RESUMO
Este artigo tem por objetivo fazer uma abordagem doutrinária e jurisprudencial sobre o instituto da recuperação judicial de empresas em situação de dificuldade econômico-financeiras, em observância ao princípio da preservação da empresa, previsto no artigo 47, da Lei 11.101/2005. Tal Lei representa um avanço na manutenção da atividade empresarial, pois se considerarmosque a empresa exerce uma função social de imenso valor no mundo globalizado, a atividade empresarial, embora de caráter privado, cujo objetivo imediato é o lucro, deve contribuir para garantir o desenvolvimento nacional. Desta forma, embora a atividade empresarial seja de livre iniciativa, vivemos atualmente sob a égide de um Estado Social, em que o Estado intervém rotineiramente na economia, a fim de garantir direitos sociais que busquem uma diminuição nas desigualdades sociais, como a garantia de empregos, combatendo os abusos cometidos pelos empresários e, ao mesmo tempo, criando mecanismos para garantir a função social da empresa, mediante a concessão de benefícios para a preservação das atividades empresárias, para aquelas sociedades que passam por dificuldade econômico-financeira, mas que ainda podem contribuir com o interesse coletivo. O instituto da recuperação judicial, com base na aplicação do princípio da preservação da empresa, busca justamente adotar procedimentos de ordem processual, envolvendo vários agentes públicos e privados, num esforço concentrado voltado para garantir a continuidade da atividade empresarial da empresa que se encontra em crise econômico-financeira, mas que detém capacidade de produzir riquezas necessárias para superar a crise, evitando-se a sua extinção ou a decretação de sua falência, preservando-se os empregos e contribuindo para o desenvolvimento nacional, que é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Para tanto, a Lei 11.101/2005 instituiu a recuperação judicial com o objetivo de se evitar precocemente a decretação da falência da sociedade empresária que se encontra em dificuldades de honrar com seus compromissos, mas que ainda possui capacidade de manter sua produção, cumprir sua função social com a preservação dos empregos e estimular o crescimento da economia. Buscou-se neste trabalho demonstrar a importância da aplicação do princípio da preservação da empresa no instituto da recuperação judicial, como forma de colaborar com a empresa viável a superar a crise e atingir sua função social, contando com o esforço de vários agentes públicos e privados, primando pelo interesse da coletividade. O estudo baseou-se em pesquisa bibliográfica, com o entendimento de doutrinadores e de decisões jurisprudenciais.
Palavras - chaves:Recuperação Judicial; Função Social da Empresa; Princípio da Preservação da Empresa.
ABSTRACT
This article aims to make a doctrinal and jurisprudential approach to the institution of judicial recovery companies in a situation of economic and financial difficulty, according to the principle of preserving the company, as provided in Article 47 of Law 11,101 / 2005. This law is a step forward in maintaining the business activity, as it considerarmosque the company exercises a social function of immense value in the globalized world, business activity, although private, whose immediate goal is profit, should help to ensure national development . Thus, although the business activity is free enterprise, currently live under the aegis of a welfare state, in which the state intervenes in the economy routinely in order to ensure social rights that seek a reduction in social inequalities, such as guarantee jobs by combating abuses by entrepreneurs and at the same time, creating mechanisms to guarantee the social function of the company, by granting benefits to the preservation of entrepreneurs activities, for those companies that go through economic and financial difficulty, but still can contribute to the collective interest. The Institute of judicial recovery, based on the principle of preservation of the company, seeks precisely to adopt procedural procedures, involving various public and private actors in a concerted effort aimed at ensuring the continuity of business activity of the company is in crisis economic and financial, but which has the capacity to produce wealth needed to overcome the crisis, avoiding the extinction or the adjudication of its bankruptcy, preserving jobs and contributing to national development, which is one of the fundamental objectives of the Republic Federative Republic of Brazil. Therefore, the Law 11.101 / 2005 instituted bankruptcy protection in order to avoid early declaration of bankruptcy of the business company which is in difficulties to honor its commitments, but also has ability to maintain its production, fulfill its function social to the preservation of jobs and drive economic growth. Sought in this work demonstrate the importance of applying the principle of preservation of the company at the institute from bankruptcy as a way to collaborate with the company feasible to overcome the crisis and achieve its social function, with the efforts of various public and private agents and promoting the interest of the community. The study was based on literature, with the understanding of scholars and court decisions.
Key - words: Reorganization; Social function of the Company; Company Conservation Principle.
INTRODUÇÃO
Dispõe o artigo 47 da Lei nº 11.101/2005 que
“a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
Este artigo trata de um princípio específico do Direito Empresarial, que é o da preservação da empresa, cuja finalidade precípua é a manutenção das sociedades empresárias responsáveis por garantir o desenvolvimento nacional, mediante o exercício de sua função social, demonstrando um interesse público relevante em sua manutenção.
Observa-se que tal princípio se aplica a qualquer empresa, pois o que será valorado para a manutenção da empresa, não é a atividade empresarial que ela exerce, mas sim a função social que desempenha. Ressalta-se que não será qualquer empresa que pode se beneficiar da recuperação judicial, pois há situações em que a empresa não tem condições de continuar funcionando, pois não tem mais como cumprir com sua função social.
Segundo Mamede (2009), este artigo trata de uma norma principiológica, pois valora vários interesses em conflito, como a manutenção da fonte produtora, ou seja, a preservação da empresa, a manutenção do emprego dos trabalhadores e a preservação dos credores.
Já Fazzio Júnior (2010), argumenta que a tendência dos atuais sistemas jurídicos regentes da insolvência é a da realização dos direitos dos credores mediante a recuperação da empresa devedora, ficando a falência como antídoto residual, de cunho liquidatório, dirigida exclusivamente aos empreendimentos inviáveis.
Pode-se afirmar que o princípio preservacionista é justificado pelo princípio da função social da propriedade, previsto nos artigos 5º, XXIII e 170, III, da Constituição Federal, pelo direito social ao trabalho, previsto no artigo 6º da CF/88 e pela garantia do desenvolvimento nacional, que representa um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, II, CF/88). Assim, com a aplicação do princípio da preservação da empresa, busca-se garantiro desenvolvimento nacional e atingir uma justiça social através da valorização do trabalho humano.
O constituinte originário, ao garantir o direito de propriedade e que esta deveria atender à sua função social, deixou evidente que a atividade econômica é um instrumento de redução das desigualdades sociais e desenvolvimento nacional, devendo a empresa privada ou pública contribuir para a alavancamento da economia, com a geração de postos de trabalho e como contribuinte de tributos que são utilizados na aplicação de políticas públicas voltadas para a área social. Há de se destacar a contribuição da doutrina e da jurisprudência no estudo e aplicação do princípio da preservação da empresa visando alcançar o interesse coletivo.
ASPECTOS HISTÓRICOS, CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA
A propriedade, no Estado Liberal, tinha um caráter eminentemente individualista, atribuindo-se ao proprietário o poder para usar e dispor livremente de seus bens, com a mínima interferência do Poder Público na esfera das liberdades individuais. Neste período, o direito privado prevalecia sobre o direito público, importando apenas o aspecto econômico da empresa. Com o surgimento do Estado Social, passou-se a exigir uma participação mais ativa do Estado para garantir o interesse da coletividade, objetivando atingiruma justiça social mais distributiva e garantir alguns direitos sociais que antes eram negados. Assim, passou-se a exigir que o empresário dirigisse sua empresa com vistas a dar a seus bens uma destinação compatível como interesse da coletividade.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, passou-se a exigir uma conduta pautada na ética e responsabilidade social em relação às atividades desempenhadas pela empresa, com o interesse do Estado em temas de interesse da coletividade como meio ambiente equilibrado, função social da empresa, ações coletivas, boa-fé objetiva, dentre outros conceitos de caráter abstrato.
Desta forma, para a empresa cumprir sua função social, passou-se a exigir uma atuação que não se restrinja ao interesse privado simplesmente. Pelo contrário, deve coexistir de forma harmônica a finalidade lucrativa, objetivo imediato da sociedade empresária, e a função social que deva desempenhar, visando preservar os empregos e garantir o desenvolvimento nacional. Em último caso, havendo conflito de interesses entre o privado e o particular, e não havendo como conciliá-los, deverá prevalecer o interesse público, em razão do princípio da supremacia do interesse coletivo sobre o particular.
Assim, com a globalização e abertura dos mercados externos para o desenvolvimento da economia, a obtenção do lucro ainda é o objetivo principal das empresas, mas suas atividades nãos podem se dissociar dos princípios da dignidade da pessoa, da valorização do trabalho, buscando contribuir para reduzir as desigualdades sociais e regionais. Frise-se também, que o Poder Público também deverá desenvolver políticas públicas voltadas para o social. Desta forma, as iniciativas privadas e públicas, embora com objetivos iniciais distintos, devem atuar com responsabilidade social em busca de se construir uma sociedade livre, solidária e justa.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, acentuou-se o debate sobre o atendimento do interesse público na preservação da empresa. Mas, na verdade, não se sabe ao certo a origem de tal princípio, pois até o momento não há uma comprovação de seu surgimento. Alguns doutrinadores, como Fábio Ulhoa (2000, p.444) considera que a sua origem dá-se por volta da década de 70, mas não há dados suficientes que comprovem a sua afirmação.
O que se sabe, na verdade, é que o princípio da preservação da empresa não tem existência própria, dependendo da participação ativa de vários agentes, como o Estado, na pessoa do juiz, dos credores, devedores e outros especialistas, como contadores, avaliadores, etc., sempre no interesse de preservar a atividade empresarial, desde que economicamente e socialmente viável. Ou seja, o papel da jurisprudência em analisar no caso concreto a viabilidade da recuperação, é de fundamental importância para se atingir o interesse coletivo.
O artigo 170, caput e § 1º da Constituição Federal de 1988,
assegura a livre iniciativa e a liberdade para o exercício de qualquer atividade econômica lícita. Contudo, essa liberdade está vinculada ao cumprimento da função social. Até mesmo quando o Estado explora diretamente a atividade econômica, deve desenvolvê-la com base no relevante interesse da coletividade.( CF/1988)
É no artigo 170, que a Constituição Federal dispõe sobre os princípios gerais da atividade econômica, assegurando o exercício de qualquer atividade econômica, na seara da propriedade privada e da busca pelo pleno emprego.
O princípio da preservação da empresa está expressamente materializado no artigo 47 da Lei 11.101/2005:
Art.47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Assim, pode-se observar que tal princípio assume um papel de relevante interesse social, pois além de constituir uma fonte de geração de riquezas, a empresa é responsável pela geração de empregos e em relação ao Fisco, destaca-se a sua capacidade de recolhimento tributos.
Para CanotiIho (1991, p.147) “os deveres infraconstitucionais não podem atender desnecessária ou desproporcionadamente contra a esfera de liberdade e autodeterminação dos cidadãos, nem contra a ordem constitucional dos direitos fundamentais”.
Nesse sentido, a função social da propriedade e o trabalho como um direito social elencam um gama de direitos fundamentais que não podem ser modificados pela legislação infraconstitucional, com a finalidade de restringir os interesses coletivos.
DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A recuperação judicial de empresas é o procedimento que visa proporcionarmeios de superação das sociedades empresárias, em situação econômico-financeira desfavorável,mas que é viável manter o seu funcionamento, utilizando-se de mecanismos jurídicos eficazes, capazes de garantir a sua manutenção, buscando-se a preservação da atividade econômica que possibilite atender a função social, como apreservação de empregos e contribuindo para o desenvolvimento nacional.
Sabe-se que a empresa constitui um polo gerador de riquezas, fazendo circular seus bens e serviços, movimentando a economia e visando a satisfação do lucro. No entanto, tal interesse privado, não pode se dissociar da função social desempenhada pela empresa, pois esta tem o poder-dever de atuar com a finalidade de atingir o fim social a que se destina.
A recuperação judicial visa resguardar a continuidade da atividade produtiva do empresário e da sociedade empresária, possibilitando a manutenção do emprego formal, a relação com fornecedores e a arrecadação de tributos.
Nessa direção:
A recuperação judicial, portanto, não é a institucionalização da moratória ou, como preferem alguns, do calote; o seu resultado pode, sim, ser contrário aos interesses econômicos do empresário ou sociedade empresária, enfim, do devedor que, assim, não tem no procedimento nenhum tipo de salvo-conduto para suas dívidas (MAMEDE, 2009, p.449).
De forma convergente:
‘A recuperação judicial não se restringe à satisfação dos credores nem ao mero saneamento da crise econômico-financeira em que se encontra a empresa destinatária. Alimenta a pretensão de conservar a fonte produtora e resguardar o emprego, ensejando a realização da função social da empresa, que, afinal de contas, é mandamento constitucional (FAZZIO JÚNNIOR, 2010, p.13).
Mamede (2009) em abordagem sobre a preservação da empresa revela se tratar de um esforço concentrado, envolvendo Instituições sólidas, na busca do resguardo do equilíbrio econômico e social. Destarte, é imperioso afirmar que o alvo é a recuperação da sociedade em defesa do seu papel na sociedade como um todo, excluindo todo interesse particular.
O deferimento da recuperação judicial resulta da aprovação da proposta apresentada pelos credores, nos termos do artigo 45, cabendo ao juiz conceder a recuperação, desde que não haja objeção dos credores ou com base no artigo 58, § 1º da Lei 11.101/2005, desde que o plano não implique em tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado (art. 58,§ 2º).
O processamento da recuperação judicial deve atender a um procedimento específico, conforme disposto no artigo 51 da Lei 11.101/2005, sendo indispensável que as decisões sejam tomadas com o auxílio das demonstrações contábeis, complementadas com o uso de notas explicativas, tendo em vista que as mesmas revelam com clareza a situação patrimonial do devedor, bem como as mutações ocorridas neste patrimônio.
Para Renata Albuquerque Lima (2014, p.88), “o perfil atual do Estado brasileiro é de um ente regulador, cujo propósito é manter o equilíbrio entre a livre concorrência e a livre iniciativa, evitar a formação de cartéis e a prática de concorrência desleal”.
Deste modo, a recuperação judicial representa uma inovação na Lei 11.101/2005, visando evitar a decretação da falência da empresa em crise, mas que tem condições de continuar em funcionamento, mediante a apresentação de um plano de recuperação judicial, que torne viável a manutenção de sua atividade econômica e contribua para a produção de bens, a geração de empregos, o pagamento de tributos decorrentes de sua atividade produtiva, tudo com enfoque no interesse da coletividade.
DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Como fazemos parte de um Estado Democrático de Direito, que deve obediência às normas vigentes, convém destacar que para se aplicar tal princípio à recuperação judicial, pressupõe-se o atendimento às normas jurídicas, aos procedimentos específicos e entendimentos jurisprudenciais que, mediante um critério de razoabilidade, irá definir quais empresas que se encontram em situações desfavoráveis têm condições de continuar em funcionamento, visando salvaguardar os interesses dos credores, dos empregados e do Fisco.
Em verdade, a doutrina e a jurisprudência moderna vem defendendo a preservação da empresa, em razão da função social que ela exerce, desde que viável o seu funcionamento. Hodiernamente, a atividade empresarial é um assunto que desperta interesse de todos os seguimentos da sociedade, pois o termômetro da economia de um País está regulado pelo desempenho da atividade empresarial. E nesse ponto, não se pode aceitar que o interesse privado se sobreponha ao coletivo.
É neste cenário de globalização, em que o aquecimento da economia depende basicamente da manutenção da atividade empresarial e de medidas estatais que busquem estimular o consumo, garantir postos de trabalho e favorecer o desenvolvimento nacional, que a empresa deve voltar sua produção em favor de uma existência duradoura e cumprir a sua função social, proporcionando empregos, colaborando no desenvolvimento da economia e contribuindo com o Fisco através do recolhimento de tributos que serão utilizados pelo Poder Público em forma de investimento, para atender os interesses da coletividade.
O que se pretende com a aplicação do princípio preservacionista é evitar que uma empresa socialmente responsável, mas que se encontra em situação econômico-financeira desfavorável, possa ser extinta precocemente. Nestes casos, o principal objetivo é preservar as organizações econômicas produtivas, diante do prejuízo econômico e social que a extinção de uma empresa poderia causar às sociedades empresárias, aos empresários, fornecedores, trabalhadores, consumidores, enfim, à sociedade civil como um todo.
Para Mamede (2007), o princípio da preservação da empresa é corolário do princípio da função social da empresa em que há um interesse público na manutenção e na continuidade das atividades de produção de riquezas – produção e comercialização de bens ou prestação de serviços. Ela não atende apenas aos interesses do empresário individual ou das sociedades empresárias na figura de seus sócios, atende também aos interesses de todos os seus parceiros e colaboradores negociais diretos ou não.
A Jurisprudência tem um destaque de suma importância na aplicação deste princípio, quando da análise do caso concreto, cabendo ao julgador decidir qual empresa que está passando por crise pode lhe ser dado o direito de continuar funcionando, em razão de sua relevância social e econômica.
Por ainda sermos um País em desenvolvimento, cuja realidade econômica demonstra uma enorme disparidade de distribuição de riquezas, com um histórico de concentração de rendas nas mãos de poucos, nem sempre as políticas públicas poderão cumprir com a realização dos direitos fundamentais sociais, embora os direitos fundamentais devessem ter sua aplicação imediata, conforme prevê o art. 5º, § 1º, da CF/88, mas que ainda são tratadas como normas programáticas, valendo-se os governantes do princípio da reserva do possível para negar tais direitos sociais, buscou-se na iniciativa privada um parceiro na contribuição da justiça social.
Vejamosensinamentos sobre o assunto:
Inexorável, pois que a política - também – é indispensável na concretização de uma sociedade melhor, vez que pode servir como instrumento de libertação, muito embora as funções que exercia no passado, agora sejam executadas pelas forças do mercado, o que acaba por possibilitar que os cidadãos busquem soluções pessoais a problemas de origem social. Logo, a eficácia dos direitos sociais não é um problema a ser resolvido apenas por juristas e filósofos, mas também por intermédio da política. Em outras palavras, ‘o projeto de autonomia tem dois gumes e não pode ser de outro modo: a sociedade, para ser independente precisa de indivíduos independentes, e estes só podem ser livres numa sociedade autônoma, ou seja, os indivíduos só são livres quando podem instituir uma sociedade que protege e promove sua liberdade, a não ser que instituam juntos um agente capaz de alcançar exatamente isso (CASTRO,2007).
Por se tratar de princípio, que tem um grau de abstração elevado, restou ao judiciário a tarefa de interpretar a Constituição e exigir que os direitos sociais sejam respeitados e conservados. E como a empresa desempenha um papel fundamental na concretização dos direitos sociais, nada mais justo que se busque um plano viável para se garantir a continuidade de suas atividades empresariais, preservando-se os direitos dos credores, os empregos gerados pela empresa e o recolhimento de tributos em favor do Fisco.
É neste ponto que a função social da empresa deve ser levada em conta para se decidir se é possível manter suas atividades, objetivando construir uma sociedade livre, solidária e justa.
Há de se reconhecer que na última década muitos foram os avanços na seara social, com a implantação de políticas públicas com o objetivo de diminuir as desigualdades sociais e regionais, erradicar a pobreza, em busca da construção de uma sociedade mais justa e solidária.
Multiplicaram-se os movimentos sociais que, de forma organizada, passaram a exigir mais investimentos no social, tanto pelo setor público como pelo privado. E como a empresa é uma propriedade privada, o princípio da livre iniciativa deve estar em harmonia com os deveres de solidariedade, visto que a propriedade deverá atender à sua função social, segundo a norma constitucional, buscando conciliar os interesses privados com os coletivos.
O direito de empresa deve ser visto sob o seguinte prisma:
Ora, a empresa deriva do exercício da propriedade, que, por sua vez, deve cumprir sua função social, o que – por si só – afasta a noção meramente individualista em benefício de toda a coletividade e, portanto, já implica limitações ao objetivo de “levar vantagem em tudo”. Ademais, o Direito da Empresa é parte integrante do Código Civil, cujos pilares são a eticidade, a socialidade e a operabilidade, ficando, portanto prejudicada qualquer interpretação que venha ofendê-los, mesmo porque o direito “não se interpreta em tiras”, fazendo uso aqui da feliz expressão de Eros Roberto Grau (CASTRO, 2007).
Portanto, com a democratização das empresas, a transparência de suas gestões colaborará para se buscar a preservação de suas atividades, quando atingidas por crises econômico-financeiras que as impeça de continuar desempenhando normalmente suas atividades. Assim, o instituto da recuperação judicial é um instrumento jurídico destinado a salvaguardar vários interesses coletivos, com a finalidade de contribuir para a preservação da empresa e garantir o cumprimento de sua função social.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2007):
(...) A crise da empresa pode ser fatal, gerando prejuízos não só para os empreendedores e investidores que empregaram capital no seu desenvolvimento, como para credores e, em alguns casos, num encadear de sucessivas crises, também para os outros agentes econômicos. A crise fatal de uma grande empresa significa o fim de postos de trabalho, desabastecimento de produtos ou serviços, diminuição na arrecadação de impostos e, dependendo das circunstâncias, paralisação de atividades satélites e problemas sérios para a economia local, regional ou até mesmo, nacional. Por isso, muitas vezes o direito se ocupa em criar mecanismos jurídicos e judiciais de recuperação da empresa. (...) No Brasil, a Lei de Falências de 2005 introduziu o procedimento da recuperação das empresas, em substituição à concordata.
Prossegue:
(...) o princípio da preservação da empresa não pode resultar da afirmação de um interesse dela, descolado do das pessoas (naturais), que dependem, em maior ou menor grau, e por razões diversas, de seu desenvolvimento. (...) Apenas homens e mulheres têm interesse; racionalizar a vontade é manifestação exclusiva do ser humano. Se é admissível falar em interesse da sociedade empresária como uma metáfora (...), cogitar do interesse da atividade econômica é um completo disparate conceitual. A preservação da empresa, enquanto organização produtiva, é do interesse dos empreendedores, investidores, trabalhadores, governantes, consumidores, vizinhos etc (COELHO, 2007).
Como pode se perceber dos mais variados entendimentos doutrinários e jurisprudenciais é que a finalidade de tal princípio é justamente preservar a empresa enquanto organização, responsável pela produção de riquezas e circulação de bens e serviços, bem como fonte geradora de empregos e contribuinte de tributos, que serão utilizados no desenvolvimento nacional e social.
Neste sentido:
A constatação da relevância da empresa para a comunidade é apenas o ponto de partida na aplicação do princípio da preservação empresarial. É igualmente fundamental verificar-se se tal continuidade é juridicamente possível, o que nem sempre ocorre. Uma empresa cujo objeto tenha sido considerado ilícito, por lei ou decisão judicial, simplesmente não pode manter suas atividades, por maior que seja o impacto social decorrente. Igualmente não é possível simplesmente desrespeitar, sem expressa e clara previsão legal, os direitos de credores e parceiros contratuais do empresário, que têm na empresa a garantia patrimonial de suas faculdades, sob o argumento da necessidade de preservação da empresa, o que introduziria um elemento econômico desagregador na sociedade, espalhando a desconfiança e, com ela, o enfraquecimento das relações jurídicas e da confiança no Estado (MAMEDE, 2009)
Atualmente, a doutrina e a jurisprudência têm caminhado em harmonia, ao analisar a ordem econômica em conjunto com os preceitos constitucionais, objetivando dar transparência no modo de condução do processo de recuperação judicial, em benefício da preservação das relações jurídicas dela decorrentes do interesse coletivo.
Tal dispositivo visa justamente assegurar a segurança jurídica e a transparência no modo de condução do processo de recuperação judicial. O que se busca na aplicação do princípio preservacionista é uma proteção à empresa, como fonte produtora e geradora de empregos e rendas, sendo inviável reestruturar a empresa em dificuldade se os credores executassem o seu patrimônio, com o objetivo exclusivamente de reaver os seus direitos individualmente.
Deste modo, a exploração da atividade econômica, embora independa de autorização de órgãos públicos, conforme preconiza o artigo 170, parágrafo único, da CF/88, não pode ser exercida com o único intuito de obter lucro, pois a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (art. 173, § 4º da CF/88).
Podemos citar, a título exemplificativo, o caso que envolvia o processo de recuperação judicial da VASP (Viação Aérea São Paulo S.A), quando o Superior Tribunal de Justiça- STJ negou o seguimento de execuções individuais concomitantemente à recuperação judicial.
(...) O objetivo da recuperação é a preservação da sociedade empresária, a da fonte produtora, em benefício dos trabalhadores não dispensados, da arrecadação de impostos, dos próprios credores, da manutenção dos empregos indiretos e de outros beneficiados com a atividade econômica. Para tanto, se faz imprescindível que a vis attractiva do juízo universal, seja aplicável também à recuperação judicial. De fato, seria incoerente que os credores pudessem, concomitantemente, exercer individualmente seu direito à cobrança judicial e ao concurso de credores.
Para a jurisprudência, o artigo 47 da Lei 11.101/2005 é um princípio que visa à preservação da empresa e a manutenção de sua fonte produtora, promovendo sua função social e o estímulo à atividade econômica.
EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ARTIGOS 47 E 51 DA LEI 11.101/2005. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DECISÃO REFEORMADA. PRINCÍPIO DE PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. VIABILIZAR MEIOS DE SUPERAÇÃO DACRISE FINANCEIRA DA EMPRESA REQUERENTE. APELO PROVIDO.
A lei de Recuperação Judicial, especialmente, em seu artigo 47, tem por objetivo viabilizar a superação da crise financeira da empresa, dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Proveram o apelo. Unânime.
ACÓRDÃO. Vistos, relatados e discutidos nos autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do estado, à unanimidade, prover o apelo. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (PRESIDENTE) E DES. NEY WUEDEMANN NETO. Porto Alegre, 26 de maio de 2011.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não há dúvidas que a Lei 11.107/2005 representou um evolução significativa na forma de tratar as empresas em dificuldades de cumprir com suas obrigações. A jurisprudência moderna em muito tem contribuído para evitar a falência ou a extinção precoce de empresas em dificuldades econômico-financeiras, aplicando o princípio da preservação da empresa, previsto no artigo 47 desta Lei, para assegurar a manutenção das atividades empresariais, sempre voltada para a função social que ela desempenha, como fonte produtora de riquezas, de empregos e contribuição de tributos, priorizando o interesse público sobre o interesse particular, consolidando a aplicação de tal princípio.
A própria Constituição Federal assegura o direito de propriedade, mas esta deve atender à sua função social. Desta forma, a Lei 11.101/2005 veio ratificar as normas constitucionais, regulamentando a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, mas sempre primando pela aplicação do princípio da preservação da empresa, quando esta ainda representa uma unidade produtora de riquezas, capaz de atingir sua função social e contribuir para uma justiça distributiva e garantir o desenvolvimento nacional, no interesse dos credores, dos empregados e do Poder Público.
Desta forma, a construção de uma sociedade mais livre, solidária e justa, a garantia do desenvolvimento nacional, a redução das desigualdades sociais e regionais, são objetivos fundamentais insculpidos na Constituição Federativa do Brasil, que exigem uma participação proativa dos setores públicos e privados, no interesse da coletividade.
A livre iniciativa não pode fundar-se na única e simplesmente obtenção do lucro, mas atuar conforme os ditames da justiça social, da valorização do trabalho, enfim, sempre buscando alcançar o interesse coletivo.
Portanto, o princípio da preservação da empresa, previsto no artigo 47 da Lei 11.107/2005, representa mais um instrumento jurídico posto à disposição de empresários, credores, trabalhadores e Estado, para a finalidade de, conjuntamente, salvar a empresa em dificuldades de manter seus compromissos privados e sociais, mediante a apresentação de um plano de recuperação que vise superar a crise e contribuir para o desenvolvimento nacional, mediante a manutenção do negócio.
Podemos concluir que da mesma forma que a norma busca a preservação das empresas viáveis também prevê a eliminação das inviáveis, tal seja, não deve o princípio da preservação só porque neste ordenamento é regra escrita ser observado sem critérios. Neste sentido:
Nem toda falência é um mal. Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária, devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia como um todo (...) a recuperação da empresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser buscado a qualquer custo (COELHO, 2005).
Há de se reconhecer que a legislação avançou neste ponto da recuperação judicial das empresas, passando pelo legislador originário na elaboração do texto constitucional, seja pelas normas infraconstitucionais que instituíram os procedimentos a serem observados na recuperação judicial, bem como pela contribuição da doutrina.
No Brasil, foram inseridos na Constituição Federal de 1988 os princípios da dignidade da pessoa e da função social da propriedade, que serviram de fundamento para a instituição da recuperação judicial da empresa, através da Lei 11.101/2005, mediante a aplicação do princípio da preservação, representado um avanço na legislação que busca materializar direitos e garantias constitucionais, no intuito de reduzir as desigualdades sociais e se buscar uma igualdade material, através da atuação conjunta dos setores públicos e privados.
O que se buscou com a aplicação de tal princípio é garantir a manutenção das atividades empresariais de empresas em crise, mas que desempenham uma função social relevante e contribui para minimizar as desigualdades sociais.
Conclui-se, portanto, que o interesse social decorre, em grande parte, do desenvolvimento da economia, sendo as empresas um agente importante na tentativa de se atingir uma igualdade material. Para tanto, o governo também deve dar sua contribuição, seja criando mecanismos legais para desburocratizar as leis que fomentam a economia, por meio de políticas públicas eficazes, seja fornecendo incentivos para as empresas que em muito contribuem com o interesse da coletividade, na geração de empregos, na capacidade contributiva de tributos e, em geral, com o desenvolvimento da economia nacional.
Sabe-se que no Brasil ainda é reduzido a aplicação do instituto da recuperação judicial, talvez, porque, não seja esta a prioridade do governo junto às empresas que necessitam manter suas atividades. Não se pode obter um desenvolvimento adequado sem a participação equilibrada dos setores privado e público. As empresas não podem ser oneradas com o pagamento de tantos tributos impostos pelo poder público, que inviabilize a manutenção de suas atividades, nem podem buscar o lucro a qualquer custo, pois a Constituição resguarda o direito de propriedade, mas o condicionou ao atendimento de sua função social.
A aplicação do princípio preservacionista busca estabelecer um equilíbrio entre os interesse econômicos e os sociais, como forma de salvar a empresa em crise, mas que ainda pode contribuir para o desenvolvimento nacional. Mas a recuperação judicial tem limites, pois só pode ser aplicada às empresas que contribuam com a justiça social e não simplesmente porque o princípio preservacionista garante a sua manutenção.
Neste processo, o Judiciário funciona como um intermediário, garantindo a efetiva observância e aplicação das leis, para que ocorra a concretização do resultado social almejado.
REFERÊNCIAS
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