O direito fundamental inerente à mulher: parto terapêutico na gestação de feto anencéfalo à luz da ADPF 54

17/06/2015 às 20:31
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Palavras-chaves: ADPF 54. Aborto. Anencéfalo. Parto terapêutico. Interrupção de gestação.

 RESUMO: O presente artigo abordou a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) número 54, que autorizou a interrupção de gestação com feto anencéfalo. Objetivou-se analisar a discussão havida no Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, utilizou-se de uma metodologia bibliográfica com a finalidade de se traçar todos os paralelos atinentes a tal decisão acerca dos que votaram a favor da interrupção da gestação. Com isso chegou-se a conclusão de que há irrefutáveis consequências jurídicas no âmbito da dignidade humana, o usufruto da vida, a liberdade, a autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos individuais, especificamente, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Dessa forma, a Corte chegou à conclusão de que os argumentos favoráveis à interrupção da gestação do feto anencéfalo eram mais fortes e eficazes ao liame da presente celeuma.


INTRODUÇÃO

Ao longo do tempo foi possível constatar grandes divergências jurídicas no que se diz respeito ao “aborto” em casos de anencefalia, anomalia congênita que causa má-formação fetal e torna inviável a vida extra-uterina..

 Até o ano de 2005, os juízes e tribunais de justiça formalizaram cerca de três mil autorizações para a interrupção gestacional em razão da incompatibilidade do feto com a vida extrauterina. O Brasil é o quarto país no mundo em casos de fetos anencéfalos. A incidência é de aproximadamente um a cada mil nascimentos, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, confirmados na audiência pública. Chega-se a falar que, a cada três horas, realiza-se o parto de um feto portador de anencefalia. Esses dados foram os obtidos e datam do período de 1993 a 1998, não existindo notícia de realização de nova sondagem. (BRASIL/ADFP 54.). Tais relatos demonstraram a necessidade de um posicionamento da Corte. Deste modo foi instaurado a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº54, proferida pelo Supremo Tribunal Federal a fim de resolver essa divergência, tratando o assunto como um parto terapêutico.

Logo, seria justo que a mulher, e tão somente a mulher tivesse a faculdade de escolha em relação ao parto terapêutico sem ter que recorrer ao judiciário. Deste modo, contemplaremos quatro principais vertentes que serviu de justificativa para a Corte julgar procedente a ADPF 54: A primeira é a laicidade do Estado; o segundo ponto a conceituação de anencefalia não merecedor de amparo jurídico, ante a inviabilidade de sua vida extra-uterina.; o terceiro ponto a ser abordado será a inviolabilidade direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e a  existência dos direitos fundamentais  à saúde física e psíquica da gestante e as consequências geradas pela ADPF 54.

DESENVOLVIMENTO

Historicamente, a interrupção voluntária da gravidez é objeto de intenso debate em diversas partes do mundo, pois afetam vários aspectos bioéticos, morais, religiosos e legais.

De acordo com  Silva, (2007, p.251) “A República principiou estabelecendo a liberdade religiosa com a separação da Igreja do Estado (...)”. Do ponto de vista religioso, sabe-se que, o Estado não prega uma religião, tampouco é ateu. O Estado é laico, ou seja, não há adoção de religião oficial, sendo neutro. A religião em muitas vezes podem dar suas opiniões sobre determinados assunto de caráter social, mas a fé e as orientações morais dela decorrente não podem intervir em decisões estatais.

A anencefalia é conceituada pela mal-formação do tubo neural durante o desenvolvimento embrionário podendo a constatação ocorrer de modo precoce na gestação através da avaliação ultrassonográfica obstétrica, a qual apresenta alto valor preditivo positivo ao diagnóstico e, portanto alta confiabilidade de resultado confirmacional.

 Tal enfermo é caracteriza-se pela ausência parcial do encéfalo onde pode ou não ocorrer apresentação de caixa craniana, levando a uma gestação complicada do ponto de vista médico, tendo muitas vezes intercorrências clínicas maternas, com grande impacto psicológico familiar, social e bioético pela inviabilidade indubitável da vida extra-uterina do futuro neonato, sendo então considerado um natimorto cerebral. O feto anencefálico não desfrutaria de nenhuma função do sistema nervoso central “responsável pela consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade”.

Estando, portanto morto do ponto de vista encefálico desde a saída do útero materno, não podendo falar-se em nascimento uma vez que indivíduo já surgiu ao mundo se atividade cerebral, indo, em contraponto ao conceito da docimácia hidrostática pulmonar de Galeno, que é um procedimento utilizado no âmbito da medicina legal, aplicada com a finalidade de verificar se uma criança nasce viva ou morta e, portanto, se chega a respirar. Ou seja, o feto anencéfalo em sua vida extrauterina pode até respirar, mas será considerado morto neurologicamente.

Diante de um prognostico tão desalentador, muitas genitoras tinham o desejo de por fim a gestação, uma vez que se trata de um feto sem potencialidade de vida, tal frustação teria como consequências a violação sobre os direitos à dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à privacidade, à integridade física, psicológica e moral e à saúde. (CF, artigos 1º, III, 5º, caput e II, III e X, e 6º, caput). Vale ressaltar, que, desde a Conferência de Alma-Ata o conceito de saúde engloba não apenas a ausência de doença ou enfermo, mas o completo do indivíduo e contemporaneamente do seu núcleo familiar, logo, a mulher sem pleno bem-estar físico, social e mental estaria sem a completa saúde.

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Antes do posicionamento do STJ, as leis eram omissas e não condizente com o espírito do Código Penal Brasileiro e incompatível com a Constituição Federal/88.

 As genitoras de feto anencéfalo não tinham amparo jurídico, logo qualquer medida de interrupção da gravidez sem previa autorização do poder judiciário, configuraria em crime relacionado ao aborto, tipificados nos arts. 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal Brasileiro (Decreto-lei nº 2.848/40).

 O pedido veiculado na ADPF 54 foi proferida pelo STF por decisão por maioria, que deliberou que a apreciação da matéria, sendo julgada procedente em caráter definitivo de mérito, foi justamente para assegurar os direitos fundamentais contido na Constituição Federal/88 respectivamente nos artigos 1º, 3º e 5º, inciso I:  a dignidade da pessoa humana; direito à liberdade, não submissão a tratamento cruel, desumano e degradante, equiparável à tortura. Dando faculdade de escolha à genitora dos casos de feto anencefalo.

 A partir da ADPF 54, foi possível perceber que o feto poderia está vivo biologicamente, mas seria incapaz e juridicamente morto, de maneira que não deteria proteção jurídica, principalmente a jurídico-penal. Ou seja, com a implementação da Arguição em epígrafe, foi consagrado à possibilidade e faculdade de escolha da gestante a prática da cessação da gestação, visando a sua dignidade e a fim de minorar seu sofrimento, pois já e sabido que o feto em 100% dos casos não terá viabilidade. Permitindo desta forma que essa atitude não configurasse crime de aborto. Levando-se em consideração os princípios constitucionais e a saúde da mesma e tornando a conduta típica.

CONCLUSÃO

Conclui-se que o STF usou os princípios fundamentais contidos na Constituição Federal/88, a dignidade da pessoa humana, direito à liberdade e não submissão a tratamento cruel, desumano e degradante, equiparável à tortura, para fundamentar os votos Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) número 54, que autorizou a interrupção de gestação com feto anencéfalo

 Levando-se em consideração os aspectos mencionados foi possível constatar que a finalidade foi de proteger a gestante de feto anencefalo, de futuros traumas psicológicos, físicos e de intercorrências na gestação, dando lhe a faculdade de escolha de prosseguir ou não com a gestação.

REFERENCIAS

SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 29º edição, 1994, São Paulo-SP, páginas 923.

BRASIL,ADPF54<http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo661.htm#ADPF e interrupção de gravidez de feto anencéfalo – 1> Acesso em: 17.abril. 2015

BRASIL,ADPF54<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adpf54.pdf> Acesso em: 11. maio. 2015

BRASIL,ADPF54<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=484300>. Acesso em: 11. Maio. 2015

Sobre a autora
Brígida Morais Dantas

Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Fap-CE

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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