AS EMPRESAS E A CORRUPÇÃO NO BRASIL

23/06/2015 às 10:06
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE A LEI ANTICORRUPÇÃO E O TEXTO DO ANTEPROJETO DO CÓDIGO PENAL NA MATÉRIA.

AS EMPRESAS E A CORRUPÇÃO NO BRASIL

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

Observo o seguinte trecho do artigo “Fim dos tempos”, de Paulo Guedes, quando disse: “É fim dos tempos para a “velha política”. Suas práticas já eram inaceitáveis para a opinião pública bem informada. Mas prosseguiam, estimuladas pela impunidade.

Tudo isso agora começa a mudar, graças ao espírito republicano que parece inspirar um Poder Judiciário renovado. Apesar da omissão do Legislativo quanto às reformas, as mudanças na política devem ocorrer em ritmo acelerado.

Pois, enquanto as práticas condenáveis para a opinião pública levam a uma erosão gradual pelas urnas, as investigações, as prisões e as condenações pelo Judiciário são como um tratamento de choque contra a corrupção.

São reacionárias as vozes do establishment ante os ventos de renovação. O novo ministro do Supremo Tribunal Federal declara a insuficiência condenatória das delações premiadas, assim que empossado.

O ministro da Justiça diz que seria abuso de poder impedir a participação das empresas acusadas no novo programa de concessões. E a tibieza da própria oposição no enfrentamento parlamentar pelas reformas é interpretada como um sintoma de rabo preso.”

É tempo de punir empresas corruptas.

O  Brasil tem evoluído ao editar normas no combate à corrupção.

Com a edição da Lei 12.683, de 9 de julho de 2012,  temos um novo regime jurídico para os crimes de ¨lavagem¨ ou ocultação de bens, direitos e valores no Brasil.

É crime, do que se lê do artigo 1º do diploma legal,  ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Para tanto, disciplina-se uma pena in abstrato de reclusão, que vai de 3(três) anos a 10(dez) anos e multa. Tal pena é  bem mais razoável do que a prevista no substitutivo ao PLS 209/2003, de 3(três) a 18(dezoito) anos, o que se revelava um absurdo, fugindo de qualquer razoabilidade. Mas é maior do que a de certos modelos jurídicos, como, por exemplo, o alemão, onde se prevê no § 261, inciso I, daquele modelo penal, pena privativa de liberdade de 3(três) meses a 5(cinco) anos e diversa da encontrada, na Itália, para o crime de riciclaggio, pena de 4(quatro) anos a 12(doze) anos e multa, contendo causa especial de diminuição da pena em um terço quando os delitos antecedentes forem punidos com pena de prisão inferior a cinco anos(artigo 648). Na Argentina, o artigo 278 do Código Penal(alterado pela Lei 25.246, de 2000) prevê pena de 2(dois) anos a 10(dez) anos de prisão e multa para o crime de lavado de dinheiro.

Apesar de sua autonomia típica, o crime de lavagem de dinheiro guarda uma nota de acessoriedade: ¨Consequentemente, não há como justificar-se uma apenação completamente desproporcional àquela que é cominada para determinados crimes antecedentes, como é o caso da corrupção.

É certo que para penas que não superem 4(quatro) anos, aplica-se, se não houver violência ou grave ameaça e o réu não for reincidente,  a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito, a teor do artigo 44 do Código Penal.

Por sua vez, incorre, na mesma pena, a teor do artigo 1º, § 1º, quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, os converte em ativos lícitos; os adquire, recebe,  troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.

É ainda efeito extrapenal   da condenação do réu a interdição do exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza e de diretor, de membro de conselho de administração ou da gerência das pessoas jurídicas indicadas no artigo 9º da lei, pelo dobro da pena privativa de liberdade aplicada. Tal efeito é automático, não se aplicando o  artigo 92, parágrafo único, do Código Penal. Não será  imprescindível que a sentença declare, de forma expressa, os motivos pelas quais a condenação terá suas consequências específicas. Estamos diante de efeitos secundários de natureza penal que afetam a situação criminal do condenado.

Estamos ainda diante de um Código de 1940 que trata da corrupção passiva como crime contra a Administração.

Trata o artigo 317 do Código Penal do crime de corrupção passiva.

O núcleo do tipo é solicitar, receber ou aceitar vantagem indevida, mesmo fora da função ou antes de assumi-la, desde que em virtude da função.

O ato funcional, de natureza comissiva ou omissiva, sobre o qual versa a venalidade pode ser lícito ou ilícito. 

Fala-se em corrupção própria ou imprópria. Necessário exemplificar.

 Constitui corrupção própria receber numerário para conceder uma licença a que não se tem direito.  A corrupção imprópria(simples) ocorrerá se o funcionário receber uma vantagem para consentir numa licença devida. Na corrupção própria a prática se refere a solicitação, recebimento ou aceitação de promessa de vantagem indevida  para realização de um ato ilícito. Na corrupção própria tem-se a solicitação, recebimento ou aceitação de vantagem indevida para a realização de ato licito.

Fala-se em corrupção antecedente e consequente. Ocorrerá a primeira quando a recompensa for entregue ou prometida, visando a uma conduta futura. Na outra, ocorrerá a recompensa após a prática do ato. Na corrupção antecedente, a solicitação da vantagem ilícita  e a aceitação da promessa se dão antes da realização do ato. Por sua vez, na corrupção consequente ou subseqüente, a solicitação da vantagem ilícita ou a aceitação da promessa se darão após a prática do ato.

A corrupção passiva foi objeto da Consolidação das Leis Penais sob a forma de peita ou suborno. A peita, consoante o Código Penal de 1830, consistia  quando recebesse o servidor dinheiro ou algum donativo. O suborno quando se deixasse corromper o funcionário por influência ou outro pedido de alguém, lembrando a atual corrupção privilegiada.

O certo é que até agora não havia leis específicas para punir empresas corruptas, de forma efetiva. Aliás, não se trata um câncer com paliativos, pois só o tratamento severo e eficiente é capaz de trazer a cura.

Costuma-se no Brasil colocar a pessoa jurídica que se envolve em corrupção dentro de uma lista negra. Assim que está nela não tem direito de acesso a contratos.

Por sua vez, o artigo 5º da Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional e estrangeira, determina que constituem atos lesivos à administração pública, nacional e estrangeira, aqueles que atentem contra o patrimônio público e estrangeiro, que descrimina, no artigo 5º da norma, em que destacam-se, dentre outras condutas: prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; comprovadamente financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos na Lei; comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; no tocante às licitações e contratos: frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer expediente o caráter competitivo de procedimento licitatório público, afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; criar de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; dificultar atividade de investigação ou investigação de órgãos, entidades ou agentes públicos ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.

Surge a nova lei de combate à corrupção, que prevê que as pessoas jurídicas que paguem propina poderão ser multadas em até 20% do seu faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, ou, em casos extremos, ser fechadas(artigo 19, III, da Lei  12.846). Por certo, as sanções aplicadas não excluem a obrigação de reparação integral do dano causado.

Gravidade da infração, vantagem auferida ou pretendida pelo infrator, consumação ou não da infração, grau de lesão ou perigo de lesão, situação econômica do infrator, efeito negativo produzido pela lesão,  cooperação da pessoa jurídica para a apuração da infração, são circunstâncias que devem ser levadas em conta para aplicação de penalidades previstas.

A legislação,  acompanhando uma tendência internacional, que vem dos Estados Unidos, torna mais severo o combate ao crime por ela praticadol(nos crimes ambientais,  crimes contra a Administração, os crimes econômicos, os crimes tributários), nos atos por empresas, no Brasil e no exterior. Três são as características fundamentais dessa atuação: transferir para o direito administrativo a função sancionadora, permitir a punição de atos praticados fora do país e estimular a delação, por intermédio de acordos de leniência.

Isso porque, entende-se que, no mundo corporativo, é possível e comum fragmentar a conduta ilícita, de forma a que as três condições para a imputação criminal dificilmente se concentrem numa só pessoa. Realmente, há muitas camadas de véu corporativo entre quem toma a decisão, quem avalia sua legalidade e quem pratica o ato. Detectar o individuo que toma a decisão depende de  uma minuciosa investigação. Muitas vezes, a empresa que se beneficiou do esquema de corrupção abandona o seu funcionário a própria sorte e continua a praticar outros atos lesivos ao patrimônio público, dentro de uma perniciosa ótica patrimonial: custo-benefício.

A responsabilidade da empresa é objetiva, bastando demonstrar que esta foi beneficiária de um ato ilícito, sancionando com altíssimas multas, proibindo de contratar com o Estado, independente das sanções que devem ser aplicadas por conta dos atos de improbidade administrativa, nos termos da Lei 8.429/92(artigo 30, I) e ainda com relação aos atos ilícitos alcançados pela Lei 8.666/93 e outras normas de licitações e contratos da administração pública( artigo 30, II).

O Anteprojeto do Código Penal, artigo 41, prescreve que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas penalmente pelos atos praticados, nos casos que aponta,  em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio da sua entidade. Tal responsabilidade não exclui as pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato, nem é dependente da responsabilização destes. Se houver dissolução da pessoa jurídica ou a sua absolvição, não se exclui a responsabilidade da pessoa física.

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Aliás, quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes referidos, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade, como o diretor, administrador, o membro do conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, quem sabendo da conduta criminosa de outrem, deixa de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

A pena de prisão será substituída, de forma cumulativa ou alternativamente por: multa, restritivas de direitos, prestação de serviços à comunidade, perda de bens e valores.

Aliás, pelo Anteprojeto, a pessoa jurídica constituída, de forma preponderante, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a pratica do crime terá decretada sua liquidação forçada, sendo que seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como  tal perdido em favor do Fundo Penitenciário.

Já as penas restritivas de direito da pessoa jurídica serão(artigo 43), pelo Anteprojeto: suspensão parcial ou total das atividades; interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação ou celebrar qualquer outro contrato com a Administração Pública; proibição de obter subsídios, subvenções ou doações do Poder Público, pelo prazo de um a cinco anos, bem como o cancelamento, no todo ou em parte, dos já concedidos; proibição a que seja concedido parcelamento de tributos, pelo prazo de um a cinco anos. A suspensão de atividades será aplicada pelo período máximo de um ano, que pode ser renovada se persistirem as razões que o motivaram, quando a pessoa jurídica não estiver obedecendo as disposições legais, relativas à proteção do bem jurídico violado. A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações será aplicada pelo prazo de dois a cinco anos, se a pena do crime não exceder a cinco anos; e de dois a dez anos, se exceder.

Mas é preciso avançar.

O Anteprojeto do Código Penal, no seu artigo 277 traz um tipo penal interessante: ¨Adquirir, vender, emprestar, alugar, receber, ceder, utilizar ou usufruir de maneira não eventual de bens ou valores móveis ou imóveis, cujo valor seja incompatível com os rendimentos auferidos pelo funcionário público em razão de seu cargo ou por outro meio lícito¨. A pena será de prisão de um a cinco anos, além da perda de bens, se o fato não constituir elemento de outro crime mais grave e que poderá ser aumentada de metade a dois terços se a propriedade ou a posse dos bens e valores for atribuída fraudulentamente a terceiras pessoas. É o crime de enriquecimento ilícito.

Por sua vez, o mesmo Anteprojeto tipifica o crime de corrupção passiva, como exigir, solicitar, receber ou aceitar promessa de receber, para si ou para outrem, vantagem indevida, direta ou indiretamente, valendo-se da condição de servidor público, com pena de prisão de três anos a oito anos, podendo ser aumentada de até um terço se, em consequência da vantagem ou promessa, o servidor retarda ou deixa de praticar qualquer ato de oficio ou a pratica infringindo dever funcional, em crime formal. Nas mesmas penas, incorre quem oferece, promete, entrega ou paga a servidor público, direta ou indiretamente, vantagem indevida(corrupção ativa).

A condenação das empresas envolvidas em corrupção é um imperativo que se busca num mundo onde a sensatez é o caminho, já que ela, mais que uma afronta a um imperativo categórico de Kant, a um valor máximo como moralidade,  é algo que deve ser combatida por toda a sociedade, pois é  um câncer que pulveriza o tecido social.

Mas, para tanto, necessário impor o devido processo legal.

Como se sabe a quase totalidade das Constituições dos Estados democráticos de hoje contém garantias expressas do direito fundamental à tutela jurisdicional.

A garantia do due processo of law constitui síntese de três princípios fundamentais, a saber: do juiz natural, do contraditório e do procedimento regular.

Tem-se em vista que o princípio do juiz natural reclama juiz constitucionalmente investido na função competente para o litígio e imparcial na condução e decisão da causa. O princípio do contraditório tem raízes na garantia constitucional da igualdade substancial, um dos fundamentos da democracia e um dos direitos essenciais do ser humano. O procedimento regular, por seu turno, contempla a observância das normas e da sistemática previamente estabelecida como garantia das partes no processo.

Leve-se em conta que o princípio do juiz natural pressupõe juiz ou tribunal investido de competência para julgar a lide ou tribunal previamente investido pela ordem jurídica, gozando os juízes de garantias que o tornem independentes, imparciais e confiáveis. Ou seja: o novo tribunal não poderá julgar casos havidos antes de sua instituição.

Entenda-se que a garantia do juiz natural não tolera justiça de privilégios ou de exceção o que garante a todos julgamento “por juízes legais, isto é, investidos nas suas funções de conformidade com as exigências constitucionais. Decorre de tal garantia que os poderes constituídos não podem criar juízos destinados a julgamentos de determinados casos ou de pessoas especificadas.”

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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