Cybercrimes na deep web: as dificuldades jurídicas de determinação de autoria nos crimes virtuais

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03/06/2015 às 21:52
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A internet cresce de forma ubíqua e decentralizada, diversos segmentos do conhecimento humanos foram tocados pelo tecido cibernético. Dessa forma, bens jurídicos tutelados estão dispostos nesse ambiente virtual, atraindo cada vez mais cybercriminosos.

           INTRODUÇÃO

A necessidade adveio com a vida em sociedade, comunicar-se era mais do que necessário, era vital. A comunicação permitiu e acelerou a evolução do homem, todo conhecimento adquirido era repassado ao semelhante por meio de gestos e repetição do processo, criando assim, uma forma rudimentar e simples de linguagem. Adquirindo formas mais claras e evoluídas chegamos à escrita que por sua vez possibilitou uma maior consciência sobre os fatos e permitiu a organização do pensamento. Ser histórico que é o homem desenvolveu-se, sobretudo em decorrência da escrita. Com a invenção do telefone, da televisão e do cinema parecia que a escrita estava com seus dias contados.

Eis que surge a Internet e resgata o valor da escrita, dando-lhe uma nova roupagem: a virtual. Sem medo de errar asseveramos que a Internet é a maior invenção já criada pelo homem. Para tanto nos calcamos no silogismo de Aristóteles, pois, se a comunicação, indubitavelmente é o elemento que mais propicia a evolução humana e a Internet é o meio que maior amplitude dá essa comunicação, fica patente a relevância da criação da Internet.

Seria possível sustentar uma vida sem Internet nos dias atuais? Viver “desplugado” não é fácil. Essa teia virtual se espraiou pelos diversos ramos de conhecimento humano, de forma que dificilmente não somos tocados por ela em nosso cotidiano. Somos completamente dependentes da Internet hoje em dia, o bate papo informal com amigos e parentes, o recebimento do salário, as transações bancárias, o entretenimento, a cultura, os estudos até uma cirurgia remota, tudo é controlado pelas tecnologias modernas que se comunicam via Internet.

A tendência é que em pouco tempo esse tecido cibernético recaia sobre toda a sociedade moderna. Hoje o ciberespaço abriga imigrantes e nativos digitais, em breve estaremos todos conectados envolvidos em grande cibercultura, todos serão nativamente digitais.

A Internet cresce vertiginosamente e evoluí descentralizada e de forma ubíqua, notícias recentes apontam para os mais variados segmentos alcançados pelas tecnologias, talvez o exemplo do biohacker seja o que melhor ilustre esse cenário. Trata-se de hackers do corpo que estão interessados em não apenas vestir tecnologia, mas inseri-la dentro do próprio organismo para criar novas sensações e permitir o monitoramento de índices como batimentos cardíacos e temperatura.

Em estado de êxtase com as possibilidades da Internet as pessoas virtualizam suas vidas, projetos governamentais fomentam a inclusão digital em massa buscando garantir meios para que todos tenham acesso à Internet.

Contudo, como em todos os aspectos da vida humana sempre há espaço para a conotação nociva. Os cybercrimes tornaram-se uma epidemia no palco virtual, os cibercriminosos descobriram que a tecnologia também lhes favorecem, mais que isso, potencializa suas condutas ilegais, haja vista a garantia do anonimato e a segurança propiciada pela complexidade da Internet. Os cibercriminosos se espalham pela rede colocando suas armadilhas virtuais e fazem várias vítimas diariamente.

Nesse fluxo, as pessoas continuam a usar a Internet fornecendo cada vez mais seus dados pessoais, por vezes de forma imprudente, tornando-se vítimas em potencial. O grande problema é que as pessoas ainda não se ativeram para os riscos que correm na Internet e que os comportamentos na vida virtual se refletem na esfera real.

Ao revés encontram-se as frágeis e parcas leis, sobretudo as nacionais, que tutelam as demandas virtuais. O legislador pátrio é leniente e leigo, o judiciário despreparado, as polícias obsoletas, os operadores do direito desinformados e longínquos. Condições que terminam por fomentar ainda mais o cenário de crime no ciberespaço, visto que a aplicabilidade da lei resta ineficaz.

O objeto da monografia é realizar uma análise acerca das dificuldades jurídicas para determinação de autoria dos cybercrimes, sobretudo na Deep Web. A escolha do tema decorre de sua problemática, pois, a relevância das demandas virtuais contrapõe-se à desídia legislativa em tutelar o ciberespaço. A hipótese levantada é de que o desconhecimento técnico assim como interesses escusos imiscui-se ao debate legislativo, dando oportunidade ao casuísmo que produz leis ineficazes. A doutrina nesta seara ainda é incipiente, de tal forma que usamos como marco teórico os ensinamentos de Pierre Levy, André Lemos e Manuel Castells.

O presente trabalho, tal como uma visita aos estúdios de Hollywood realizará um passeio pelo fantástico mundo virtual. Para tanto, mostraremos no primeiro capítulo toda a dimensão alcançada pelas tecnologias, fazendo um agradável apanhado histórico, político, cultural e social do homem e a sua relação com a tecnologia, buscando mostrar a relevância do ciberespaço para o desenvolvimento das sociedades.

Em seguida é hora de permanecermos na fila, apesar de sacal se faz necessário para a diversão. Aqui apontamos dificuldades de ordem técnica e navegaremos pelas camadas da Internet. De barco faremos uma breve rota pela superfície “oceânica” da Internet, em seguida tomaremos um submarino e desceremos às profundezas da Internet, conheceremos a Deep Web e a Dark Web, local onde se abrigam os mais nefastos cibercriminosos.

Depois emergiremos ao mundo legislativo e jurídico apontando como estão sendo tratadas no mundo e no Brasil as normas que visam tutelar as demandas penais oriundas do ambiente virtual, bem como estão sendo recepcionadas pelo Poder Judiciário.

Por fim entraremos nos castelos mágicos da filosofia e por meio dela, enfrentaremos o paradoxo entre controle e liberdade. O que seria melhor para internet o controle total ou a liberdade plena? Nesse sentido, apontaremos dentro dos nossos conhecimentos, uma breve indicação de elementos que solucionariam o problema em pauta: Cybercrimes na Deep Web: As dificuldades Jurídicas de determinação de autoria nos crimes virtuais.

Desejamos a todos vocês um excelente passeio!


1. A RELAÇÃO DO HOMEM COM A TECNOLOGIA

                1.1 O ANO EM QUE FIZEMOS CONTATO

O homem sempre manteve relação estreita com a tecnologia, nas imagens da película cinematográfica “2001: Uma Odisseia no Espaço”[1], o diretor Stanley Kubrick nos mostra uma contextualização dessa afirmativa quando de forma ímpar contempla o humano primata lançando ao ar sua primeira máquina: a arma, um osso fêmur retirado de um animal em decomposição. Ao cair, esse objeto recém-descoberto, dá lugar a uma estação espacial em órbita da terra. A genialidade de Kubrick mostra o envolvimento do homem com a tecnologia e o desenvolvimento por ele conquistado, impactando diretamente a sua vida em sociedade.

Nesse ínterim temos como ponto nodal entre essas duas fases a Revolução Industrial, período em que a relação homem x tecnologia se intensificou. Em meados do século XVIII a Europa era culturalmente um “caldeirão em ebulição”. No contexto sociopolítico da época ocorreram profundas mudanças sociais, o rompimento definitivo com antigo sistema feudal proporcionou avanços nas variadas esferas da vida humana, o setor tecnológico foi um deles.

A evolução dessa tecnologia foi determinante para o desenvolvimento das invenções humanas com destaque para a máquina a vapor aperfeiçoada em 1784 por James Watt[2], marco da Revolução Industrial. Em seu livro A Era das Revoluções: Europa 1789-1848, o historiador britânico Eric J. Hobsbawn faz uma excelente demonstração dessa transformação, vejamos:

“O que significa a frase “a revolução industrial explodiu”? Significa que a certa altura da década de 1780, e pela primeira vez na história da humanidade foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas, que daí em diante se tornaram capazes da multiplicação rápida, constante, e até o presente ilimitada, de homens, mercadorias e serviços. Este fato é hoje tecnicamente conhecido pelos economistas como a partida para o crescimento auto-sustentável.[3]

Neste compasso histórico, outras máquinas significativas ao desenvolvimento humano foram inventadas até alcançarmos os dias atuais. Pretensiosamente sintetizamos a história das máquinas em três fases; a primeira iniciada pela máquina a vapor de James Watt, sem o uso da força humana. A segunda fase pela criação da linha de montagem de Henry Ford cujo foco era produção em série por meio de máquinas automáticas e por fim, a terceira fase, que culmina com as máquinas digitais inventadas durante a Segunda Grande Guerra Mundial[4]

Nesse sentido Gilles Deleuze nos dá sua brilhante contribuição, quando contextualiza que as antigas sociedades manejavam máquinas simples com alavancas e roldanas, as sociedades disciplinares tinham por equipamento máquinas energéticas e as sociedades de controle operam por máquinas de informática e computadores.[5]

            1.2 A INVENÇÃO DO COMPUTADOR

No período de conflito mundial dois fatores geravam demandas por novas tecnologias dentre os quais podemos citar: decifrar códigos sigilosos e fazer cálculos para artilharia. Em 1943 os ingleses - influenciados pelos resultados sobre computabilidade obtidos por Alan Turing[6] - inventaram o primeiro computador, O Colossus Mark I, cujo objetivo era descodificar as mensagens ultrassecretas utilizadas pelo exército germânico. Projeto secreto, o Colossus Mark I só se tornou público anos depois. Simultaneamente os norte-americanos inventaram o Electronic Numerical Integrator Analyzer and Computer (ENIAC), que entrou oficialmente em operação em julho de 1946[7]. Seu objetivo era melhorar as tabelas de cálculo para as trajetórias de tiros. Diferente dos ingleses, os norte-americanos foram liberais e divulgaram informações técnicas do ENIAC. Foi essa publicidade o tornou precursor dos computadores digitais.

A microinformática foi invenção dos californianos contra a centralização e a posse da informação pela casta cientifica industrial e militar.[8] Dos mainframes – computadores de grande porte - até os computadores pessoais não demorou muito. Cada vez mais avançados os computadores proporcionavam, dentre outras coisas, a sua própria evolução e expansão. Restava ainda um elo para a eclosão do ciberespaço: a Internet.

             1.3 A GRANDE REDE MUNDIAL INTERCONECTADA: A INTERNET

Denominado Guerra Fria, o período do pós-guerra era envolto em um permanente clima de hostilidade e desconfiança, um ambiente de espionagens, sigilos e armas nucleares que afetavam todas as relações mundiais.

A rivalidade entre as superpotências mundiais gerou uma corrida armamentista e a criação de defesas, fossem elas jurídicas, físicas, químicas, bélicas ou tecnológicas.

Diante deste cenário de insegurança militares os norte-americanos criaram a ARPANET, um sistema de rede de computadores que propiciava a interligação, troca e compartilhamento de informações de forma descentralizada, de modo que a informação estivesse em um lugar e, ao mesmo tempo, em todo lugar. Seu objetivo era manter a integridade das informações da forma mais segura possível em caso de ataques nucleares.

A guerra não ocorreu e as superpotências começaram a viver em uma coexistência pacífica. Sem a pressão de uma guerra iminente as informações da ARPANET, antes sigilosa, foram divulgadas para pesquisadores.

Essa abertura se ampliou e ganhou os centros universitários, fato que aumentou a demanda e gerou dificuldades na administração desse sistema de rede interligando computadores. Sendo assim, a ARPANET foi dividida em dois grupos: MILNET, voltado às informações militares e a ARPA-INTERNET destinada às pesquisas.[9]

A grande rede mundial de computadores nesse momento, era um embrião. “O computador não é mais um centro, e sim um nó, um terminal, um componente da rede universal calculante”.[10]

A Internet ganhou proporções inimagináveis, nem o idealizador mais otimista teria ideia do tamanho que ela iria alcançar, irradiando-se pelos diversos segmentos da vida humana, agregando novas tecnologias, trazendo inúmeros benefícios ao homem e criando uma nova forma de viver em sociedade: a cibercultura.

                1.4 WELCOME TO THE MATRIX: A CIBERCULTURA

Para a compreensão do conceito de cibercultura, necessário se faz definir o que seja ciberespaço, pois, este é o ambiente mais importante para sua propagação. Nas palavras de Pierre Levy, ciberespaço é “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores”[11]. Compreende todos os sistemas de comunicação eletrônica, em outras palavras, é toda infraestrutura tecnológica, computadores, cabeamento, roteadores, protocolos de rede, mainframessoftwares, etc., que possibilitam o tráfego de informações de forma simultânea.

É neste novo cenário digital que se juntam os elementos que propiciam o aparecimento da cibercultura. André Lemos nos contempla com uma excelente exposição acerca desse fenômeno, vejamos:

A microinformática vai acentuar a democratização do acesso à informação (...) o radicalismo californiano, que deu origem a essa nova configuração sociotécnica, era então uma mistura de esoterismo ZEN, ecologia e ficção-científica(...) Assim, a cibercultura, com a microinformática, torna-se mais que o desenvolvimento linear da lógica cibernética, surgindo como uma espécie de movimento social.[12]

Podemos então definir cibercultura como sendo todo o corpo social envolvido pelo tecido tecnológico do ciberespaço. Nas palavras de André Lemos, “é toda cultura associada às tecnologias digitais que cria uma nova relação entre técnica e a vida social.”[13]

A cibercultura decorre da migração das atividades humanas para a seara virtual. Circunscrita ao plano técnico e cientifico, a Internet teve seu crescimento vertiginoso quando pessoas comuns começaram a fazer uso dela. São esses novos usuários que mudam o perfil da grande rede, isto porque o ambiente virtual foi tomado por tudo àquilo que é realizado na esfera real, as manifestações culturais e políticas, entretenimento, redes sociais e relacionamento, trabalho, jogos, estudos, saúde, enfim, todas as áreas de atuação humana são impactadas e migram, em parte ou no todo, para esse novo ciberespaço.

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             1.4.1 A CIBERCULTURA NA EDUCAÇÃO

Nos dias atuais a inclusão digital é uma condição sine qua non. Não pairam dúvidas de que o homem moderno não pode ficar à margem desse ambiente virtual sob pena de ter uma vida mais difícil e onerosa. O educador brasileiro Paulo Freire nos faz uma importante constatação nesse sentido, vejamos:

Ao recordar agora todo este trabalho tão artesanal, até com saudade, reconheço o que teria poupado de tempo e de energia e crescido em eficácia se tivesse contado, na oportunidade, com um computador, mesmo humilde como o de que dispomos hoje minha mulher e eu.[14]

Nos dias atuais, um cidadão que não tenha conhecimentos da utilização de um cartão eletrônico de banco tem diversas desvantagens, imagine-se o custo de tempo e dinheiro que desprenderia ao se deslocar para uma agência bancária toda vez que fosse sacar ou depositar dinheiro. São tantas as desvantagens de um excluso virtual que ficaria cansativo e impraticável, neste trabalho, descrever os reais impactos na sua vida em sociedade. O doutor em Ciência da Educação e mestre em Filosofia da Educação, Moacir Gadotti narra o testemunho do comentário de Paulo Freire acerca dos exclusos digitais:

Em 1996, quando foi mostrada a Paulo Freire a página www.paulofreire.org, ele ficou maravilhado com as possibilidades da Internet. O site foi construído para o IPF (Instituto Paulo Freire) pelo seu neto Alexandre Dowbor, filho de Fátima Freire. Maravilhado e preocupado ao ver o Alex navegar com tanta facilidade pela rede, observou logo que as enormes vantagens oferecidas pela Internet estavam restritas a poucos e que as novas tecnologias acabavam criando um fosso ainda maior entre os mais ricos e os mais pobres. E concluiu: “é preciso pensar como elas podem chegar aos excluídos”. Dizia que esse deveria ser o compromisso do instituto.[15]

A situação é tão necessária que escolas já adotam o ensino de informática aos alunos cada vez mais cedo com o intuito de potencializar o aprendizado e a inserção do aluno no ambiente virtual. O Governo Federal, ciente da importância da inclusão digital, busca o exercício da cidadania por meio da participação política na sociedade do conhecimento. Objetiva o desenvolvimento social, econômico, político, cultural, ambiental e tecnológico focado nas pessoas e em especial no excluídos garantindo-lhe o uso e disseminação das tecnologias da informação.[16]

                 1.4.2 A CIBERCULTURA NA ECONOMIA DE MERCADOS

As empresas migram cada vez mais seus serviços para a plataforma virtual, a maioria das empresas já disponibilizam catálogos digitais, proporcionando desta forma comodidade e rapidez aos seus clientes e rentabilidade para os seus negócios. O volume de capitais transacionados no ciberespaço é gigantesco, dados do relatório anual de 2013 do banco de investimento norte-americano Goldman Sachs informa: “o e-commerce no mundo deve faturar 963 bilhões de dólares em 2013”.[17]

A pesquisa da Federação Brasileira de Bancos, a FEBRABAN, sobre tecnologia bancária de 2013 constatou que no ano de 2012 as transações realizadas pelos meios virtuais ultrapassaram às realizadas pelos canais convencionais.[18] A comodidade, rapidez e econômica ao se utilizar o ambiente virtual sem dúvida são os principais atrativos para que os clientes migrem para essa plataforma.

No relatório de inclusão financeira de 2010 do Banco Central, observa-se que a movimentação financeira gerada pelo uso do internet banking somaram R$ 4.313 trilhões.[19] Esses dados mostram o vertiginoso crescimento do uso da internet para realizar operações bancárias, tornando-se o canal preferido pelos correntistas.

Segundo Boston Consulting Group, se a internet fosse uma economia nacional, em 2016 a economia da rede mundial de computadores estaria classificada entre as cinco principais economias do mundo, atrás apenas os EUA, China, Japão e Índia e à frente da Alemanha, a economia chegará a $4.2 trilhões.[20]

             1.4.3 A CIBERCULTURA NO PODER JUDICIÁRIO

Sintonizado com as novas demandas sociais o Poder Judiciário não se furtou dessa inclusão e acertadamente promoveu a virtualização dos processos judiciais. A emenda constitucional nº 45/2004 valorizou diversos princípios constitucionais expressos, dentre eles a duração razoável do processo. A Lei 11.416/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, alinhou-se aos objetivos constitucionais na medida em promoveu celeridade, ampliou a acessibilidade e melhorou a efetividade processual à sociedade.

Ganhador do premio Innovare de 2010, a iniciativa “Justiça na era virtual”, busca encontrar soluções tecnológicas para tornar a justiça mais célere. Para isso, objetiva extinguir o processo em papel dentro do Superior Tribunal de Justiça substituíndo-o pelo processo digital. Dentre seus benefícios pode-se elencar: a promoção de uma justiça mais rápida, maior acesso à justiça, economia de dinheiro público, preservação da natureza, maior segurança e melhoria na qualidade de vida do servidor.[21]

             1.4.4 A CIBERCULTURA E AS REDES SOCIAIS

Outro viés da seara virtual é a migração das vidas pessoais para o ciberespaço. Atualmente as redes sociais são o meio preferido dos internautas para se conectarem a outras pessoas na internet, sites como: Facebook, Youtube, Orkut, Twitter, Linkedin, Google+, MySpace, Foursquare, Instagram são exemplos dessas redes de interação social, cada uma com sua característica específica.

Por meio das redes o usuário cria um perfil, que nada mais é do que a sua imagem refletida no mundo virtual. A esse perfil são agregados diversos elementos de cunho pessoal criando um verdadeiro portfólio digital do indivíduo. Vejamos o que diz Howard Rheingold sobre o comportamento das pessoas nas comunidades virtuais:

People in virtual communities use words on screens to exchange pleasantries and argue, engage in intellectual discourse, conduct commerce, exchange knowledge, share emotional support, make plans, brainstorm, gossip, feud, fall in love, find friends and lose them, play games, flirt, create a little high art and a lot if idle talk. People in virtual communities do just about everything people do in real life, but we leave our bodies behind.[22]

O escritor norte-americano - especialista no estudo das implicações culturais e políticas pelos modernos meios de comunicação – relata que as pessoas estão usando as comunidades virtuais para interagir com o próximo. Por meio dela trocam conhecimentos, debatem, estudam, fazem novas amizades, tem relacionamentos, divertem-se, dentre inúmeras coisas, ou seja, as pessoas migram integralmente para a seara virtual às suas características e anseios pessoais.

Ainda nesse sentido, André Lemos e Pierre Lévy no ano de 2010 já constatavam que:

Sistemas como Facebook e Orkut são hoje os mais usados no Brasil. (...) são como grandes portais pessoais, onde o usuário expõe sua vida e suas informações ao mesmo tempo que se relacionam com amigos e pessoas do mesmo interesse.[23]

              1.5 UM CAMINHO SEM VOLTA

A realidade atual é que todas as esferas das atividades humanas foram tocadas pelo tecido cibernético, do público ao privado, do individual ao coletivo, do micro ao macro, quase tudo foi virtualizado. É indiscutível que a internet atingiu um papel crucial em todas as esferas estratégicas e críticas dos países, como a exemplo da política de governo, da segurança pública, das telecomunicações, dos transportes, da educação, das companhias energéticas, da saúde, etc. Mas, a sua importância não fica adstrita ao âmbito governamental ela se espraia para os diversos tipos de relações, sejam elas comerciais, empresariais, negociais, financeiras e econômicas e com o surgimento das redes sociais, se estendeu para a vida social e pessoal dos usuários.

No momento em que temos boa parte da sociedade imersa nessa aldeia global digital, percebemos que cada vez mais valores são agregados a esse ambiente. Não estamos aqui a falar apenas de valores financeiros, mas, sim de informações sigilosas de Estado, de dados confidenciais sobre mercado de bolsa e ações, informações estratégicas de fornecimento de energia elétrica e/ou nuclear, informações de defesa militar, além de informações de cunho pessoal.

Diante te todo o exposto fica patente, portanto, que bens jurídicos relevantes transitam e estão disponíveis na grande rede mundial de computadores e que merecem a atenção da tutela penal.

Em que pese toda divergência doutrinária acerca da definição de bens jurídicos, cremos que bem jurídico é tudo aquilo que é objeto do direito, ganhando relevância por força legislativa, quando realiza a lei para a sua devida proteção jurídica.

Acerca dos bens jurídicos penalmente tutelados, nos filiamos aos ensinamentos de Eugenio Zaffaroni, ora senão vejamos:

Diríamos que bem jurídico penalmente tutelado é a relação de disponibilidade de um indivíduo com um objeto, protegida pelo Estado, que revela seu interesse mediante a tipificação penal de condutas que o afetam. Como toda definição, peca por tautologia se prescindimos de sua explicação. Costuma-se dizer que os bens jurídicos são, por exemplo, a vida, a honra, a propriedade, a administração pública etc.[24]

Nesse sentido destacamos a importância do tema abordado nesse trabalho e denunciamos o comportamento desidioso e leniente das autoridades nacionais, haja vista, a inocuidade das leis que visam tutelar penalmente bens jurídicos no ciberespaço. Tal comportamento gera uma insegurança jurídica sem precedentes

                1.6 A INCLUSÃO DIGITAL EM MASSA

Nos países desenvolvidos a integração social com Internet jná é uma realidade há algum tempo. A qualidade da infraestrutura, o acesso rápido, o preço acessível aos serviços de banda larga e dos computadores, tablets, smartphones, notebooks, etc., permitiram que países como Coreia do Sul, Dinamarca, Estados Unidos, Japão, Alemanha, Inglaterra, etc., sempre estivessem à frente das tecnologias disponíveis.

Dados do relatório da União Internacional de Telecomunicações UIT –“Medindo a Sociedade de Informação 2013”,[25] divulgados aqui no Brasil por meio da ONU - Nações Unidas Brasil, traduzem essa realidade, bem como mostra o crescimento assombroso da inserção digital no mundo, vejamos:

No final de 2013, haverá 6,8 bilhões de assinaturas para telefones celulares – quase o número total de pessoas no planeta. Conexões de banda larga móvel em 3G e 3G+ estão crescendo a uma taxa média anual de 40%, o equivalente a 2,1 bilhões de assinaturas de banda larga móvel e uma taxa global de quase 30%. Quase 50% de todas as pessoas do mundo estão agora conectadas por uma rede 3G. Estima-se que, no final deste ano, 2,7 bilhões de pessoas também estarão conectadas à Internet.

Os novos dados da edição de 2013 do relatório mostram que a Coreia do Sul lidera em termos de desenvolvimento, seguido pela Suécia, Islândia, Dinamarca, Finlândia e Noruega. A Holanda, Reino Unido, Luxemburgo, Hong Kong (China) e Reino Unido também fazem parte dos 10 países mais desenvolvidos neste quesito.[26]

O Brasil, apesar de não figurar entre as principais potências tecnológicas vem crescendo muito nesse aspecto, segundo estudo divulgado pelo IBOPE em 2013, os brasileiros com acesso a internet já passam dos 102 milhões[27].

Por outra banda o Governo brasileiro reconhece que existem sérios problemas estruturais e busca implementar medidas no sentido de equacioná-lo, como a exemplo da redução dos preços de acesso à internet junto aos provedores, garantias essas, dadas pelo ministro das Comunicações Paulo Bernardo durante o Congresso Brasileiro de Internet (CBI) ocorrido em Brasília no mês abril de 2013[28].

Por meio destes dados estatísticos podemos concluir que em pouco tempo teremos a maior parte da população mundial conectada ao ciberespaço. As pessoas consideradas nativos digitais, ou seja, os nascidos e criados em comunhão com as tecnologias digitais já possuem cerca de 30 anos, com mais dois ciclos geracionais teremos uma população mundial quase toda, nativamente digital.

                1.7 OS CYBERCRIMES

A união de todos esses elementos históricos e socioculturais acerca do envolvimento do homem com a tecnologia demonstra a importância da internet para o desenvolvimento das sociedades. Bens jurídicos estão disponíveis e transitam no ciberespaço, todo esse conjunto de bens atraiu pessoas dos mais variados segmentos de atuação humana, médicos, pesquisadores, políticos, empresários, advogados, professores, estudantes, etc. Outrossim, atraiu também o criminoso, que visualiza nesse novo ambiente grandes chances de auferir vantagens ilícitas em larga escala, de forma anônima, segura, sem uso de violência física e com baixo custo para prática de seus crimes.

O cibercriminoso faz uso e se beneficia das tecnologias disponíveis. Em regra, ele sempre está à frente do Estado.

Na esfera virtual esses delitos ganham uma nova nomenclatura, qual seja: cybercrimes. Os ditos cybercrimes nada mais são do que infrações penais cometidas no ciberespaço ou por meio dele, utilizando-se de recursos tecnológicos para sua consecução.

A doutrina se dispersa e adota termos diferentes para os crimes nesta seara, como por exemplo: crimes informáticos, e-crimes, crimes virtuais, crimes eletrônicos, delitos virtuais, crimes digitais, etc. A falta de uniformidade prejudica, inclusive, a pesquisa acadêmica haja vista, a grande variação dos termos quando realizamos uma consulta.

Acreditamos que a nomenclatura de cybercrimes seja a mais apropriada, pois se coaduna com o modelo da política criminal internacional instituída pela Convenção de Budapeste sobre Cybercrimes, modelo este, amplamente adotado por vários países.

Os cybercrimes podem ser classificados em: próprios ou impróprios. Os primeiros são os ilícitos penais que só existem na esfera do ciberespaço, como a exemplo dos ataques de negação de serviços - Denial Of Services  (DOS) -. Os impróprios são aqueles que a tecnologia serve como meio da atuação criminosa, um bom exemplo desse tipo de crime é a ameaça realizada via e-mail.

A doutrina adota outras nomenclaturas sobre a classificação dos cybercrimes, vejamos a classificação de Marcos Aurélio Rodriguez.

Crime de informática puro é toda e qualquer conduta ilícita que tenha por objetivo exclusivo o sistema de computador, seja pelo atentado físico ou técnico do equipamento e seus componentes, inclusive dados e sistemas.

Crime de informática comum são todas aquelas condutas em que o agente se utiliza do sistema de informática como mera ferramenta a perpetração de crime comum, tipificável na lei penal, ou seja, a via eleita do sistema de informática não é essencial à consumação do delito, que poderia ser praticado por meio de outra ferramenta.[29]

Superando a questão da classificação dos cybercrimes, devemos nos ater ao fato que essas atividades delituosas cresceram e ganharam proporções juntamente com a força e evolução das tecnologias. Dados do Norton Report de 2013 – a Norton pertence à Symantec, uma das maiores empresas de software do mundo no setor de segurança de tecnologia da informação - nos mostram que os cybercrimes se tornaram uma epidemia global e silenciosa.

O estudo foi realizado em 24 países, inclusive no Brasil. As primeiras informações mostram que cerca de 378 milhões de pessoas são vítimas de cybercrimes por ano. O custo líquido mundial gerado pelos cybercrimes é de US$ 113 bilhões. As principais conclusões do relatório da Norton sobre o Brasil são:

  • 60% dos brasileiros foram vítimas do cybercrime;
  • 45% dos adultos no país tiveram uma experiência de crime virtual e comportamento de risco nos últimos 12 meses;
  • Custo líquido do crime cibernético, nos últimos 12 meses, foi superior a R$ 18 bilhões;
  • 57% dos usuários de smartphone no Brasil foram vítimas de crime virtual móvel;
  • 49% dos usuários de smartphone e 61% dos consumidores de tablets no Brasil possui sistema de segurança online instalado em seus equipamentos;
  • 58% dos brasileiros usam o aparelho de celular para trabalho e diversão;
  • 39% dos usuários de smartphone no Brasil afirmam que não deletam e-mails suspeitos de pessoas que não conhecem.
  • 33% dos brasileiros não se desconecta dos perfis sociais após o acesso e 31% se conecta com pessoas desconhecidas;
  • 61% dos adultos brasileiros disseram utilizar redes de Wi-Fi públicas ou inseguras.[30]

Para que tenhamos uma real dimensão acerca do crescimento silencioso dos cybercrimes podemos compará-lo ao narcotráfico mundial. O tráfico de drogas mundial movimenta US$ 320 bilhões anuais. Em um recente discurso de abertura da Comissão de Narcóticos, o subsecretário-geral da ONU, Jan Eliasson, disse: “O narcotráfico é um negócio multimilionário que alimenta as redes criminosas [...] As drogas ilegais geram ao redor de US$ 320 bilhões anuais”.[31]

Os cybercrimes não ficam circunscritos à violação ao patrimônio, os cibercriminosos usam a internet para diversas práticas criminosas dentre elas a de exploração sexual infantil. Em uma recente operação mundial 348 pessoas foram presas, o que demonstra a existência de uma vasta rede de pedofilia internacional, a investigação foi realizada em mais de 50 países.[32]

A diversidade dos delitos é crescente e podemos apontar alguns tipos de cybercrimes, alguns já tipificados outros não, como por exemplo: venda e compra de armas bélicas e químicas, tráfico de drogas, cyberextorsão, tráfico de pessoas, cyberbullying, furto, estelionatos, ataques de negação de serviço, etc.

Neste contexto, vislumbramos a prática do crime de homicídio por meio da internet. Em um exemplo meramente acadêmico, suponhamos que um cracker habilidoso quebre o sistema de segurança informático de um hospital e tenha acesso aos prontuários eletrônicos dos pacientes, passando a ministrar fármacos diversos da prescrição médica ou alterando as prescrições entre pacientes. Poderia ainda, interromper o fluxo de energia dos equipamentos ou desligá-los, tais medidas poderiam ocasionar a morte de enfermo.

Observemos que nos dias atuais, quase todos os procedimentos hospitalares são geridos por sistemas informatizados, sendo assim, por mais didático que seja o nosso exemplo, ele é plenamente possível. Motivo pelo que denunciamos a omissão Estatal para garantir de forma eficaz, a tutela penal dos cybercrimes.

                1.8 O PERFIL DO CIBERCRIMINOSO

Na seara virtual é escassa a doutrina criminológica. No tocante à construção do perfil do cibercriminoso os poucos doutrinadores que se enveredam neste ambiente resumem-se a descrevê-los e dividi-los em: hackers, crackers, phreackers, warez, cyberpunks.[33] Apesar de reconhecer a importância desse esclarecimento, principalmente na fase de investigação de incidentes de cybercrimes, duvidamos de sua eficácia, pois estamos convictos de que as respectivas classificações, por serem demasiadamente técnicas, não agregam à comunidade jurídica elementos que visem uma melhor prestação jurisdicional, pelo contrário: confunde. Sobre essas considerações Shecaira nos ensina:

Com efeito, as considerações criminológicas são absolutamente imprescindíveis para que o jurista possa levar a cabo sua própria tarefa dogmática. Não é crível que se possa compreender o conteúdo da norma sem recorrer à criminologia, ciência que Ihe da o substrato último de conhecimento pre-juridico.[34]

Neste contexto é de suma importância que o operador do direito tenha conhecimento inequívoco acerca do perfil do cibercriminoso, cabendo, portanto, à criminologia o esforço para a devida atualização. Sobre a relevância do registro do perfil do criminoso, Calhaus assevera:

A importância de se registrar o perfil dos criminosos assume também grande importância para o juiz de direito na fixação da pena base. Segundo o Código Penal, artigo 59, o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.[35] (grifo nosso)

Nos anos 70 a prática dos cybercrimes ficava circunscrita às pessoas com conhecimento técnico elevado uma maioria jovem com quociente de inteligência acima da média que, de certa forma, viam nessa prática uma forma de desafio e transgressão, uma espécie de fase romântica do cybercrime.

Esse perfil mudou substancialmente com o desenvolvimento tecnológico e hoje é tarefa árdua para a criminologia estabelecer um perfil, um padrão do delinquente virtual. A inexistência de fronteiras, a interdisciplinaridade e a dinâmica no ambiente virtual dificultam ainda mais esse trabalho.

No V Congresso de Crimes Eletrônicos e Formas de Proteção, ocorrido 2013 na cidade de São Paulo, tratou-se desse panorama. O analista de vírus da empresa Mcfee, Guilherme Venere, informou que os cibercriminosos não são mais os mesmos, hoje eles são uma organização que tem no cybercrime, um serviço. São profissionais de uma indústria.[36].

Portanto é de se observar que nas demandas oriundas de cybercrimes o perfil do cibercriminoso é extremamente plural, podemos ter no polo ativo do crime um ciberterrorista ou uma criança em busca de aventura. A respectiva diferenciação é bastante relevante para a comunidade jurídica quando da análise de um caso concreto envolvendo cybercrimes.

                 1.8.1 A VITIMOLOGIA E OS INTERNAUTAS

Os especialistas em segurança de informação apontam para o comportamento de risco do usuário no ciberespaço, como um dos motivos para que se tornem vítimas em potencial de cibercriminosos. Nessa esteira, poderíamos apontar diversos comportamentos inadequados que os usuários adotam no ciberespaço, como a exemplo do uso de senhas simples e de fácil decifragem, a falta de cuidado ao clicar em links e/ou abrir e-mails, a não utilização de sistemas de segurança proativos, etc.

No Brasil esse comportamento é potencializado principalmente pelo largo uso de programas e sistemas operacionais "piratas". Os preços elevados dos programas de computadores fazem com que os usuários optem por instalar cópias ilegais de vários softwares, que por vezes tem seu código modificado por crackers.

Ressaltemos também sobre a superexposição de dados pessoais em redes sociais, o desconhecimento técnico, a falta de cuidado no ambiente virtual, dentre outros. A notícia abaixo nos dá a dimensão desse fato:

A mídia deu destaque de um caso de sequestro que aconteceu em 2010. Um estudante de 19 anos é mantido refém em uma casa, a 150 quilômetros de Sorocaba, em Ilha Comprida, Litoral Sul Paulista. Nove sequestradores foram presos. O que chamou a atenção da polícia nesse caso foi a forma como os sequestradores descobriam o perfil e a rotina das vítimas: A quadrilha escolhia as pessoas sem sair de casa. Tudo era feito pela internet. Segundo a polícia, os criminosos passavam horas e horas em sites de relacionamento, à procura de pessoas com sinais de riqueza. Os sequestradores olhavam principalmente as fotos, para saber, por exemplo, como era a casa da família e se a possível vítima fazia viagens para o exterior.[37]

Muitas pessoas adquirem comportamentos na World Wide Web (Web) que jamais teriam na vida real e esquecem-se das regras de boa conduta. O anonimato propiciado pela internet confere a sensação de liberdade ao usuário que, diante do volume de informações, age sem refletir muito. Não raro é o comportamento de aceitar todas as cláusulas de um contrato durante a instalação de um determinado aplicativo, sendo que nesse bojo há possibilidade de controle total do equipamento do usuário.

Esse comportamento, além de tornar o usuário uma vítima em potencial, pode fazê-lo partícipe em um delito virtual. É muito comum hoje em dia às pessoas compartilharem nos grupos sociais (Facebook, Instagram, Whatsapp, etc) imagens de pessoas em cenas de sexo explicito ou nuas, o famoso: “caiu na net”, sem saber que estão cometendo um crime. O compartilhamento não autorizado de imagens gera punições cíveis e penais.

A virtualidade remove a percepção do perigo na internet, as pessoas não se atentaram ainda que o comportamento no ciberespaço é refletido na esfera real. Os cibercriminosos sempre estão atentos a esses comportamentos e colocam as armadilhas virtuais nos pontos vulneráveis, buscando atrair a maior quantidade de vítimas. Um bom exemplo é o envio de e-mail que oferece vantagens a partir de um link, quando na verdade o link contém um programa malicioso que colhe informações bancárias e pessoais do usuário.

Sendo assim, acreditamos no poder contributivo da vitimologia, pois, sendo o ramo da criminologia que busca indicar o posicionamento biopsicossocial da vítima diante do drama criminal, estudando a pessoa que sofreu um dano, uma lesão, a destruição de um bem, seja por culpa de terceiro ou própria,[38] pode fornecer importantes elementos para o esclarecimento dos cybercrimes, assim como a proteção das vítimas.

Em consonância com o nosso pensamento e sob a ótica cybercrimes Vera Elisa Marques aduz que:

O estudo vitimológico da relação entre a vítima e o cibercriminoso pode revelar-se de extrema importância para a identificação do agente, pois podemos estar perante uma vítima-alvo sendo a escolha intencional, por existir um elo ou ligação, como no caso de um ex-relacionamento ou ex-empregador.[39]

            1.9 O DÉFICIT TECNOLÓGICO ESTATAL

Em síntese, todo esse arcabouço tecnológico, histórico, sociocultural, penal e criminológico que desenvolvemos até aqui nos permite destacar a importância dos cybercrimes no plano do direito penal. Contudo, apesar da relevância, não tem merecido a devida atenção por parte dos órgãos competentes. A desídia, o desinteresse estatal, a morosidade legislativa estimulam essa nova modalidade de crime que se alastra de forma silenciosa.

Há um gigantesco hiato tecnológico entre as forças estatais e os criminosos digitais. Os atuais eventos envolvendo ciberespionagem praticados pela National Security Agency (NSA) mostram o total despreparo estatal para tratar sobre questões virtuais. Despreparo este, ressaltado pelo Deputado Federal Eduardo Azeredo, PSDB-MG, na criação do Marco Civil regulatório da Internet:

O que dizer, então? Que nós temos um total despreparo no Brasil para esse assunto da chamada cyber war[...] Sem dizer que o Brasil não é signatário de nenhum acordo internacional de combate a esses crimes cibernéticos, uma especialidade de delito que sabidamente desconhece fronteiras”[40]

O conhecimento tecnológico associado à complexidade neural da rede, bem como as frágeis e inócuas leis conspiram contra a sociedade na medida em que, dificultam a determinação da autoria dos cybercrimes, limitando, portanto, a prestação judicial eficaz.

O discurso estatal de que todo cybercrime deixa vestígios ou indícios é demagogia. Os aparelhos estatais informam que a determinação da autoria delitiva de um cybercrime depende de uma robusta e eficaz investigação criminal. Para tanto se apoiam na “fábula do Internet Protocol” (IP), garantindo que por meio dele é possível se chegar à autoria de um cybercrime.

Nada mais inverídico, esse discurso serve apenas para dar a sensação de segurança ao usuário, um engodo de que tudo está sob controle, quando na verdade quem exerce o controle é o ciberciminoso, é ele quem dita quando, quem e como os alvos serão atacados. A identificação do autor de um cybercrime por IP só é possível para os criminosos leigos e descuidados, aqueles que eventualmente usam a internet com esse propósito, deixando na cena de crime seus rastros digitais, como a exemplo do que ocorre na vingança virtual.

Os Órgãos Jurisdicionais não possuem capacidade técnica para responder satisfatoriamente as demandas virtuais que possuem dinâmica, complexidade e volatilidade incomparáveis com as demandas comuns.

A falta de conhecimento técnico por parte de autoridades dificulta e compromete a eficiência do combate aos crimes cometidos por meio da internet, esse desconhecimento técnico é percebido na Polícia, no Ministério Público, no Judiciário e até mesmo dos advogados de defesa de acusados. Vejamos um breve relato de um perito da policia federal acerca dessa problemática:

O sucesso das ações nessa área depende muito do promotor, do procurador ou do juiz que está encarregado do caso. Se eles têm conhecimento um pouco mais aprofundado, geralmente consegue-se com muito mais facilidade as quebras de sigilo e os mandados de busca e apreensão que precisamos. Quando eles não conhecem muito bem a realidade da informática, ficam mais receosos por medo de cometer algum abuso em relação ao direito de privacidade. Mas as promotorias dos estados estão em movimento grande para criar unidades internas específicas para tratar de cibercrimes, o que é uma coisa boa. Eu sempre recebo promotores interessados em saber mais sobre equipamentos, especificação de laboratório e quais seriam os requisitos que eles precisariam para atuar nessa área.[41]

A situação agrava-se quando os cybercrimes são oriundos da Deep Web, pois, estes são tão sofisticados que sequer deixam rastros. O submundo da internet serve como um bunker para o criminoso digital que se aproveita das fragilidades e lacunas das leis, da ausência de fronteiras e das tecnologias disponíveis para manterem-se nas práticas delitivas. Sendo assim, além de leis eficazes, urge a necessidade de atualização dos operadores do direito para a seara digital vez que, as demandas já estão chegando aos Tribunais.

Sobre o autor
Leonardo Andrade

Bacharel em Direito, formado pela UNIT - Centro Universitário Tiradentes. Pós Graduando em Direito Digital e Compliance pelo Damásio Educacional, Agente de Policia Civil do Estado de Alagoas especializado em Investigações de Cybercimes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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A virtualidade remove a percepção do perigo na internet, as pessoas não se atentaram ainda que o comportamento no ciberespaço é refletido na esfera real. Os cibercriminosos sempre estão atentos a esses comportamentos e colocam as armadilhas virtuais nos pontos vulneráveis, buscando atrair a maior quantidade de vítimas.As frágeis e inócuas leis restam ineficazes neste novo cenário digital, principalmente nos cybercrimes oriundos da Deep Web.

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