A PROIBIÇÃO DE PROCURADORES DO ESTADO EXERCEREM ADVOCACIA PRIVADA
ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da República aposentado
Há o entendimento de que cada Estado pode definir os limites de atuação de seus Procuradores no exercício, concomitante, de advocacia privada.
Lembre-se que, no julgamento da ADI 2.682/AP, Relator Ministro Gilmar Mendes, Informativo STF nº 535, o Supremo Tribunal Federal entendeu que “a forma de provimento do cargo de Procurador-Geral do Estado, não prevista na Constituição Federal(artigo 132), pode ser definida pela Constituição Estadual, competência esta que se insere no âmbito de autonomia de cada Estado-membro.
O artigo 132 da Constituição Federal reza: “Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias”.
A matéria envolve a competência de cada ente federativo.
VI casos no Rio Grande do Norte, em perfeita consonância com a Constituição, de Procuradores do Estado que exerciam a advocacia. Por sinal, eram ótimos advogados e procuradores eficientes na defesa dos interesses do Estado.
No entanto, no Estado do Paraná, a Constituição, em seu artigo 125, § 3º, inciso I, assevera: “É vedado aos procuradores do Estado: I - exercer advocacia fora das funções institucionais”. O artigo 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabeleceu uma exceção: “O disposto no art. 125, § 3°, I, desta Constituição não se aplica aos atuais procuradores do Estado”.
Discute-se hoje a situação do Professor Luis Edson Fachin, que foi indicado pela Presidente da República para ser Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Ele foi nomeado, em 1990, Procurador do Estado do Paraná sob a égide da Constituição daquele Estado, promulgada no dia 5 de outubro de 1989, que, em seu artigo 125, como já dito, vedava aos procuradores do Estado exercer advocacia fora das funções institucionais. Tudo isso, embora o concurso público para acesso a esse cargo público tivesse sido realizado em 1985.
Assim, Luiz Edson Fachin realizou concurso público para provimento do cargo de Procurador do Estado da Paraná, sob a égide da Lei Complementar estadual no 26, de 30 de dezembro de 1985, com a redação dada pela Lei Complementar no 40, de 8 de dezembro de 1987. Nessa versão da Lei, não havia proibição dos procuradores do Estado de exercer a advocacia privada.
Apoiadores de Luis Edson Fachin diriam que ele quando ele prestou concurso e foi aprovado não existia essa proibição constitucional que só veio a aparecer depois. Haveria uma expectativa de direito.
Ora, não se pode falar em direito adquirido a regime jurídico. Veja-se, para tanto, dentre diversos julgamentos, o Recurso Extraordinário 653.736 – DF, Relator Ministro Luiz Fux, onde se ratifica que não há falar em direito adquirido a regime jurídico, desde que observada a proteção constitucional à irredutibilidade de vencimentos.
Não havia, no caso, uma situação concreta constituída.
Para Savigny(Traité de droit romain, Paris, tomo VIII, 1851, pág. 363 e seguintes), leis relativas à aquisição e á perda dos direitos eram consideradas as regras concernentes ao vinculo que liga um direito a um indivíduo, ou a transformação de uma instituição de direito abstrata em uma relação de direito concreto.
Por sua vez, as leis relativas à existência, ou modo de existência dos direitos eram definidas por Savigny como aquelas leis que têm por objeto o reconhecimento de uma instituição em geral ou seu reconhecimento sob tal ou tal forma.
O vínculo do servidor com a Administração se dá com a posse.
Pontes de Miranda(Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, 1971, volume V, pág. 51), na mesma linha de Reynaldo Porchat(Da retroatividade das leis civis, 1909, pág. 59 e seguintes), assim disse:
¨Partiu ele da afirmação da equivalência das duas fórmulas, a que corresponde ao critério objetivo(as leis novas não têm efeito retroativo) e a que corresponde ao critério subjetivo(as leis novas não devem atingir os direitos adquiridos) e assentar que somente a certas categorias de regras – as relativas a aquisição de direitos, à vida deles, escapam à duas expressões da mesma norma de direito intertemporal. E.g, a lei que decide se a tradição é necessária para a transferência da propriedade, ou se o não é, pertence àquela espécie; bem assim, a que exige às doações entre vivos certas formalidades, ou que as dispensa. De ordinário, na regra de aquisição está implícita a de perda. A não retroatividade é de mister em tais casos, quer as consequências sejam anteriores, quer posteriores ao novo estatuto.¨
É sabido que Carlo Gabba(Teoria della retroattivitá della legge, 3ª edição, volume I, pág. 191) fundamenta o principio da irretroatividade das leis no respeito aos direitos adquiridos. Define-o como sendo todo o direito que é consequência de um fato apto a produzi-lo em virtude da lei do tempo em que foi o fato realizado, embora a ocasião de o fazer valer não se tenha apresentado antes da vigência de uma lei nova sobre o assunto e que, nos termos da lei sob a qual ocorreu o fato de que se originou, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.
Reynaldo Porchat(obra citada, pág. 11 e seguintes) lembra definições: direito adquirido é o que entrou em nosso domínio e não pode ser retirado por aquele de quem o adquirimos.
Para Bergman, citado por Reynaldo Porchat, é o direito adquirido de modo irrevogável, segundo a lei do tempo, em virtude de fatos concretos.
É certo que Paulo de Lacerda(Manual do Código Civil Brasileiro, vol. I, 1ª parte, pág. 115 a 214) obtemperou, ao aduzir que na definição de Gabba se encontra apenas defeito de redação uma vez que segundo ele, o patrimônio individual, mencionado na definição geral de direito adquirido, não há razão para ser entendido unicamente em sentido econômico, sendo a condição jurídica do indivíduo composta não só de direitos econômicos, mas de atributos e qualidades úteis pessoais de estado e de capacidade.
Na lição de Limongi França(A irretroatividade das leis e o direito adquirido, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1982, pág. 204), o direito adquirido é a consequência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato idôneo; consequência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da vigência da lei nova sobre o mesmo objeto.
Ora, como ainda não havia o pleiteante ao cargo de Ministro Tribunal Federal sido empossado, à época, Procurador do Estado do Paraná, por óbvio, não podia ser enquadrado como exceção à regra. Ainda que já estivesse no cargo quando da edição da emenda, não se poderia se falar em direito adquirido a regime jurídico. Veja-se, para tanto, dentre diversos julgamentos, o Recurso Extraordinário 653.736 – DF, Relator Ministro Luiz Fux, onde se ratifica que não há falar em direito adquirido a regime jurídico, desde que observada a proteção constitucional à irredutibilidade de vencimentos.
O que interessa não é a situação do servidor antes de ser empossado, mas a partir de sua posse.
Mediante a posse, que é ato formal e solene, que fixa o escolhido em suas funções, como disse Cretella Júnior(Curso de Direito Administrativo, 4ª edição, pág. 543), torna-se ele funcionário, perfazendo-se o vinculo que liga a pessoa jurídico do Estado à pessoa física do funcionário, dando como consequência imediata o aparecimento de direitos e obrigações, prescritos na Lei.
Tal posse não se confunde com o exercício que diz respeito a prática de atos relativos à função.