Competência legislativa concorrente no Direito Ambiental: revisão bibliográfica e análise jurisprudencial

18/06/2015 às 01:40
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O presente artigo tem por finalidade analisar a estrutura da divisão de competências legislativas dentro da Federação Brasileira, no que tange às matérias de direito ambiental, por meio da revisão bibliográfica da doutrina e de análise jurisprudencial.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Competência Legislativa Concorrente. 3 Dispositivos Constitucionais sobre Meio Ambiente e a Questão dos Municípios. 4 Visão Jurisprudencial do Direito Ambiental. 4.1 Análise de Julgados do STF. 4.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar 3937 – SP, Min. Relator Marco Aurélio, Tribunal Pleno – 04/06/2008. 5 Visão Jurisprudencial do Direito Ambiental. 6. Bibliografia.

RESUMO: O presente artigo tem por finalidade analisar a estrutura da divisão de competências legislativas dentro da Federação Brasileira, no que tange às matérias de direito ambiental. A pesquisa fundamentou-se em determinar como se dá a construção doutrinária e jurisprudencial sobre a concorrência na atividade legiferante dos entes federados, em se tratando de meio ambiente. Tomou-se essencialmente como base legal a Constituição Federal, artigos: 22, IV, XII, XXVI; 24, VI, VII, VIII, XII, § 1º, §º2, §3º e §4º; 196 e 225; e a lei federal 9.055/95.

PALAVRAS-CHAVE: Competência Legislativa Concorrente; Federação; Direito Ambiental.

1. Introdução

A Carta Magna de 1988, em seus artigos 1º e 18, constitui o Brasil em uma República Federativa, nos moldes de um governo que se fundamenta na consagração da independência e da autonomia dos entes federados que compõem o Estado. A união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal forma a composição estrutural da Federação brasileira, a qual, a partir da promulgação da Constituição de 1988, promoveu a elevação do status dos Municípios a um terceiro âmbito de autonomia, ao lado dos Estados, do Distrito Federal e da União, nos aspectos que tangem às questões políticas, administrativas e financeiras[2].

A estrutura federal consiste na fundamentação de uma comunidade jurídica central composta por outros entes estatais, cada um dotado de ordenamento jurídico, político e constitucional próprios, conforme os limites estabelecidos na Constituição Federal. Neste contexto, a repartição de competências é a atribuição, fundada na Carta Magna, a cada ordenamento – na esfera federal, estadual, distrital e municipal – de sua matéria própria. [3]

Entretanto, não há a pretensão de se criar um sistema completamente harmônico e ausente de conflitos. A prática legislativa – em qualquer esfera da Federação, e entre estas próprias esferas –, é fundamentalmente composta por um jogo complexo de conflitos de interesses, ou seja, as negociações políticas e as disputas ideológicas são elementos que promovem a concorrência pelo poder entre os entes federados. Entendendo-se a competência como as “diversas modalidades de poder de que se servem os entes federativos com o propósito de realizar suas funções”[4], fica claro que a atribuição de competências feita pela Constituição implicará o conflito de interesses.

O Direito Ambiental, logo, não se põe fora deste campo de tensão. Há, entre a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, o interesse comum de explorarem ou preservarem seus recursos naturais. Envolve-se, portanto, desde questões econômicas e financeiras – vitais para a manutenção da economia de um território – até questões de preservação ambiental – um bem jurídico caro à população geral, no qual o interesse público tem grande preocupação.

Portanto, definir a situação de determinada matéria dentro dos âmbitos dos interesses nacional, distrital, regional ou local, requer um exercício de razoabilidade e ponderação de forma que realize os princípios fundamentais do Estado brasileiro, segundo os preceitos Constitucionais.

2. Competência Legislativa Concorrente

A repartição concorrente das competências legislativas cria, no Estado Federal, um mecanismo de ordenamento misto, composto pelo ordenamento central – elaborado pelo Governo Federal – e pelos ordenamentos parciais – cujos titulares sãos os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios.

Este modelo de descentralização do poder, apresentado primeiramente pelo federalismo moderno norte-americano, exige um sistema de repartição de competências bem sistematizado, a fim de coordenar e disciplinar esta divisão do poder. A partir deste princípio, a Constituição de 1988 adotou uma estrutura organizacional na qual atribuiu à União, aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios competências legislativas e materiais, respectivamente: privativas e exclusivas – repartidas horizontalmente –; concorrentes e comuns – repartição vertical.

Entretanto, a sistematização da divisão de competências pode-se se dar dentro de várias molduras de distribuição do poder. Logo, a Carta Magna de 1988 aderiu-se ao sistema de competências enumeradas para a União – como está disposto nos artigos 21 e 22 da CF, os quais concentram a maior parte das prerrogativas privativas ou exclusivas deste ente, à exceção de outros poderes espalhados no texto constitucional –; competências remanescentes para os estados-membros – § 1º do art. 25 da CF – e uma reduzida área de competências exclusivas e privativas – § 2º e § 3º do art. 25 da CF [5] –; poderes dispostos indicativamente para os Municípios – como no seu artigo 30 da CF [6]

Entende-se por competência:

A “faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções” [7].

É neste fundamento que, em seu artigo 24, a Constituição elenca as matérias legislativas sobre as quais o interesse da população brasileira não se assenta unicamente no âmbito nacional, mas também tange os aspectos particulares regionais dos governos estaduais e do Distrito Federal, e mesmo os interesses locais das comunidades dos Municípios. Portanto, tais matérias elencadas neste artigo são expressas como uma esfera de atuação legislativa concorrente entre os entes federados do Brasil.

Logo, a partir da preocupação da Constituição em descriminar a cada ente federado as suas esferas de atuação legislativa, determinando expressamente os âmbitos de autuação privativa e concorrente, não se observa no ordenamento jurídico brasileiro hierarquia entre as normas editadas pela União, Estados, Distrito Federal e pelos Municípios. Isto é, a partir do momento em que se tem a separação constitucional das áreas de atuação competente a cada legislador, não há do que se falar em hierarquia de ordenamentos, uma vez que cada dispositivo normativo irá tratar de matéria própria.

“Não existe nenhuma hierarquia formal entre as leis da União, as dos estados e as dos municípios: cada um desses sistemas possui o seu próprio espaço de soberania enquanto se desenvolve nos limites da sua competência constitucional. Dentro dessa esfera de autonomia, a norma municipal possui um status de inviolabilidade, podendo derrogar também normas superiores que a contrariem, sendo inconstitucionais a lei estadual e a lei federal que, desbordando dos limites das respectivas competências, invadirem o campo da competência municipal” [8]

“Via de regra, as normas gerais devem estabelecer, genericamente, princípios e diretrizes, para não esvaziar as competências do estado e do município. Se a União extrapolar seu espaço legislativo, regulando assuntos específicos, que dizem respeito à área de competência e à autonomia estadual ou municipal, a Lei Federal não prevalecerá, pois a questão é de competência fixada constitucionalmente e não de hierarquia.” [9]

Neste sentido é que o artigo 24 da Constituição lida com a concorrência legislativa. Aos entes federados do Brasil são atribuídas expressamente as matérias comuns sobre as quais podem legislar, ressalvando-se a cada um sua área de atuação. Portanto, a competência da União limitar-se-á a estabelecer, princípios, critérios básicos, diretrizes e normas gerais – dotadas de generalidade e abstração, que tenham por finalidade a coordenação e a uniformização legal – aplicáveis de forma isonômica no que concerne ao interesse nacional – isto é, sua aplicabilidade incorpora eficácia na medida em que submete à sua competência principiológica todos os cidadãos e os demais entes federados. Logo, aos estados cabe legislar norma específica para a legislação federal abstrata e geral, em face dos interesses regionais, e aos Municípios também lhe é facultada a prerrogativa de legislar de forma suplementar às legislações estaduais e federais, a fim proteger interesses estritamente locais.

Logo, é imprescindível destacar que as normas gerais limitam-se ao atuarem apenas como condicionantes da matéria fixada em legislações específicas. Ou seja, regras de caráter geral não devem ser interpretadas como de competência privativa da União, sob pena de ferir o sistema federalista e esvaziar de sentido qualquer divisão de competências entre os entes federados. Portanto, dispor sobre determinada matéria em caráter geral e abstrato envolve não adentrar nos assuntos considerados de interesse local. 

Entretanto, diante da omissão da União, inexistindo lei federal sobre normas gerais de determinada matéria, poderão os Estados exercer competência legislativa plena, legislando normas dotadas de diretrizes básicas e abstratas. Porém, advindo atuação legislativa, por meio de norma geral posterior, da União sobre a matéria antes negligenciada, a norma geral que os Estados ou o Distrito Federal emanaram terá sua eficácia suspensa, no ponto em que for contrária à lei federal. Logo, o que há é apenas a suspensão da eficácia e não a revogação dos dispositivos normativos estaduais e distritais, pois uma vez que esta lei federal seja revogava por outra norma geral federal mais recente, a qual não contrarie a normal geral feita pelo Estado ou pelo Distrito Federal, esta última voltará a produzir efeitos[10].

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

..........................................................................................................................

..........................................................................................................................

§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”

Portanto, compete aos Estados-membros e ao Distrito Federal, por exclusão, legislarem em toda matéria que não for privativa da União e nas matérias em regime de concorrência, dentro dos limites das normas gerais. Os Municípios têm a prerrogativa de legislarem sobre as matérias de interesse local, dentro do quadro legislativo estabelecido pelos Estados-membros e pela União.

3. Princípios Constitucionais e a Questão dos Municípios

A Constituição de 1988, renovando a de 1967, traz uma nova dinâmica na repartição de competências para legislar sobre matéria ambiental, apesar de manter, ainda, em seu artigo 22, algumas matérias de Direito Ambiental sob a competência exclusiva da União – in verbis:

“C.F. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

 IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

XI - trânsito e transporte;

XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;

XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;”

Porém, o artigo 24 da Constituição traz novo fôlego à repartição federativa do poder do Estado brasileiro, expressando as matérias de meio ambiente e de saúde em regime de competência legislativa concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal, a saber:

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;”

A partir do texto, portanto, fica clara a intenção do legislador em excluir os Municípios desta esfera de matéria concorrente; entretanto, não há de se fazer uma interpretação constitucional segundo a vontade do legislador, pois mais se adéqua uma aplicação hermenêutica que visa ao devido cumprimento dos preceitos, princípios e da integração constitucionais.

A elevação, promovida pela Constituição de 1988 – pela primeira vez na história do Brasil – dos municípios brasileiros à condição de terceira esfera estatal da Federação – afirmada ainda nos artigos 29 e 30 do Diploma Maior – confere a estes entes locais a competência para atuarem legislativamente em áreas específicas dotadas de interesse local – como reza o artigo 30, inciso I, da CF. Entretanto, não cabe se verificar a exclusividade desta prerrogativa dos municípios sobre as matérias locais, mas, sim, uma predominância da competência destes entes na atividade legiferante.

A partir desta ideia, o espaço conferido à competência dos Municípios é aquele no qual reside comprovada existência de interesse local, podendo estes legislarem de forma suplementar à legislação federal e estadual, conforme diz o inciso II do artigo 30, da CF – portanto, o exercício desta prerrogativa exige a verificação de lacuna em normas dos outros entes federados. Desta forma, é imprescindível que os Municípios gozem de autonomia legislativa para disporem sobre tais matérias. A importância da atuação autônoma do profundo interesse local está na possibilidade de viabilizar uma resposta governamental adequada às relações sociais altamente complexas das sociedades contemporâneas. Cada comunidade local é dotada de especificidades e de uma materialidade singular, que podem até mesmo ser traduzidas em critérios objetivos como: “localização geográfica, dimensão, população, tradição, aspectos históricos e culturais, potencialidades, níveis de urbanização, características do solo, aspirações de seu povo, proximidade ou afastamento de centros polarizadores” [11]; ou seja, as questões administrativas, financeiras, socioeconômicas, demográficas, culturais, ecológicas e geográficas são aspectos que possuem a capacidade de peculiarizar os interesses locais das comunidades municipais.

Percebe-se, então, que as matérias de proteção e garantia à saúde e a um meio ambiente equilibrado – expressos por de princípios nos artigos 196 e 225 da Constituição – encarregam o Estado – em seu sentido mais amplo de Poder Público, incluindo tanto a administração direta quando indireta de todos os entes federados – da promoção destes bem jurídicos caros à humanidade. Desta forma, estes preceitos constitucionais também se percebem na composição do profundo interesse local, uma vez que, diante da imensa variedade do interesse nacional do Estado brasileiro, ou mesmo da diversidade dentro dos próprios Estados-membros, é preciso que os municípios disponham de autonomia legislativa para desenvolverem a devida atuação estatal sobre os assuntos em que a população local tem interesse específico.

“CF. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

 “CF. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

De forma semelhante, também, expressa-se no artigo 23 da Constituição Federal a obrigação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios – em regime de competência material comum – de zelarem e protegerem o meio ambiente, a fauna, a flora e as florestas. Parte da doutrina compreende que o devido cumprimento desses deveres administrativos poderia exigir a liberdade dos Municípios de gozarem de competência legislativa concorrente sobre tais matérias.

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;”

Ademais, apesar da vontade dos constituintes originais, implícita no texto da Carta Magna, de afastarem da esfera legislativa a competência dos Municípios nos assuntos relacionados ao meio ambiente, uma interpretação integrativa dos preceitos constitucionais permite entender-se que é fundamental a atuação legiferante municipal em tal matéria para se fazer cumprir de modo eficaz os princípios de proteção à saúde e ao meio ambiente expressos.

Entretanto, não se pode negligenciar a importância que a nação e o interesse regional têm sobre a realidade dos Municípios.  O interesse local, apesar de sua importância, não detém a exclusividade sobre a ordenação de uma determinada área, ao contrário, ele deve apresentar-se de forma flexível, a fim de possibilitar sua adaptação ao tempo e ao sistema geral de competências constitucionais, além de visar à preservação de um ordenamento jurídico equilibrado e proporcional.

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4. Visão Jurisprudencial do Direito Ambiental

4.1 Análise de Julgados do STF

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 182, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL. CONTRAIEDADE AO ARTIGO 225, § 1º, IV, DA CARTA DA REPÚBLICA. A norma impugnada, ao dispensar a elaboração de estudo prévio de impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais, cria exceção incompatível com o disposto no mencionado inciso IV do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal. Ação julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do dispositivo constitucional catarinense sob enfoque.

(ADI 1086, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2001, DJ 10-08-2001 PP-00002 EMENT VOL-02038-01 PP-00083)

Neste acórdão[12], o Pleno do STF resgata, diante do caso concreto, a interpretação sobre a divisão constitucional entre normas gerais e abstratas – como competência da União – e normas específicas – como competência dos Estados e do Distrito Federal. No referido caso, há o entendimento de que apenas a lei federal seria apta a excluir hipóteses de incidência de preceito geral contido na constituição, não se verificando na legislação estadual “peculiaridade local que se estaria atendendo com a edição de regra constitucional com tal conteúdo normativo”[13].

Ao lado das colocações do Min. Relator Ilmar Galvão, o Min. Marco Aurélio faz uma importante observação da lei estadual catarinense, no sentido de que está não apenas fere a separação de competências em matéria legislativa concorrente, mas também afeta a manutenção da qualidade ambiental, destacando a importância da materialidade legislativa em conjunto com os aspectos jurídicos formais. Ou seja, a exceção que a lei estadual fez à aplicação da norma federal teria como consequência última a deficiência na proteção do meio ambiente.

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 2º, 4º E 5º DA LEI N. 10.164/94, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PESCA ARTESANAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. 1. A Constituição do Brasil contemplou a técnica da competência legislativa concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal, cabendo à União estabelecer normas gerais e aos Estados-membros especificá-las. 2. É inconstitucional lei estadual que amplia definição estabelecida por texto federal, em matéria de competência concorrente. 3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.

(ADI 1245, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 06/04/2005, DJ 26-08-2005 PP-00005 EMENT VOL-02202-01 PP-00064 LEXSTF v. 27, n. 321, 2005, p. 38-45 RTJ VOL-00194-03 PP-00776)

Esta Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI – julgada pelo Tribunal Pleno do STF traz um importante entendimento da divisão de competências legislativas entre os entes federados, segundo o voto do Min. Relator Eros Grau, no qual destaca-se o recorte de sua análise constitucional do artigo 24 da Carga Magna, em que se ressalta o seguinte:

“A Constituição de 1988 contemplou, em seu artigo 24, a técnica da competência legislativa concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal, cabendo à União estabelecer normas gerais e aos Estados-membros especificá-las. O descumprimento desse comando constitucional conduz à usurpação de competência, que tanto pode ser da União – quando extrapola os poderes que lhe foram deferidos para estabelecer preceitos gerais –, quanto dos Estados-membros – quando, existindo ato legislativo genérico, editam lei invasora.” [14]

Revivendo, também, o Min. Eros Grau, as palavras do Min. Celso de Mello quando do seu voto de como Relator no julgamento da medida cautelar da ADI 2667, DJ. 12.03.2004, in verbis:

“A Constituição da República, nas hipóteses de competência concorrente (CF. art. 24), estabeleceu verdadeira situação de condomínio legislativo entre a União Federal, os Estados-membros e o Distrito Federal [...], daí resultando clara repartição vertical de competências normativas entre essas pessoas estatais, cabendo à união, estabelecer normas gerais, e, aos Estados-membros e ao Distrito Federal, exercer competência suplementar.”

Nos termos deste entendimento da Corte sobre o dispositivo constitucional, o Min. Eros Grau vota, no caso concreto, pela inconstitucionalidade de lei estadual que modifica, por meio de ampliação, um conceito geral estabelecido em lei federal, isto é, aquela lei redefine o conceito do gênero pesca profissional ao considerar como uma espécie deste grupo a pesca artesanal.

Logo, uma vez que cabe aos Estados apenas a regulação específica daquilo já estabelecido por princípios e diretrizes gerais, declara-se, então, o abuso do estado do Rio Grande do Sul em sua competência suplementar de legislar sobre matéria ambiental ao modificar um conceito abstrato estabelecido em legislação federal.

EMENTAS: 1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Impugnação de resolução do Poder Executivo estadual. Disciplina do horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, consumo e assuntos análogos. Ato normativo autônomo. Conteúdo de lei ordinária em sentido material. Admissibilidade do pedido de controle abstrato. Precedentes. Pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade, o ato normativo subalterno cujo conteúdo seja de lei ordinária em sentido material e, como tal, goze de autonomia nomológica. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Resolução nº 12.000-001, do Secretário de Segurança do Estado do Piauí. Disciplina do horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, consumo e assuntos análogos. Inadmissibilidade. Aparência de ofensa aos arts. 30, I, e 24, V e VI, da CF. Usurpação de competências legislativas do Município e da União. Liminar concedida com efeito ex nunc. Aparenta inconstitucionalidade a resolução de autoridade estadual que, sob pretexto do exercício do poder de polícia, discipline horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, matéria de consumo e assuntos análogos. (ADI 3731 MC, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 29/08/2007, DJe-121 DIVULG 10-10-2007 PUBLIC 11-10-2007 DJ 11-10-2007 PP-00038 EMENT VOL-02293-01 PP-00043 RTJ VOL-00202-03 PP-01090)

Destaca-se, neste acórdão de medida cautelar, o voto do Min. Relator Cezar Peluso, a necessidade do fundamento de legalidade para que atos administrativos regulem o Direito Ambiental – que no caso refere-se à questão do controle de poluição, expressa no art. 24, VI, CF. É concedia a medida cautelar que suspende a resolução do Secretário de Segurança do Estado do Piauí, uma vez que se tratando de ato administrativo subalterno, intrínseco de generalidade e abstração, apesar deste se pretender autônomo, na verdade se verifica como resolução que deve estar subordina à lei, e por não encontrar fundamento de validade legal para reger o direito sobre meio ambiente é declarado inconstitucional.

EMENTA: Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei n° 1.315/2004, do Estado de Rondônia, que exige autorização prévia da Assembléia Legislativa para o licenciamento de atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetivas e potencialmente poluidoras, bem como capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental. 3. Condicionar a aprovação de licenciamento ambiental à prévia autorização da Assembléia Legislativa implica indevida interferência do Poder Legislativo na atuação do Poder Executivo, não autorizada pelo art. 2º da Constituição. Precedente: ADI n° 1.505. 4. Compete à União legislar sobre normas gerais em matéria de licenciamento ambiental (art. 24, VI, da Constituição. 5. Medida cautelar deferida. (ADI 3252 MC, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 06/04/2005, DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-01 PP-00105 RTJ VOL-00208-03 PP-00951)

Diante da ADI acima descrita, o Min. Relator Gilmar Mendes vota no sentido de conceder a liminar que suspende a lei do Estado de Rondônia que estabelece novos critérios para a concessão de licenciamento de atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas potencialmente degradadoras do meio ambiente. Fundamenta-se, o relator, entre outras fontes, nos preceitos extraídos das palavras de Paulo Afonso Leme Machado:

“Importa distinguir que a norma geral federal não invade a competência dos Estados ao se fazer presente no procedimento da autorização. A norma federal – por ser genérica – não deverá dizer qual o funcionamento do órgão incumbido de autorizar (matéria típica da organização autônima dos Estados), mas poderá dizer validamente quais os critérios a serem observados com relação à proteção do ambiente.” [15]

Ou seja, é de competência da União legislar sobre as normas gerais de procedimento para a concessão de licenciamento para atividades potencialmente danosas ao meio ambiente.

4.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar 3937 – SP, Min. Relator Marco Aurélio, Tribunal Pleno – 04/06/2008

COMPETÊNCIA NORMATIVA - COMÉRCIO. Na dicção da ilustrada maioria, em relação à qual guardo reservas, não há relevância em pedido de concessão de liminar, formulado em ação direta de inconstitucionalidade, visando à suspensão de lei local vedadora do comércio de certo produto, em que pese à existência de legislação federal viabilizando-o.

(ADI 3937 MC, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/06/2008, DJe-192 DIVULG 09-10-2008 PUBLIC 10-10-2008 EMENT VOL-02336-01 PP-00059)

O Superior Tribunal Federal, por meio deste acórdão, marca o rompimento do pensamento jurisprudencial que este órgão vinha construindo, destacadamente deste de 2003, a respeito de competência legislativa concorrente no Direito Ambiental . Esta linha de construção do pensamento jurídico da Corte foi sendo fundada sobre os pilares de três principais julgados: o julgamento da ADI 2.396-9/MS, relatora ministra Ellen Gracie – publicado no DJ 01-08-2003 – e a ADI 2.656/SP, relator ministro Maurício Corrêa – publicado no DJ 01-08-2003 –, os quais, ambos, se referem à declaração de inconstitucionalidade de lei estadual que proibia a comercialização de amianto; e a ADI 3.035-3/PR, relator ministro Gilmar Mendes – publicado no DJ 14-10-2005 –, a qual se refere à declaração de inconstitucionalidade de lei estadual que proíbe o cultivo, a manipulação, a importação, a industrialização e a comercialização de organismos geneticamente modificados.

Em face do caso concreto, argui a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria – CNTI vício de inconstitucionalidade formal da lei paulista 12.684, de 26 de Julho de 2007, que ao – supostamente – confrontar a lei federal 9.055/95, caracterizaria a usurpação de competência legislativa da União pelo Estado de São Paulo. Alega-se, dentre outros, violação da Constituição Federal, no que tange os artigos 22, incisos I, XII e XII, e 24, incisos V, VI,VII e §1º, §2º, §3º e §4º – os quais tratam respectivamente de competência legislativa privativa da União, e concorrente entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; além dos artigos 1º e 60, §4º, inciso I – os quais regem o princípio federativo e o Estado Democrático de Direito.

VOTO DO MINISTRO RELATOR MARCO AURÉLIO

Em seu voto, o Min. Marco Aurélio procura ressaltar a importância da história jurisprudencial do STF ao lançar-mão, como um de seus fundamentos, do julgado da ADI 2.656-9/SP, ajuizada pelo Estado de Goiás. Neste processo, a Corte acordou unanimemente que semelhante lei paulista, a qual visava à proibição do comércio e extração do amianto no Estado de São Paulo, se encontrava viciada formalmente, uma vez que em face de lei federal já existente para tratar deste determinado assunto – a lei 9.055/95 –, a competência supletiva cabida aos Estados-membros não lhes dava legitimidade para legislar sobre a matéria com aquele grau de generalidade. Decidiram, ainda, os Ministros que a proteção e a defesa da saúde pública e do meio ambiente eram questões de interesse nacional, e, portanto, competia à União a regulamentação geral sobre as matérias no âmbito federal.

Desta mesma forma, defende o Ministro Relator que se verifica, no presente caso concreto, invasão de competência da União pelo Estado-membro de São Paulo, ao restringir no ordenamento jurídico a aplicação da lei federal.

Logo, o Min. Rel. Marco Aurélio defere a cautelar.

VOTO-VISTA DO MINISTRO JOAQUIM BARBOSA

Após pedir vistas do processo, o Ministro Joaquim Barbosa traz em seu voto uma série interessante de argumentos e explanações sobre como era a jurisprudência da Corte, e o que deve ser mudado nela. Relembra, o Ministro, da existência da lei 9.055/95, que em seu artigo 2º, autoriza, em todo o território nacional, o uso da espécie de amianto conhecida como crisotila. Relembra também que foi diante destas leis que se declarou a inconstitucionalidade de leis estaduais que proibiam a comercialização de tal produto, segundo como está relatado nas ADI 2.396 e ADI 2.656.

O Ministro destaca a apreciação da lei do Mato Grosso do Sul, na ADI 2.396, que vedava a fabricação, ingresso, comercialização e estocagem de amianto ou produtos à base de amianto em todo o território estadual. Neste julgamento, os Ministros do Supremo acordaram duas conclusões importantes: a primeira é que o Tribunal deve se abster de analisar os efeitos danosos do amianto crisotila; a segunda é que a lei federal é norma geral, e, portanto, afasta lei estadual supletiva.

Entretanto, o Min. Joaquim Barbosa diz ser preciso a mudança de entendimento sobre tais conclusões, tomadas no caso concreto. Utiliza como marco-teórico para sua pesquisa o autor e professor René Mendes, a partir de sua publicação: Asbesto (amianto) e doenças: revisão do conhecimento científico e fundamentação para uma urgente mudança da atual política brasileira sobre a questão, Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro: 17 (1), p. 7-29, jan.-fev. 2001, amianto ou asbesto. A partir deste material, o Ministro expõe três argumentos para justificar a não utilização e comércio do amianto: doenças diversas relacionadas uso prolongado do amianto, existência de substitutos à utilização da crisotila e reconhecimento do Conselho Nacional do Meio Ambiente, segundo padrões e critérios da Organização Mundial da Saúde, de que não há limites seguros para a exposição humana ao amianto.

O primeiro precedente importante que o Ministro cita, neste voto, para iniciar a sustentação da sua tese de que é fundamental o STF mudar sua jurisprudência, é o julgado do Caso dos Agrotóxicos – Representação 1.153, rel. para o acórdão Min. Oscar Corrêa, Pleno, RTJ 115/1008. Este julgamento é datado de 16-05-1985, e mesmo antes da promulgação da Constituição de 1988, os Ministros já conseguiam ver, naquela época, princípios que hoje são buscados nesta Carta. Neste processo específico, acompanhando o entendimento do Min. Aldir Passarinho, o Min. Francisco Rezek entende que escapa aos propósitos constitucionais o fato das normas federais estabelecerem limites máximos ao empenho protetivo à saúde, uma vez que as unidades federadas seriam plenamente capazes e legitimadas para disporem sobre mecanismos legislativos que multiplicassem cautelas e métodos de defesa à saúde, desde que não ferissem outro bem jurídico caro à nação.

Porém, o Min. Joaquim Barbosa compreende que o artigo 24 da Constituição abre a possibilidade da União transbordar o conteúdo material da lei federal geral, e, por isto, evoca as palavras de Diogo Figueiredo Moreira Neto:

“As normas específicas baixadas pela União juntamente com as normas gerias ou os aspectos específicos por acaso nestas contidas, não tem aplicação aos Estados-Membros, considerando-se normas particularizantes federais, dirigidas ao Governo federal.”   [16]

“A norma específica estadual que regular, direta e indiretamente, uma relação ou situação jurídica concretamente configurada afasta a aplicação da norma federal coincidente, salvo se contrariar diretrizes principiológicas da norma geral.” [17] [grifo nosso]

Observa-se, portanto, que a competência legislativa da União sobre os Estados-membros se dá na esfera da fixação de princípios, diretrizes, critérios básicos e normas gerais, e, desta forma, uma vez que aquele ente busque legislar sobre normas específicas, tais dispositivos somente terão eficácia no território federal, a fim de se preservarem a autonomia estadual, municipal e distrital, além do respeito aos interesses regionais e locais dos entes federados. Ao reforço desta defesa, o Min. Joaquim Barbosa ressalta o precedente da ADI 927-MC – rel. Min. Carlos Velloso 11.11.1994 – que buscou declarar a inconstitucionalidade de dispositivos da lei 8.666/1993, os quais proibiam os Estados e os Municípios de disporem sobre seus bens para doação. Entendeu, o Tribunal Pleno do STF, que houve presente limitação ilegítima, por parte da União, do poder legislativo dos Estados e dos Municípios de regerem matérias de caráter específico.

Portanto, o Min. Joaquim Barbosa se convence da constitucionalidade da lei estadual de São Paulo por dois motivos: o primeiro é o compromisso internacional que o Brasil assumiu – mediante a assinatura da Convenção n° 162, da Organização Internacional do Trabalho, promulgada por meio do Decreto n° 126, de 22 de maio de 1991 – de proteger o trabalhador exposto ao amianto e de progressivamente promover a substituição deste produto dentro do território nacional; o segundo motivo é a desrazoabilidade da União limitar os interesses das comunidades estaduais e municipais – dentro de limites proporcionais – por meio de uma política permissiva em matéria de proteção à saúde.

Ressalta-se, neste contexto, um exercício de direito comparado, quando da análise do caso City of Philadelphia v. New Jersey , 437 U.S. 617, julgado em 23 de junho de 1978, no qual a Suprema Corte dos EUA considerou válida uma lei estadual de New Jersey que, por motivos de saúde pública, proibia a entrada naquele território de objetos sólidos e líquidos vindos de outros estados.

Logo, o Min. Joaquim Barbosa indefere a cautelar.

VOTO DO MINISTRO EROS GRAU

O Ministro Eros Graus declara o seu voto em conformidade com Min. Joaquim Barbosa, somando-se à divergência ao Min. Rel. Marco Aurélio. O faz desta forma, uma vez que diante da materialidade da lei federal 9.055/95 – a qual permite a comercialização e o consumo de material com grande potencial danoso à saúde humana – se propõe a declarar a inconstitucionalidade desta última lei, por violar o artigo 196 da Constituição Federal. Logo, como nascendo inconstitucional uma lei, esta mesma não existe para o ordenamento jurídico, então em nada violaria a lei estadual de São Paulo que proíbe a comercialização e o consumo de amianto em seu território.

Logo, o Min. Eros Grau indefere a cautelar.

VOTO DA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA

A Ministra Cármen Lúcia sustenta que não só diante da legitimidade da competência legislativa concorrente, mas também diante da competência material comum do artigo 23, inciso II, da Constituição, é que o Estado de São Paulo tem legitimidade para editar normas que viabilizem sua obrigação para com a defesa dos princípios constitucionais.

Logo, a Min. Cármen Lúcia indefere a cautelar.

VOTO DO MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

O Ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto, ressalta mais uma vez as competências legislativas concorrentes entre os entes federados – Constituição, artigo 24, incisos VI, VII e VIII: preservação do meio ambiente; artigos 24, inciso XII, e 196: defesa e proteção da saúde – e defende seu posicionamento da seguinte forma:

“[...] em matéria de proteção ao meio ambiente e em matéria de defesa da saúde pública, nada impede que a legislação estadual e a legislação municipal sejam mais restritivas do que a legislação da União e a legislação do próprio Estado, em se tratando dos municípios.” [18]

Para finalizar seu voto, o Ministro menciona que a legislação de proteção das águas de São Paulo é bem mais protetiva e rigorosa se comparada com o Código Florestal ou Código das Águas, e que ninguém cogita, por este motivo, ser inconstitucional tal legislação estadual.

Logo, o Min. Ricardo Lewandowski indefere a cautelar.

VOTO MINISTRO MENEZES DIREITO

O Ministro Menezes Direito, em sede de cautelar, acompanha o voto do Ministro Marco Aurélio, haja vista os consideráveis precedentes do STF até a data daquele julgamento. Não exclui a apreciação futura da inconstitucionalidade da lei 9.055/95, quando do exame da ADI contra esta lei federal, que está sob a relatoria do Ministro Carlos Britto.  Como parte de sua fundamentação, o Min. Menezes Direito destaca as palavras da Ministra Ellen Gracie:

         “A lei nº 9.055/95 dispôs extensamente sobre todos os aspectos que dizem respeito à produção e aproveitamento industrial, transporte e comercialização do amianto crisotila. A legislação impugnada foge, e muito, do que corresponde à legislação suplementar, da qual se espera que preencha vazios ou lacunas deixados pela legislação federal, não que venha a dispor em diametral objeção a esta.”

Esta é a “compreensão que o tribunal tem manifestado quando se defronta com hipóteses de competência legislativa concorrente.” [19]

Logo, o Min. Menezes Direito defere a cautelar.

VOTO MINISTRO CARLOS BRITTO

O Ministro Carlos Britto, com bastante ênfase, ressalta a peculiaridade do caso concreto, uma vez que a lei federal sobre o amianto não estaria – segundo uma leitura mais abrangente – nem mesmo em posição de regra geral no ordenamento jurídico. Uma vez que o Brasil é signatário da Convenção nº 162 da OIT, ela se funde ao ordenamento brasileiro com status de norma supra-legal, por versar sobre matéria que é tida com direito fundamental no Brasil – a saúde –, se pondo acima da lei federal no que tange à comercialização e produção do amianto.

Portanto, diz o Ministro, que mais cumpre os preceitos constitucionais e melhor realiza o princípio da eficácia máxima da Constituição – em matéria de direitos fundamentais – a lei estadual de São Paulo, por defender a saúde humana – geral e do trabalhador em particular – e o meio ambiente.

Logo, o Min. Carlos Britto indefere a cautelar.

VOTO DA MINISTRA ELLEN GRACIE

A Ministra Ellen Gracie fundamente sua argumentação sobre um princípio de hierarquia entre as legislações, defendendo ela que a federal tem prevalência sobre a estadual na capacidade de legislar, prerrogativa superior esta que seria atribuída pela própria Constituição. Comenta, também, a Ministra, que não há necessidade do Estado de São Paulo editar tal lei em esfera estadual, uma vez que ele poderia, por meio de sua bancada parlamentar, fazer frente no Congresso Nacional à lei federal 9.055/95 [20]. E para encerrar seu voto, a Ministra traz à tona também a ADI 3.645/PR, re. Min. Ellen Gracie, na qual o Pleno da Corte, por unanimidade, nega constitucionalidade à lei estadual do Paraná que acrescentava restrições que alteram o conteúdo da lei federal que dispunha sobre procedimentos e penalidades de rotulagem de produtos transgênicos.

Logo, a Min. Ellen Gracie defere a cautelar.

VOTO DO MINISTRO CEZAR PELUSO - PRESIDENTE

O Ministro Cezar Peluso, por último, faz suas considerações a respeito da materialidade da lei 9.055/95. Defende, o Ministro, que ,uma vez reconhecida a inconstitucionalidade da lei federal – no que tange especialmente o seu artigo 2º, o qual autoriza a extração, industrialização, consumo e comércio do tipo crisotila do amianto – por confrontar o artigo 196 da Constituição Federal, não há, portanto, existência material de cláusula permissiva alguma. Logo, como consequência imediata e lógica, teria-se a proibição desse material em todo o território nacional, legitimando a legislação paulista sobre a mesma matéria.

Logo, o Min. Cezar Peluso indefere a cautelar.

DECISÃO

O Tribunal, por maioria, negou referendo à liminar concedida pelo Min. Rel. Marco Aurélio, vencidos os Senhores Ministros Marco Aurélio, Menezes Direito e Ellen Gracie. Votou o Presidente. Estavam presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Não se debateu o problema do transporte de tais produtos dentro do território do Estado de São Paulo[21].

5. Conclusão – Linha Jurisprudencial

Apesar da Constituição Federal de 1988 tratar, na medida do possível, da repartição de competências entre os entes da Federação, as vicissitudes da ampla e complexa esfera de produção legislativa podem culminar no conflito entre normas federais, estaduais, distritais e municipais.

Apesar de não se estabelecer uma hierarquia legal entre tais normas, há de se encontrar meios para solucionar o conflito de competência em face da concorrência legislativa em matéria ambiental. Desta forma, lança-se mão de três possibilidades: a) Visando à satisfação do bem público e ao cumprimento dos princípios fundamentais de proteção e defesa à saúde, deverá predominar a regra mais restritiva. b) Uma vez transgredida os limites da divisão constitucional de competências concorrentes, materializa-se a inconstitucionalidade da lei que legislou sobre matéria estranha à sua esfera legislativa, projetando, desta forma, o controle de constitucionalidade sobre o caso concreto. c) Na impossibilidade de se determinar claramente os limites entre normas gerais e específicas, toma-se o princípio in dubio pro natura para fazer prevalecer aquela lei que melhor promova e garanta o direito fundamental tutelado – o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado [22]. [23]

Na mesma linha trabalha a autora Verônica Bezerra Guimarães, ao trazer a doutrina que reconhece a prerrogativa dos Municípios de legislarem normas mais restritivas em relação ao ordenamento jurídico federal ou estadual, porém, jamais seriam permitidas normas mais concessivas ou atenuantes. Logo, diante do conflito entre as normas gerais e específicas, dar-se-á prevalência à legislação mais restritiva, isto é, aquela que melhor defenda o meio ambiente, valendo-se – novamente – do in dubio pro natura.

Contudo, a relativização do sistema federalista que a adoção de uma proteção máxima provoca, ao suprimir em parte a divisão de competências diante do caso concreto, não deve ser aplicado arbitrariamente ou irresponsavelmente. Como defende Krell, seria impossível aceitar o direito que viesse a desfigurar e a distorcer uma estrutura jurídica equilibrada pré-estabelecida, esvaziando os demais entes estatais de sua autonomia política.[24]

Portanto, consentiu o STF que mais vale aquela lei que melhor proteja o bem jurídico caro à sociedade. Este órgão entendeu que, diante do caso concreto, é possível prevalecer a materialidade da lei acima dos aspectos meramente formais do ordenamento jurídico. Isto é, uma interpretação conservadora da Carta Magna permitiria uma análise de inconstitucionalidade de dispositivos normativos se detendo apenas nos parâmetros formais de revogação de legislações , nos conceitos de regras gerais e específicas ou na divisão federativa de competências.

Entretanto, o método que os Ministros do Supremo lançaram-mão integrou os princípios constitucionais – que visam à garantia da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado – aos princípios que constituem o Brasil em uma República Federativa ou seja, respeito às competências e às autonomias dos entes federados. Desta forma, possibilitou-se, assim, adentrar-se no estudo sobre a materialidade – a respeito dos benefícios e das desvantagens – das legislações federais, estaduais, distritais ou municipais, abrindo caminho para que declare a constitucionalidade de lei estadual que restrinja a aplicação de lei federal permissiva, em matéria de meio ambiente.

6. BIBLIOGRAFIA

Jurisprudência

ADI 1086, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2001, DJ 10-08-2001 PP-00002 EMENT VOL-02038-01 PP-00083

ADI 1245, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 06/04/2005, DJ 26-08-2005 PP-00005 EMENT VOL-02202-01 PP-00064 LEXSTF v. 27, n. 321, 2005, p. 38-45 RTJ VOL-00194-03 PP-00776

ADI 1893, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 12/05/2004, DJ 04-06-2004 PP-00028 EMENT VOL-02154-01 PP-00090

ADI 3252 MC, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 06/04/2005, DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-01 PP-00105 RTJ VOL-00208-03 PP-00951

ADI 3731 MC, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 29/08/2007, DJe-121 DIVULG 10-10-2007 PUBLIC 11-10-2007 DJ 11-10-2007 PP-00038 EMENT VOL-02293-01 PP-00043 RTJ VOL-00202-03 PP-01090

ADI 3937 MC, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/06/2008, DJe-192 DIVULG 09-10-2008 PUBLIC 10-10-2008 EMENT VOL-02336-01 PP-00059

AI 147111 AgR, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 22/06/1993, DJ 13-08-1993 PP-15678 EMENT VOL-01712-02 PP-00253

AO 234, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 08/03/1995, DJ 19-05-1995 PP-13990 EMENT VOL-01787-01 PP-00174

Doutrina

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[2] GRAF (2000, p. 33)

[3] HORTA (1995, p. 399-400)

[4] CANOTILHO & LEITE (2010, p.228)

[5] GUIMARÃES (2005. p. 209)

[6] Entretanto, os fins caracteristicamente próprios aos quais se destinam o comportamento humano, dentro de um quadro espaço-temporal que expressa um específico interesse local, incide na desconstrução de uma listagem prévia que descreve um rol fixo de matérias sujeitas ao exercício de competência dos municípios. É neste sentido, portanto, que afirma Verônica Bezerra Guimarães – GUIMARÃES (2005. p. 214) apud Teixeira Neto, João Luiz. O Peculiar Interesse Municipal. Revista de Direito Público. nº 64, São Paulo, 1982, p.213 – , uma vez que tal limitação descritiva e indicativa da esfera de atuação local comprometeria a adequação e a evolução administrativa à intensa dinâmica urbana e às grandes problemáticas sociais.

[7] CAMPOS (2004, p.54) apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997. p.419.

[8] KRELL (2005. p. 171)

[9] GUIMARÃES (2005. p. 210)

[10] LENZA (2009, p. 356)

[11] GUIMARÃES (2005. p. 216)

[12] Assim como no julgamento da medida cautelar desta Ação Direta de Inconstitucionalidade, em 01.08.1994

[13]ADI 1086, voto do Min. Relator. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2001, DJ 10-08-2001.

[14] ADI 1245, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 06/04/2005

[15] ADI 3252 MC, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 06/04/2005 apud  MACHADO, Paulo Afonso Leme . Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, pg. 263.

[16] (ADI 3937 MC, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/06/2008, f. 105-106, DJe-192 apud NETO, Diogo Figueiredo Moreira. Competência concorrente limitada: o problema da conceituação das normas gerais. Revista da Informação Legislativa, a. 25 n. 100, F. 161.

[17] Ibidem. Negrito aditado.

[18] ADI 3937 MC, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/06/2008, DJe-192, f. 126

[19] ADI 3937 MC, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/06/2008, DJe-192, f. 129

[20] Entretanto, a Ministra fundamenta sua decisão de forma equivocada, segundo o modelo de Federação que o Brasil adota, pois no Senado Federal tanto os Estados que querem se proteger do amianto quanto os Estados produtores de amianto tem o mesmo peso de voto, independentemente de força política, econômica ou de número populacional.

[21] Ver: ADPF 234, Relator: Min.MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 28-09-2011

[22] Ver: ADI 3937 MC, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04-06-2008, DJe-192.

[23] CANOTILHO & LEITE (2010, p. 238)

[24] GUIMARÃES (2005, p. 216-217) apud KRELL, Andreas J. A posição dos municípios brasileiros no sistema nacional de meio ambiente (SISNAMA). São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 709. PP. 7-19, Nov. 1994ª.

KRELL (2005, p. 185)

Sobre o autor
Anderson Rocha Luna da Costa

Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. Pós-Graduado e Especialista em Direito Processual Civil. Advogado sócio do escritório Torreão, Machado e Linhares Dias.

Informações sobre o texto

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