Análise sobre as alterações dos artigos 24 e 26 do Estatuto do Desarmamento proposta pelo Projeto de Lei n° 1548 de 2011

Leia nesta página:

O presente trabalho dispõe sobre o Projeto de Lei Federal de n° 1548 de 2011, de autoria do Deputado Federal Alexandre Leite (DEM-SP) que propõe mudanças sobre controle de materiais destinados à prática desportiva conhecida como Paintball.

O Estatuto do Desarmamento completa em 2015 doze anos de vigência. Neste período ocorreram diferentes modificações por parte dos legisladores que visaram adequar a norma aos anseios da sociedade, disciplinando e criando barreiras para o porte de armas no país. Neste contexto a supramencionada lei não contempla em seu bojo o porte de marcadores para a prática de esportes de ação, dentre eles o “Paintball” e “Airsoft”, atividades desportivas difundidas mundialmente, que não se encontram amparadas pelo referido estatuto.

A esse respeito, faz-se mister transcrever os art. 24 e 26 do Projeto de Lei n° 1548 de 2011, do Deputado Federal Alexandre Leite, que alteram o Estatuto do Desarmamento, vejamos:

Art.24: Excetuadas as atribuições a que se refere o art. 2 desta Lei, compete ao Comando do Exército autorizar e fiscalizar a produção, exportação, importação, desembaraço alfandegário e o comércio de armas de fogo e demais produtos controlados, inclusive o registro e o porte de trânsito de arma de fogo e demais produtos controlados de colecionadores, caçadores e atiradores desportistas, como os Marcadores de Paintball”.

“Paragrafo único: O Comando do Exército e o Departamento de Polícia Federal adotarão medidas para que os dados do Sigma e do Sinarm sejam de livre acesso a usuários cadastrados que operem os dois sistemas”.

Art.26 parágrafo único: Excetuam-se da proibição as Réplicas e os Simulacros destinados à instrução, ao Adestramento, à Coleção, ou a Prática Esportiva de usuários autorizados, nas condições fixadas pelo Comando do Exército”.

A importância do tema se justifica pela presença de políticas públicas no combate à criminalidade no território nacional, com iniciativas até mesmo de criminalizar a venda de armas de brinquedo. Neste escopo, a polêmica em torno da utilização de marcadores para a prática delitiva, facultada pela sua similaridade com o armamento real, está presente nos noticiários do país, tornando-se algo comum em nosso cotidiano. O Estatuto do Desarmamento responsável por substituir a Lei n° 9.437/97 trouxe uma série de inovações ao nosso ordenamento jurídico, entretanto, ao não detalhar a questão do porte e trânsito dos marcadores recai não apenas em significativos transtornos aos atletas mas em toda a sociedade.

O direito a livre prática desportiva encontra-se consagrado como direito fundamental nos artigos: 3, 193, 217 e 225 da Constituição Federal de 1988, demonstrando a relevância para sociedade. Dentre os artigos citados, o artigo 217 sinaliza de forma cristalina que:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

“I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;”

Diante da existência da cláusula pétrea do Direito Desportivo, torna-se dever do Estado “fomentar práticas desportivas”, como forma de promoção e interação social, ao não prever os marcadores no Estatuto do Desarmamento o legislador dificulta a atividade desportiva, direito consagrado pela Constituição Federal de 1988, urgindo a necessidade em alterar os artigos 24 e 26 proposto pelo Projeto de Lei n° 1548 de 2011.  

A esse respeito, a ausência normativa específica quanto aos marcadores na Lei n°10.826/03 gera uma grave insegurança jurídica, acarretando na apreensão ilegal dos equipamentos utilizados pelos atletas. Este fato comum é exposto na justificativa do autor do Projeto de Lei n° 1548 de 2011, vejamos:

Com efeito, de acordo com os adeptos desta modalidade esportista, o mais significativo dos problemas recai sobre o esporte é a inexistência de uma regulamentação clara e objetiva para sua prática, o que dá margem à ocorrência de situações problemáticas a exemplo de indevida apreensão de material pelas forças políticas”.

Ademais, exemplos de diplomas estrangeiros forjados com o objetivo de fomentar o esporte são impulsos claros de politicas públicas voltadas para a prática desportiva. Algumas dessas referências estrangeiras podem ser facilmente citadas como exemplos a serem seguidos, em Portugal a aprovação da Lei n°5/2006, foi responsável por reconhecer os esportes de ação legalmente, regularizando a utilização dos marcadores, essenciais para a prática desportiva e fomentando o esporte, além de iniciativas regionais como a criação de Federações Estaduais, dentre elas: a Federação Paulista Desportiva de Airsoft (FPDA), além de iniciativas voluntárias de atletas que se reúnem em projetos com o objetivo de fomentar o esporte, como o “Projeto Nacional”, responsável por aglutinar mais de 2.000 atletas em todo o país.

O Projeto de Lei n° 1548 de 2011 ao abordar o porte e trânsito dos marcadores para a prática desportiva, alterando os artigos supracitados, aperfeiçoa o Estatuto do Desarmamento, ampliando o alcance da lei ordinária aos praticantes do esporte denominado paintball, conforme prevê a alteração no art. 26, no qual dispõe: “Excetuam-se da proibição as Réplicas e os Simulacros destinados à instrução, ao Adestramento, à Coleção, ou a Prática Esportiva de usuários autorizados”.

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Destarte, o art. 3° da Lei n° 9.615/98 define  o desporte, indicando suas qualificações e importância para sociedade, nesse passo a doutrina é taxativa ao declarar que o desporto “meio de promoção do homem e melhoria da sociedade, desdobrando-o em deporto educacional, desporto de participação e desporto de rendimento (MELO FILHO, 2001, p.36)”, estando, portanto, em plena sintonia com o artigo 217 da Constituição Federal de 1988.

Assim, inegável os efeitos benéficos para o esporte, a modificação do primitivo Estatuto do Desarmamento se faz necessária frente aos anseios de toda comunidade esportista, já que a inclusão dos artigos supracitados pelo Projeto de Lei n° 1548/11, busca instruir a ausência de norma específica sobre o porte e trânsito dos marcadores que se encontram em descompasso com o direito constitucional em fase ao Estatuto do Desarmamento. Ao ocorrer a referida alteração se impedirá de imediato as ilegalidades, sendo tratado o tema com a devida relevância e responsabilidade que necessita.

Ressaltam-se algumas considerações sobre o Projeto de Lei ao analisar sua amplitude, proporcionando oportunidades iguais aos praticantes de ambos os esportes de ação. O ilustre Deputado ao suprimir em seu projeto o esporte intitulado “Airsoft” perde a oportunidade em regulamentar uma atividade desportiva que se encontra em vertiginosa ascensão. Igualmente, ao não abordar os acessórios, que estão em constante uso pelos operadores de ambas as práticas possibilita margens para dúvidas que podem resultar no atual problema, apreensões ilegais de equipamentos, marginalizando o atleta.

Nesse sentido, a necessidade em se adquirir acessórios para a prática desportista é real aos atletas, pela dinâmica dos esportes de ação, são feitas simulações de confrontos baseados em ações militares obrigando os operadores a aquisição de materiais secundários para sua prática. Ao se debruçar na redação do Art. 12 da Lei n° 10.826, nota-se que a aquisição de acessórios pode incorrer em infração, não sendo sugerido pelo autor do projeto alteração neste dispositivo legal.

Ao limitar e marginalizar o atleta que busca adquirir acessórios para a prática desportiva o dispositivo se encontra em flagrante confronto com o Art. 17 do Código Penal Brasileiro, que indica: “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”. Ressalta-se, no caso dos marcadores, a utilização de acessórios em seu corpo não se busca ilícito, ao contrário, o objetivo é exclusivamente a prática desportista, assegurada na Constituição Federal, regulamentada pelo Exército Brasileiro.

Bibliografia:

BRASIL. Decreto nº 3.665, de 20 de novembro de 2000. Dá nova redação ao Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3665.htm. Acessado em: 15 de abril de 2015. 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Organização de Alexandre de Moraes. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2000.

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2008.

BRASIL. Lei n° 10.826, de 22 de dezembro 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Brasília, 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.826.htm. Acessado em: 20 de abril de 2015.

BRASIL. Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm. Acessado em: 03 de maio de 2015.

BRASIL. Portaria n°02 – COLOG, de 26 de fevereiro de 2010. Regulamenta o art. 26 da Lei n° 10.826/03 e o art.50, IV, do Decreto n° 5.123/04 sobre réplicas e simulacros de arma de fogo e armas de pressão, e dá outras providências. Disponível em:http://pt.scribd.com/doc/59174583/Port-N%C2%BA-02-COLOG-de-26-fevereiro-de-2010#scribd. Acessado em: 20 de abril de 2015.

BRASIL. Projeto de Lei n° 1548 de 2011. Altera a Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 – Estatuto do Desarmamento. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=885164&filename=PL+1548/2011. Acessado em: 05 de maio de 2015.

MELO. Filho Álvaro. O Desporto na Ordem Jurídico-constitucional brasileira. São Paulo: Malheiros, 1995.

PORTUGAL. Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro. Aprova o novo regime jurídico das armas e suas munições. Disponível em: http://www.psp.pt/Legislacao/Lei_5-2006.pdf. Acessado em: 02 de maio de 2015.

Sobre os autores
Guilherme José Pereira

Advogado, Graduado em Direito pela Universidade Santa Úrsula (USU-RJ), Graduado em Publicidade e Propaganda pela UniverCidade, Especialista em Direito da Propriedade Intelectual pela Universidade Candido Mendes (UCAM-RJ), Especialista em Direito Imobiliário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Conselheiro Esportivo Interestadual da Federação Cearense Desportiva de Airsoft - FCDA e Membro colaborador da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/Campinas.Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1576859405197724

Eduardo Mário da Silva Sampaio Júnior

Graduado em Direito pela Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas (FBCJ)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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