Resumo: A presente pesquisa tem como objetivo o estudo e análise dos deveres do médico de obter do consentimento e de informar o paciente, como forma de garantir a autonomia da vontade, para que então aquele possa exercer o chamado consentimento informado aos diversos tratamentos e intervenções cirúrgicas e a exata responsabilização civil do médico, decorrente destes deveres. Primeiramente, será abordada a definição do princípio da autonomia da vontade e da beneficência, que devem pautar a atividade do profissional da área da saúde. Em seguida será estudada a informação e o consentimento informado que o paciente deve ofertar antes de qualquer procedimento. Por fim, serão analisadas as responsabilidades do médico decorrentes da quebra dos deveres legais e éticos relacionados ao consentimento e a informação, sendo analisada a doutrina e a jurisprudência do país, para identificar se hoje ocorre uma responsabilização demasiada da atividade médica.
Palavras-Chave: Princípio da autonomia da vontade – Consentimento informado – Responsabilidade Civil.
Abstract: This research paper aims to study and analyze the duties of informing and obtaining consent from medical patients in order to guarantee the freedom of choice that regulates the medical execution, so that doctors have permission and are legally liable to perform various treatments or surgeries needed. First, the paper addresses the principle of party autonomy and beneficence definition, which will govern the professional healthcare activity. Then, the information will be reviewed and the patient must be informed so they could consent with the procedures to be used. Finally, the responsibility that arises from the breach of legal and ethical medical duties will be analyzed as far as related to information and consent. There will also be analyzations of the country's doctrine and jurisprudence in order to identify whether medical activities have too much responsibility nowadays.
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Key Words: Principle of party autonomy - Informed Consent - Liability.
1. Introdução
Dentre os direitos fundamentais dispostos na Constituição da República pode-se identificar como um dos principais, o direito à liberdade, que encontra-se entalhado no artigo 5º, caput, da Magna Carta.
Tal liberdade pode tomar inúmeras formas, dentre elas aquela relacionada à legalidade, na qual nenhum cidadão pode ser compelido a fazer algo senão em virtude de lei (art.5º, inciso II, da CR).
Sendo assim, é possível identificar que, no direito privado, o cidadão tem pautada a sua autonomia da vontade, de maneira que ele é quem deve decidir as obrigações que irá contrair, bem como quando e com quem as firmará.
O direito civil e, mais especificamente, o direito contratual tem no princípio da autonomia da vontade a sua base. O mesmo ocorre no chamado biodireito, no qual as questões relacionadas à vida das pessoas e tuteladas pelo direito devem ser pautadas na autonomia da vontade.
Cada indivíduo é o senhor de sua própria vida, podendo e devendo tomar as decisões relacionadas à sua saúde e integridade física e psíquica.
Assim que é possível que um cidadão, diante de um diagnóstico, opte por não se submeter ao tratamento ou se valha de outras medidas alternativas. É ele quem dará a última palavra e não o profissional médico.
No entanto, não basta possibilitar a escolha ao paciente, para que o princípio da autonomia seja realmente exercido, surge ao profissional médico um dever de informação. Cabe ao profissional, na relação médico paciente, explicar qual o diagnóstico realizado, quais os tratamentos disponíveis; as vantagens e desvantagens de cada um deles; detalhamento dos procedimentos.
A exigência de prestar a informação é uma forma de garantir e proteger a autonomia da vontade do paciente.
Ora, se um paciente não tem ideia do que é a enfermidade que foi diagnosticada ou o tratamento que o médico lhe propôs, como será possível exercer a sua autonomia e efetuar as escolhas necessárias? Se o paciente ignora aqueles fatos, não terá condições de avaliar a conveniência para fazer a escolha de acordo com as inúmeras variáveis que a cercam.
Diante deste panorama, surge o chamado consentimento informado, no qual o profissional da área médica presta todas as informações necessárias ao paciente e este, após consolidar minimamente aquelas informações, terá condições de escolher qual caminho irá seguir, fazendo valer sua autonomia da vontade.
No entanto, com a ideia do consentimento informado, surgem algumas questões de tensão entre a relação médico e paciente, principalmente, sobre as responsabilidades do profissional médico.
A atuação do médico encontra-se sempre vinculada ao consentimento informado do paciente ou será que é possível que o médico decida pela realização de alguma intervenção cirúrgica, mesmo sem qualquer autorização?
Qual a responsabilidade do médico, caso não preste as devidas informações ou efetue o procedimento sem o prévio consentimento? E mais, diante desta alta “carga” de autonomia da vontade da pessoa com relação à sua própria vida e saúde, será que as responsabilidades do médico irão restringir-se a prestar as informações e colher o consentimento ou o âmbito de responsabilização será demasiadamente exacerbado?
O presente trabalho tem como objetivo principal mensurar o limite desta autonomia da vontade, sob a luz dos bens jurídicos tutelados pela Constituição, principalmente, a vida, e avaliar e pontuar qual a responsabilidade do profissional médico nas diferentes situações em que há tensão entre a sua atuação e a escolha do paciente.
2. O princípio da autonomia da vontade e sua importância no biodireito.
A Constituição da República conferiu aos brasileiros, dentre outros, o direito fundamental à liberdade, do qual decorre a chamada autonomia da vontade.
Todo indivíduo é dotado de autonomia para manifestar sua vontade de acordo com seus interesses. Esta autonomia está ligada à razão e ao exercício da vontade do ser humano.
Envolve a chamada autodeterminação que é o direito da pessoa de decidir os rumos da própria vida e de desenvolver livremente sua personalidade. Em outras palavras é o direito de fazer suas próprias escolhas, sem imposições externas indevidas.
São exemplos de autodeterminação a decisão sobre qual religião seguir; sobre sua vida afetiva; seu trabalho; ideologia que acredita e, inclusive, sobre sua vida, saúde e integridade física.
A autonomia da vontade baseia-se na própria ideia de pessoa, ser moral consciente, racional, dotado de vontade, livre e responsável. No entanto, sempre serão necessárias determinadas condições pessoais e sociais para o exercício dessa autonomia.
O princípio da autonomia da vontade exprime exatamente a ideia de alguém ter algo e a liberdade de fazer o que quiser com este algo, no entanto, dentro de certos limites. O detentor da vontade tem ampla liberdade para manifesta-la, quando e na forma que entender melhor para seus interesses.
A bioética e o biodireito, campos da ciência destinados ao estudo da conduta humana perante a vida e a saúde, bem como a criação de normas que exprimem regramentos para essas condutas, têm como um dos princípios fundantes o da autonomia da vontade.
Assim, o indivíduo sempre terá respeitada sua vontade, em qualquer situação que esteja diretamente ligada à sua vida, saúde, integridade. Ele poderá escolher livremente qual o rumo tomar diante de algumas alternativas que dizem respeito a tais bens jurídicos.
Se entende que o indivíduo tem capacidade de autogoverno, portanto, de tomar decisões que julgar melhores para si. Para que qualquer intervenção corporal seja realizada, é vital a manifestação prévia da vontade do paciente, aceitando submeter-se àquele procedimento.
O profissional da medicina deve observar e respeitar, via de regra, a vontade manifestada pelo paciente, uma vez que este é indivíduo dotado de liberdade e de autonomia da sua vontade.
Diante desta exigência, cabe ao profissional obter, previamente, o consentimento do paciente para realizar qualquer procedimento ou terapia.
Além dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, acima citados, dois dispositivos, um legal e o outro infra legal, trazem expressamente o princípio da autonomia da vontade e sua aplicabilidade nas questões relativas ao biodireito e a bioética.
O Código Civil, em seu artigo 15 afirma: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.
Já o Código de Ética Médica, em seu Capítulo IV “Direitos Humanos” preceitua:
“É vedado ao médico: art. 22 - Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte”.
Pelos dispositivos acima transcritos não se pode negar que o ordenamento jurídico brasileiro, em conformidade com a Constituição, adotou o princípio da autonomia da vontade para pautar as condutas humanas relacionadas à vida, saúde e integridade física e psíquica de cada um.
Primeiramente, nenhuma pessoa poderá ser submetida a tratamento médico ou cirúrgico se não manifestar, anteriormente, a vontade de fazê-lo. Assim, o paciente detém a vontade e deve manifesta-la livremente, de acordo com suas crenças, interesses, ideologias.
Essa ideia é reforçada pela vedação ao médico de deixar de obter o consentimento do paciente, antes de realizar o procedimento médico necessário.
Nesse sentido Maria Helena Diniz define:
“O princípio da autonomia da vontade requer que o profissional da saúde respeite a vontade do paciente, ou de seu representante, levando em conta, em certa medida, seus valores morais e crenças religiosas ... Reconhece o domínio do paciente sobre a própria vida (corpo e mente) e o respeito à sua intimidade, restringindo, com isso, a intromissão alheia no mundo daquele que está sendo submetido a um tratamento ...”.
“... A autonomia em saúde é o poder de decisão sobre a escolha do médico ou da medida terapêutica admitida, em razão de credo ou não, após o consentimento esclarecido, ou seja, baseado em informação necessária e inteligível e dado por paciente capaz, por parente ou por terceiro” (DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 2011, pag.38).
Caso a escolha não fosse do paciente, a esfera autônoma do ser humano e o próprio exercício de sua racionalidade seriam brutalmente atingidos, de maneira que outras pessoas passariam a deliberar sobre as principais questões da vida de cada um.
Assim, a conclusão a que se chega é que qualquer indivíduo detém autonomia de sua vontade e poderá manifesta-la com liberdade, no momento em que julgar benéfico para si.
Nas questões relacionadas à saúde, cabe sempre ao paciente a palavra final sobre os procedimentos, as escolhas dos profissionais, sendo o princípio da autonomia da vontade de suma importância para o biodireito, pois, caso contrário, as principais questões da vida de cada ser humano seriam deliberadas e decididas por outrem.
3. O princípio da beneficência
Este princípio é orientador da atuação do profissional da saúde, exigindo que este sempre tenha como objetivo o bem estar do seu paciente. O médico deve atuar de maneira a diminuir o sofrimento do paciente, evitar danos e tentar melhorar ao máximo a saúde e bem estar do enfermo.
O médico deverá promover sempre o bem ao paciente e os tratamentos e intervenções devem ser sempre para ocasionar uma melhora no quadro do doente e nunca para lhe causar um sofrimento maior.
A base deste princípio é o juramento de Hipócrates, realizado por todo estudante de medicina no dia de sua formatura, que diz basicamente que o conhecimento médico será utilizado como forma de promover o bem ao enfermo e nunca lhe causar qualquer mau.
Decorre do princípio da beneficência, a exigência de que o médico coloque a disposição do paciente os melhores tratamentos médicos disponíveis na localidade e no momento, sempre visando ao bem estar.
Deste princípio, decorre ainda outro princípio, o da não maleficência que obriga o médico a não causar danos intencionais ao paciente. Está expresso no brocardo “primum non nocere”. Em primeiro lugar, o médico não deve lesar e depois deverá pensar na melhor forma de curar a enfermidade.
Ocorre que, com o grande reconhecimento ao princípio da autonomia da vontade do paciente, o princípio da beneficência acabou perdendo um pouco a força, de forma que hoje o médico, deverá pautar sua conduta profissional na beneficência do paciente, mas não pode obriga-lo a submissão de tratamentos a qualquer custo.
O paciente é quem decidirá, em muitos casos, sobre qual tratamento escolher ou mesmo se irá ou não se submeter àquele procedimento. Sendo assim, a decisão final cabe ao paciente, ficando o médico adstrito a prestar as informações necessárias.
No entanto, o médico, em muitos casos, acabará atuando mesmo na ausência ou objeção ao consentimento por parte do paciente, em nome do bem estar e da vida deste. Situações que poderão gerar conflitos, quebra de deveres e responsabilização civil.
4. O dever de informação como proteção à autonomia da vontade.
Conforme visto no item anterior, toda pessoa detém autonomia para fazer suas escolhas com relação as questões que envolvem sua vida e saúde.
No entanto, tal autonomia dificilmente é exercida diante da falta de informação e conhecimento. Em outras palavras, é necessário um prévio conhecimento da situação e dos fatos, para que se possa avaliar e tomar a decisão mais benéfica de acordo com seus interesses.
Os fatos que envolvem a ciência da medicina e a vida e saúde das pessoas é dotado de extrema especificidade e técnica. Desta forma, pessoas leigas com relação à medicina dificilmente terão condições de exercer sua plena autonomia de vontade, caso não tenham uma prévia explicação sobre a situação fática que se apresenta.
Imagine a seguinte situação: Uma mulher encontra-se grávida e, ao se consultar com um médico, este lhe indaga se prefere que o parto seja realizado naturalmente ou através de uma cirurgia cesariana. Em seguida, deixa para que ela exerça sua autonomia.
Conforme dito, o médico deve obter o prévio consentimento do paciente, porém, neste caso, dificilmente a mulher terá condições de avaliar cada uma das opções e manifestar sua vontade por uma delas, pois ignora completamente o que vem a ser cada uma, quais as vantagens e desvantagens que a cercam, dentre outras informações.
Resta clara a necessidade de se informar o paciente. Diferentemente de situações nas quais a relação entre as pessoas não envolve matéria tão técnica, nas questões relacionadas à medicina e ciências biológicas, a informação prévia ao paciente é condição sine qua non para o exercício da livre manifestação de vontade.
Portanto, a informação é, antes de mais nada, um dever do médico, na sua relação com o paciente.
O dever de informação decorre, primeiramente, do próprio princípio da boa-fé objetiva, que pauta as relações jurídicas. A informação é um dos deveres anexos da boa-fé objetiva, de forma que, durante uma relação contratual, cabe a ambas as partes informar a outra sobre o necessário. O descumprimento deste dever poderá ocasionar responsabilização civil.
Assim, na relação médico paciente, o dever de informação é ainda mais forte, por se dever ético do profissional e uma forma de garantir e ampliar a autonomia da vontade do paciente, que, no caso, decidirá sobre sua vida, saúde ou integridade.
Diante disto, o dever do médico de informar também encontra-se esculpido no Código de Ética Médica, em seu Capítulo V “Relação com pacientes e familiares” que diz:
“É vedado ao médico: Art. 34 - Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal”.
Será por meio destas informações que o paciente terá condições de, primeiro, entender a situação que está posta à ele e, em segundo lugar, escolher o melhor caminho, de acordo com suas crenças, interesses pessoais.
Maria Helena Diniz, parafraseando Mark A. Hall, afirma:
“... O objetivo do princípio do consentimento informado é aumentar, como diz Mark A. Hall, a autonomia pessoal das decisões que afetam o bem-estar físico e psíquico” (DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 2011, pag.732).
O paciente somente terá reais condições de avaliar os riscos e benefícios de certo procedimento médico após receber os esclarecimentos necessários, que devem ser feitos pelo próprio profissional.
Portanto, em nome da autonomia da vontade, é direito do paciente sempre escolher se aceita se submeter a procedimento e de que forma. Porém, também é direito daquele tomar ciência prévia do que envolve aquele procedimento médico.
5. Consentimento Informado
Assim, uma vez presta a informação, cabe ao paciente manifestar sua vontade, dizendo se aceita ou não aceita submeter-se àquelas condições. Caso aceite, diz-se que o paciente ofertou o seu consentimento informado.
Consentimento é a manifestação favorável da vontade para a prática de determinado ato ou negócio. Portanto, ao se ofertar o consentimento com relação a algo, está aceitando-o.
Sendo assim, é dever do médico obter o prévio consentimento, a aceitação, do paciente, antes da realização de qualquer procedimento. Constitui dever do médico e também direito do paciente a informação prévia do procedimento, para que aquele possa ofertar seu consentimento.
A manifestação de vontade livre, ofertada pelo paciente, após ter recebido os devidos esclarecimentos sobre os procedimentos médicos em questão é chamado de consentimento informado.
Este é tido como condição necessária para que o paciente possa ofertar sua autonomia da vontade, sem qualquer vício.
Segundo o Comitê Nacional de Bioética da Itália, o consentimento informado é a legitimação do ato médico (DINIZ, Maria Helena, 2011, pag.733).
Rui Stoco, em seu Tratado de Responsabilidade Civil, lembra a citação de José Carlos Maldonado de Carvalho, que diz:
“O consentimento informado – expresso ou tácito – legitima o tratamento médico-cirúrgico, individualizando o objeto do contrato, aclarando o conteúdo, a extensão e todas as fases da prestação ajustada” (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 2011. Pag. 669).
Portanto, o consentimento informado é a maneira pela qual o paciente poderá exercer sua autonomia da vontade plenamente, pois terá recebido, previamente, algumas informações cruciais para que possa manifestar sua escolha, de acordo com seus interesses e conveniências.
5.1 Da natureza jurídica
A primeira análise que deve ser feita é com relação à natureza jurídica do consentimento informado, ou seja, onde se insere no mundo jurídico. É a partir desta constatação que serão possíveis algumas conclusões sobre o consentimento informado.
Por representar a manifestação de uma vontade humana, o consentimento informado situa-se no campo dos atos jurídicos. A partir desta constatação e partindo-se do pressuposto de que será lícito, é possível que o consentimento informado seja um negócio jurídico ou um ato jurídico stricto sensu.
A diferença entre um e outro recai sobre os efeitos da manifestação da vontade. No negócio jurídico, a vontade manifestada visa sempre um fim, dentre inúmeros permitidos na lei, que podem ser livremente acordados entre as partes. Já no ato jurídico stricto sensu, o efeito da manifestação da vontade está predeterminado na lei, não há margem de escolha quanto ao conteúdo da avença.
Carlos Roberto Gonçalves realiza a distinção com maestria ao afirmar:
“... No negócio jurídico, essa manifestação visa diretamente a alcançar um fim prático permitido na lei, dentre a multiplicidade de efeitos possíveis. Constitui ele um instrumento da vontade individual, em que as partes têm a liberdade de estruturar o conteúdo de eficácia da relação jurídica... No ato jurídico em sentido estrito ... O interessado apenas deflagra, com o seu comportamento despojado de conteúdo negocial, um efeito previamente estabelecido na lei...” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 1. 2011. Pag.343).
Diante desta distinção, resta claro que o consentimento informado é classificado enquanto ato jurídico stricto sensu, uma vez que não há uma negociação entre o paciente e o médico, estabelecendo, dentre as diversas formas, aquela que será escolhida entre as partes.
O consentimento informado é simples aceitação do paciente a submeter-se ao tratamento, após ter recebido informações sobre o procedimento, que irá gerar a permissão de que o mesmo seja realizado pelo médico.
Seu efeito vem definido expressamente no artigo 15 do Código Civil, pois este, ao afirmar que nenhum procedimento médico pode ser realizado sem prévia autorização, a “contrario sensu” conclui que, com a autorização, o médico poderá realiza-lo.
Importante destacar que, não se pode confundir o contrato de prestação de serviços entre médico e paciente e o consentimento informado. O primeiro é um negócio jurídico, na medida em que há o elemento negocial, sendo que as partes podem avençar o fim a que se quer chegar.
Já o consentimento informado é simples manifestação de vontade, sem a qual, não é possível realizar procedimento médico ou intervenção cirúrgica.
Portanto, não resta dúvida de que o consentimento informado é ato jurídico em sentido estrito. Esta constatação nos leva a realizar algumas análises, principalmente, com relação às informações deve conter no ato; como deve ser prestada a informação; qual a forma deste.
5.2. Informações que devem ser prestadas pelo médico
Para cumprir com o dever de informação, cabe ao médico esclarecer ao paciente o diagnóstico, ou seja, a doença que foi constatada, os efeitos decorrentes desta doença, o prognóstico, os tratamentos disponíveis, as vantagens e desvantagens de cada um, incluindo os efeitos, chance de êxito e riscos, bem como um detalhamento do tratamento, sua duração, condutas que devem ser tomadas após o procedimento.
Há uma gama de informações que devem ser prestadas pelo médico e estas, obviamente, irão modificar-se de acordo com o caso que se apresentar.
No entanto, surge uma primeira discussão, com relação ao limite de informações, ou seja, é possível identificar uma parcela de informações obrigatórias e outra que o médico está dispensado de prestar ao paciente?
Rui Stoco deixa clara a divergência na doutrina afirmando:
“... Mas é a informação sobre os riscos que mais têm suscitado dúvidas. A doutrina tradicional defende que a obrigação de informar limita-se apenas aos riscos normais e previsíveis, excluindo o dever de informar os riscos graves, particulares, hipotéticos ou anormais. Outros, contudo, entendem que há apenas a obrigação de comunicar os chamados ‘riscos significativos’, ou seja, aqueles que o médico sabe ou deveria saber que são importantes e pertinentes...” (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 2011. Pag. 669).
Continua o referido autor, citando André Gonçalo Dias que traz critérios para avaliar se o risco é significativo:
“... o risco será considerado significativo em razão dos seguintes critérios: 1. A necessidade terapêutica da intervenção, 2. Em razão de sua frequência (estatística), 3. Em razão de sua gravidade e 4. Em razão do comportamento do paciente...”. (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 2011. Pag. 669).
Assim, percebe-se que, pela posição clássica, é possível identificar informações obrigatórias e facultativas para o médico prestar ao paciente. Apesar de parecer questão de somenos importância, essa distinção poderá acarretar em consequências na responsabilidade do médico por futuros danos.
Em outras palavras, a falta de uma informação tida como obrigatória, poderia gerar uma responsabilização civil do médico. Já a ausência de facultativas acabaria eximindo-o desta responsabilidade.
Esta distinção, porém, traz uma alta carga de subjetivismo, tornando a avaliação do “risco significativo” algo de difícil conceituação.
Importante ressaltar que a doutrina brasileira tem entendido pela ampla informação, ou seja, não há que se falar em informações obrigatórias e facultativas. É dever do médico prestar todas as informações de que tem conhecimento e que poderia prever no momento da manifestação de vontade do paciente.
Seria temerário deixar ao bel-prazer do profissional médico a avaliação do que é ou não pertinente para a informação, até porque esta avaliação deve ser feita exatamente pelo paciente, que detém a autonomia da vontade.
É impossível saber qual informação terá maior relevância para a decisão do paciente. Portanto, cabe ao médico trazer todas as informações que forem possíveis para aquela situação, sendo a avaliação da importância destas privativa do paciente.
Nesse sentido Rui Stoco leciona:
“... segundo nos parece, nenhuma informação pode ser sonegada ao paciente, seja ela otimista ou pessimista, seja o diagnóstico bom ou ruim...” (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 2011. Pag. 669).
Não pode o médico, sabendo que é possível a ocorrência de certo dano ao final do procedimento, não informa-lo ao paciente, por ser este pouco provável.
A prévia avaliação do médico sobre quais informações irá prestar representa um limite na autonomia da vontade do paciente de decidir sobre sua própria vida e saúde.
O Código de Ética Médica consiga expressamente a proibição do médico em limitar a autonomia da vontade do paciente, ao afirmar, em seu artigo 24:
“É vedado ao médico: ... Art.24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo”.
Portanto, o dever de informação é amplo. O médico deverá trazer ao paciente todas as informações que tiver condições de prever e analisar.
5.3. Maneira e momento que o médico deverá presta-las
Apesar do amplo dever de informar, constatado acima, que exige que o médico ofereça todas as informações possíveis ao paciente, a doutrina destaca que o profissional deve ser “humano” no momento de presta-las, ou seja, há certas maneiras e momentos de noticiar algumas informações.
O médico sempre deverá pautar sua conduta na informação ampla, não podendo esconder nenhuma informação do paciente. No entanto, deve avaliar as condições em que o paciente se encontra e escolher o melhor momento em presta-las.
Muitos casos sobre a saúde das pessoas envolvem enorme carga emocional, portanto, as informações nem sempre podem ser prestadas de uma única vez ou logo no primeiro encontro entre o médico e o paciente.
O médico deverá avaliar, primeiramente, o estado emocional do paciente, pois, dependendo da situação, a notícia de certo diagnóstico poderia representar um dano desnecessário ao doente.
Esta exigência decorre do princípio da beneficência, no qual o médico deverá sempre se preocupar com o bem estar de seu paciente, mesmo tendo o dever de informar, poderá mitigar a informação para resguardar o paciente no aspecto emocional.
Silvio Venosa leciona sobre a questão:
“... Essa informação não deve ser de molde a desencorajar ou desesperar o paciente. Deve haver uma perspicácia e muito humanismo na conduta do médico...” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Vol. IV. 2011. Pag.158).
Deve haver uma ponderação entre a informação e a manutenção da dignidade humana. O profissional da saúde deve prestar as informações necessárias para não incorrer na desinformação e deve fazê-las de maneira séria, para não gerar no paciente injustificada despreocupação. De outro lado, deve avaliar o momento e maneira de noticia-lo, para não lhe retirar as esperanças.
Maria Helena Diniz chama a atenção para esta questão afirmando:
“O médico, ao dar esclarecimentos ao paciente para obtenção de seu consenso informado, deverá ater-se à sua personalidade, temperamento e disposição na hora do recebimento da informação relativa ao estado clínico, pois, em certos casos deverá socorrer-se do consentimento substituto, isto é, o emitido pelo seu representante legal ou parente mais próximo...” (DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. 2011. Pag. 735).
Nesse sentido é o preceito disposto no Código de ética Médica, em seu capítulo V “Relação com paciente e familiares”, artigo 34, parte final que diz:
“É vedado ao médico: art.34 - Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal”.
Percebe-se claramente que o próprio Código de ética estabelece uma exceção para o dever de informar, que é a hipótese em que esta informação for hábil a causa dano maior e desnecessário ao paciente.
Assim, cabe ao médico, além de informar, preocupar-se com a maneira de presta-la, sempre levando em conta as condições físicas e psíquicas em que se encontram o paciente.
5.4. Qualidade da informação
Outra preocupação que deve pautar as informações prestadas ao paciente é a qualidade destas, ou seja, devem ser noticiadas sempre visando um objetivo final único, a conscientização do paciente sobre o procedimento.
Conforme visto anteriormente, o consentimento informado é ato jurídico em sentido estrito, portanto, nunca poderá apresentar vício na manifestação de vontade daquele que o prestar, sob pena de ser nulo ou anulável.
Isso significa dizer que, ao informar o paciente, o médico deverá fazê-lo sempre com a máxima qualidade possível, para afastar todos os vícios de consentimento e sociais.
Conforme é sabido, os atos jurídicos em sentido estrito necessitam de manifestação de vontade livre e consciente para que existam no mundo jurídico. Desta forma, não podem estar presentes defeitos que maculem essa vontade, como por exemplo, o erro, dolo ou coação.
Sendo assim, no momento de prestar a informação, o médico deverá fazê-la de maneira acessível a um leigo (o paciente). De nada adianta que o médico preste informações utilizando-se de termos técnicos e jargões próprios da medicina. Da mesma forma, não cabe ao médico lecionar medicina ao seu paciente.
Deverá informa-lo de acordo com a sua condição de leigo ciências médicas e sempre observando o nível cultural e intelectual. Caso contrário é provável que ocorra o vício do erro, no qual há uma má percepção ou ignorância da realidade por parte do paciente, ao manifestar sua aceitação.
Portanto, como forma de afastar a incidência do erro, ao prestar a informação, o médico deve preocupar-se em fazê-la com linguagem acessível.
Leciona Maria Helena Diniz:
“Daí ser imprescindível que a informação devida ao paciente esteja condicionada ao grau atual e aparente de seu entendimento...” (DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. 2011. Pag. 735).
Da mesma forma, a manifestação de vontade do paciente não pode ser prestada em momento de incapacidade do paciente, ainda que transitória.
Durante procedimentos médicos, é muito comum que o paciente encontre-se em situações de incapacidade absoluta transitória (artigo 3º, inciso III, do CC), como, por exemplo, após uma anestesia ou mesmo após a utilização de medicamentos.
Nestas hipóteses, assim como nas demais situações de incapacidade absoluta, nunca poderá ofertar o consentimento informado, pois detém causa de invalidade do ato jurídico, que o torna nulo (artigo 104, inciso I, e artigo 166, inciso I, do CC).
Assim, o médico deverá cercar-se de todas as precauções possíveis para que, ao informar e obter o consentimento do paciente, este seja feito sem qualquer vício de vontade, mas sempre de maneira livre e consciente.
5.5. Forma do consentimento informado
O artigo 104, inciso III, do Código Civil é claro em dizer que uma das condições dos negócios jurídicos é a forma prescrita ou não defesa em lei, ou seja, caso a lei exija certa forma, o negócio jurídico deverá observa-la para ser válido, caso contrário, poderá ser feito por qualquer forma que não seja proibida pela lei.
O consentimento informado, ato jurídico em sentido estrito, não tem, atualmente, uma forma definida em lei. No entanto, já existem normas infra legais e projetos de lei trazendo características específicas para o instrumento de consentimento informado.
Como exemplos podemos citar:
A Resolução 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina, que traz normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, no Capítulo I “Princípios Gerais”, nº 3 afirma:
“O consentimento informado será obrigatório para todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida. Os aspectos médicos envolvendo a totalidade das circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, bem como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será elaborado em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, das pessoas a serem submetidas às técnicas de reprodução assistida”.
O Projeto de Lei n. que dispõe sobre a regulamentação da reprodução assistida, afirma, em seu artigo 4º:
“O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para ambos os beneficiários, nos casos em que a beneficiária seja uma mulher casada ou em união estável, vedada a manifestação da vontade por procurador, e será formalizado em instrumento particular, que conterá necessariamente os seguintes esclarecimentos: I – a indicação médica para o emprego de Reprodução Assistida, no caso específico, com manifestação expressa dos beneficiários da falta de interesse na adoção de criança ou adolescente; II – os aspectos técnicos, as implicações médicas das diferentes fases das modalidades de Reprodução Assistida disponíveis e os custos envolvidos em cada uma delas; III – os dados estatísticos referentes à efetividade dos resultados obtidos no serviço de saúde onde se realizará o procedimento de Reprodução Assistida; IV – os resultados estatísticos e probabilísticos acerca da incidência e prevalência dos efeitos indesejados nas técnicas de Reprodução Assistida, em geral e no serviço de saúde onde esta será realizada; V – as implicações jurídicas da utilização de Reprodução Assistida; VI – os procedimentos autorizados pelos beneficiários, inclusive o número de embriões a serem produzidos, observado o limite disposto no art. 13 desta Lei; VII – as condições em que o doador ou depositante autoriza a utilização de seus gametas, inclusive postumamente; VIII – demais requisitos estabelecidos em regulamento”.
Por óbvio que tais normas indicam características formais específicas para os casos de reprodução assistida. Assim, para cada caso específico, diferentes serão as exigências quanto à informação e as características formais do consentimento informado.
Destaque-se, mais uma vez, que não há lei dispondo expressamente sobre uma forma para o consentimento informado, razão pela qual, um consentimento verbal não poderá ser objeto de anulação devido à ausência de forma.
No entanto, cabe salientar que, diante do reconhecimento à autonomia da vontade e à elevação do consentimento informado ao status de legitimador do ato médico, até mesmo em razão do artigo 15 do Código Civil, a forma escrita é a mais recomendável e adotada, até mesmo para garantia da segurança jurídica e para esclarecimentos futuros.
A doutrina do consentimento informado já tem evoluído, passando a exigir que este seja ofertado de maneira expressa e formal, para facilidade na comprovação.
Diante do reconhecimento da autonomia da vontade, em detrimento da concepção hipocrática da medicina, do dever de informação e de todas as características que envolvem o consentimento informado, surge para o profissional da medicina uma responsabilização civil pelos danos até mesmo anterior à realização de seu procedimento.
Passaremos agora à análise da responsabilidade civil do médico e, mais especificamente, nas situações relacionadas ao consentimento informado.
6. Da responsabilidade civil do profissional médico
A responsabilidade civil nada mais é do que uma obrigação imposta pelo ordenamento jurídico para que o causador repare o dano que ocasionou de maneira injustificada ou injusta.
Não cabe aqui distinção minuciosa, porém, importante a ressalva de que a responsabilidade civil poderá ser objetiva ou subjetiva. A primeira não exige a demonstração de culpa, ela prescinde da culpa para que o agente seja responsabilizado. Já na segunda, é necessária a prova da culpa ou, pelo menos sua presunção.
No presente trabalho, será objeto de estudo a responsabilidade civil subjetiva. Para que essa se verifique são necessários quatro pressupostos:
a) Conduta humana: ação ou omissão.
b) Dano.
c) Nexo de causalidade entre os dois primeiros.
d) Culpa lato sensu: dolo ou a culpa stritu sensu.
Caso não exista algum destes elementos, não há que se cogitar da responsabilidade civil do indivíduo.
Importante observar que esta responsabilidade pode ocorrer extra contratualmente, na qual o agente descumpriu com um dever jurídico de cuidado de não lesar, ou contratualmente, na qual o agente, após avençar um contrato, não realizada a prestação ou realiza de maneira defeituosa.
Porém, em ambos os casos é preciso que existam os quatro elementos. A única diferença é que, na responsabilidade civil contratual há o que chamamos de presunção relativa da culpa, cabendo ao agente provar que não agiu com esta. Já na extra contratual, cabe ao lesado provar a culpa do agente, sob pena de não ser possível a responsabilização.
Feita esta introdução sobre a responsabilidade civil, passemos agora ao estudo especifico da responsabilidade civil do médico.
A responsabilidade do médico surge, principalmente, quando da realização de sua atividade profissional, ou seja, do trato com o paciente. Neste caso, o profissional, durante o exercício de sua função, acaba por ocasionar um dano ao paciente, devendo, assim repara-lo.
A responsabilidade civil do médico, de maneira geral, é aquela que impõe àquele o dever de reparar o dano ocasionado por sua má atuação ou erro no procedimento ou atendimento. No entanto, não se pode perder de vista que, a obrigação do médico é a chamada obrigação de “meio” e não de “fim”.
Tal significa dizer que exige-se do médico o emprego de todo o seu conhecimento e cuidado, bem como das técnicas possíveis de curar a enfermidade do paciente ou prolongar-lhe a vida com qualidade, porém, não se pode considerar descumprida a obrigação caso o médico não tenha alcançado aqueles resultados finais.
Não se pode exigir do médico que salve a vida do paciente, mas sim, que empregue todos os meios possíveis e toda a sua energia e técnica para alcançar tal resultado. O médico nunca poderá prometer o resultado da cura ou de salvar a vida. A sua promessa sempre será no sentido de aplicar todo o seu conhecimento e empenho, bem como sua atuação prudente, para atingir estes resultados.
Silvio Venosa define a obrigação de meio do médico da seguinte forma:
“O médico obriga-se a empregar toda a técnica, diligência e perícia, seus conhecimentos, da melhor forma, com honradez e perspicácia, na tentativa de cura, lenitivo ou minoração dos males do paciente. Não pode garantir a cura, mesmo porque a vida e morte são valores que pertencem a esferas espirituais...” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Vol. IV. 2011. Pag.145/146).
Diante disto, a responsabilidade do médico, via de regra, deve ser avaliada de acordo com os meios por ele empregados para se atingir a cura do paciente. Em outras palavras, será responsabilizado caso tenha tomado medidas erradas no tratamento ou, até mesmo, caso não as tenha realizado. A responsabilidade será auferida conforme a forma pela qual o médico conduziu o procedimento, o simples resultado adverso não representará a responsabilização do médico.
Importante salientar que, a relação médico-paciente poderá decorrer de um prévio contrato ou de uma emergência, na qual existe, para o médico, o dever de agir (alguns dizem ser possível vislumbrar um contrato tácito). No entanto, mesmo sendo decorrente de um contrato, a obrigação do médico, em regra, será de meio.
Já se reconhece a responsabilidade do médico como contratual, porém, essa discussão não define a questão, pois, mesmo sendo contratual, será necessário demonstrar a culpa do médico, pois este detém uma responsabilidade subjetiva.
As exceções à obrigação de meio são as hipóteses de cirurgia plástica para embelezamento ou de exames laboratoriais. Nestes casos, é plenamente possível exigir do médico o resultado e a não ocorrência deste poderá gerar a responsabilidade civil. Nestas hipóteses o médico poderá prometer o resulta.
Importante ressaltar, no entanto, que o profissional nunca pode prometer a maior beleza ao final do procedimento. Esse resultado não é factível, até mesmo pela subjetividade do conceito.
Essa responsabilidade subjetiva do médico, mesmo sendo contratual, decorre do exame do §4º, do artigo 14, do CDC que é expresso em dizer que a responsabilidade dos profissionais liberais será auferida mediante a verificação da culpa. Portanto, em hipótese alguma é possível responsabilizar o médico pelo simples resultado danoso, é preciso que a culpa fique comprovada e que tenha decorrido da conduta do médico.
Não resta dúvidas de que a responsabilidade do médico será sempre subjetiva.
Assim, o médico será responsabilizado quando for possível identificar, em sua conduta, o famigerado “erro médico” que ocasionou o resultado indesejado ou, por óbvio, quando houver vontade de produzir o resultado que não seja a cura do paciente (dolo).
A expressão “erro médico” não abriga definição pacífica na doutrina, sendo até mesmo criticada muitas vezes. Para muitos doutrinadores, o erro médico designa a atuação imprudente, imperita ou negligente do médico durante o tratamento do seu paciente.
A imperícia nada mais é do que a aplicação errada de uma técnica consagrada na ciência a que o profissional se destina. Assim, o médico será imperito quando, querendo realizar certo procedimento ou técnica, acaba por fazê-la de maneira incorreta.
Importante ressaltar a imperícia não se confunde com o erro profissional, que nada mais é do que o erro na escolha procedimental. Em outras palavras, o médico acaba optando por certo procedimento para a cura de seu paciente, aplica-o de maneira correta, porém, este não era o mais indicado para aquela hipótese.
Rui Stoco diferencia as duas situações a luz da responsabilidade civil dizendo:
“A primeira hipótese (“erro profissional”) contém o chamado “erro escusável”, ou seja, justificável quando se cuida de técnica conhecida, usual e aceita. A segunda hipótese (“imperícia”) contém o “erro inescusável” ou não justificável, portanto, erro punível no plano civil e que impõe o dever de reparar...” (STOCO, Rui. Tratado de Direito Civil. 2011. Pag.626).
Sendo assim, a responsabilidade do médico estará configurada quando este, ao praticar certo procedimento ou terapia no paciente (conduta), acaba atuando de forma imperita ou com imprudência ou negligência (culpa em sentido estrito) o que ocasiona (nexo de causalidade) um dano.
Estão presentes os quatro requisitos da responsabilidade civil, porém, percebe-se que a sua responsabilização decorre da atuação com culpa e não do resultado, pois sua obrigação é de meio, conforme já dito anteriormente. Caso o médico atuasse com a maior lisura e profissionalismo possível, porém, o dano tenha ocorrido, não há que se cogitar de responsabilidade civil deste.
A responsabilidade do médico decorrente do “erro médico”, de sua imperícia é a mais comum, porém, não é a única hipótese.
A doutrina destaca outras situações, que prescindem a atividade típica do médico, capazes de impor-lhe responsabilidade. Em outras palavras, é possível surgir a responsabilização civil ao médico em hipóteses anteriores a qualquer intervenção ou procedimento por ele praticado.
Estas hipóteses são, precipuamente, a violação de lei ou preceitos éticos, como o Código de Ética Médica, podendo o médico violar sigilo profissional; abuso de poder, submetendo o paciente a tratamentos não aceitos; abandono do paciente; recusar atendimento ou socorro.
Ao violar seus deveres éticos e legais, mesmo que não esteja diretamente relacionado com os tratamentos, o médico será responsabilizado.
Nesse sentido é o magistério de Rui Stoco:
“O médico poderá ser responsabilizado em razão da infringência da lei e dos preceitos éticos, quando deles resultar danos, antes mesmo de qualquer intervenção ou procedimento...” (STOCO, Rui. Tratado de Direito Civil. 2011. Pag.625)
Assim, dentro destas hipóteses é possível englobar aquelas relacionadas ao dever do médico de informação e de respeito a autonomia da vontade do paciente, requerendo, previamente, o consentimento informado daquele.
6.1 Da responsabilidade civil do médico decorrente do consentimento informado
Conforme visto acima, o consentimento informado se forma pela conjugação de dois fatores: a prévia informação do médico e a manifestação de vontade do paciente no sentido de aceitar o procedimento.
Diante disto, é possível identificar três situações distintas, relacionadas ao consentimento informado, que impõe a responsabilidade de indenizar ao médico.
6.2 Da falta ou recusa de consentimento
A primeira situação é aquela na qual o profissional médico realiza procedimento cirúrgico ou tratamento, sem a prévia autorização do paciente ou contrariamente à sua manifestação de vontade.
Nesta situação, há real afronta ao princípio da autonomia da vontade do paciente, bem como desrespeito ao artigo 15 do Código Civil e ao preceito ético profissional disposto no Código de Ética Médica.
Ademais, ressalte-se que esta conduta poderá configurar crime de constrangimento ilegal, disposto no artigo 146 do Código Penal.
Sendo assim, caberá a responsabilização civil do médico, pois a culpa já está insculpida na própria atuação sem a prévia aceitação ou contrariamente à recusa.
Porém, não se pode afastar a responsabilidade civil de seus quatro elementos essenciais. Portanto, mesmo que o médico atue sem consentimento do paciente ou contrário à sua vontade e pratique alguma intervenção cirúrgica ou tratamento médico, somente será responsabilizado se houver dano decorrente daquela conduta.
Cabe ao paciente, para satisfazer sua pretensão indenizatória, demonstrar, além da falta de consentimento ou da recusa expressa, que da conduta do médico decorreu um dano, ou seja, deverá demonstrar que houve uma conduta do médico, um dano e que este decorreu daquela.
Sendo claramente pontuados os quatro elementos não há discussão com relação à responsabilidade civil do médico. Terá ele a obrigação de indenizar o dano, uma vez que praticou a conduta em desrespeito à autonomia do paciente.
Importante observar que este dano pode ser considerado, por exemplo, o próprio custo do tratamento realizado sem a autorização do paciente; uma lesão no corpo do paciente ou mesmo uma lesão aos direitos de personalidade daquele, ocasionando o dano moral.
Perceba que a ausência de autorização torna o ato jurídico strito sensu do consentimento inexistente, razão pela qual fica o ato médico eivado de vício, que o faz um ato ilícito, capaz de gerar responsabilidade.
Sem o consentimento do paciente, o ato médico, por si só, já é ato ilícito e, ao causar um dano, impõe o dever de indenizar.
No entanto, dentro desta primeira hipótese, surgem questões de demasiada relevância e importância, que merecem profunda análise e discussão. Estas são as chamadas exceções ao dever de obtenção do consentimento.
Conforme já dito anteriormente, o artigo 22 do Código de Ética Médica é um dos fundamentos básicos para a autonomia da vontade do paciente. No entanto, este preceito normativo comporta exceção expressa à proibição ao médico em não obter o consentimento do paciente para realizar procedimentos quando diz, na parte final de seu texto: “... salvo em caso de risco iminente de morte”.
Portanto, quando houver uma situação de risco iminente à vida do paciente, o médico deve atuar sem qualquer consentimento do paciente. Apesar da elevação da autonomia da vontade a princípio basilar da relação médico paciente, o juramento hipocrático e o princípio da beneficência não estão esquecidos.
Não pode o médico deixar de atuar em uma situação em que o paciente está na iminência de ver ceifada sua vida por uma enfermidade, somente porque não há possibilidade de obter o prévio consentimento.
Ao se deparar com tal questão, o médico tem o dever legal e moral de agir para salvar a vida do enfermo, sob pena de omissão e posterior responsabilização civil e, até mesmo, penal pelo resultado.
Assim, não há que se falar em responsabilidade civil do médico quando este praticar intervenção cirúrgica ou tratamento, sem o prévio consentimento do paciente que se encontrava em risco iminente de morte.
Esta é uma exceção à regra do dever de obter o prévio consentimento do paciente. Importante ressaltar que, desta situação de risco iminente, poderão decorrer duas hipóteses:
A primeira é a impossibilidade de obtenção do consentimento prévio, devido ao risco iminente e o perigo de que, com a demora na obtenção deste, já não haja mais tempo hábil para reversão do quadro clínico.
Como exemplo, podemos citar a situação na qual, durante um procedimento cirúrgico, surge uma complicação que exige a imediata intervenção dos médicos para evitar a morte do paciente. Nesta situação, a busca pelo prévio consentimento dos familiares para só depois realizar a intervenção, acarretará demora fatal, portanto, não se poderá, posteriormente, responsabilizar o médico pela realização da intervenção sem o prévio consentimento.
Silvio Venosa leciona sobre esta questão:
“Sob qualquer premissa, examina-se a possibilidade de o paciente ter consentido na atividade do médico. No curso de um procedimento cirúrgico, todavia, toda decisão é do médico. Não temos de falar em consentimento...” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Vol. IV. 2011. Pág. 159).
É dever legal do médico atuar e a busca pelo consentimento de familiares, nesta situação, poderá configurar até mesmo uma omissão do profissional.
A segunda hipótese apresenta-se mais complexa. Está se falando da situação em que o paciente, apesar do risco iminente de vida, manifesta-se expressamente contra a intervenção do médico.
Aqui já não se fala em impossibilidade da obtenção do consentimento, mas sim da expressa recusa do paciente. Portanto, o médico acaba atuando, não com a ausência de manifestação de vontade, mas sim contrariamente a esta.
Antes de se analisar o caso, é necessária a ressalva de que a situação somente é peculiar, pois há risco iminente à vida do paciente que não quer se submeter ao tratamento.
Caso existisse um risco potencial, como na situação de um diagnóstico de câncer, por exemplo, não caberia ao médico atuar contrariamente à vontade do paciente e submete-lo ao tratamento de quimioterapia. Se o paciente, sendo informado do diagnóstico, afirma que não quer se submeter ao tratamento, o médico não poderá atuar, sob pena de responsabilidade pelos danos.
No entanto, diante de um risco iminente de morte do paciente, o médico não pode deixar de atuar, mesmo que exista objeção daquele, sob pena de configurar omissão a dever legal e violação ética.
O juramento de Hipócrates e o princípio da beneficência devem sempre pautar a atuação médica, de maneira que o profissional não pode, entendendo ser medida que impeça a morte do paciente, priva-lo da intervenção ou tratamento, mesmo que exista resistência por parte daquele.
Assim, o médico não pode “assistir” à morte do paciente somente porque este se recusou a aceitar uma intervenção médica diante de iminente morte. O profissional tem o dever legal de agir, sob pena de omissão.
Maria Helena Diniz afirma sobre a questão:
“O consentimento livre e esclarecido do paciente somente será dispensável diante de a) Necessidade inadiável de prática médica de urgência, em razão de iminente perigo de vida ..., havendo objeção do paciente, de seu representante legal ou de parente próximo. Por estar em jogo o próprio interesse do periclitante, o bom senso, sob pena de omissão de socorro, exige que o médico execute o ato salvador, realizando tudo que sua ciência e consciência impuserem...” (DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 2011. Pag.736).
O exemplo clássico desta hipótese é o do paciente, testemunha de Jeová, que, necessitando de uma transfusão de sangue para que não venha a falecer, se recusa a recebe-la, em razão de sua crença religiosa.
Nestas situações, há sempre um embate de direitos igualmente fundamentais. A liberdade religiosa entra em choque com o direito à vida.
Apesar da autonomia da vontade do paciente e de sua liberdade de crença religiosa, estes não são direitos absolutos, de maneira que comportam exceções. Assim, neste caso específico, diante do choque entre o direito à vida e o direito à liberdade de credo e a autonomia da vontade, prepondera o primeiro.
O médico não pode omitir-se nesta situação e não realizar a transfusão de sangue, observando a morte do paciente. Existe um dever legal e ético de agir e este deve ser feito sem qualquer ressalva, em nome da vida e do princípio da beneficência.
Por óbvio que o profissional deverá intervir na situação, quer o paciente queira, quer não queira. Essa atuação sem consentimento prévio, não gera responsabilização civil, porém, a sua omissão poderá lhe acarretar consequências disciplinares e até mesmo penais.
Ademais, em muitos casos, o paciente que coloca objeção à transfusão de sangue alega que existem outros procedimentos eficazes para resolver a situação, portanto, ao negar-se a realizar o tratamento, não estaria abrindo mão da sua vida.
Por óbvio que tal fundamento não deve prosperar, pois, se a intenção do paciente, mesmo não consentindo com a transfusão, é de salvar sua vida, não cabe a ele dizer qual o melhor tratamento, mas sim o profissional médico. Do contrário, não haveria todo este ordenamento exigindo o dever de informação por parte do médico.
Como há uma questão de risco iminente de vida não cabe ao paciente dizer qual procedimento quer que seja adotado, mas, pelo contrário, se a intenção é salvar sua própria vida, é o médico que irá tomar a decisão. Mesmo que a questão tenha ligação com a crença religiosa e o paciente a coloque acima de sua própria vida, o médico deve atuar, pois o ordenamento jurídico não poderá permitir que o bem jurídico mais importante sucumba diante da liberdade de credo.
Conforme dito anteriormente, se não houver risco iminente de morte, prevalece a autonomia da vontade, devendo o médico respeitar a vontade do paciente ou familiares.
Porém, existindo este perigo iminente de morte, não há discussão, o médico deve efetuar a transfusão de sangue, mesmo diante da recusa do paciente, em razão de seu dever profissional. A ressalva feita pela Jurisprudência é no sentido de que o médico/hospital deve valer-se da transfusão como última hipótese e, quando possível, deverá requerer autorização judicial prévia para realizar a intervenção, para se cercar de maiores seguranças, uma vez que a decisão é fardo pesado para o profissional suportar sozinho.
Nesse sentido, interesse rico Julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
Agravo de instrumento. Autorização para realização de transfusão de sangue em paciente testemunha de jeová. Liminar deferida na origem. Indeferido efeito suspensivo ao recurso. Questão prejudicial superveniente. Alta hospitalar. Perda do objeto. Prejudicada a análise da controvérsia em comento. Negado seguimento ao agravo de instrumento, por prejudicado (Agravo de Instrumento nº 70037121639 – 15ª Câmara Cível – TJ/RS – Des. Rel. Ângelo Maraninchi Giannakos).
Neste julgado, um Hospital propôs ação judicial requerendo fosse concedida autorização para utilizar hemoderivados em uma paciente testemunha de jeová que, pela sua crença religiosa e entendimento científico, negava-se a realizar o tratamento. O MM. Juiz “a quo”, em sede de tutela antecipada, concedeu a liminar, permitindo ao Hospital realizar o tratamento, mesmo com a negativa do paciente, fundamentando a decisão na prevalência da vida, inviolável na Constituição, em detrimento da liberdade religiosa e considerou que, diante das provas dos autos, o referido tratamento (transfusão de sangue) se justifica, pois reflete o próprio direito a sobrevivência da paciente, frente a doença grave que enfrenta.
A paciente interpôs agravo de instrumento desta decisão liminar e o julgamento foi ao Tribunal. O Relator, ao examinar a questão do efeito suspensivo, manifestou-se da seguinte forma:
“... É notório que a recusa dos pacientes seguidores da religião das “Testemunhas de Jeová” em receber tratamentos médicos que envolvam transfusão de sangue, incorre em flagrante colisão de preceitos fundamentais, como bem ponderado no parecer ministerial lançado nas fls. 509-512. Diante da situação que se apresenta, indispensável a ponderação entre os valores e os bens tutelados a fim de solucionar tal conflito, o que, diga-se, importará maior relevância de um (vida) em detrimento do outro (crença religiosa). Frisa-se que a vida por ser direito fundamental maior, garantido constitucionalmente sua inviolabilidade e indisponibilidade pelo ordenamento jurídico e tutelado com primazia pelo Estado, é elemento constitutivo indeclinável ao exercício dos demais direitos inerentes a pessoa humana, cabendo ao Estado o dever positivo de agir em relação a preservação à vida. Em vista disso, diante da iminência de risco de vida da agravante, mesmo contra sua manifestação expressa em não receber o tratamento necessário e indispensável a sua sobrevivência, a intervenção médica, no caso concreto, se justifica e não incorre em ofensa ao princípio da dignidade humana, pois há ponderar com cautela os direitos contrapostos. Em face do exposto, entendo que é de ser mantida a r. decisão agravada, nos termos em que proferida”.
No entanto, antes da análise do mérito, o I. Relator reconheceu a incidência de uma questão prejudicial, qual seja, a não realização da transfusão de sangue e a alta da paciente, e negou seguimento ao recurso, por entende-lo prejudicado pela perda de objeto. O Hospital e os médicos valeram-se de outros procedimentos antes da transfusão de sangue. Assim, com tal conduta, foi possível se adequar a convivência harmônica dos dois bens jurídicos, até então, em choque.
Corroborando este julgado pode-se citar o julgamento do Habeas Corpus nº 268.459/SP, realizado pela Sexta Turma do STJ, tendo Maria Thereza De Assis Moura:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. (1) IMPETRAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL, APRESENTADA DEPOIS DA INTERPOSIÇÃO DE TODOS OS RECURSOS CABÍVEIS. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) QUESTÕES DIVERSAS DAQUELAS JÁ ASSENTADAS EM ARESP E RHC POR ESTA CORTE. PATENTE ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. (3) LIBERDADE RELIGIOSA. ÂMBITO DE EXERCÍCIO. BIOÉTICA E BIODIREITO: PRINCÍPIO DA AUTONOMIA. RELEVÂNCIA DO CONSENTIMENTO ATINENTE À SITUAÇÃO DE RISCO DE VIDA DE ADOLESCENTE. DEVER MÉDICO DE INTERVENÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (...) 3. Na espécie, como já assinalado nos votos vencidos, proferidos na origem, em sede de recurso em sentido estrito e embargos infringentes, tem-se como decisivo, para o desate da responsabilização criminal, a aferição do relevo do consentimento dos pacientes para o advento do resultado tido como delitivo. Em verdade, como inexistem direitos absolutos em nossa ordem constitucional, de igual forma a liberdade religiosa também se sujeita ao concerto axiológico, acomodando-se diante das demais condicionantes valorativas. Desta maneira, no caso em foco, ter-se-ia que aquilatar, a fim de bem se equacionar a expressão penal da conduta dos envolvidos, em que medida teria impacto a manifestação de vontade, religiosamente inspirada, dos pacientes. No juízo de ponderação, o peso dos bens jurídicos, de um lado, a vida e o superior interesse do adolescente, que ainda não teria discernimento suficiente (ao menos em termos legais) para deliberar sobre os rumos de seu tratamento médico, sobrepairam sobre, de outro lado, a convicção religiosa dos pais, que teriam se manifestado contrariamente à transfusão de sangue. Nesse panorama, tem-se como inócua a negativa de concordância para a providência terapêutica, agigantando-se, ademais, a omissão do hospital, que, entendendo que seria imperiosa a intervenção, deveria, independentemente de qualquer posição dos pais, ter avançado pelo tratamento que entendiam ser o imprescindível para evitar a morte. Portanto, não há falar em tipicidade da conduta dos pais que, tendo levado sua filha para o hospital, mostrando que com ela se preocupavam, por convicção religiosa, não ofereceram consentimento para transfusão de sangue - pois, tal manifestação era indiferente para os médicos, que, nesse cenário, tinham o dever de salvar a vida. Contudo, os médicos do hospital, crendo que se tratava de medida indispensável para se evitar a morte, não poderiam privar a adolescente de qualquer procedimento, mas, antes, a eles cumpria avançar no cumprimento de seu dever profissional. 4. Ordem não conhecida, expedido habeas corpus de ofício para, reconhecida a atipicidade do comportamento irrogado, extinguir a ação penal em razão da atipicidade do comportamento irrogado aos pacientes. (HC 268.459/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 02/09/2014, DJe 28/10/2014).
Portanto, é o entendimento dos Tribunais que a vida prevalece sobre a liberdade de religião, razão pela qual, em uma situação de iminente risco de morte, o médico poderá atuar, mesmo com a recusa do paciente, para salvar-lhe a vida, porém, sempre deverá buscar, previamente, a harmonia entre os princípios.
Importante salientar ainda que, o artigo 15 do CC traz outra exceção à exigência prévia de consentimento para intervenções cirúrgicas ou tratamentos médicos, ao dizer que ninguém pode ser constrangido, com risco de vida, a submeter-se a estes tratamentos. Sendo assim, caso o tratamento não represente um risco à vida do indivíduo, pode o médico realiza-lo sem prévio consentimento do paciente ou examinado.
6.3 Da falta ou insuficiência de informação
A segunda situação de responsabilidade que decorre dos deveres do médico na relação com o paciente é a da falta de informação que, pode não parecer, mas apresenta diferenças com relação à ausência de consentimento.
Conforme dito exaustivamente até aqui, compreende dever funcional do médico prestar as informações necessárias ao paciente que, a partir destas, poderá exercer sua autonomia da vontade, manifestando-a de acordo com seus interesses.
No entanto, é possível que o médico descumpra este dever, não prestando qualquer informação ao paciente, mas, simplesmente, indagando-lhe se aceita a submissão ao tratamento.
Em outras palavras, é possível que o paciente oferte seu consentimento, mesmo que o médico não lhe forneça qualquer informação.
Nesta situação, também há clara ofensa à autonomia da vontade do paciente, bem como uma afronta do profissional ao Código de Ética Médica, mais especificamente, ao artigo 34 deste diploma. Portanto, haverá responsabilidade civil do médico, desde que haja o dano.
Assim, existindo o dano, decorrente da conduta do médico, surgirá o dever de indenizar, uma vez que, ao não prestar as informações, este agiu com culpa, transgredindo uma norma ética.
O médico também transgredirá a norma ética e ofenderá ao princípio da autonomia da vontade quando prestar a informação tida como incompleta ou se apresentar vício de qualidade.
Na primeira, o profissional médico até presta a informação, mas não de maneira ampla. Acaba pode não avisar o paciente, por exemplo, sobre riscos que decorrem daquele procedimento ou mesmo sobre cuidados necessários no pós-tratamento.
Conforme dito, a informação prestada pelo médico deve ser ampla, trazendo todas as hipóteses que puder prever naquele momento, pois somente o paciente, detentor da autonomia da vontade, tem condição de, diante das informações, julgar aquelas que são relevantes e as que não são para a sua ponderação.
A segunda situação é aquela em que o médico presta a informação de maneira técnica, pouco clara, sem qualidade, de maneira que esta não atinge o fim a que se destina, de conscientizar o paciente, para que este possa manifestar sua vontade.
Com a ausência de informação ou sendo essa incompleta ou de má qualidade, poderá surgir o que chamamos de vícios do consentimento ao paciente, como, por exemplo, o erro.
Ao ouvir uma explicação pouco esclarecedora, o paciente entendeu de maneira diversa e manifestou seu consentimento. Está clara aqui a hipótese de erro, pois o paciente ignora a realidade sobre o procedimento médico e oferta o consentimento de submeter-se àquele, devido a esta falsa percepção.
Assim, tanto na ausência de informação, quanto nas informações incompletas, haverá afronta ao princípio da autonomia e ao dever ético profissional, fatos que podem ensejar a responsabilização do médico, desde que configurado o dano.
Nesse sentido, é o ensinamento de Rui Stoco:
“... Se não houve informação ao paciente ou cliente, ou essa informação foi insuficiente e precária, impedindo-o de autodeterminar-se, poderá surgir a obrigação de reparar, se ocorrer um dano...” (STOCO, Rui. Tratado de Direito Civil. 2011. Pag.671)
Ressalta-se mais uma vez que, para a incidência da responsabilidade, é necessário o dano. Existindo este, haverá a responsabilização do médico, mesmo que tenha praticado a conduta tecnicamente correta. Isso ocorre, pois a culpa encontra-se dentro da não informação ou informação defeituosa, surgindo a responsabilidade antes do início do efetivo procedimento.
Não se pode confundir a situação de erro médico com a ora em análise. Naquela se avaliará a conduta do médico durante o tratamento para reconhecer ou não sua responsabilidade. Nesta hipótese de responsabilidade pela informação, a sua ausência é que traz o dever de indenizar e não a conduta do médico.
Portanto, pouco importa que tenha acertado o tratamento e que atuado da maneira correta, tanto técnica quanto cientificamente, com todos os seus conhecimentos, a falta de informação ou a má qualidade nesta, por si só, já representam a culpa do médico, que terá de indenizar todos os danos decorrentes de seu ato, ainda que estes sejam corriqueiros daquele procedimento.
Nesse sentido pode-se citar a Apelação nº 9000023-77.2009.8.26.0161 julgada pela 7ª Câmara De Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo como relator o Desembargador Luís Mário Galbetti:
Responsabilidade civil. Erro médico. Autora submetida à cirurgia de retirada total do útero (histerectomia abdominal total). Surgimento de fístula vesico vaginal, com a consequente perda de urina pela vagina - Falha na prestação de serviços caracterizada. Inexistente prova de que a paciente tenha sido informada a respeito dos riscos inerentes ao procedimento cirúrgico. Dano moral caracterizado, dado o intenso sofrimento da autora que por dois anos e três meses teve que usar fraldas e se submeter a novas consultas, exames e procedimento cirúrgico para a correção do mal Valor fixado em R$ 20.000,00 - Danos materiais, todavia, não demonstrados - Hipótese que contempla ainda a aplicação do princípio da causalidade. Ônus de sucumbência que deve ser imputado ao réu. Recurso da autora parcialmente provido, improvido o agravo retido do réu.
Interessante citar trecho do Voto do I. Relator do presente caso, no qual fundamenta a responsabilidade do médico/hospital na quebra do dever de informação. Diz o Relator:
“... Ainda que se analise a questão sob o prisma da teoria do risco inerente, a ré não se livraria da condenação. Nada indica que a paciente tenha sido informada na fase pré-contratual a respeito dos riscos do procedimento para que pudesse decidir com consciência sobre sua saúde, já que o caso não se enquadrava em situação de emergência...”.
Nesse sentido também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme pode-se analisar no julgamento do recurso especial nº436827/SP pela 4ª Turma, tendo como Relator o E. Ministro Ruy Rosado De Aguiar.
RESPONSABILIDADE CIVIL. Médico. Consentimento informado. A despreocupação do facultativo em obter do paciente seu consentimento informado pode significar - nos casos mais graves - negligência no exercício profissional. As exigências do princípio do consentimento informado devem ser atendidas com maior zelo na medida em que aumenta o risco, ou o dano. Recurso conhecido.
Importante, porém, observar que deve existir certo limite na avaliação da falta de informação e este decorre exatamente da maior gravidade e risco na intervenção cirúrgica.
Deve existir uma proporcionalidade entre o risco do procedimento e a informação, de maneira que, quanto mais arriscado para a saúde e a vida do paciente for o procedimento, maior a importância e a obrigação de informar.
Nos casos acima citados, é possível perceber essa diferença. No primeiro, do tratamento decorreu um dano temporário à paciente de incontinência urinária e, diante da falta de informação o médico acabou responsabilizado. Já no segundo, o paciente perdeu a visão e pela falta de informação o médico foi responsabilizado.
Perceba que a segunda cirurgia é muito mais arriscada do que a primeira, portanto, a falta de informação deve ser avaliada com maior rigor. Caso contrário, o médico será responsabilizado por todo e qualquer dano que não prever antes.
No entanto, cabe trazer a colação a existência de um fundamento que pode afastar a responsabilidade do médico, nas hipóteses em que não cumpriu com o dever de informação, diminuindo o rigor, presente hoje nos tribunais brasileiros. É o chamado “consentimento hipotético”.
Este consentimento hipotético consiste no fundamento defensivo para escusar o médico de sua responsabilidade, decorrente do dever de informar, alegando que o paciente, mesmo devidamente informado, não deixaria de submeter-se ao tratamento.
Em outras palavras, mesmo que recebe-se as informações não prestadas, o paciente autorizaria o tratamento. Nesta hipótese, é possível vislumbrar uma causa de excludente de responsabilidade.
Isso significa dizer que, para trazer a responsabilidade civil do médico relacionada à informação, é preciso demonstrar que aquela informação seria cabal para a recusa no tratamento.
Como já dito anteriormente, somente o paciente pode avaliar quais informações lhe são favoráveis e quais não são. Em razão disso, é necessário que o médico preste informações de maneira ampla, sem escolher o que vai e o que não vai dizer.
Porém, diante da falta de uma informação que seja comprovadamente irrelevante para a decisão do paciente, não há que se cogitar em qualquer responsabilidade, pois a conduta do médico não foi contra norma ética e não ofendeu o princípio da autonomia da vontade do paciente.
Rui Stoco, citando o autor Galán Cortés, afirma:
“... Na França, a Corte de Cassação admitiu que, caso se demonstre, com toda a probabilidade, que o paciente não informado teria autorizado a intervenção, mesmo que se lhe tivesse informado previamente dos riscos existentes, não haverá lugar para qualquer responsabilidade civil do médico...” (STOCO, Rui. Tratado de Direito Civil. 2011. Pag.671).
Necessário observar que esta tese somente tem lugar nas hipóteses de ausência ou má qualidade da informação prestada pelo médico, pois, ainda assim, há uma anuência do paciente, mesmo que desinformada. Portanto, caso a informação faltante não tivesse relevância, o ato médico não contraria o ordenamento, fazendo-se um ato lícito.
Já nas hipóteses de falta de consentimento o mesmo não poderia ser alegado, pois a ausência de manifestação da vontade, por si só, torna o ato jurídico inexistente e a atuação do médico já é ato ilícito. Em outras palavras, independentemente de a informação ter ou não relevância, a conduta médica sem o consentimento do paciente ou contrário a sua vontade, já se faz ato ilícito.
Esta é uma tese já muito aceita em outros países, porém, pouco utilizada no Brasil ainda, tanto que não se encontra ainda jurisprudências nos Tribunais Estaduais e nos Tribunais Superiores.
Necessário ainda comentar a hipótese em que há permissão para que a informação não seja inteiramente prestada pelo médico.
Quando aquela informação constituir uma ameaça ao bem-estar do paciente ou até mesmo maior dano à saúde, em razão do seu estado emocional, é possível que o médico deixe de prestar a informação naquele momento.
Em outras palavras, caso a totalidade de informações ocasione maior sofrimento ao paciente, além daquele em que se encontra, a ausência de imediata informação poderá ocorrer, sem responsabilização do médico.
Como mera situação ilustrativa pode-se imaginar aquela em que o paciente, descontrolado emocionalmente, está aguardando diagnóstico de um câncer e o médico, ao receber o resultado do exame, percebe que aquele tumor foi identificado como maligno. Sendo assim, será necessária a submissão do paciente a um tratamento. Neste caso, o médico deve agir com sensatez e humanidade e analisar se o paciente poderá receber a informação ou não.
Caso entenda que, naquele momento, o paciente não estava preparado emocionalmente para receber a informação terá mitiga-la.
No entanto, o consentimento é imprescindível para qualquer procedimento. Assim, nestas situações, o médico poderá obter o consenso para a realização de tratamento de familiares ou representantes, mas nunca realizar uma intervenção médica sem prévio consentimento.
Sobre o tema Maria Helena Diniz nomeia referida hipótese de “Privilégio terapêutico” e o classifica como hipótese de dispensa da informação, afirmando:
“... Privilégio terapêutico, ou seja, possibilidade de o médico privar paciente de certa informação quando constituir uma ameaça ao seu bem estar ou um dano à saúde ... Se o paciente tiver possibilidade de suportar a notícia, a informação do médico deverá ser verdadeira e completa, mas seu linguajar não deverá traumatiza-lo, deixando sempre uma margem de esperança e adaptando-se à sua cultura e condições psicológicas, de modo a permitir-lhe a compreensão e aceitação do diagnóstico ou prognóstico...” (DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 2011. Pag.737).
Essa hipótese, que exclui a responsabilidade do médico pela não informação, decorre do próprio princípio da beneficência e o da não maleficência, nos quais o médico deverá atuar sempre objetivando o bem estar do paciente e de forma a não aumentar sua dor e sofrimento.
Vale ressaltar que tal questão deve ser comprovada nos autos e, principalmente, é necessário que o médico tenha, no mínimo, tentado prestar a informação, mesmo que de maneira branda ou aos familiares para que estes a retransmitissem ao paciente.
7. Conclusão
Ao se analisar a Constituição Federal e os principais diplomas legais e infralegais é possível constatar que o princípio da autonomia da vontade ganhou demasiada relevância na relação médico paciente.
Em razão disto, surgiram para o médico obrigações e deveres de plena importância que se fazem necessárias para dar efetividade ao princípio da autonomia da vontade.
A primeira destas obrigações é a de prestar informações, de maneira ampla, clara, sem técnica exacerbada, porém, humana, com preocupação com o bem-estar do enfermo. Cabe ao médico informar o paciente sobre seu diagnóstico, procedimentos a serem realizados, riscos e vantagens de cada um destes procedimentos, etc.
Somente com uma gama de informações claras e precisas o paciente terá plenas condições de analisar a situação, fazer as ponderações necessárias de acordo com seus interesses íntimos e, por fim, manifestar sua vontade na qual aceitará ou não o tratamento proposto, ou, até mesmo, escolherá dentre os possíveis tratamentos.
Aqui surge a segunda obrigação ao profissional médico, que é a de obter, previamente, o consentimento do paciente, para então realizar qualquer tratamento ou intervenção cirúrgica. Esse é o chamado consentimento informado, pois o paciente só aceitará após ter recebido todas as informações necessárias do médico.
Sendo assim, com tais deveres, por óbvio que também surge a responsabilização pelo descumprimento destes.
O profissional da medicina não é mais responsabilizado somente pelo “erro médico”, no qual atua com negligência, imprudência ou imperícia durante certo procedimento, mas também pelo descumprimento de preceitos legais e éticos que lhe impõem aquelas obrigações.
Portanto, ao realizar tratamentos sem qualquer consentimento do paciente ou contrariamente à sua vontade, é ato ilícito do médico, pois não cumpriu com o dever de obter o consentimento prévio e porque não pode obrigar ninguém a fazer algo que não esteja disposto em lei. Caso desse tratamento decorrer um dano, o médico terá de indenizar.
Há exceções a este dever de prévio consentimento que excluem a responsabilização do médico por atuar sem a aceitação do paciente. São as hipóteses de risco iminente de morte ou de tratamentos ou intervenções cirúrgicas que não ocasionam risco de vida.
Da mesma forma, se o médico obter o consentimento, mas não informar previamente o paciente. Caso sobrevenha um dano, ainda que o médico tenha atuado com todo o zelo e técnica, deverá indenizar, pois faltou informação que poderia ter convencido o paciente a não se submeter ao tratamento. Nesta situação, ainda é possível vislumbrar uma convalidação do ato, caso se demonstre que o paciente aceitaria de qualquer forma, mesmo sendo previamente informado.
Diante deste panorama, conclui-se que, atualmente, a relação entre o profissional médico e seu paciente vem sendo pautada em inúmeras obrigações e deveres que, até certo ponto representam uma proteção, porém, podem engessar a atuação médica.
O médico acaba se preocupando com inúmeras situações periféricas ao tratamento para tentar se cercar de segurança e não sofrer condenações indenizatórias. As situações de enfermidade não são meras equações matemáticas, de maneira que o médico acaba com uma sensação de total insegurança, pois a falta de qualquer informação poderá lhe resultar em uma obrigação de indenizar.
Sem dúvida que o consentimento é imprescindível, porém, o dever de informar deve ser avaliado com atenção e cautela pelo julgador. Não é qualquer ausência de informação que irá gerar a obrigação de indenizar, pois, muitas vezes, nem ao médico seria possível avaliar aquele dano que veio a ocorrer.
O rumo da jurisprudência brasileira está indicando um futuro perigoso para o profissional médico. Caso avancemos mais um pouco nos deveres médicos, chegaremos a situação em que, se sobrevier um dano ao final do tratamento, todo paciente proporá uma ação de indenização alegando que houve falta de informação ou que aquela informação não foi clara ou que a prestação da informação, por si só, gerou um sofrimento maior ou compeliu o paciente a submeter-se ao tratamento.
Em outras palavras, caso decorra qualquer dano ao final do procedimento o médico não terá outro destino se não a condenação indenizatória, transformando sua atividade em uma obrigação de resultado e não mais de meio.
Desta forma, conclui-se que são de suma importância os deveres médicos para proteger o paciente e sua autonomia de vontade, porém, não se pode banalizar a falta de informação, como se qualquer ausência, má informação ou informação no momento errado, fossem capazes de impor uma responsabilização pelos danos ao médico.
Referências Bibliográficas
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 8. ed. rev. aum. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011.
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 8. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil – vol.4. 11. ed. – São Paulo: Atlas, 2011.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 1: parte geral. 9. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.