HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E QUEIXA-CRIME
ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da República aposentado e advogado
I – O ARTIGO 20 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Na lição de CHIOVENDA(INSTITUIÇÕES, VOLUME III, PÁG. 285 a 286) , o fundamento da condenação em despesas processuais é o fato objetivo da derrota e a justificação desse instituto está em que a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva e que é interesse do Estado que o emprego do processo não se resolva em prejuízo de quem tem razão.
A redação que foi dada ao artigo 20 do Código de Processo Civil é no sentido de que o vencido deve pagar os honorários de advogado do vencedor, ao que se vê da leitura do artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil, no sentido de que os honorários de advogado devem ser fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% calculados sobre o valor da condenação, atendidas as circunstâncias mencionadas nas alíneas a, b e c do mesmo parágrafo.
CARNELUTTI(SISTEMA DI DIRITTO PROCESSUALE CIVILE, VOLUME I, 1936, PÁG. 436) , um dos principais corifeus do princípio da causalidade, é quem diz que tal orientação responde a um principio de higiene social. É justo que aquele que tenha feito necessário o serviço público da administração da Justiça lhe suporte a carga de forma a fazer o cidadão mais cauteloso. Para ele, o pressuposto da obrigação do reembolso das despesas consiste em que tenha dado causa as mesmas uma pessoa diversa daquela que as antecipou. Se o sucumbente deve suportar as despesas é porque o processo foi causado por ele.
Nessa linha de entendimento temos a obrigação do vencido de pagar as custas e os honorários de advogado, as despesas do processo.
Em artigo publicado, LUIZ CARLOS FERRAZ(ADMISSIBILIDADE DO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS PELA PARTE VENCIDA NA AÇÃO PENAL) bem disse que a admissibilidade do pagamento de honorários advocatícios é motivo de divergências na jurisprudência e na doutrina em função da lacuna existente no Código de Processo Penal.
Isso porque enquanto o diploma legal é omisso ao tratar do assunto, determinando no artigo 804 do Código de Processo Penal será responsabilizado pelas custas processuais, não trazendo qualquer referência a honorários da parte contrária, os julgados dos tribunais têm se esforçado no exercício da hermenêutica jurídica, acentuando como paradigma o artigo 3º do Código de Processo Penal que admite a interpretação extensiva e aplicação analógica na matéria.
Fica a pergunta: Como aplicar tal princípio em matéria de ação penal privada?
II – A APLICAÇÃO DA CONDENAÇÃO DOS HONORÁRIOS EM AÇÃO PENAL PRIVADA
É sabida a posição do Tribunal de Justiça do Distrito Federal no sentido de fazer aplicação analógica do artigo 20 do Código de Processo Civil, que é permitida pelo artigo 3º do Código de Processo Penal. Sendo assim objetivamente derrotada a parte na queixa-crime deve pagar as custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados de acordo com os critérios das alíneas a, b e c do artigo 20 do Código de Processo Civil, do que se vê da decisão na Ap. 1760997, Relator Mário Machado, 4 de setembro de 1997.
Da mesma forma, o Tribunal de Justiça de São Paulo, do que se lê, dentre outras, de decisão na Queixa-Crime 304.862 - 3, em que foi Relator Dante Busana, 22 de fevereiro de 2001.
Da jurisprudência , tem-se que a conclusão de que a emulação viabilizada por quem não possui direito na relação jurídico-processual necessita mesmo de uma reparação de quem foi injustamente processado, reparação com roupagem de indenização, daí se revela a condenação em honorários.
Em posição contrária, tem-se o Tribunal de Alçada do Paraná, que entendia que não se aplica ao processo penal o princípio da sucumbência vigente no processo civil, em caso de queixa-crime, Ap. 118929700, Curitiba, Relator Eracles Messias, 24 de junho de 1999.
Adito a posição contrária a condenação em honorários pela Oitava Câmara do Tribunal de Alçada Criminal, por maioria de votos, de 1º de outubro de 1987, ao dar provimento parcial à apelação, visando a reformar condenação em honorários. A propósito disse o relator Ganguçu de Almeida, que frisa a omissão da lei na matéria, ao concluir que o artigo 3º do Código de Processo Penal ao admitir a interpretação extensiva e aplicação analógica, refere-se apenas às normas de procedimento, não às regras de sucumbência, uma vez que a analogia que se tolera é a analogia in bonan partem, à falta de disposição expressa recomendando o pagamento da verba honorária pelo vencido, razão pela qual a recusa.
No mesmo sentido, contrário a tal condenação, tem-se decisão do mesmo Tribunal de Alçada de São Paulo, de 24 de setembro de 1990, contrária ao pagamento de honorários pelo vencido em ação penal privada, sob o argumento de que o princípio da sucumbência não vigora no processo penal, sendo impossível pretender-se a condenação do vencido.
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça é peremptório ao entender que julgada improcedente a queixa-crime é cabível a condenação do querelante ao pagamento de honorários do advogado do querelado.
Tal posição é firmada no julgamento do Recurso Especial 252.290/RS, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 25 de fevereiro de 2002, onde se diz que julgada improcedente a queixa--crime é cabível a condenação do querelante ao pagamento de honorários do advogado do querelado, aplicando-se o principio da sucumbência.
Tal se lê em diversos julgamentos outros do Superior Tribunal de Justiça, como se vê do Recurso Especial 108.267/SP, Relator Ministro Vicente Leal, DJ de 1º de setembro de 1997; Recurso Especial 74.984/RS, Relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 3 de março de 1997 e ainda no Recurso Especial 83.793/DF, Relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 29 de outubro de 1996 e o Recurso Especial 178.477 – MG, Relator Ministro Edson Vidigal, DJ de 20 de março de 2000.
Da mesma maneira, do que se tem no julgamento do Recurso Especial 272.727/SP, Relator Ministro Felix Fischer, DJ de 10 de junho de 2002 e o Recurso Especial 269.027/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 10 de junho de 2002.
Todas essas decisões estão fulcradas em entendimento do Supremo Tribunal Federal, no RE 91.112/SP, Relator Ministro Soares Munhoz, RT 96/825-829.
É o próprio Código de Processo Penal que, em seu artigo 3º, admite a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito ao processo penal. Cumpre ao vencido arcar com as custas processuais, sendo admitida, em sede de ação penal privada, a extensão do principio da sucumbência.
Não se afasta a aplicação do princípio geral da sucumbência, cabendo à parte vencida o pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios decorrentes da sucumbência em ações penais privadas.
Como salientado, no leading case, no julgamento do RE 91.112, o princípio da sucumbência, acolhido no processo civil, é extensível, com base no artigo 3º do Código de Processo Penal,. Tal verba honorária é consequência do que decorre, objetiva e inevitavelmente da derrota de qualquer das partes na ação penal privada.
Aliás, no passado, a Primeira Turma do Supremo Tribunal decidiu que não viola a Constituição Federal nem discrepa da jurisprudência do Excelso Pretório decisão que condena o querelante vencido a indenizar os honorários do advogado que defendeu vitoriosamente o querelado(RT 478/229).
A esse respeito, é conhecida a posição do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 78.770-ES, em que foi Relator o Ministro Aliomar Baleeiro,
Ocorre na ação penal privada verdadeira substituição processual em que o Estado transfere ao particular o direito de agir e de acusar, deduzindo em juízo a pretensão punitiva. O direito de queixa outorgado ao ofendido é um direito instrumental subordinado aos princípios e regras do direito processual penal. O direito de ação, como se sabe, é sempre um direito público que deve ser exercido de acordo com as normas de direito.
Sigo, na matéria, a lição de FREDERICO MARQUES(ELEMENTOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL, VOLUME I, 1965, PÁG. 39).
Correta a ilação de FREDERICO MARQUES no sentido de que as regras ou normas do processo civil aplicam-se de forma subsidiária ao processo penal. Aliás, como bem disse, como o processo civil é a parte tecnicamente mais aperfeiçoada do direito processual, dele é que são extraídos, em sua maioria, esses princípios gerais.
Não regulando o Código de Processo Penal o pagamento de honorários em sede de ação penal privada aplica-se a norma do artigo 20 do Código de Processo Civil que consagra o principio da sucumbência, carregando ao vencido o pagamento da verba honorária como condenação processual, que não precisa ser objeto de pleito pela parte, a teor da Súmula 256 do Supremo Tribunal Federal.
Na ação penal privada impera o princípio da oportunidade.
Nela há uma verdadeira subordinação do interesse público ao privado. Tal subordinação decorre ¨ou da conveniência para o Estado em sopesar o interesse privado em face do interesse público, embora grande este, ou da tenuidade do interesse público, ou, ainda, dos dois motivos combinados¨.
Em razão do princípio da oportunidade, deve refletir o cidadão ao invocar a tutela jurisdicional do Estado, devendo arcar em caso de reconhecida a improcedência da ação com o pagamento dos honorários de advogado da parte vencedora.
Reitera-se que a verba honorária é consequência objetiva e inevitável da derrota de qualquer das partes na queixa-crime. Aliás, como se defende, o princípio da sucumbência, acolhido no processo civil, a partir da extensão dada pela Lei 4.632/65, é extensível, com base no artigo 3º do Código de Processo Penal, às ações penais privadas.