Bigamia e outros crimes contra o casamento

13/06/2015 às 19:39
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O artigo analisa diversos crimes contra o casamento, a começar da bigamia.

Nas concepções de Orlando Gomes (Direito de Família, 3ª edição), Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, 3ª edição, 1979), o casamento é o vinculo jurídico entre o homem e a mulher que visa o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família. A afirmação de Eduardo Espínola (A família no Direito Civil brasileiro, pág. 239) é atual no sentido de que o matrimônio é peça-chave de todo sistema social, constituindo o pilar do esquema moral, social e cultural do país.

Dentre os fins do matrimônio tem-se: a instituição da família matrimonial, a procriação dos filho (consequência lógica e não essencial do matrimônio, do que se lê do artigo 226, § 7º da Constituição Federal, lembrando que a falta de filhos não afeta o casamento); a legalização das relações sexuais entre os cônjuges; a prestação de auxílio mútuo, o estabelecimento de deveres patrimoniais ou não entre os cônjuges, como consequência necessária desse auxílio mútuo e recíproco; a educação da prole, pois no matrimônio não existe apenas co-dever de gerar filhos, mas ainda de criá-los e educá-los para a vida, daí se impor aos pais a obrigação de lhes dar assistência (Código Civil, artigo 1.634 e Lei nº 8.069/90, artigo 22); a atribuição do nome do cônjuge (Código Civil, artigo 1.565, § 1º) e aos filhos.

Tudo isso se sintetiza nas palavras de Filomusi-Guelfi (Enciclopedia Giuridica, 1917, § 82), para quem “o matrimônio é a plena e íntima união do homem e da mulher”.

O casamento é o ato jurídico solene, com atuação de duas pessoas, capazes e habilitadas, conforme a lei, com a finalidade de estabelecer a comunhão plena de vida e estabelecendo a esta união um regime de bens (artigos 1.511 a 1.514 do Código Civil). Por sua vez, a união estável é a convivência pública, duradoura e contínua, que não resulta de meros encontros casuais, mas de comunhão de vida. Prescreve o Código Civil, no artigo 1.723, que é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição da família, de forma que as relações entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência e de guarda, sustento e educação dos filhos, aplicando-se, salvo contrato por escrito entre os companheiros, nas relações patrimoniais, no que couber, o regime de comunhão parcial de bens (artigo 1.725 do Código Civil). Mas a união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do artigo 1.521 do Código Civil não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente (artigo 1.723 do Código Civil).

As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato (artigo 1.727 do Código Civil).

Hoje, diante da Constituição Federal, tanto o casamento como a união estável são entidades familiares, na conformidade do artigo 226 da Constituição Federal. O casamento é formalizado por meio de uma celebração feita por um juiz de paz (em alguns estados, diante da Leis de Organização Judiciárias, por um juiz de direito), devendo ser formalizado no Registro Civil, daí seu aspecto formal. Por sua vez, a união estável se forma no plano dos fatos, pois a lei para essa instituição não exige qualquer formalidade, tanto sua criação como sua extinção. Para a união estável basta o convívio assumido perante a sociedade. Mas é cada vez mais comum entre casais, a formalização de escrituras de união estável, em cartório, visando prevenir futura divisão de bens, diante da extinção dela. Mas será apenas com o casamento que os noivos podem mudar de nome. De acordo com o artigo 1.726 do Código Civil o casal pode manifestar seu desejo perante um juiz de realizar a conversão da união estável em casamento e assento no Registro Civil.

A sociedade conjugal finda com a morte, pela nulidade ou anulação do casamento pelo divórcio e pela separação. O matrimônio somente se dissolve pela morte ou pelo divórcio. A separação termina o casamento que somente se dissolve pela morte ou pelo divórcio. A separação judicial pode ocorrer por vontade de ambos os cônjuges (por mútuo consentimento onde não há litígio, em procedimento de jurisdição voluntária) ou por iniciativa de somente um deles.

Com objetivo de melhor racionalização das atividades processuais foi editada a Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, que acrescentou o artigo 1.124 – A ao Código de Processo Civil, facultando a realização das separações, divórcios e partilhas consensuais por meio de escritura pública lavrada em Cartório de Notas quando todos os interessados forem capazes e concordes com os termos do ajuste, afastando a obrigatoriedade do procedimento judicial. É o que se tem:

A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. (Incluído pela Lei nº 11.441, de 2007).

§ 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. (Incluído pela Lei nº 11.441, de 2007).

§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. (Incluído pela Lei nº 11.441, de 2007).

§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. (Redação dada pela Lei nº 11.965, de 2009)

§ 3º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei. (Incluído pela Lei nº 11.441, de 2007).

O direito penal tutela o casamento definindo crimes contra ele, sendo o primeiro deles a bigamia (artigo 235 do Código Penal). Protege-se a instituição casamento, por via da qual se forma a família. Tem-se a conduta em tela:

Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:

Pena - reclusão, de dois a seis anos.

§ 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos.

§ 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.

Com a punição à bigamia, tutela-se a ordem jurídica matrimonial constituída no casamento monogâmico, na sanção constituída pelo antigo artigo 183, VI, do Código Civil revogado.

Na lei anterior o crime tomava o nome de poligamia.

O crime do artigo 235 do Código Penal, como explicou Magalhães Noronha (Direito Penal, volume III, 10ª edição, pág. 303), é bilateral ou de encontro, exigindo a intervenção de duas pessoas embora uma não seja imputável ou não tenha impedimento para casar. Sujeito ativo é a pessoa casada que contrai novo casamento. Por sua vez, pratica o crime previsto no § 1º aquele que, solteiro,viúvo ou divorciado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essas circunstância. Sujeito passivo é o Estado, sendo ainda ofendido o cônjuge do primeiro casamento, e, caso esteja de boa fé, aquele que contrai matrimônio com pessoa casada. Como crime de encontro é mister que dele participem duas pessoas embora uma delas possa estar de boa-fé, como acentuou Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal, volume III, 22ª edição, pág. 4), quer porque não sabe que o outro contraente é casado, quer porque supõe por erro, que seu casamento anterior foi anulado ou que já está divorciado.

Bento de Faria (Código Penal brasileiro comentado, volume III, 1959, pág. 144) entendeu que incidem igualmente na sanção penal, como participes, as testemunhas que afirmam a inexistência do impedimento (casamento anterior), sabendo ou devendo saber de sua existência, situação que não se confunde com a previsão do artigo 342 do Código Penal.

Fabbrini Mirabete (obra citada, pág. 4) expõe: “Decidiu-se, aliás, que, sabendo a testemunha do referido impedimento, participa ela da formalização do contrato matrimonial, respondendo pelo crime de bigamia (RT 547/290, 566/290). Há, porém, entendimento diverso na jurisprudência. Afirma-se que, não havendo colaboração das testemunhas para a realização do tipo penal, em uma execução como a contida na descrição legal, não há falar em responsabilidade criminal pelo delito de bigamia. Nessa hipótese haveria colaboração nos atos preparatórios, sendo possível reconhecer um crime de falsidade ideológica (RT 352/61, 526/334)”. Como bem disse ainda Fabbrini Mirabete (obra citada, pág. 4) esse fundamento é improcedente, pois quem participa do ato preparatório responde pelo crime tentado ou consumado (artigos 13, 29 e 30).

A conduta típica prevista no artigo 235, caput, é de contrair matrimônio, já sendo o agente casado, quando ainda está vigente o primeiro casamento. Mas a morte do primeiro cônjuge, o divórcio e a anulação do casamento anterior não podem ser presumidos, pois devem ser comprovados pelo réu, especialmente quando se declarou solteiro por ocasião do segundo casamento, evidenciado uma consciência dolosa (RT 178/353, dentre outros).

O casamento religioso não serve de pressuposto nem configura o crime quando o agente já é casado civilmente. No entanto, se efetivado na forma do artigo 226, § 2º da Constituição, torna-se impedimento para outro matrimõnio (RT 463/331 – 2; RF 249/292 – 3). Lembre-se que o casamento religioso é equiparado ao casamento civil se atender aos mesmos requisitos de validade deste e for registrado no Ofício Competente no prazo de 90 dias (artigos 1.515 e 1.516, § 1º), e se ainda não cumpridas as formalidades legais, for registrado a requerimento do casal, a qualquer tempo, observada sempre a prévia habilitação (artigo 1.516, parágrafo segundo). Em síntese: quanto ao casamento religioso, que não produz efeitos civis, não será pressuposto do crime de bigamia. Entretanto, o efetuado dentro do preceituado na Constituição – em dispositivo autoexecutório – será impedimento para outro matrimônio. O casamento religioso (salvo o que produz efeitos civis) não serve de pressuposto para o crime.

O pressuposto do crime de bigamia é a vigência de um casamento civil anterior. Já se entendeu que a lei atende apenas à existência formal do casamento, ou seja, à sua vigência, não à sua validade (RT 601/319). Assim somente não haverá bigamia na hipótese de casamento civil juridicamente inexistente, quando não houver declaração perante autoridade competente.

Na exposição de motivos ao Código Penal, tem-se: ¨... o crime de bigamia existe desde que, ao tempo do segundo casamento, estava vigente o primeiro; mas se este, a seguir, é judicialmente declarado nulo, o crime se extingue, pois que a declaração de nulidade retroage ex tunc. Igualmente, não subsistirá o crime se vier a ser anulado o segundo casamento, por motivo outro que não o próprio impedimento do matrimônio anterior (pois a bigamia não pode excluir-se a si mesma)”. Veja-se o que se diz no parágrafo segundo. Bem disse Magalhães Noronha (obra citada, pág. 303), que faltando o pressuposto não existirá o crime. Não se trata de extinção da punibilidade, mas de inexistência do delito. Mas tenha-se em conta que o mais correto será falar em extinção do crime, como se fala na Exposição de Motivos, pois, existente o segundo casamento, se o primeiro ou mesmo o segundo é anulado, não se pode dizer que não existiu o que de fato teve existência, mas sim que se extinguiu ou desapareceu o que existiu. A lei leva em consideração a vigência do casamento, sua vigência formal, e não a sua validade. Já se entendeu que a caracterização do crime de bigamia independe de anulação, por este motivo, do segundo casamento, tipificador da infração (RT 419/93).

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A morte de um dos sujeitos ativos extingue a punibilidade somente em relação a ele. Se o cônjuge inocente do primeiro matrimônio falecer, mesmo que seja antes de terminado o processo por bigamia, permanece o delito, uma vez presentes todos os elementos do tipo do momento em que o fato ocorreu, mesmo que possa persistir o segundo casamento, como concluiu Magalhães Noronha (obra citada, pág. 304), à luz da lição de Manzini.

Tem-se que pessoa separada judicialmente não pode contrair novo matrimônio enquanto não se divorciar, como revela Celso Delmanto (Código Penal anotado, 3ª edição, pág. 268). Já a separação dos cônjuges pelo prazo legal dá-lhes apenas o direito de requerer o divórcio, sendo certo que somente depois de estar este decretado é que poderá contrair novas núpcias. Antes não por poder persistir o vínculo matrimonial (artigo 557/301), consoante se lê da Lei Civil (artigo 1.571, § 1º do Código Civil).

Já se entendeu que não afasta o crime o desquite do primeiro cônjuge nem a nulidade do segundo casamento por motivo de bigamia (RT 514/322). Decidiu-se que a anulação do segundo casamento, por motivo de bigamia, não torna inexistente o crime (RT 505/309). Assim haverá o crime desde que vigente o casamento anterior (RT 557/301). O divórcio obtido posteriormente, em relação ao segundo casamento, não isenta o agente do delito de bigamia.

Assim se o acusado contraiu novas núpcias, ainda na vigência do primeiro casamento, não demonstradas a ocorrência de erro de fato, e ausência de dolo na sua conduta ou a ignorância do caráter criminoso o fato, impõe-se a condenação (RT 773/644).

O agente apenas separado judicialmente pratica bigamia, se contrair novo casamento antes de divorciar-se (RT 549/351).

O elemento subjetivo do crime é o dolo genérico. Não exclui o casamento anterior o fato de ser rústico e de pouca instrução o agente, pois está na consciência de todos a proibição de novo casamento na vigência do anterior (RT 234/101-2, 267/665, dentre outros).

É a bigamia um crime instantâneo de efeitos permanentes, pois a cessação da permanência não depende da vontade do agente. Consuma-se o crime com a declaração da vontade dos nubentes, sendo o pronunciamento do presidente do ato, homologatório daquela declaração, pelo qual se estabelece o vínculo. Manzini não reconhece a possibilidade de tentativa. Para Magalhães Noronha (obra citada, pág. 305), “até a consumação, os atos são preparatórios ou executivos, que se iniciam com o ato da celebração. Principiado este e até que haja o pronunciamento da vontade dos contraentes, está-se em fase de execução, podendo o agente ser interrompido por motivos estranhos à sua vontade, como se antes de antes de responder ao declarante é obstado por outrem, que exibe a sua certidão de casamento”. Já se entendeu possível a tentativa que se caracteriza quando, iniciada a celebração do casamento, é ele impedido (RT 138/22, 302/59, dentre outros).

Para Manzini, citado por Magalhães Noronha (obra citada, pág. 305), “o delito de bigamia pode concorrer materialmente com os crimes de falsidade documental ou pessoal, com o delito de estelionato, ou com outros crimes, ainda que cometidos no mesmo contexto de ação”. Magalhães Noronha (obra citada, pág. 306) traz a opinião de que se pode alegar que não pode existir bigamia sem a falsidade criminal, ou, noutros termos, aquela pressupõe um crime antecedente, acontecendo, então, que o cúmulo das penas seria exagerado. Absorverá, pois, o crime-fim o crime-meio, trazendo à colação jurisprudência do País. Ora, como disse Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, volume III, pág. 560), a tentativa de bigamia, absorvendo a falsidade ideológica, seria punida mais suavemente que esta; e se o agente ficar só nos atos preparatórios da bigamia, punir-se-á a falsidade. Já se entendeu que não há concurso do crime de bigamia com o delito de falsidade, simples meio para prática daquele. Assim não sendo possível cometer o primeiro, chegar a sua consumação, sem o processo preliminar de habilitação para o segundo casamento e sem que faça o agente falsa declaração quanto ao seu estado civil, a falsidade ideológica é inerente à prática daquele delito, entrando em sua configuração todos os atos preparatórios e executivos como integrantes da perpetração (RF 208/281; RT 222/90, dentre outros).

Necessário estudar as hipóteses de exclusão do crime.

Sendo o primeiro casamento declarado nulo (artigos 1.548, incisos I e II e 1.521, incisos I a VII do Código Civil) ou anulado (artigos 1.550, I a VI do Código Civil), considera-se inexistente o crime (art. 235, § 2º, primeira parte). Também é considerado inexistente o crime quando o segundo casamento é declarado nulo ou anulado por qualquer motivo que não a bigamia (artigo 235, § 2º, segunda parte). Ainda se decidiu que sendo séria e fundada a dúvida quanto ao estado civil do agente, e estando em curso ação civil relativa à nulidade do primeiro casamento, há questão prejudicial que suspende a ação penal nos termos do artigo 92 do Código de Processo Penal (RT 396/77; RF 230/285).

Começa a correr o prazo para prescrição, a teor do artigo 111, d, do Código Penal, da data em que o fato se tornou conhecido, sanando-se falha do diploma penal anterior, que silenciou a respeito.

Diverso do crime de bigamia, mas ainda crime contra o casamento, a conduta de quem dá causa à realização de casamento nulo ou anulável. Há o crime de induzimento à erro essencial e ocultação de impedimento previsto no artigo 236 do Código Penal, assim exposto:

Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento.

Trata-se de crime de menor potencial ofensivo, permitindo-se, nos termos do artigo 76 da Lei nº 9.099/95, a transação penal.

Qualquer pessoa, homem ou mulher, que induza em erro o outro contraente ou lhe oculte impedimento pode cometer este crime. Sujeitos passivos são o Estado, interessado na constituição normal da família e na regularidade matrimonial. É ainda sujeito passivo o outro contraente, que foi induzido em erro ou a quem se ocultou o impedimento.

A primeira modalidade é induzir a erro essencial.

Induzir é instigar, persuadir, aconselhar, compelir.

O agente deve induzir a erro essencial, que é aquele que se refere à pessoa do outro ou sobre suas qualidades essenciais, consideradas relativamente aos requisitos e costumes aceitos no estado atual da civilização. Havendo erro essencial, o casamento é anulável. As hipóteses de erro essencial estão transcritas no artigo 1557 do Código Civil:

Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:

I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;

II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;

III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;

IV - a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.

A segunda conduta típica é a de ocultar impedimento que não seja casamento anterior. Disse Bento de Faria (obra citada, volume VI, pág. 155) que impedimento “é todo aquele obstáculo que a lei estabelece para a celebração do casamento, tornando-o nulo ou anulável”. São os previstos nos artigos 1.521 do Código Civil (incisos I a VII), que determinam a nulidade do casamento, nos termos dos artigos 1.548, incisos II, do Código Civil, quando será caso de anulação, os previstos nos artigos 1.550 (incisos I a VI do Código Civil). Caso os dois contraentes saibam do impedimento ocorrerá a hipótese do crime previsto no artigo 237 do Código Penal.

O induzimento e a ocultação não se configuram com a simples omissão, com a circunstância de o agente não revelar ao outro contraente a existência do erro ou impedimento. Será necessária a conduta comissiva, pois deve haver a hipótese de engano.

O elemento subjetivo do crime é o dolo genérico.

Consuma-se o crime com o casamento sendo a tentativa juridicamente impossível diante do disposto no artigo 236, parágrafo único, do Código Penal, uma condição objetiva de punibilidade que faz depender do trânsito em julgado a sentença que anulou o casamento para o ajuizamento da ação. Antes disso não há falar em ação penal. Submetida a persecução penal a condição objetiva de punibilidade, que é a sentença anulatória do casamento, a prescrição só então começa a correr.

A ação penal privada é personalíssima. O direito de ação somente poderá ser exercido pela vítima. Num único caso existente no direito brasileiro.

Há ainda o crime de conhecimento prévio de impedimento, previsto no artigo 237 do Código Penal, uma inovação do Código Penal de 1940.

Contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

Trata-se de crime de menor potencial ofensivo.

Sujeito ativo é quem contrai casamento sabendo haver impedimento absoluto. Se ambos souberam, ambos são os delinquentes. Sujeito passivo é o Estado e ainda o cônjuge insciente. Comete ainda o crime o nubente que, para frustrar os efeitos do exame médico desfavorável, pretender habilitar-se para o casamento perante outro juiz (art. 3º do Decreto-lei nº 3.200, de 19 de abril de 1941.

O elemento material consiste no indivíduo casar, conhecendo a existência de um impedimento. Não se exige um comportamento ativo do agente, ao contrário do crime anterior, a fraude veiculada pelo emprego de um ou mais meios, bastando não declarar a causa dirimente absoluta, sendo suficiente a omissão. Impedimentos absolutos são os previstos no artigo 1.521, incisos I a VII do Código Civil, excluindo o inciso VI, pois nesse caso ocorre a bigamia. Não se torna necessária a fraude do agente, bastando estar o contraente ciente do impedimento.

O elemento subjetivo é o dolo genérico, a vontade de contrair matrimônio , ciente o agente da existência do impedimento. Para Magalhães Noronha (obra citada, pág. 311) deve haver uma vontade livre e consciente de contrair o casamento, conhecendo a causa que o anula. Para ele, “a dúvida sobre o efeito desta não elide o crime, pois quem duvida e age arrisca-se, comportando-se com dolo eventual”.

O delito em causa é menos grave do que o anterior, sendo a pena metade daquela cominada àquele. Romão Cortês de Lacerda (Comentários ao Código Penal, volume VIII, pág. 340) e Heleno Cláudio Fragoso (obra citada pág. 566) estranham o fato de que a ação penal é pública e não privada. Para Magalhães Noronha (obra citada, pág. 311) procede o reparo, ponderando-se, entretanto, que no delito em tela pode ocorrer que os cônjuges sejam corréus, por estarem cientes do impedimento, e a ação, necessariamente, terá de ser pública, pois é o Estado o único ofendido.

A ação não depende de que o casamento seja anulado ao contrário do que é previsto para o crime do artigo 236 do Código Penal.

Por fim, são crimes contra a família a simulação de autoridade para celebração de casamento e a simulação de casamento.

No artigo 238 do Código Penal a lei pune quem se atribui falsamente autoridade para celebração de casamento. Trata-se de crime subsidiário, pois só terá lugar se não constituir um crime mais grave. Não é necessário que se efetive o casamento ou se realize, bastando a pessoa irroga falsamente autoridade para celebrar matrimônio, criando uma situação de perigo concreto.

O artigo previsto no artigo 238 do Código Penal é forma específica de crime de usurpação de função.

Pratica o crime previsto no artigo 238 do Código Penal quem executa a ação de se atribuir falsamente, autoridade, para celebrar casamento. Não é necessário ser funcionário público, como ensinou Magalhães Noronha (obra citada, pág. 372), embora o possa ser desde que não tenha aquela atribuição. Sujeito passivo é o Estado e a pessoa que se casou de boa-fé.

O escrivão não tem autoridade para celebrar o casamento. A função do Oficial do Registro é lavrar o termo de casamento, que é meio de prova. No Brasil, é um juiz que preside ao ato de matrimônio. Se o celebrante for particular que simula ser autoridade, praticando o delito o casamento era nulo, pelo Código Civil anterior, podendo produzir efeitos em relação ao contraente de boa fé e os filhos. Com o Código Civil de 2002, o casamento passa, na hipótese, a ser anulável (artigo 1.550, inciso VI), podendo ser ajuizada ação de anulação no prazo de dois anos (artigo 1.560, inciso II). O casamento celebrado por quem, embora legalmente incompetente, publicamente exerce a função de juiz de casamentos, e nessa qualidade houver registrado o ato no Registro Civil é considerado válido, nos termos do artigo 1.554 do Código Civil. Considera Fabbrini Mirabete (obra citada, pág. 14) que em ambos os casos, porém, o crime permanece, porque a lei não constitui a convalidação do casamento pelo não ajuizamento da ação no prazo legal ou pelo registro do ato, como causa de extinção da punibilidade. Porém, não ocorre esse crime, mas mera irregularidade se a autoridade realizar o casamento fora de sua circunscrição territorial competente.

O elemento subjetivo é o dolo genérico. O erro ( o agente não sabe que foi exonerado) exclui o crime.

Consuma-se o crime previsto no artigo 328 do Código Penal com a prática de ato revelador de que o agente se atribui autoridade para celebração de matrimônio, não sendo necessário que o casamento se realize.

Por fim, o artigo 239 do Código Penal prevê um crime subsidiário, crime precedente. Quase sempre será meio para outro crime quando não o constituir mesmo. Bem acentua Magalhães Noronha (obra citada, pág. 314) que terá ele em vista o congresso carnal com o enganado, proveitos de natureza econômica etc. O objeto jurídico ainda é a proteção do matrimônio. É a simulação de casamento.

Sujeito ativo é quem simula casar, enganando outra pessoa. Sujeito passivo é o Estado e depois o nubente iludido.

Trata-se de simulação fraudulenta do casamento, uma celebração falsa. O ato deverá ter eficácia fraudulenta, o que deve ser relacionado com a pessoa da vítima.

O dolo é genérico, onde o agente simula casamento enganando de forma consciente outra pessoa.

Momento consumativo é a celebração do casamento, sendo a tentativa possível.

Fala-se do adultério.

O delito de adultério era considerado como de concurso necessário, uma vez que somente poderia ser cometido por duas pessoas ainda que uma delas haja sem conhecimento ou seja pessoalmente irresponsável. Para Damásio de Jesus (Direito Penal, volume III, pág. 198), Magalhães Noronha (Direito Penal, volume III, 1995, pág. 310), Romão Côrtes de Lacerda, com apoio em Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, 1959, volume VIII, pág. 381) configurava-se no coito anormal ou qualquer ato sexual inequívoco. Para Bento de Faria (Código Penal brasileiro comentado, 1959, volume VI, pág. 166), Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, 1965, volume III, pág. 714) só o configurava o coito vagínico. A ação penal era de iniciativa privada, somente podendo ser intentada pelo cônjuge ofendido e dentro de um mês do conhecimento do fato (§ 2º), num verdadeiro prazo especial de decadência. Exigia-se o dolo genérico, na vontade livre e consciente de praticar o adultério.

Anota Magalhães Noronha (obra citada, pág. 316) que não é pacífica a capitulação do adultério como crime. Autores como Ferri, Pessina, Puglia, dentre outros, opuseram-se à sua definição delituosa. O vexame da publicidade e a raridade do processo são alguns dos argumentos que eram apresentados.

Não se pode esquecer que o adultério ofende a organização ético-jurídica da família e a ordem jurídica do matrimônio.

Anote-se que com a edição da Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005, que surgiu no propósito de adaptar as normas penais à transformação dos costumes, ocorrida no meio social desde a elaboração do Código Penal, foi abolido o crime de adultério (ir para o outro leito), que constava de tipo penal no artigo 240 do Código Penal, juntamente com outros crimes como sedução (artigo 217), rapto violento ou mediante fraude e rapto consensual (artigos 219 a 222).

A revogação do artigo 240 do Código Penal configura a incidência do instituto da abolitio criminis, ensejando a extinção da punibilidade, nos termos do artigo 107, III, do Código Penal, numa hipótese de aplicação retroativa da lei mais benigna. No entanto, perante a lei civil, o adultério permanece como grave violação do dever dos cônjuges de fidelidade recíproca (artigo 1.566, I, do Código Civil) e que pode tornar impossível a vida em comum (artigo 1.573, I, do Código Civil), constituindo causa para a propositura da ação de separação judicial (artigo 1.572 do Código Civil),lembrando que a separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens (artigo 1.576 do Código Civil). No entanto, permanecem os demais deveres impostos pelo artigo 1.566 do mesmo diploma legal, a saber: mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos e respeito e consideração mútuos. No presente, uma vez que a separação a pessoa não está mais casada, mas não pode casar de novo, há o entendimento como assevera Maria Berenice Dias (Manual de Direito das Famílias, 3ª edição, pág. 284) , que é inútil e desgastante e oneroso impor ao casal uma duplicidade de procedimentos (separação judicial e divórcio), afastando-se, na prática, a separação judicial do sistema jurídico pátrio.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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