O Dia do Trabalho é o dia em que se comemora o trabalho em geral e não apenas o trabalho subordinado. Todo tipo de trabalho pode dignificar o homem. O trabalho voluntário é nobre, solidário e fraterno. Todos nós, de um modo ou de outro, somos trabalhadores. O trabalho das donas de casa é fundamental. Não tem mais o sentido de tortura ou de sofrimento. Não é mais sinônimo de escravidão como o era na Grécia antiga. O trabalho hoje em vez de tirar a liberdade, torna o homem livre, sendo condição para sua realização pessoal e profissional. Seus frutos trazem a paz e a dignidade. Não obstante os inegáveis avanços que tivemos, ainda há muito por fazer. O trabalho escravo e a exploração do trabalho infantil ainda são uma realidade presente em muitas sociedades, inclusive no Brasil, exigindo medidas de combate e erradicação que não podem sofrer tréguas. O comprometimento de todos em prol da redução dos riscos de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais não pode ser ignorado nem reduzido. A manutenção e, se possível, a ampliação da proteção aos que trabalham, deve ser um projeto a ser permanentemente implantado, tanto no plano individual como no plano coletivo.
A despeito disso, há um tema em debate no Congresso Nacional que nas últimas semanas tem causado grande preocupação. Trata-se da permissão para a terceirização de toda e qualquer atividade empresarial. Os meios de comunicação tradicionais e as mídias sociais têm repercutido a campanha promovida por empresários e suas representações em favor de sua aprovação, empregando discursos que não correspondem à realidade. A repetição incansável dos discursos acaba por adestrar as nossas mentes. Os publicitários bem sabem disso. O poder do marketing é algo notável!
Existem outras dimensões tão ou mais importantes que a ladainha da redução dos custos da produção e dos preços de produtos e serviços e aumento da competitividade e da eficiência.
A que preço isso deve ser alcançado? Pela precarização do trabalho, oferecendo ao homem trabalhador condições cada vez piores, cada vez mais degradantes, ignorando o art. 1º, inc. IV, da Constituição (que contempla os valores sociais do trabalho como fundamento da República)?
A comparação do Brasil com outros países não é honesta. Sociedades e culturas muito distintas, com histórias, sistema político, desenvolvimento econômico, ordenamento jurídico e igualdade social, além do próprio grau de respeito do povo às leis, entre outros fatores, muito diferentes do Brasil. Não é justo comparar duas realidades desiguais. E quem o faz tem por objetivo convencer, seduzir e conquistar a simpatia e a adesão às suas ideias em prol da aprovação de um projeto de lei (PL 4330) que atende, precipuamente, aos interesses da produção e das empresas.
Os juízes do trabalho não têm qualquer interesse pessoal no caso. A eles, deste enfoque, o projeto é indiferente. Sua preocupação é com os efeitos nefastos, em médio e longo prazo, para a sociedade e a economia em geral, e para os trabalhadores em particular. Compartilham da mesma preocupação os procuradores do trabalho e outros agentes públicos que lidam diretamente com os conflitos envolvendo o capital e o trabalho humano em suas mais variadas formas.
Não há dúvida que nas últimas décadas houve sensível melhora dos direitos dos trabalhadores, bem como redução da concentração de rendas, inclusive pelos programas de sua redistribuição (tentativa de garantia mínima do núcleo essencial de direitos básicos).
A terceirização de todas as atividades empresariais está na contramão da história, na medida em que não melhorará a situação dos trabalhadores, não gerará novos postos de trabalho, não terá efeito positivo significativo na economia, não é de interesse de vários segmentos desta e seguramente causará piora nas atuais condições de trabalho.
Todos que se debruçam ao estudo dessa questão de forma neutra, sem compromissos ideológicos, políticos ou econômicos, sustentam justamente em sentido inverso à ampla campanha em curso, pelo convencimento da população e dos parlamentares para a aprovação do projeto de lei da terceirização indiscriminada.
Entre outros efeitos desastrosos, com base nas experiências acumuladas com a terceirização hoje existente, podem ser apontados os seguintes: a) salários menores; b) jornada de trabalho mais extensa; c) menos direitos contemplados em normas coletivas; d) menor qualificação profissional; e) maior rotatividade de mão-de-obra; f) maiores riscos de acidentes de trabalho; g) treinamento profissional mais precário ou inexistente; h) maior índice de descumprimento de normas sobre saúde, higiene e segurança; i) redução do sentimento de pertencimento do trabalhador; j) esvaziamento ou pulverização dos movimentos coletivos (participação e atuação sindical); k) maiores dificuldades nas negociações coletivas (menor poder de barganha); l) aumento do risco de fraudes à legislação trabalhista; m) menor arrecadação fiscal (contribuições previdenciárias, por exemplo); n) piora geral das condições de trabalho; o) priorização do capital em detrimento do trabalho, desvalorizando esse último; p) indiferença ou redução drástica da preocupação do capital com a dignidade do trabalhador e sua condição social; q) diminuição da responsabilidade social de empresas e empresários; r) concessão de elevado status ao lucro, sem melhoria na distribuição de renda; s) menor duração dos contratos; e t) menor estabilidade no emprego.
Espera-se que aja um debate sério e transparente com a sociedade em geral e, em particular com os setores diretamente interessados, decidindo-se com conhecimento de causa, serenidade e lucidez, não desperdiçando a oportunidade de se evitar que haja piora nos direitos dos trabalhadores e suas condições de trabalho em benefício de expectativas que sabidamente não serão concretizadas.
A terceirização pode, ao final, fazer ruir toda a base principiológica, histórica e gradativamente construída com muita luta, sobre a qual se assenta o Direito do Trabalho.