O STJ E O DEVER DE SIGILO PROFISSIONAL DO ADVOGADO

10/05/2015 às 15:55
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O ARTIGO APRESENTA EXPOSIÇÃO COM RELAÇÃO A GARANTIA DO ADVOGADO COM RELAÇÃO A INVIOLABILIDADE PROFISSIONAL E O SIGLO DE DADOS DO CLIENTE.

O STJ E O DEVER DE SIGILO PROFISSIONAL DO ADVOGADO

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) derrubou a autorização de quebra do sigilo telefônico das advogadas que representam Elisa de Quadros Pinto Sanzi, a Sininho. A quebra havia sido  autorizada pelo Tribunal de Justiça do Rio no inquérito policial instaurado para investigar suposta prática de associação criminosa. A OAB-RJ entrou com recurso e conseguiu que autorização da interceptação dos telefones usados pelas advogadas fosse revogada. A decisão do STJ foi concedida na quinta-feira , dia 7 de maio de 2015.

De acordo com a Ordem dos Advogados do Brasil, as advogadas tiveram os telefones grampeados por defenderem a ativista social, como consta nos autos.

Em verdade, a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,  que foi objeto de reforma, contrariava o Estatuto da Advocacia.  

A teor do artigo 133 da Constituição Federal, a advocacia é uma garantia constitucional, na medida em que se prevê a indispensabilidade do advogado na Administração da Justiça. Para tanto, são garantidos ao advogado, no seu mister, a inviolabilidade profissional e o sigilo dos dados do cliente.

O advogado é um profissional habilitado para o exercício do ius postulandi.

Para José Afonso da Silva(Direito Constitucional Positivo, 5ª edição, pág. 502), à luz do que disse Eduardo Couture(Los mandamientos del abogado) a advocacia não é apenas uma profissão, é também um múnus e uma árdua fatiga posta a serviço da justiça”.

Em verdade, a advocacia não é apenas um pressuposto na formação do Poder Judiciário. É também necessário ao seu funcionamento.

Fala-se que a inviolabilidade profissional é um direito que afiança ao advogado a possibilidade de trabalhar com maior segurança, uma vez que lhe são asseguradas a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de suas correspondências e comunicações. Trata-se de uma verdadeira garantia que é dada à sociedade que se vale dos serviços advocatícios do que uma garantia do advogado propriamente dito.

A inviolabilidade abrange a imunidade profissional, a proteção ao sigilo profissional e a proteção aos meios de trabalho.

Mas como explica José Afonso da Silva(obra citada, pág. 504), a inviolabilidade do advogado, prevista no artigo 133, não é absoluta. Ela só o ampara com relação a seus atos e manifestações do exercício da profissão e, assim mesmo, nos termos da lei. Disse ele que “a  inviolabilidade não é um privilégio profissional, é uma proteção do cliente que confia a ele documentos e confissões  da esfera íntima, de natureza conflitiva e não raro objeto de reivindicação e até de agressiva cobiça alheia, que precisam ser protegidos de natureza qualificada”.

A imunidade profissional, prevista no artigo 7º, parágrafo segundo, do Estatuto da Advocacia, significa a liberdade de expressão do advogado. José Roberto Batochio(A inviolabilidade do advogado em face da Constituição de 1988, 688:401) disse que “a natureza eminentemente conflitiva da atividade do advogado frequentemente o coloca diante de situações que o obrigam a expender argumentos à primeira vista ofensivos, ou eventualmente adotar conduta insurgente”.

Com exceção ao desacato, a imunidade já estava prevista no artigo 142, II, do Código Penal quando se preceitua que não constituem injúria ou difamação punível “a ofensa irrogada em juízo, na discussão de causa, pela parte ou por seu procurador”. Por certo, essa imunidade prevista no Estatuto não se limita às ofensas irrogadas em juízo, mas em qualquer órgão da Administração Pública, e em relação a qualquer autoridade pública, judicial ou extrajudicial. Aliás, por não dispor de poder de punir contra o advogado é vedado ao magistrado excluir este do recinto judiciário, inclusive de audiências e sessões ou censurar as manifestações escritas no processo, por ele consideradas ofensivas, estando derrogadas as normas legais que as admitiam.

Por sua vez, o sigilo profissional é um dever deontológico que está relacionado com a ética de determinada profissão, abrangendo a obrigação de manter segredo sobre tudo o que o profissional venha a tomar conhecimento.

Como bem expressa Paulo Lôbo(Comentários ao Estatuto da Advocacia,  4ª edição, pág. 64), o sigilo profissional é, ao mesmo tempo, direito e dever, ostentando natureza de ordem pública. Como tal tem natureza de ofício privado(múnus), estabelecido no interesse geral como pressuposto indispensável ao direito de defesa. Esse dever de sigilo profissional existe seja no serviço solicitado ou contratado, remunerado ou não remunerado, haja ou não representação judicial ou extrajudicial, tenha havido aceitação ou recusa do advogado.

É ainda Paulo Lôbo(obra citada, pág. 65) quem lembra que o dever de sigilo, imposto ética e legalmente ao advogado, não pode ser violado por sua livre vontade. É dever perpétuo, do qual nunca se libera, nem mesmo quando autorizado pelo cliente, salvo no caso de estado de necessidade para a defesa da dignidade ou dos direitos legítimos do próprio advogado, ou para conjurar perigo atual e iminente contra si ou contra outrem, ou, ainda, quando for acusado pelo próprio cliente. Daí porque se entende cessado o dever de sigilo se o cliente comunica ao seu advogado a intenção de cometer um crime, porque está em jogo a garantia fundamental e indisponível à vida, prevista na Constituição. Aliás, deve o advogado promover meios para evitar que o crime seja cometido.

Decidiu o Conselho Federal da OAB(Rec. N. 174/SC/80, Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, 27 – 28: 193-9, set/dez. 1990, jan/abr. 1991) não poder o advogado prestar depoimento ou testemunhar contra o ex-constituinte sobre o que este lhe teria transmitido. Mas esse segredo profissional limitar-se-á ao que lhe foi confiado pelo constituinte, mas sobre os fatos que, por outros meios, tenham chegado ao seu conhecimento, não prevalece o sigilo(TJSP, AgI 18.143 – 1, Jurisprudência Brasileira, 123:233, RT 127/212).

O Superior Tribunal de Justiça já entendeu que o sigilo profissional, previsto no artigo 7º, inciso XIX, que acoberta o advogado, é relacionado “`à qualidade de testemunha”, mas não quando o advogado é acusado em ação penal da prática de crime(RT 718/473).

O advogado pode e deve recusar-se a comparecer e depor sobre fatos conhecidos no exercício profissional, cuja revelação possa produzir dano a outrem(RTJ 88/847; RT 523/438; 531/401)

O artigo 26 do Código de Ética prescreve que o advogado deve guardar sigilo, “mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu oficio, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado pelo constituinte”. O advogado pode quebrar o sigilo profissional nos casos em que é atacado pelo próprio cliente, isso porque o advogado tem o direito de revelar “fatos e documentos”, nos limites de sua defesa para evitar que venha a correr o risco de responder por eventual ilícito cometido por seu cliente.

A tutela do sigilo e da recusa de depoimento alcança os pareceres jurídicos ofertados.

Porém inexiste o dever de sigilo profissional com relação a fatos notórios, fatos de conhecimento público, fatos já provados em juízo e a documentos autênticos ou autenticados.

É sabido que classes profissionais,  como a dos advogados,  podem apresentar suscitações de inconstitucionalidade da lei, na medida em que haveria afronta do dever de    segredo de suas relações com  o cliente, que deve pautar sua conduta profissional, pois esse sigilo seria inviolável.

Sabemos que a advocacia no Brasil é uma garantia constitucional, a teor do artigo 133 da Constituição, onde se prevê a indispensabilidade do advogado na administração da Justiça. Para assegurar tal dispositivo, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil garante, entre os direitos do advogado, a inviolabilidade profissional, visando, sobretudo, o sigilo dos dados dos clientes.

A inviolabilidade abrange a imunidade profissional, a proteção ao sigilo profissional e a proteção aos meios de trabalho.

O sigilo profissional é um dever deontológico do profissional do direito que está relacionado com a ética da profissão, abrangendo a obrigação de se manter segredo sobre tudo que o profissional venha a tomar conhecimento. Isso porque a relação do advogado com seu cliente se pauta na confiança.

A respeito do tema lecionou Tércio Sampaio Ferraz:

“O sigilo, no inciso XII do art. 5º, está referido à comunicação, no interesse da defesa da privacidade. Isto é feito, no texto, em dois blocos: a Constituição fala em sigilo ´da correspondência e das comunicações telefônicas, de dados e das comunicações telefônicas´. Note-se, para a caracterização dos blocos, que a conjunção e une correspondência com telegrafia, segue-se uma vírgula e, depois, a conjunção de dados com comunicações telefônicas. Há uma simetria nos dois blocos. Obviamente o que se regula é comunicação por correspondência e telegrafia, comunicação de dados e telefônica. O que fere a liberdade de omitir pensamento é, pois, entrar na comunicação alheia, fazendo com que o que devia ficar entre sujeitos que se comunicam privadamente passe ilegitimamente ao domínio de um terceiro. Se alguém elabora para si um cadastro sobre certas pessoas, com informações marcadas por avaliações negativas, e o torna público, poderá estar cometendo difamação, mas não quebra de sigilo de dados. Se estes dados, armazenados eletronicamente, são transmitidos, privadamente, a um parceiro, em relações mercadológicas, para defesa do mercado, também não está havendo quebra de sigilo. Mas, se alguém entra nesta transmissão como um terceiro que nada tem haver com a relação comunicativa, ou por ato próprio ou porque uma das partes lhe cede o acesso indevidamente, estará violado o sigilo de dados. A distinção é decisiva: o objeto protegido no direito à inviolabilidade do sigilo não são os dados em si, mas a sua comunicação restringida(liberdade de negação). A troca de informações(comunicação) privativa é que não pode ser violada por sujeito estranho à comunicação.(Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, Revista dos Tribunais, n.1, p. 77-82, 1992; e Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v.88, p.447, 1993).

Sendo assim a proteção a que se refere o artigo 5º, XII, da Constituição, é da comunicação ´de dados´ e não os ´dados´ o que tornaria impossível qualquer investigação administrativa(RTJ 179/225,270). 

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Observe-se que os dados são constituídos de fatos crus, como o número do funcionário, por exemplo. Quando os fatos são organizados de maneira significativa, eles se tornam informação. Informação é um conjunto de fatos organizados de tal maneira que possuem valor adicional, além dos valor dos fatos adicionais(Ralph M. Stair e George W. Reynolds, tradução Harue Avritsher, 2010, Princípios de sistemas de informação, tradução norte-americana, pág. 4). 

Além disso, reitere-se, o sigilo profissional existe não para proteger o advogado, mas para tutelar o cidadão, titular dos direitos patrocinados. Como disse José Roberto Batochio(A inviolabilidade do advogado em face da Constituição de 1988, RT 688/401-407, 406),  o destinatário da franquia da inviolabilidade profissional é o cidadão, titular dos direitos patrocinados, não o advogado, mero intermediário.

O que se proíbe é a revelação ilegal que tenha móvel numa ação dolosa do profissional(RT 515/316). Nessa linha trago a colação o entendimento de Hungria(Comentários ao Código Penal, Forense, 1945, volume VI, n. 184, pág. 246) de que a regra é a possibilidade de requisição, pois o sigilo profissional não é absoluto. Isso porque há interesses jurídicos que superam o dever de sigilo, assim como o interesse público deve estar acima de certos segredos, que podem ser revelados, uma vez tendo pertinência com a lide.

Mister que se diga que a revelação de sigilo profissional configura infração disciplinar punível com a sanção de censura(artigo 36, I, do Estatuto), independente do fato de que se caracteriza crime de violação de sigilo profissional, punível nos termos do artigo 154 do Código Penal.

Anda a inviolabilidade do advogado alcança seus meios de atuação profissional, tais como seu escritório ou local de trabalho, seus arquivos, seus dados, sua correspondência  e suas comunicações.

O que é local de trabalho? É qualquer um que o advogado possa utilizar-se para desenvolver seus trabalhos profissionais, incluindo sua residência, quando for o caso. Mesmo nos casos de serviços efetuados por rede de comunicação, tal sigilo não pode ser violado.

Entende-se que não deve haver interceptação telefônica do local de trabalho do advogado, ainda que autorizado pelo magistrado, por motivo de exercício profissional. Ora, a hipótese prevista no artigo 5º, XII, da Constituição Federal(ser admitida, por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal) aplica-se apenas à própria pessoa do advogado, por ilícitos penais, por ele cometidos, mas nunca em razão de sua atividade profissional. Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RO em MS 10.857/SP, 2000, que a proteção a inviolabilidade de comunicações telefônicas do advogado, “não consubstancia direito absoluto, cedendo passo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de um interesse público superior, especificamente a fundada suspeita da prática de infração penal”.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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