A suspensão da exigibilidade do crédito tributário pelo depósito do seu montante integral

11/05/2015 às 09:15
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O artigo trata das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário elencadas pelo Código Tributário Nacional.

1 A suspensão da exigibilidade do crédito tributário pelo seu depósito do montante integral 

De acordo com Machado (2008), o crédito tributário, por definição, é exigível, posto que líquido e certo, desde o momento da sua constituição.

Justamente daí origina-se a possibilidade de a Fazenda Pública formalizar, unilateralmente, o título executivo, a certidão de inscrição desse crédito em Dívida Ativa. Esta exigibilidade, porém, pode ser suspensa, diante das hipóteses listadas no art. 151 do CTN:

Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

I - moratória;

II - o depósito do seu montante integral;

III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.

V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)    

VI – o parcelamento. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)  

Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes.

A causa da suspensão pode ser prévia, agindo antes do surgimento da própria exigibilidade, nascida ainda no curso do procedimento de lançamento, ocasião em que deveria ser chamada de impedimento e não de suspensão, já que não se pode suspender o que ainda não está constituído, ou posterior, produzindo efeitos depois que o crédito está constituído e, por isso, exigível, (MACHADO, 2008).

Paulsen (2013) destaca que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário impede a cobrança ao contribuinte do respectivo montante, bem como a oposição do mesmo com vistas à compensação de oficio pela Administração com valores restituíveis ou como justificativas para a negativa da emissão de certidão de regularidade fiscal, suspendendo também, como consequência, o curso do prazo prescricional para a sua cobrança.

O instituto, assim, descaracteriza a condição de inadimplente, servindo-se para atribuir ao sujeito passivo o status de regular em relação às obrigações, enquanto perdurarem os efeitos da causa suspensiva da exigibilidade dos créditos pendentes.

Trata-se, conforme ressalta Alexandre (2009, p. 376) de “rol exaustivo de hipóteses, pois, conforme afirma o art. 141 do CTN, o crédito tributário regularmente constituído somente tem sua exigibilidade suspensa nos casos previstos no próprio Código”. 

Ressalte-se que a suspensão refere-se à exigibilidade, ou a possibilidade de cobrança, e não à suspensão do crédito, que continua existindo tal qual quando nascera. São situações em que o atributo da sua exigibilidade fica provisoriamente sustado, por um intervalo de tempo no qual ocorrerá sua extinção decorrente das circunstâncias de suspensão, ou retomará seu curso regular, para posterior extinção (CARVALHO, 2012).

Nesta linha, é importante observar que a suspensão, diferentemente da interrupção, não faz surgir prazos novos depois de extinta a causa da sua ocorrência, mas sim se dá a continuação do que já havia iniciado antes do nascimento dos seus efeitos, conforme ressalta Schoueri (2012, p. 875), “cessada a causa da suspensão, o gozo do direito é retomado desde o ponto em que estava antes que surgisse aquela causa”.

Aqui trazemos principais aspectos sobre cada uma das causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, dentre as quais daremos destaque para aquela do inciso II do art. 151 do CTN, o depósito do montante integral, pela sua importância em relação ao objeto deste estudo. Assim, passamos, primeiramente, às demais situações:

Moratória

A moratória, sempre concedida através de lei, significa o alargamento do prazo para que o devedor cumpra com a obrigação. É liberalidade do credor, de acordo com os tributos da sua competência.[1] Caso a lei não disponha de forma contrária, aplica-se a moratória apenas aos créditos já constituídos definitivamente à data da lei ou o lançamento tenha se iniciado àquela data por notificação regular ao contribuinte (art. 154 do CTN).

Exclui-se do seu campo de abrangência as situações onde restar configurada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação (DUARTE, 2013).

Como mencionado, a lei concessiva da moratória pode inserir no seu campo de aplicação créditos ainda não constituídos definitivamente, sobre o que se pronuncia Carvalho (2012 p. 502):

Querendo o legislador imprimir tom de maior operatividade ao instituto da moratória, que foi ditada, certamente, por elevadas razões de ordem pública, permite que outros devedores, ainda que não tenham seus débitos constituídos no modo da lei, possam enquadrar-se, postulando seus benefícios, apresentando à autoridade administrativa competente uma declaração em que tudo aquilo que o lançamento contém esteja claramente discriminado. [...] Nessas condições, antecipando-se o devedor, oferecendo os dados integrais que seriam expressos no ato do lançamento, e predica sua inclusão para desfrutar dos prazos mais dilargados que a lei da moratória prevê.

Paulsen (2013, p. 2.451) aponta, por sua vez, que a moratória “obsta o lançamento, quando este supõe o descumprimento de dever legal do sujeito passivo e a causa suspensiva atua no sentido de prorrogar o prazo para o adimplemento deste dever”.

É dizer que, concedida a moratória em relação a obrigações atinentes a procedimentos adotados pelo contribuinte (lançamento por homologação), não poderá a Fazenda Pública constituir o crédito tributário enquanto vigentes os seus efeitos.    

Parcelamento

Modo de suspensão que muito se assemelha à moratória, apresentada no tópico anterior, mas que passou a ser tratado como tipo autônomo de suspensão através da Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001, e que tem, como principal diferença em relação àquela, a possibilidade de pagamento através de parcelas, e não simplesmente a postergação do vencimento do valor total (DUARTE, 2013).

Para Alexandre (2009, p. 394), o parcelamento “consiste numa medida política fiscal com a qual o Estado procura recuperar créditos e criar condições práticas para que os contribuintes tenham condições de voltar à regularidade”.

Em relação ao tipo, Carvalho (2012, p. 508) assinala:

O legislador fez questão de sublinhar que o parcelamento também suspende a exigibilidade o crédito tributário, a ele se aplicando as disposições atinentes ao instituto da moratória. Uma confirmação de que se trata apenas de espécie (parcelamento) do gênero (moratória), como vêm proclamando, entre outros, Sacha Calmon Navarro Coelho, Mizabel Derzi e Leonor Leite Vieira.

Por fim, conforme destaca Schoueri (2012, p. 886), “para que o novo prazo não implique colocar o sujeito passivo em situação mais favorável do que outros que cumpriram os prazos legais”, o parágrafo 1o do art. 155 – A determina que, salvo por disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito devido não dispensa o contribuinte do pagamento de juros e multas relativas à postergação do adimplemento para além do prazo do vencimento original.  

As reclamações e recursos administrativos

Conforme garantido constitucionalmente (CF, art. 5o, XXXIV[2] e LV[3]), o contribuinte tem o direito de contestar o lançamento administrativamente, o que será feito de acordo com as leis reguladoras do processo administrativo fiscal, suspendendo a exigibilidade do crédito enquanto não houver decisão irreformável, da qual não caiba qualquer recurso.

No âmbito federal, o processo Administrativo Fiscal é regulado pelo Decreto nº 70.235/72, segundo o qual a impugnação instaura a fase litigiosa da relação jurídico-tributária.

A fim de garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa, não se admite a exigência de depósitos como requisito para apresentação de recursos, o que acabou sendo objeto de súmula vinculante[4] (DUARTE, 2013).

 Fazendo um paralelo entre os processos administrativo e judicial, Schoueri (2012, p. 884) destaca:

Não é pacífica a equiparação do processo administrativo ao processo judicial. Afinal, enquanto neste há duas partes (Fisco e contribuinte) com pretensões opostas, levadas ao juízo, no processo administrativo a questão é levada ao próprio Fisco. Ou seja, no processo administrativo, no lugar de uma disputa entre Fisco e contribuinte, tem-se, antes o contribuinte exercendo o seu direito de pleitear que a autoridade superior reveja o lançamento efetuado por seu subordinado. De qualquer modo – e este ponto é relevante – trata-se de um direito assegurado constitucionalmente e, enquanto tal, não pode ser cerceado [...] A ideia da reclamação e recurso implica que o crédito permanece suspenso por todo o processo administrativo, em todas as suas instâncias, não cabendo exigir o tributo até que o procedimento esteja encerrado.

O instituto da revisão via processo administrativo coaduna-se com o teor do art. 53 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, e estatui que “a Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”, assim como sumulado pelo STF[5].

É dizer que não é apenas pela via judicial que os atos administrativos podem ser reformados, mas também por iniciativa da própria Fazenda Pública, de ofício ou, neste caso, provocada pelo contribuinte através de recursos e contestações administrativas que devem, conforme frisa Machado (2008, p. 194) “ser entendidas em sentido amplo, abrangendo toda e qualquer forma de se insurgir o contribuinte contra a exigência que lhe é feita pela Administração Tributária”, sentido que é confirmado por Paulsen (2013, p. 2.485) ao dizer que as reclamações ou recursos abrangem as “impugnações ou defesas através das quais o contribuinte se insurge contra o lançamento ou a aplicação de penalidade, ou os recursos interpostos contra decisões tomadas pelos órgãos administrativos julgadores”. 

Vale observar que a suspensão da exigibilidade do crédito no caso de reclamação ou recurso administrativo dar-se-á com a simples apresentação da contestação, independentemente da concessão de medida liminar ou tutela antecipada, como é exigido quando o caso é submetido à discussão judicial (ALEXANDRE, 2009).

Ressalte-se, contudo, conforme lembra Paulsen (2013), que a ação judicial implica renúncia ao processo administrativo, conforme previsto pelo art. 38, parágrafo único, da Lei de Execução Fiscal:

Art. 38 - A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.

Parágrafo Único - A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto.

Desta forma, optando o contribuinte pela discussão pelas vias judiciais, estará implicitamente renunciando a discussão de matéria idêntica pela via administrativa.

Medida Liminar em Mandado de Segurança, em outras ações e tutela antecipada

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Um dos chamados “remédios constitucionais”, o mandado de segurança serve à defesa de direito líquido e certo, não tutelado nem por habeas corpus e nem por habeas data, diante de lesão ou ameaça de lesão por parte de determinada autoridade[6].

Até o julgamento final da ação é possível que ocorram danos irreversíveis ao cidadão, de forma que, constatada a fumaça do bom direito e o perigo na demora de uma solução, o órgão do Poder Judiciário pode decidir por conceder ao impetrante do Mandado de Segurança uma providência imediata, provisória, através da liminar.

Tal medida autoriza o sujeito passivo a não cumprir a exigência tributária, que ficará suspensa enquanto produzir efeitos a decisão judicial em comento.

O mandado de segurança pode ser concedido repressiva ou preventivamente, no primeiro caso após a realização do lançamento, e no último, antes deste (ALEXANDRE, 2009).

Schoueri (2012, p. 507) lembra que, apesar de o CTN fazer menção à medida liminar, é indiscutível que, se a concessão de cautelar já tem a força de suspender o crédito, muito mais poder de produzir tal efeito terá a decisão que aprecia o mérito em primeiro grau, trancando a exigibilidade do crédito, até que o tribunal competente se pronuncie sobre o recurso, modificando a decisão original.

Com o advento da Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, os efeitos da liminar em outras ações, que não a de Mandado de Segurança, passaram também a ter o condão de produzir a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, posto que, com freqüência, o contribuinte se via com o prazo decadencial para a propositura do Mandado de Segurança, de 120 (cento e vinte) dias, já expirado, o que o impedia, portanto, de valer-se de tal ação para obter medida suspensiva que o permitisse discutir a relação tributária sem que efetuasse o depósito do montante integral do tributo combatido (DUARTE, 2013).

A jurisprudência, contudo, já vinha reconhecendo, com apoio da doutrina predominante, o mesmo efeito suspensivo nos casos de provimento dessa natureza em outras judiciais, servindo a Lei nº 104/2001 apenas para confirmar esta tendência, explicitando a capacidade de medidas liminares em outras ações suspenderem a exigibilidade do crédito, mantidas as características processuais de cada entidade (SCHOUERI, 2012). Conforme confirma Paulsen (2013, p. 2.505):

Considerando que cabe ao judiciário o controle da legalidade dos atos administrativos (sistema de jurisdição una) e que suas decisões devem ser respeitadas não apenas pelos particulares, mas pela Administração, que a elas está sujeita, qualquer decisão judicial que disponha no sentido de que o Fisco não possa atuar contra o contribuinte em determinada hipótese tem o efeito de suspender a exigibilidade do crédito tributário, não importando se tenha sido proferida nos autos de Mandado de Segurança ou de qualquer outro tipo de ação (ordinária, cautelar, etc.). Note-se que, mesmo antes do acréscimo do inciso V ao art. 151 do CTN, decorrente da Lei Complementar nº 104/2001, entendia-se que liminares em outras espécies de ação que não apenas o mandado de segurança já tinham o efeito suspensivo da exigibilidade do credito tributário.

  A quase totalidade das hipóteses suspensivas da exigibilidade do crédito tributário, constituintes de um rol taxativo, como já mencionado, foram estudadas nas linhas acima, exceto uma, a do inciso II do art. 151 do CTN, o depósito do montante integral, que será tratado em tópico próprio, diante da relevância em se tratando do tema do presente estudo, que visa, especificamente, avaliar as implicações que esta modalidade de suspensão da exigibilidade do crédito tem sobre a contagem do prazo decadencial do direito de a Fazenda Pública efetuar o lançamento tributário, cuja ameaça de ocorrência justifica, regra geral, a realização do lançamento para prevenir decadência estudado mais adiante. 

1.1 Depósito do Montante Integral

O depósito do montante integral do tributo devido, previsto no inciso II do art. 151 do CTN como causa de suspensão da sua exigibilidade, trata-se de um ato voluntário do sujeito passivo, uma vez que não pode ser exigido do contribuinte como requisito para conhecimento de ação administrativa ou judicial movida contra a Fazenda Pública, como a declaratória de inexistência de relação tributária, a anulatória de lançamento ou o mandado de segurança, conforme esclarecido anteriormente.

Para Machado (2008) o depósito tem o efeito de suspender a exigibilidade do crédito constituído ou do pagamento antecipado, quando exigível legalmente.

É feito geralmente no curso de um processo judicial, que pode ser tanto a execução fiscal, como as demais ações cujo objeto seja a relação jurídico-tributária entre o sujeito passivo e a Fazenda Pública em torno de um caso concreto, ou seja, casos em que o crédito tributário já foi regularmente constituído, sendo, nesses casos, causa posterior de suspensão da exigibilidade do tributo discutido. 

A despeito da definição quanto à natureza suspensiva do depósito, este pode ser feito ainda que sequer exista crédito tributário constituído, o que lhe conferirá a capacidade de suspender a exigibilidade do dever jurídico de fazer o pagamento antecipado, assumindo o lugar deste para demandar a homologação, expressa ou tácita, da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo na apuração do respectivo débito (MACHADO, 2008).

Carvalho (2012, p. 505) lembra que o depósito do montante integral com o intuito exclusivo de suspender a exigibilidade do crédito só faz sentido no curso de processos judiciais, exceto quando o contribuinte tenha obtido medida liminar de suspensão, o que já garantiria por si só a suspensão, e tendo em conta que a contestação administrativa, outra via de discussão, já tem, inerentemente, o condão de promover a suspensão pretendida. Nestes últimos dois casos, a realização do depósito somente traria o benefício de impedir a fluência das correções monetárias.

O legislador teve a preocupação, conforme destaca Schoueri (2012, p. 881), de “falar em suspensão, e não em extinção, já que o depósito não é um pagamento”. Isto porque a importância empregada permanecerá sob o poder da Fazenda Pública contestada em caráter precário, enquanto prosseguir a discussão a respeito da higidez do crédito tributário em questão. A extinção propriamente dita, nos termos do art. 156, VI[7] do CTN somente ocorrerá com a conversão do depósito em renda, vencida a tese do contribuinte.

Esta devolução, conforme observa Paulsen (2013, p. 2.471) não poderá ser negada sob pretexto da existência de outras dívidas, oriundas de outros tributos, conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça.[8] 

O montante integral é o valor total exigível à data do depósito.[9] Ou seja, realizado após o vencimento do prazo original para o pagamento do tributo, deve contemplar o cálculo de multa moratória e juros.

Tal montante será remunerado por juros, pois se o contribuinte sair vencedor da demanda, poderá fazer o levantamento da quantia atualizada até a data da sua devolução, caso contrário, sendo derrotado, o valor será repassado ao ente público, sem a cobrança de acréscimos, uma vez que a remuneração que incide sobre o valor depositado é o mesmo aplicável aos tributos vencidos, o que evita o descompasso entre a cobrança e o depósito, quando feito verdadeiramente no seu montante integral (SCHOUERI, 2012).

Paulsen (2013, p. 2454) frisa que o “depósito não constitui pressuposto para a discussão judicial do débito”, em face da garantia de que nenhuma lesão ou ameaça a lesão será excluída da apreciação do judiciário, diante do que não pode haver condicionamento do exercício do direito de ação ao depósito do tributo discutido, em um entendimento pacífico feito a partir da censura feita ao art. 38 da Lei de Execuções Fiscais[10], e celebrado na aprovação da Súmula Vinculante nº 28 de lavra do Supremo Tribunal Federal[11], em homenagem, principalmente, aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (ALEXANDRE, 2009).

Fator relevante diz respeito aos casos em que ocorrer a extinção das ações judiciais sem julgamento do mérito. Paulsen (2013, p. 2.470) destaca:

O contribuinte tem a faculdade de efetuar o depósito para suspender a exigibilidade do crédito e, com isso, não sofrer qualquer coação no sentido do pagamento nem os ônus da mora. Entretanto, efetuado o depósito, fica ele cumprindo função de garantia do pagamento do tributo, com destino vinculado à decisão que vier a transitar em julgado. [...] A Lei nº 9.703/98 diz que será dado destino ao depósito após o encerramento da lide. Não se deve, pois, autorizar o levantamento dos depósitos pelo contribuinte no curso da ação. Do contrário, teria ele a possibilidade de sustar a ação do Fisco e, após, a seu talante, retirar a garantia concedida. Também não devem ser convertidos os depósitos em renda da União antes do trânsito em julgado. [...] Entendemos que não tem, o contribuinte, o direito ao simples levantamento, pois tal retiraria a garantia do crédito tributário. É razoável, contudo, na hipótese de extinção, sem julgamento de mérito, que se admita a transferência do depósito para outra ação ajuizada pelo contribuinte.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) se pronunciou neste sentido[12]:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO - DEPÓSITO JUDICIAL - LEVANTAMENTO PELO CONTRIBUINTE: IMPOSSIBILIDADE - CONVERSÃO EM RENDA DA UNIÃO. 1. A Primeira Seção firmou entendimento de que, mesmo sendo extinto o feito sem julgamento do mérito, os depósitos para suspensão da exigibilidade do crédito tributário devem ser convertidos em renda da Fazenda Pública e não levantados pelo contribuinte. 2. Ressalva da posição da Relatora. 3. Recurso especial provido.

Há, porém, correntes que defendem a possibilidade de o depósito ser devolvido diretamente ao contribuinte, no caso da extinção do processo sem julgamento de mérito, representadas pelo pensamento de Coelho (2002, p.87):

Quanto às ações que não se resolverem, ou melhor, forem extintas sem julgamento do mérito: Na hipótese de haver depósito, o contribuinte tem a faculdade e o direito de levantá-lo ou afetá-lo a outra ação que supra os defeitos da primeira ou as exigências do julgador, correndo a sorte da demanda.   

Como veremos adiante, esse é um aspecto fundamental para a análise da possibilidade de dispensa do lançamento para prevenção da decadência no caso da existência de depósito do montante integral, objeto central deste estudo, já que muitas das vozes contrárias a esta possibilidade de dispensa se baseiam no argumento de que o contribuinte, desistindo da ação, faria o levantamento do montante depositado em ocasião em que estivesse decaído o direito da Fazenda Pública de constituir o tributo correspondente, promovendo assim a extinção do processo sem julgamento de mérito, no momento em que não poderia mais o ente público agir no sentido de lançar e cobrar o crédito tributário.

Assim, a partir do abordado até aqui é possível enumerar como principais características do Depósito do Montante Integral:

  • Constitui-se em direito subjetivo do contribuinte;
  • Independe de pedido, de qualquer formalidade e da modalidade de lançamento do tributo;
  • Pode ser feito a qualquer tempo;
  • Impede a incidência de atualização monetária;
  • Deve ser restituído ao contribuinte, em caso de vitória no questionamento apreciado;
  • Não extingue o crédito tributário, apenas suspende a sua exigibilidade;
  • Não pode ser classificado como requisito à propositura de discussão, seja judicial, seja administrativa;

O depósito do montante integral, portanto, é uma opção dada ao contribuinte que deseja questionar a existência da dívida, sem sofrer as conseqüências da mora. É vantajoso para a Fazenda Pública, que tem o seu crédito garantido pelo depósito, e para o contribuinte, que arcará com menos encargos, caso sua tese seja vencida e ao final fique decidido que subsiste o direito à cobrança pelo Fisco.


[1] A União, atendidos os requisitos do art. 152 do CTN, também pode declarar moratória em relação aos tributos da competência dos Estados, Municípios e Distrito Federal.

[2] [...] XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; [...]

[3] [...] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...]

[4] Súmula Vinculante nº 21: É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para a admissibilidade de recursos administrativos.

[5] STF, Súmula nº 473.

[6] Constituição Federal, art. 5o, LXIX.

[7] Art. 156. Extinguem o crédito tributário: [...] VI - a conversão de depósito em renda; [...]

[8] STJ, 1a T., Resp 297.115/SP, Min. Humberto Gomes de Barros, abr/01.

[9] Súmula nº 112 do SRJ: O depósito do montante integral do tributo é o depósito em dinheiro do valor que é exigido pelo Fisco.

[10] Lei de Execuções Fiscais, Art. 38 - A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.

        Parágrafo Único - A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto.

[11] É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário.

[12] STJ, 2a Turma, REsp 901415 / SP.

REFERÊNCIAS

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 675 p.

COELHO, Sacha Calmon Navarro.  Liminares e Depósitos antes do Lançamento por Homologação:  Decadência e Prescrição. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2002. 94 p.

CORREIA, Andréa Veloso. Lançamento para Prevenir Decadência Diante de uma das Causas de Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário Prevista no Art. 151 do CTN. Revista da Emerj,  Rio de Janeiro, v. 13, n. 51, p.281-291, abr. 2010.

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a SérioTradução de Nelson Boeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.80.

DUARTE, Francisco Leite. Direito Tributário Aplicado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 798 p.

GOMES, Marcus Lívio. Extinção do Crédito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 159 p.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. 543 p.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. 900 p.

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário:  Constituição e Código Tributário. 15. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 1376 p.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Sobre o autor
Igor Rosado do Amaral

Graduado em Comunicação Social pela ESPM/SP e em Direito pela UNIFOR/CE. Especialista em Direito Público pela Universidade de Caxias do Sul/RS. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.

Informações sobre o texto

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O artigo trata das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, apresenta detalhes e peculiaridades de cada uma delas.

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