A Resolução 2013/13 do Conselho Federal de Medicina permite técnicas de reprodução assistida, e é sob a ótica desta resolução que farei uma análise de quais os seus efeitos deste procedimento médico para as pessoas envolvidas no Regime Geral de Previdência Social, partindo-se do pressuposto que ambos são segurados obrigatórios da Previdência Social.
Introdução
Recentemente foi divulgada na mídia televisiva certo caso envolvendo uma família que devido a problemas de saúde uma mulher com pouco mais de 20 (vente) anos e que não conseguia gerar em seu útero um filho, e em virtude disso sua mãe de forma gentil e com espirito de solidariedade, conforme afirmado na própria reportagem, e em gesto de verdadeira humanidade cedeu o seu útero para a geração do seu neto.
A partir desta situação fática é que resolvi escrever o presente artigo, analisando assim, os reflexos deste acontecimento e seus efeitos perante Previdência Social, partindo do pressuposto que ambas são seguradas da Previdência Social e que mantém qualidade de segurado.
Diante do que fora mostrado na reportagem, e do que dispõe a resolução 2013/13 do Conselho Federal de Medicina, não resta qualquer dúvida quanto à possibilidade cientifica de uma mulher vir a ter um filho biológico sem que tenha sido gerado em seu útero.
E frente a uma situação fática como a demonstrada, resta nos sabermos como esta situação é vista pelo ordenamento jurídico.
Ora, o Direito existe para regular as vidas das pessoas com o objetivo de estabelecer a paz e o bem estar social, mas é de todo oportuno lembrar que será feita uma abordagem apenas voltada ao campo do Direito Previdenciário.
Sendo assim, considerando a importância da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas e, a legitimidade do anseio de superá-la e que o avanço do conhecimento científico permite solucionar vários dos casos de reprodução humana, quando não é conseguido pelos procedimentos tradicionais é que se desenvolveu referida técnica.
As técnicas de reprodução assistida tem o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenha sido revelado ineficazes ou consideradas inapropriadas, e podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente.
As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de reprodução assistida para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética, no entanto, a doadora, porque é assim que dispõe “doadora” a Resolução do CFM em que pese no meu entendimento tratar-se de cedentes e é o termo que usarei neste artigo, temporária do útero deve pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina, sendo totalmente vedado o intuito lucrativo.
Daí, feito estas considerações iniciais, resta verificar que implicações, ou quais os reflexos de fatos como o exemplo citado, pode trazer para o campo do Direito Previdenciário.
O Direito Previdenciário
Com autoridade diz Wagner Balera, que “o Direito, todo o Direito, nasce e se desenvolve a partir de certas questões sociais que demandam solução”, e como visto, o exemplo acima referido, trata-se de uma fato recente e que demanda do aparato normativo uma solução para referida questão social, e é exatamente aí que entra o Direito Previdenciário, pois este sem favor algum é o conjunto de medidas constitucionais de proteção dos direitos individuais e coletivos concernentes à saúde, à previdência e a à assistência social, e atua justamente quando do agravamento dos riscos sociais que de alguma forma retire ou acarrete aumento de despesas na vida dos segurados.
Conforme ensina Wagner Balera, “a normatividade ajusta o real (aquilo que é) ao ideal (o que deve ser). O direito atua para transformar as realidades encontradas na vida das comunidades. Tais realidades desvelam, à espera na órbita da seguridade social, situações de necessidades nas quais se encontram sujeitos de proteção”, e a situação fática relatada na reportagem trata-se questão que deve inusitada no campo do Direito e que precisa ser agasalhada pelo atual sistema de proteção, que é a seguridade social.
Miguel Horvath Junior, diz que “a seguridade social é a proteção que a sociedade proporciona a seus membros mediante uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais – que de outra forma derivariam no desaparecimento ou em forte redução de sua subsistência, como consequências de enfermidade, maternidade, acidente do trabalho ou enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice e morte – e também a proteção de assistência médica e de ajuda as famílias com filhos”.
Daí conclui-se que a seguridade social atua quando da ocorrência do evento que venha retirar a capacidade de trabalho do segurado ou que cause aumento de despesas como é o caso do auxílio-maternidade e que será objeto mais aprofundado de nosso estudo.
Risco e Contingência
Dispõe o art. 201 da Constituição Federal que:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I - ...
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III - ...
...
Partindo do pressuposto que a seguridade social é o instrumento de política social que visa proteger as pessoas quando da ocorrência de necessidades referente a saúde, assistência e previdência social, e que esta última enquanto parte integrado de um sistema protetivo social, atua como instrumento de redistribuição da riqueza nacional utilizando e cumprindo tal qual foi fixado pelo legislador entre eles a proteção à maternidade.
Do Benefício
Conforme acima exposto, e de acordo com o art. 71 da Lei nº 8.213/91, o benefício coberto denomina-se salário-maternidade, e este benefício é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerte à proteção à maternidade.
Agora, diante da situação fática narrada inicialmente, ou seja, do caso envolvendo uma família que devido a problemas de saúde uma mulher com pouco mais de 20 (vinte) anos e que não conseguia gerar em seu útero um filho, e em virtude disso sua mãe de forma gentil e com espirito de solidariedade, conforme afirmado na própria reportagem, e em gesto de verdadeira humanidade cedeu o seu útero para a geração do seu neto, resta nos saber quem faz “jus” ao benefício, se a Carta Constitucional em seu art. 201, protege a maternidade e em especial a gestante.
Quem tem Direito a essa Cobertura
Como visto anteriormente, o benefício previdenciário é concedido ao segurado que apresenta necessidade, e as regras previdenciárias a respeito da concessão do salário-maternidade não são claras a quem é estendida a proteção salário-maternidade quando da ocorrência de situação fática como a narrada.
Segundo Miguel Horvath Junior, “com base nas atuais disposições legislativas, e pela presunção da certeza da maternidade, somente poderia habilitar-se ao salário-maternidade a mãe gestacional (gestatrix), salvo no caso desta doar a criança logo ao nascer.
Asssim, a forma para as duas mulheres terem proteção previdenciária é a criança vir a ser adotada pela mãe genetrix (a que forneceu o material genético). Neste caso, a adoção seria a regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), impondo-se a assistência do Poder Público por determinação constitucional (art. 227, § 6º) e sendo formalizada mediante sentença (art. 47 do ECA)”.
Entendo que se a maternidade é uma contingência biossocial já que projeta impacto orgânico e social, e que suas causas originárias de proteção tanto abrange questões de ordem médica uma vez que a concessão do benefício salário-maternidade pode ser precedida ao parto (28 dias) já que os índices de mortalidade materna e infantil eram enormes quando não havia esse descanso prévio; como questões de ordem social, que é a proteção após o parto sem perdas financeiras.
Daí partindo do pressuposto de que a proteção salário-maternidade se dá antes e depois do parto, tanto a mãe gestacional como a mãe biológica fazem “jus” ao percebimento do benefício, mas não em períodos concomitantes, e minha sugestão é de que o período que antecede o parto (28 dias) e parte do período gozo pós parto (30 dias) seja concedido a mãe gestacional e o restante a mãe biológica.
É de se consignar aqui que durante o percebimento do salário-maternidade, a segurada está proibida de desenvolver trabalho remunerado, pois isto está em desacordo com o objetivo da proteção à maternidade, que além da recuperação físico-psíquica deve haver a prestação de cuidado ao filho estabelecendo assim os vínculos afetivos.
Conclusão
Diante da situação fática inicialmente abordada, e se o objetivo da proteção previdenciária é o alcance da justiça social, as regras previdenciárias a respeito da proteção salário-maternidade precisam ser revistas para se adequarem a realidade, daí entendemos que tanto a mãe gestacional como a mãe biológica fazem “jus” ao benefício salário-maternidade, tal qual exposto neste artigo, e que a ausência de norma legislativa regulamentando referida matéria não pode servir como obstáculo a implementação da justiça social.
Bibliografia
BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário. Editora Quartier Latin 2ª Edição – 2010. São Paulo.
________, Sistema de Seguridade Social. Editora LTr 7ª Edição – 2014. São Paulo.
COIMBRA, Feijó. Direito Previdenciário Brasileiro. Editora Edições Trabalhistas 11ª Edição – 2001. Rio de Janeiro.
HORVATH JR, Miguel. Salário Maternidade. Editora Quartier Latin – 2004. São Paulo.
________, Direito Previdenciário Editora Quartier Latin 10ª Edição 2014.