Prescrição intercorrente:(in) aplicabilidade na execução trabalhista

17/06/2015 às 14:35
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Celeuma doutrinária e jurisprudencial, a prescrição intercorrente sempre veio a causar uma dúvida nos tribunais trabalhistas, pois de um lado encontra-se a Súmula 114 do TST e de outro a súmula 327 do STF, ambas vigentes.

             RESUMO

O presente trabalho acadêmico através do tema “Prescrição Intercorrente: inaplicabilidade na execução trabalhista” objetiva abordar o instituto da Prescrição Intercorrente partindo do entendimento deste instituto segundo a doutrina, a norma e a jurisprudência, especialmente as súmulas 114 do TST e 327 do STF, e - ao longo do estudo - meditar acerca da (in)aplicabilidade na execução laboral, além de demonstrar que há entendimentos controversos acerca deste assunto. Para isso, utilizou-se de método hipotético-dedutivo, qualitativo, histórico, exploratório, bibliográfico e documental. Não deixando de ser comparativo entre as Súmulas 114 do TST e 327 do STF. Com isso se busca demonstrar a inaplicabilidade da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho quanto às verbas trabalhistas tendo em vista o bem jurídico tutelado, e também visualizar a necessidade de uma pacificação jurisprudencial e doutrinária acerca da matéria.

Palavras-chave: Prescrição Intercorrente. Visão Doutrinária e Jurisprudencial. Súmula 327 do STF. Súmula 114 do TST. Execução Trabalhista.

1 INTRODUÇÃO

Este texto explana o interesse no tema “Prescrição Intercorrente: (in) aplicabilidade na execução trabalhista”, pois se trata de um assunto atual e que ainda causa divergência na doutrina e nos tribunais, bem como afeta o resultado da lide e, por conseguinte o bem jurídico tutelado.

Deste modo, este trabalho acadêmico tem o objetivo de abordar o instituto da prescrição intercorrente partindo do entendimento da doutrina, da norma e da jurisprudência, especialmente as súmulas 327 do STF e 114 do TST, e meditar acerca da (in) aplicabilidade na execução laboral, além de demonstrar que há entendimentos controversos acerca do instituto.

Estes objetivos auxiliarão em responder a questão problema, ou seja, aplica-se ou não a Prescrição Intercorrente na execução trabalhista? Há entendimentos diversos acerca da matéria?

Com esta indagação se busca demonstrar a inaplicabilidade da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho quanto às verbas trabalhistas tendo em vista o bem jurídico tutelado, e também visualizar a necessidade de uma pacificação jurisprudencial e doutrinária da matéria.  Para tanto se utilizou de método hipotético-dedutivo, qualitativo, histórico, exploratório, bibliográfico e documental. Não deixando de ser comparativo entre as Súmulas 114 do TST e 327 do STF.

Mas para abranger o tema proposto, inicialmente, deve-se compreender o que vem a ser a prescrição intercorrente.

2 PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

2.1.  Conceito e prazo

O Direito aspira segurança e certeza nas relações jurídicas, e almeja previsibilidade das regras que regulam esta relação, todavia, há situações em que é preciso o poder coercitivo do Judiciário. E quando se busca um direito pela via litigiosa se depara com o fator tempo um aliado para uns e prejuízo a outros. E é exatamente com relação ao fator tempo que se vincula a prescrição a qual, juridicamente falando, pode ser analisada sob dois aspectos: para o devedor é direito de não mais ser-lhe exigida obrigação e para o credor é o momento extintivo da pretensão, ou seja, a perda/extinção da proteção jurídica relativa ao direito por decurso de prazo, segundo Cassar (2014).

Venosa (2003) define a prescrição como “a perda do direito de ação por seu titular negligente, ao fim de certo lapso de tempo [...]”

Neste contexto, a prescrição é extintiva e tem como requisitos, segundo Leal (1978) [2] citado por Venosa (2003): a existência de uma ação, a inércia de seu titular, a continuidade desta inércia, e a ausência de fato/ato impeditivo, interruptivo ou suspensivo.

Especialmente tratando da prescrição intercorrente, Martins (2002) considera ocorrer quando um “processo ficar parado na fase de execução por muito tempo [...] [e] não se trata de prescrição que deva ser alegada na fase de conhecimento, mas de prescrição ocorrida na fase de execução, posteriormente à sentença”.

Arruda (2006) inteligentemente amplia este conceito ao definir como “aquela que se verifica pela inércia continuada e ininterrupta no curso do processo por segmento temporal superior àquele em que ocorre a prescrição em dada hipótese”.

Em suma, a prescrição intercorrente é, então, aquela que se percebe pela inércia do titular da ação, por certo lapso temporal que supere outro pré-existente na fase executiva, sem que haja fato ou ato que justifique.

Especificamente na seara laboral, Melo (2006) observa que “à luz do artigo 7º, XXIX da Constituição Federal e dos incisos I e II do artigo 11 da CLT, o prazo da prescrição intercorrente trabalhista é de 2 (dois) anos, quando já findo o contrato de trabalho, ou de 5 (cinco) anos, quando ainda houver relação laboral”.

Cassar (2014) ratifica o entendimento acima e conclui que a prescrição (gênero) se subdivide, quanto a sua natureza (espécie), em: parcial, total ou intercorrente (súmula 150 do STF).

2.2. Visão doutrinária e jurisprudencial na seara trabalhista

A Justiça Trabalhista, majoritariamente, vem adotando a sistemática da não aplicabilidade da prescrição intercorrente pautada na Súmula 114 do TST. É o que se percebe com as informações apresentadas pelo TST em 14 de julho de 2014, na qual o ministro Lélio Bentes Corrêa, presidente da Primeira Turma, explica que

[...] pela falta de higidez econômica de empresas que surgem e desaparecem rapidamente no mercado, sem integralizar capital nem patrimônio, deixando os empregados a descoberto, é que a legislação brasileira confere ao juiz a incumbência de impulsionar o processo de execução na Justiça do Trabalho. (BRASIL, 2014).

O mesmo se percebe no seguinte julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. EXECUÇÃO. ART. 896, § 2º, DA CLT. DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. [...] DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO EM FACE DOS SÓCIOS DA EMPRESA. O regional não acolheu a aplicação da prescrição intercorrente, por entender que após o arquivamento provisório da execução, o credor deveria ser intimado para fornecer elementos que possibilitem o prosseguimento da execução, nos termos do art.40, §4º, da Lei 6.830/80, o que não ocorreu nos autos, eis que o seguimento se deu ex-officio. De qualquer maneira, ao contrário do que querem as executadas, esta Corte já assentou entendimento no sentido de que é inaplicável a prescrição intercorrente na seara trabalhista (Súmula nº 114). [...] (AIRR - 35400-21.2000.5.03.0114, Relator Desembargador Convocado: Breno Medeiros Data de Julgamento: 18/03/2015, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/03/2015) (grifo nosso).

Cassar (2014) também defende a tese da não aplicabilidade da prescrição intercorrente na Execução Trabalhista, arguindo que cabe ao interessado ou de ofício pelo juiz a promoção da execução de título judicial ou acordo descumprido, nos termos do art. 878 da CLT c/c com entendimento da Súmula 114 do TST.

Comungando do entendimento da inaplicabilidade deste instituto, Pinto (2007) comenta, através de uma análise doutrinária, que a Súmula 327 do STF somente seria aplicada na fase de conhecimento, sendo assim, não se aplicaria na execução.

Humbert (2007) compreende que a seara trabalhista detém princípios e liames próprios tais como: o jus postulandi das partes, o princípio da igualdade substancial e o princípio da proteção ao hipossuficiente. E considera que o art. 7º, inc. XXIX da CF/88, este doutrinador entende que “não há nenhuma referência à execução, mas à reclamação, à extinção do contrato de trabalho. Por isto, inaplicável a prescrição à execução trabalhista”. (HUMBERT, 2007, p. 5).

Mas por outro lado um processo não deve ter seu curso prolongado sem motivos lógicos - sendo considerado até mesmo um ato inconstitucional - porque fere o princípio da razoável duração do processo, da garantia da celeridade e da efetividade, todos incutidos no inciso LXXVIII, do art. 5º da CF/88 através da EC. 45/2004 e presentes em todo o processo Trabalhista e atualmente no PJe (processo judiciário eletrônico). O mesmo se nota no julgado n. AP 00173.2002.005.23.00-4, do TRT da 23ª Região, publicado em 15 de dezembro de 2014.

EMENTA: AGRAVO DE PETIÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INÉRCIA DO EXEQUENTE. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. CABIMENTO. A despeito da orientação traçada na Súmula n. 114 do TST, no sentido de não se aplicar a prescrição intercorrente na esfera trabalhista, o STF firmou posicionamento contrário por meio da Súmula n. 327. Diante das peculiaridades de certos casos não se pode afastar a aplicação do instituto em destaque, sob pena de incorrer no risco de se eternizar demandas, procedimento incompatível com o interesse constitucional da celeridade e razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII CF/88), bem como o princípio da economia processual. Neste caso, não tendo o credor se manifestado por mais de 05 anos após o envio dos autos ao arquivo, permitindo que o feito ficasse estanque durante todo esse período, é pertinente a aplicação da prescrição intercorrente. [...] (TRT da 23ª Região; Processo: 00173.2002.005.23.00-4 AP; Julgado em: 09/12/2014; Publicado em: 15/12/2014; Relatora Beatriz Theodoro). (BRASIL, 2015, grifo nosso).

  

É exatamente por estes princípios, bem como pelo § 1º do art. 884 e art. 889, ambos da CLT, além do art. 40, § 4. °, da Lei 6.830/1980, acrescentado pela Lei 11.051/2004 e da Súmula 327 do STF que alguns doutrinadores vêm defendendo a tese da aplicabilidade da prescrição intercorrente também no Direito Laboral, entre eles pode ser destacado Garcia (2014)[3], Teixeira Filho (2004)[4] citado por Lima (2010) e Delgado (2007)[5].

Eça (2008) compartilha a tese de que em matéria sumular voltada para a prescrição intercorrente o STF detém a última palavra, principalmente após o advento da EC n. 45/2004.

Coadunando com o entendimento doutrinário do último parágrafo, insta salientar o atual julgado n. 0032700-27.1994.5.03.0003 AP, da Nona Turma do TRT da 3ª Região, publicado na data de 09 de janeiro de 2015, ao qual entende pela aplicação da prescrição intercorrente.

EMENTA: PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. PROCESSO DO TRABALHO. CABIMENTO. O Supremo é o guardião da Constituição - 102. Cumprindo esta missão nobre expediu a súmula 327. Roma locuta, causa finita. Logo, prescrição intercorrente é compatível com o processo do trabalho. Cabível declará-la, de ofício, notadamente quando paralisada a execução por longos anos, sem iniciativa da exequente em indicar meios eficazes para nela prosseguir. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0032700-27.1994.5.03.0003 AP; Data de Publicação: 09/01/2015; Órgão Julgador: Nona Turma; Relator: Convocado Ricardo Marcelo Silva; Revisor: Ricardo Antonio Mohallem). (BRASIL, 2015, grifo nosso).

Oportuno se torna questionar a possibilidade ou não em utilizar a prescrição intercorrente, e, apesar de, majoritariamente, o Judiciário adotar a Súmula 114 do TST aos casos em concreto, alguns tribunais vem posicionando em desfavor desta linha de pensamento – conforme exemplificado em julgados acima – o que pode gerar uma aparente divergência sumular, ou seja, um conflito jurisprudencial, até mesmo dentro de um mesmo tribunal. A guisa de exemplo pode ser citado o julgado n. 0076100-19.2004.5.03.0043 AP, publicado em 14 de janeiro de 2015, da Segunda Turma do TRT de 3ª Região, no qual o relator Jales Valadão Cardoso foi voto vencido no entendimento da inaplicabilidade da prescrição intercorrente.

EMENTA: PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE- EXECUÇÃO DO CRÉDITO TRABALHISTA - ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL APLICÁVEL. Segundo o entendimento da Douta Maioria, no processo do trabalho não pode ser aplicada a prescrição intercorrente. Ficou vencido o Relator, que aplica a Súmula 327 (O DIREITO TRABALHISTA ADMITE A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE) e a Súmula 150 (PRESCREVE A EXECUÇÃO NO MESMO PRAZO DE PRESCRIÇÃO DA AÇÃO), ambas do Excelso Supremo Tribunal Federal. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0076100-19.2004.5.03.0043 AP; Data de Publicação: 14/01/2015; Órgão Julgador: Segunda Turma; Relator: Jales Valadão Cardoso; Revisor: Convocada Rosemary de O. Pires). (BRASIL, 2015, grifo nosso).

E como fica a eficácia da Súmula 327 do STF? Pois a priori poderia subentender que as súmulas do STF sobrestariam as dos demais tribunais em relação a esta matéria. E ao que parece tal fato não ocorre, pois os tribunais vêm adotando majoritariamente a tese da súmula do TST. Consoante noção apresentada, Serafim Júnior (2006) considera que

[...], com efeito, a Súmula n. 327 do Supremo Tribunal Federal [...] está em vigor e, [...] deveria nortear a interpretação da matéria pelos demais tribunais e instâncias inferiores. Tal, no entanto, não é o que ocorre. Aliás, muito ao contrário, já que o próprio Tribunal Superior do Trabalho – TST [...] adota entendimento exatamente oposto. (SERAFIM JÚNIOR, 2006).

Em contramão a este entendimento, Ribeiro (2013) comenta que, histórica e juridicamente falando, o TST detém a competência para analisar as inconstitucionalidades e ilegalidades da norma em relação à matéria infraconstitucional, nos termos da CF/88.

[...] a Súmula 327 do Supremo Tribunal Federal (STF) foi editada em 13/12/1963, época em que ainda era vigente o art. 101, III, “a” da Constituição Federal de 1946, que atribuía ao STF a competência para julgar, em sede de recurso extraordinário, a decisão que fosse “contrária a dispositivo desta constituição ou à letra de tratado ou lei federal”, sendo mantido pela Constituição Federal de 1967, em seu art. 114, III, “a”, alterada pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969. Porém, a Constituição Federal vigente é a de 1988, e, com a vigência desta, as matérias infraconstitucionais passaram à competência dos demais tribunais superiores, incumbindo à referida suprema corte, analisar as inconstitucionalidades das normas e não suas eventuais ilegalidades. Desta forma, a última palavra em relação ao direito do trabalho infraconstitucional é do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e o Colendo pacificou o entendimento em relação à prescrição intercorrente por meio da Súmula nº 114 [...]. (RIBEIRO, 2013).

Então qual o embasamento jurídico que permeia a ideia da (in) aplicabilidade da prescrição intercorrente?

Para esclarecer e melhor compreender estes fatos é preciso compreender melhor a aplicação sumular no nosso ordenamento e o por trás das duas súmulas que tratam da prescrição intercorrente na seara trabalhista.

3 APLICABILIDADE SUMULAR

O ordenamento jurídico é um conjunto de normas regido pelo princípio dinâmico, o qual opera a fundamentação da validade das normas deste sistema. É dinâmico, segundo Kelsen (1998), pois é caracterizado pelo fato de a norma jurídica fundamental pressuposta ter inserida a instituição de um ato produtor de normas atribuído por uma autoridade legisladora ou por uma regra que venha a determinar como devem ser criadas as normas gerais e individuais deste ordenamento através de uma norma pilar.

Segundo o princípio dinâmico a norma apesar de sofrer limitações confere o poder a uma autoridade legisladora ou a outra por ela constituída não só estabelecendo delegações, mas também condutas a serem subordinadas. É o que percebe na Carta Magna ao definir as competências de cada poder, entre eles o Judiciário. E é exatamente por conta deste dinamismo, bem como pela pluralidade de novos conflitos oriundos de situações cada vez mais inovadoras é que surge a possibilidade do Judiciário interpretar a lei através das Súmulas, adequando-as no tempo e espaço.

Queiroz (2013), em uma análise acerca da aplicabilidade das Súmulas Vinculantes no ordenamento jurídico, considera que as súmulas garantem estabilidade, certeza, segurança e previsibilidade jurídica. E entende que o STF age “como definidor e aplicador de políticas públicas quando omissos os Poderes Legislativo e Executivo, assim como, na condição de entidade legítima à aprovação das Súmulas Vinculantes”. (QUEIROZ, 2013).

Robortella (2013) pondera que “as súmulas do TST, ao cristalizarem os precedentes judiciais, cumprem importante função uniformizadora, considerando-se o caráter federal da legislação trabalhista”. E complementa argumentando que “embora não sejam obrigatórias ou vinculantes, as súmulas do TST são persuasivas, influenciando as decisões da própria Corte ou dos demais magistrados, para preservar a integridade, a harmonia e a previsibilidade das decisões judiciais” (ROBORTELLA, 2013).

Então se percebe no geral que as Súmulas são apresentadas como fontes de interpretação da legislação e de apoio a situações jurídicas reiteradas, atuais e de abrangência erga omnes. Garante celeridade processual, integridade, harmonia, certeza e efetividade.

Deve, neste momento, levantar a interrogação acerca da interpretação aplicada pelas Súmulas e se as mesmas vêm atendendo aos anseios contemporâneos sob o prisma dos princípios que alicerçam o ordenamento, entre eles a segurança jurídica e o fim social. Pois é exatamente esta a preocupação que Kelsen retrata em seus pensamentos ao completar que

A interpretação jurídico-científica tem de evitar, com o máximo cuidado, a ficção de que uma norma jurídica apenas permite, sempre e em todos os casos, uma só interpretação: a interpretação “correta”. Isto é uma ficção de que se serve a jurisprudência tradicional para consolidar o ideal da segurança jurídica. Em vista da plurissignificação da maioria das normas jurídicas, este ideal somente é realizável aproximativamente. (KELSEN, 1998).

Com isso percebe-se a possibilidade de interpretações diversas acerca de uma mesma matéria, especialmente em relação à (in) aplicabilidade da prescrição intercorrente na fase de execução trabalhista.

Considerando então os ensinamentos de Kelsen acerca da necessidade de uma interpretação atualizada da norma e tendo em vista o tema proposto ao estudo, é prudente e necessário delinear os fundamentos que esculpem cada uma das duas súmulas em debate, a fim de melhor compreender o instituto da prescrição intercorrente na fase da execução trabalhista.

4 SÚMULA 327 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Em sessão do Plenário no dia 13 de dezembro de 1963 foi editada a Súmula 327 do STF, a qual restou publicada em 1964; e define que “o direito trabalhista admite a prescrição trabalhista” (BRASIL, 2015).

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Teve como referência legislativa, ou seja, seu embasamento jurídico os artigos 11, 765 e 791, todos da CLT. Estes artigos tratam exatamente dos prazos prescricionais ao direito de ação, da ampla liberdade diretiva do processo por parte do juiz, do zelo jurisdicional pela celeridade processual e da legitimidade ativa e passiva das partes. Com isso percebe-se que a prescrição intercorrente a princípio é admitida quando a parte ativa deixar de se manifestar em juízo por lapso de tempo superior ao definido em lei.  

Abrangeu como precedentes os julgados: AI 14744 (DJ de 14/6/1951); RE 22632 embargos (DJ de 8/11/1956); RE 30390 (DJ de 27/10/1965); RE 30990 (DJ de 5/7/1958); RE 32697 (DJ de 23/7/1959 e RTJ 10/94); RE 50177 (DJ de 20/8/1962); RE 52902 (DJ de 19/7/1963 e RTJ 29/329); e RE 53881 (DJ de 17/10/1963 e RTJ 30/32). E segundo estes, a morosidade intencional do polo ativo do processo é sinal de prejuízo para todo o ordenamento jurídico cabendo com isso uma penalidade procedimental, isto é, a aplicação de sua prescrição intercorrente. É o que se vê no RE 32697 – precedente da Súmula 327, STF.

EMENTA: PRESCRIÇÃO NO PROCESSO TRABALHISTA. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO ART. 791 DA CLT. Prescrição em processo trabalhista: nos termos do art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho, empregadores e empregados poderão acompanhar as reclamações até o final; é, assim, inequívoco que a demora no prosseguimento do feito pode ser obstada pela reclamação do Procurador ao juiz; se tal não foi feito, a que ser reconhecida a negligência do advogado do empregado, verificando-se a prescrição. Conheceram do recurso e deram provimento. Decisão unânime. (RE. 32697 – D. Federal: publicado em DJ DE 23/7/1959. RTJ 10/94).

Antunes defende a tese da prescrição intercorrente e argumenta que

[...] poderá ser suscitada a prescrição intercorrente na impugnação aos artigos de liquidação [...], observando-se o disposto no art. 609 do CPC, sem prejuízo de sua renovação nos embargos opostos à execução na forma do § 1° do art. 884 da CLT, evitando-se eventual preclusão [...] poderá ser adotado na execução de prestações sucessivas regulado pelos artigos 890 e 892 da CLT, no tocante à prescrição intercorrente parcial (art. 617 do CPC). (ANTUNES, 1993).

Reporta-se, também, a aplicação da Súmula 150 do STF, o art. 889 da CLT e o art. 40 da Lei 6.830/ 80 (Lei de Execução Fiscal) a fim de fundamentar a possibilidade de aplicar a prescrição intercorrente na seara trabalhista.

Pelo exposto acerca da tese defensiva da aplicabilidade deste instituto é permitido perceber que os fundamentos que norteiam a Súmula 327 do STF são todos de base instrumental e oriundos da inércia do polo ativo; mas não se funda em uma inércia comum, e sim, num ato imotivado, por um lapso temporal superior ao definido em lei e que venha a condizer numa renúncia tácita na continuidade da ação. Com isso o Judiciário deve por fim a estes processos que se acumulam nas prateleiras das Secretarias e oneram a máquina Judiciária.

Conclui-se que a Súmula 327 do STF consubstancia na proteção do princípio da razoável duração do processo, da garantia da celeridade e da efetividade, todos incutidos no inciso LXXVIII, do art. 5º da CF/88 através da EC. 45/2004.

Porém, surge a dúvida acerca do prejuízo por trás da defesa de tais princípios através de uma análise apenas procedimental, deixando de verificar os valores que permeiam o direito em concreto do credor, como por exemplo, o direito fundamental à dignidade da vida humana – presente na exigibilidade de recebimento de créditos trabalhistas, que juridicamente são considerados verbas alimentares como descrito no julgado abaixo:

RECURSO DE REVISTA. 1. PRESCRIÇÃO. ACIDENTE DO TRABALHO. AUXÍLIO DOENÇA. SUSPENSÃO. VERBAS TRABALHISTAS. DECLARAÇÃO EX OFFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. O cerne da controvérsia está em saber se o juízo de primeiro grau poderia, ex offício, declarar a prescrição total e quinquenal de pretensões declinadas na inicial do reclamante. A jurisprudência desta colenda Corte Superior caminha no sentido de que o artigo 219, § 5º, do CPC, com a redação dada pela Lei 11.280/2006, não é aplicável à Justiça do Trabalho, que, por seus princípios e peculiaridades, impedem seja declarada, de ofício, a prescrição de pretensões dos trabalhadores. Isso porque o trabalhador, além de parte hipossuficiente, busca com o processo do trabalho o reconhecimento de verbas alimentares, que, apesar de protegidas constitucionalmente (artigo 7º, X, da Constituição Federal), deixaram de ser pagas no curso do contrato de trabalho. Dessa forma, seja pela incidência do princípio [...] ou da proteção ao hipossuficiente, seja pelo caráter alimentar das verbas trabalhistas, a prescrição de pretensões relacionadas aos contratos de trabalho não podem ser declaradas ex offício. Com esse entendimento privilegia-se não só à dignidade do trabalhador, mas a especialidade do ramo jus laboral, que não tem regra legal específica permitindo tal declaração. Precedentes. Recurso de revista conhecido, mas não provido. [...] (TST - RR: 1035006520075230004 103500-65.2007.5.23.0004, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos Data de Julgamento: 14/09/2011, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/09/2011). (BRASIL, 2015, grifo nosso)

5 SÚMULA 114 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

Em 1980 surgiu o enunciado da Súmula 114 do TST a qual define que “é inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente” (BRASIL, 2015). E com a Resolução n. 121 do TST, publicada no Diário de Justiça n. 19, 20 e 21 de novembro de 2003 foi mantido o Enunciado desta súmula em sua íntegra.

Teve como precedentes os seguintes julgados: ROAR 306/1976 (DJ 06.04.1977); ERR 1831/1974 (DJ 07.10.1976); ROAR 348/1974 (DJ 09.07.1976); ERR 719/1972 (DJ 13.08.1973); RR 5242/1975 (DJ 19.10.1976); RR 4362/1975 (DJ 06.07.1976); RR 1818/1971 (DJ 23.12.1971); RR 1667/1971 (DJ 29.11.1971); RR 4648/1970 (DJ 06.10.1971); RA 116/1980 (DJ 03.11.1980). Os quais se reportam a uma análise do bem jurídico tutelado, e não apenas em uma questão instrumental, além do fato da possibilidade do impulso de ofício pelo juiz, nos termos dos arts. 765 e 878 ambos da CLT. Lei esta em vigor desde 1943 e a qual permite tal ato jurisdicional.

E poderia dizer que, segundo a fundamentação do Relator Emerson José Alves Lage no Julgado n. 161. 0064000-42.1996.5.03.0001 AP, da Primeira Turma do TRT da 3ª Região, a Súmula 114 do TST encontra abrigo também no § 4º do art. 40 da Lei de Execução Fiscal, sendo esta aplicada subsidiariamente à execução trabalhista e determinando a suspensão do feito até encontrar bens passíveis a penhora, só podendo ser declarada de ofício nas execuções fiscais. Pois para o referido relator o bem tutelado é verba alimentar e a parte é hipossuficiente nesta relação processual, salvo nas ações de natureza tributária. Não sendo então possível que o Judiciário venha a aplicar a Justiça de forma desigual e em detrimento a direito fundamental.

[...] É entendimento deste Relator que de acordo com a Súmula 114 do TST, a prescrição intercorrente é inaplicável na Justiça do Trabalho. O posicionamento adotado na Súmula 327 do STF, aprovada no ano de 1963, foi superado pela edição da Lei 6.830/80, aplicável subsidiariamente à execução trabalhista, que determina a suspensão da execução até que, a qualquer tempo, sejam encontrados bens passíveis de penhora, o que afasta o reconhecimento da prescrição intercorrente.
Ademais, nos termos do art. 40, § 4º, da lei mencionada, a prescrição intercorrente tem aplicação específica e limitada aos executivos fiscais, não alcançando as execuções judiciais que venham perseguir a satisfação ao trabalhador de direitos advindos mediante sentença judicial, como no caso dos autos.
Há de se considerar, ainda, que, conforme dispõe o artigo 878 da CLT, a execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio juiz ou Presidente do Tribunal, pelo que, tratando-se de crédito trabalhista, não cabe aplicar a prescrição intercorrente nos casos em que a execução não cumpre seu objetivo porque o devedor encontra-se em local incerto ou porque inexistem bens passíveis de garantir a execução. É de todo desarrazoado imputar ao trabalhador exequente a culpa pela paralisação do processo executivo, seja pelo fato de os executados não terem sido encontrados, seja porque não foram encontrados bens passíveis de penhora, situações, aliás, comuns nesta Especializada, o que apenas demonstra a dificuldade do trabalhador hipossuficiente em ter satisfeito o seu crédito de natureza alimentar, já reconhecido em decisão judicial transitada em julgado. [...] (TRT da 3ª Região. Processo: 161. 0064000-42.1996.5.03.0001 AP. Data de Publicação: 11/04/2012; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Emerson José Alves Lage; Revisor: Convocada Monica Sette Lopes). (BRASIL, 2015).

Neste sentido deve-se dizer que o embasamento da Súmula 114 do TST se encontra alicerçado na possibilidade de impulso de ofício pelo juiz – em relação à continuidade da lide - quando o bem jurídico tutelado for verba alimentar e a parte for considerada hipossuficiente. E compreende pela possibilidade de suspensão processual até localizar executado ou bens, nos moldes do art. 40 da Lei de Execução Fiscal, deixando a decretação de ofício da prescrição intercorrente apenas para as execuções de natureza tributária. Pois, por trás das alegações jurídicas se encontram os princípios norteadores da Justiça Trabalhista, bem como o princípio da dignidade à vida humana e a garantia de direitos fundamentais contidos na CF/88.

6 FASE DE EXECUÇÃO TRABALHISTA

Conforme já abordado, o Direito Laboral reconhece a existência do instituto da prescrição intercorrente, mas ressalta a limitação quanto à sua aplicabilidade.

Historicamente, também pode ser verificado que a prescrição intercorrente tomou amplitude com o advento da EC n. 45/2004 c/c o art. 40 da Lei 6.830/80. Pois “o direito do trabalho sempre foi irrenunciável, entretanto jamais foi imprescritível”. (EÇA, 2008).

Neste momento é importante pontuar, restritamente, a execução trabalhista a qual é uma via que vem para satisfazer os direitos do credor que possui um título executivo judicial, acordo, termo de conciliação, termo de ajuste de conduta ou título executivo extrajudicial, além do fato do devedor estar inadimplente, nos termos do art. 876 e s/s da CLT.

A execução na Justiça do Trabalho não é apenas acerca das verbas trabalhistas; também há as contribuições previdenciárias oriundas da sentença condenatória, segundo o art. 114, inc. VIII, da CF/88, e apesar de seguir a sistemática procedimental da CLT tais contribuições tem natureza tributária e atende subsidiariamente as regras da Lei 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal). Neste caso aplica-se a prescrição intercorrente nos moldes da Súmula 314 do STJ[6], e a principal implicação jurídica é a extinção do crédito tributário segundo o art. 156, inc. V do Código Tributário Nacional - CTN, e, como consequência a extinção do processo, nos termos do art. 269, inc. IV do CPC. Exemplificando o exposto acerca deste instituto na execução fiscal trabalhista é o julgado 0000368-94.2010.5.03.0019 AP.

EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. Tratando-se de execução fiscal, inicia-se a contagem do prazo da prescrição quinquenal intercorrente quando, após suspenso o processo por um ano, não logra a exequente indicar meios eficazes para o prosseguimento da execução. Inteligência do artigo 40 da Lei 6.830/80 e da Súmula 314 do STJ. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0000368-94.2010.5.03.0019 AP; Data de Publicação: 12/01/2015; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Convocada Cleyonara Campos Vieira Vilela; Revisor: Convocado Tarcisio Correa de Brito).

Segundo o art. 878 da CLT, a execução poderá ser promovida por qualquer interessado ou de ofício pelo juiz competente. E “se o processamento depender de iniciativa exclusiva da parte deverá ser esta intimada para a realização do ato. E, diante de sua inércia, arquivados os autos ou não, o prazo da prescrição intercorrente se abrirá, contado do último ato processual praticado”. (EÇA, 2008).

E complementando o rito processual, na execução laboral, há a garantia do contraditório e da ampla defesa através dos embargos, nos moldes do art. 884 da CLT. E tendo como matéria de defesa o disposto no § 1º deste artigo, ou seja, as alegações quanto ao cumprimento da decisão ou acordo, a quitação ou prescrição da dívida. E é em relação à possível alegação de prescrição que muitos doutrinadores – entre eles, os já citados: Garcia (2014), Teixeira Filho (2004) citado por Lima (2010) e Delgado (2007) - defendem a tese da aplicação do instituto em estudo.

Sob uma visão diversa dos defensores da tese da aplicabilidade da prescrição intercorrente na execução trabalhista, a Juíza Dra. Maria Cecília Alves Pinto, relatora no julgado n. 0053200-64.2001.5.03.0005 AP da Quinta Turma do TRT da 3ª Região, publicado recentemente em 20/04/2015, compreende que a prescrição intercorrente não pode ser confundida com a prescrição do § 1º do art. 884 da CLT; além de focar o art. 40 da Lei de Execução Fiscal sob o prisma dos princípios trabalhistas, naquilo que for pertinente, conforme o art. 889 da CLT. E conclui argumentando que a prescrição da Súmula 327 do STF não é intercorrente.

[...] Dispõe a súmula 114/TST que é inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente, sendo certo que tal entendimento não vulnera os artigos 7º, XXIX da Constituição da República e 884, § 1º/CLT. É que não se pode confundir a prescrição intercorrente com a prescrição do direito de ação na execução, o que ocorre quando não iniciada a execução de ofício pelo Juízo, o exequente permanece inerte, deixando decorrer o biênio a partir do trânsito em julgado da decisão. É desta prescrição que cogita a súmula 327/STF, que é diversa da intercorrente, inaplicável na Justiça do Trabalho, inclusive porque o juiz detém o impulso oficial da execução. Não obstante seja o exequente o principal interessado no prosseguimento da execução, a CLT prevê o impulso oficial, cabendo ao Juiz praticar todos os atos necessários ao cumprimento da decisão transitada em julgado (art. 878/CLT), o que envolve a pesquisa patrimonial e expedição de ofício aos órgãos pertinentes, a fim de localizar os executados, bem como os bens necessários à satisfação do crédito trabalhista. Por outro lado, dispõe o art. 794/CPC, que a execução somente será extinta quando houver a satisfação da obrigação, houver a remissão da dívida, por acordo ou qualquer outro meio, ou ainda quando o credor renunciar ao crédito. Também o § 3º do art. 40 da Lei 6.830/80 dispõe que encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para o prosseguimento da execução. Ambos os dispositivos legais são subsidiariamente aplicáveis à execução trabalhista por força do art. 889/CLT. Assim, uma análise detida da legislação que rege a execução trabalhista demonstra que a execução deve ser promovida de ofício pelo magistrado, até que a efetiva satisfação do débito. Frustradas as providências, poderá ser determinado o arquivamento provisório dos autos, com expedição da certidão de crédito trabalhista (Provimento 04/2012/TRT/3ª Região), podendo a partir daí ser reiniciada a execução quando o credor conseguir encontrar bens passíveis de penhora. A prescrição ocorre em decorrência do decurso do prazo, aliado à inércia do titular do direito. Entretanto, em cenário econômico marcado pela constante tentativa patronal em ocultar seu patrimônio, não se afigura razoável que ao cabo de mais de 4 anos (vide certidão de arquivamento de f. 357) se veja livre da condenação em prejuízo do trabalhador. Essa a razão da súmula 114/TST, que, a meu ver, não colide com o disposto na súmula 327/STF. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0053200-64.2001.5.03.0005 AP; Data de Publicação: 20/04/2015; Órgão Julgador: Quinta Turma; Relator: Convocada Maria Cecilia Alves Pinto; Revisor: Marcus Moura Ferreira). (grifo nosso).

 Então se verifica que os tribunais, majoritariamente, vêm adotando a utilização da Súmula 114 do TST - conforme já demonstrado ao longo deste estudo – e só vindo a aplicar a prescrição intercorrente nas execuções fiscais trabalhistas, com base na Súmula 314 do STJ. Porém, deve ser ressaltado que há uma minoria que ainda defende a aplicação deste instituto também na seara da execução trabalhista, o que poderá ser objeto de revisitação da matéria, principalmente tendo em vista o princípio da razoável duração do processo – princípio este em ênfase no Judiciário.

7 CONCLUSÃO

Em análise a todo o exposto é possível concluir que não é mansa e pacífica a questão em comento, pois o Direito aspira segurança e certeza nas relações jurídicas. Todavia, nem sempre há o resultado conforme inicialmente se espera, principalmente quando há a interferência temporal no curso do processo. O que pode vir a gerar, entre outros efeitos, a prescrição extintiva, que na seara trabalhista pode ser parcial, total ou intercorrente (Súm. 150, do STF).

Em relação à prescrição intercorrente na execução laboral é cediço resumir que este instituto se percebe pela inércia do titular da ação, por certo lapso temporal que supere outro pré-existente – legalmente determinado - na fase executiva, sem que haja fato ou ato que justifique.

Com isso, o Direito Laboral reconhece a existência do instituto da prescrição intercorrente, mas ressalta uma limitação quanto à sua aplicabilidade.

Historicamente, também pode ser verificado que a prescrição intercorrente tomou amplitude com o advento da EC n. 45/2004 c/c o art. 40 da Lei 6.830/80, principalmente através dos princípios da razoável duração do processo, da celeridade e efetividade.

Em face do exposto, é necessário considerar que o ordenamento jurídico é dinâmico e a cada dia surgem novos conflitos oriundos de situações cada vez mais inovadoras, e cabe ao Judiciário interpretar as normas pilares, legislativamente apresentadas, segundo o tempo e espaço, não deixando que o conservadorismo jurisprudencial deixe de atender aos novos casos com a mesma harmonia, integridade e previsibilidade jurídica que a Justiça almeja. É através destes princípios e garantias que as Súmulas vêm para auxiliar na uniformização das decisões dos Tribunais, com abrangência erga omnes e garantindo a efetividade. Pois a norma jurídica não pode permite sempre uma só interpretação.

Cabe ainda mencionar que a execução na Justiça Trabalhista pode ser promovida pela parte interessada ou de ofício pelo juiz (art. 878, CLT), decorrente de um título judicial, acordo, termo de ajuste de conduta, termo de conciliação (art. 876, da CLT) ou extrajudicial (art. 877-A) e conjuntamente pelo inadimplemento do devedor; e tendo como objeto da lide verba trabalhista não paga ou contribuição previdenciária devida (parágrafo único do art. 876 da CLT). Esta última aplicando o entendimento sumular n. 314, do STJ. Podendo haver a possibilidade de defesa do executado através dos embargos em relação às matérias delimitadas no § 1º, do art. 884, da CLT. Todavia, o entendimento acerca da prescrição descrita neste parágrafo nem sempre é o mesmo.

É preciso lembrar, ainda, que na seara trabalhista, em especial a fase executiva, é possível observar um aparente conflito entre as Súmulas 327 do STF e 114 do TST no que diz respeito à aplicabilidade/efetividade. Pois apesar da Súmula 327 ser do STF, a mesma perdeu força, juridicamente falando, pois o TST detém a competência para analisar as inconstitucionalidades e ilegalidades da norma em relação à matéria infraconstitucional, nos termos da CF/88, sendo, com isso, majoritariamente aplicada a Súmula 114 do TST.

Por outro lado, com a EC n. 45/2004, voltou à tona a necessidade de uma revisitação da matéria, principalmente por conta dos princípios que abarcam o inc. LXXVIII, do art. 5º da CF/88.

Diante de tais colocações foi importante conhecer os fundamentos das Súmulas em questão. O que pode ser verificado é que a Súmula 327 do STF tem como premissa a análise do caso de forma estritamente instrumental/procedimental e visa atender o princípio da razoável duração do processo, da celeridade e efetividade. Pois, segundo esta tese, a morosidade intencional do polo ativo é sinal de prejuízo ao ordenamento jurídico. E cabe ao juiz, através da liberdade diretiva descrita no art. 765 da CLT, aplicar a prescrição intercorrente neste tipo de processo que se acumula nas prateleiras das Secretarias e oneram a máquina judiciária.

 Já a tese defensiva da Súmula 114 do TST tem como fundamento valores mais profundos, ou seja, o bem jurídico tutelado, os princípios norteadores da Justiça Laboral e os direitos fundamentais. Defende a ideia da não aplicação da prescrição intercorrente de ofício pelo juiz quando o objeto da lide for verba trabalhista e a parte do polo ativo for considerada hipossuficiente, devido à manutenção do princípio da dignidade do trabalhador, sem contar os demais princípios, direitos e garantias implícitos. Sendo assim, o impulso oficial do juiz é em dar continuidade à lide e não em extingui-la. E a aplicação do art. 40 da Lei 6.830/80 nas verbas trabalhistas se limita na suspensão do feito até que se encontre o devedor ou bens. E quanto às execuções de natureza tributária, a aplicação na realidade é direcionada mais precisamente pela Lei de Execução Fiscal e consequentemente pela aplicação da Súmula 314 do STJ.

Com isso percebe-se que há uma diferença na execução trabalhista, ou seja, se for contribuição previdenciária devida não se aplica nem a Súmula 327 do STF e nem a Súmula 114 do TST. Aplica-se a Súmula 314 do STJ c/c a Lei 6.830/80 e art. 889 da CLT. Caso seja verba trabalhista, majoritariamente, vem sendo aplicada a Súmula 114 do TST, da qual partilho entendimento, uma vez que é inadmissível que o obreiro já em posição desfavorável em relação ao empregador, venha na fase de execução ser novamente tratado de forma desigual por manter uma interpretação da norma ainda nos moldes arcaicos, isto é, apenas voltando-se ao embasamento instrumental do procedimento (conforme defendido pela Súmula 327 do STF). Sem contar que juridicamente falando, já foi sedimentada a competência acerca da matéria ao TST, com o advento da CF/88. Além de que hoje não é permitido que se aplicasse o princípio da celeridade e efetividade desenfreadamente e em detrimento da confiança que o Direito ainda mantém e manterá nas relações jurídicas, oferecendo segurança jurídica e um fim social devido. É preciso garantir a Justiça em sua plenitude apesar de ainda ser percebido que até mesmo dentro de um mesmo Tribunal, em uma mesma Turma os posicionamentos são diversos. Mas é salutar que haja divergências de pensamentos entre os julgadores, pois só assim é possível aprimorar e atualizar o Direito.

Partilho também do entendimento recente apresentado nos tribunais, e em especial o da Juíza Dra. Maria Cecília Alves Pinto, o qual considera que a prescrição do direito de ação da execução não é intercorrente, pois há a possibilidade do impulso oficial. E a prescrição intercorrente é aquela promovida pela parte interessada que deixa de praticar atos necessários que impulsione o feito após o arquivamento provisório, por não encontrar devedor ou bens. Aí sim, há a possibilidade de ocorrer a prescrição intercorrente. Mas é preciso primeiramente que o juiz verifique o caso em concreto, o bem jurídico tutelado e a parte interessada. Pois, como percebido, o tema é complexo e uma decisão unânime para todas as lides não é decisão juridicamente correta, uma vez que há em jogos vários outros princípios e direitos fundamentais.

Por tudo isso, é preciso sempre voltar aos ensinamentos de Kelsen e compreender que o ordenamento jurídico como dinâmico. E que o papel do juiz é decidir da forma mais equânime.

ABSTRACT

This academic work through the theme "Intercurrent Prescription: (in) applicability in labor execution" objective approach the Intercurrent Prescription Institute starting from the understanding according to the doctrine, the standard and the case law, especially the summaries 327 and 114 of the STF TST, and - throughout the study - think about the (in) applicability in work execution, and demonstrate that there is controversial understandings on this subject. For this, we used the hypothetical-deductive method, qualitative, historical, exploratory, bibliographical and documentary. Not ceasing to be comparing the Precedents of the TST 114 and 327 of the STF. With this it seeks to demonstrate the inapplicability of intercurrent prescription in labor courts for labor funds in view of the legal ward well, and also view the need for judicial pacification and doctrinal matter.

Keywords: Prescription intercurrent. Doctrinal and Jurisprudential Vision. Precedent 327 of the STF. Precedent 114 of the TST. Labor Execution.

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[2]LEAL, Antônio Luís Câmara. Da prescrição e da decadência. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 11).

[3] “[...] tendo em vista a Emenda Constitucional 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a ter competência para processar e julgar: ‘as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho’ (art. 114, inciso VII, da CF/1988). Além disso, por ser aplicável a Lei de Execução Fiscal na execução trabalhista (art. 889 da CLT), tem-se a possibilidade de ser a prescrição intercorrente reconhecida pelo juiz, de ofício, na própria execução do crédito trabalhista. Com isso, é possível sustentar a aplicabilidade do art. 40, § 4.°, da Lei de Execução Fiscal no âmbito do processo do trabalho, especialmente quando o exequente permanece injustificadamente inerte, sem praticar atos no processo que a ele incumbem, como ao deixar de apresentar artigos de liquidação. Esse entendimento se confirma pela tese de que a execução trabalhista, quando fundada em título judicial, é mera fase processual [...]”(GARCIA, 2014,grifo do autor).

[4]“A prescrição intercorrente é aplicável no processo do trabalho sempre que a prática do ato estiver, exclusivamente, a cargo do credor. Ficando afastada a aplicação da prescrição intercorrente sempre que o ato puder ser praticado ex officio.” (TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução no processo do trabalho.  8. ed. São Paulo: LTR, 2004, p. 297, grifo do autor).

[5]“Trata-se da omissão reiterada do exeqüente no processo, em que ele abandona, de fato, a execução, por um prazo superior a dois anos, deixando de praticar, por exclusiva omissão sua, atos que tornem fisicamente possível a continuidade do processo. Nesse específico caso, argüida a prescrição, na forma do art. 884, § 1°, CLT, pode ela ser acatada pelo juiz executor, em face do art. 7°, XXIX, CF/88, combinado com o referido preceito celetista (ressalvada a pronúncia de ofício, a teor da Lei n. 11.280/2006, se for o caso)”. (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6.ed. São Paulo: LTr, 2007., p. 281, grifo do autor).

[6] Súmula 314. Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.

Sobre a autora
Katia Ferreira

Advogada em Varginha - MG pelo escritório Macohin advogados associados . Correspondente. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC MINAS. Graduada em Direito. Pós-graduada em MBA gestão empresarial pela FACECA-MG. Graduada em administração. Membro da Comissão OAB Jovem da 20ª Subseção da OABMG. Colunista do Jornal Varginha Hoje.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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