos imóveis desde a data de 20/10/1993, não cumpre a norma ambiental nesse aspecto.

XIV. A Lei n° 11.428/2006, nos artigos 3°, VIII, b e 14, caput, repete de certo modo a alteração efetuada no Código Florestal de 1965 pela Medida Provisória n° 2.166-67/2001: veta a derrubada de matas primitivas ou regeneradas de modo substancial para satisfazer interesse social, que inclui o assentamento de trabalhadores e a colonização ligada à reforma agrária (artigo 3°, V, da Lei n° 12.651/2012).

XV. Portanto, a implantação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável do INCRA, que se baseia justamente naquele sistema de produção, não conta com o apoio da legislação ambiental.

XVI. A previsão de multa pecuniária para o estabelecimento de unidade de conservação perde o sentido. A discricionariedade do ato é incompatível com o emprego de quaisquer mecanismos judiciários de pressão.

XVII. A solução dada às despesas processuais e aos honorários de advogado reproduz os fins do artigo 18 da Lei n° 7.347/1985. Se o autor apenas responde por eles em caso de litigância de má-fé, os réus que agirem eticamente no processo fazem jus ao mesmo tratamento.

XVIII. Remessa oficial e apelação a que se dá parcial provimento.

 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo retido e dar parcial provimento à remessa oficial e à apelação da União, para excluir a multa correspondente à criação de unidade de conservação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

 

São Paulo, 07 de outubro de 2014.

Antonio Cedenho 

Desembargador Federal

 

 


[1] “Significa a variedade entre os organismos vivos de todas as fontes, incluindo, entre outras, ecossistemas terrestre, marítimo e outros aquáticos e os complexos de que eles sejam partes; isso inclui diversidade dentro das espécies e de ecossistemas” Conceito de biodiversidade estabelecido na Convenção sobre Biodiversidade, ocorrida durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO/Rio/92) – Aput SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2011, pag.93.

[2] Decisão em anexo A.

[3] Decisão em anexo B.

[4] Decisão em anexo C.

Sobre as autoras
Giulia Samaia De Vivo

Estudante de direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos