A OBRIGATORIEDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DE DECISÃO DA CPI QUE QUEBRA SIGILO BANCÁRIO E FISCAL

25/06/2015 às 11:01
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O ARTIGO ABORDA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA MATÉRIA.

A OBRIGATORIEDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DE DECISÃO DA CPI QUE QUEBRA SIGILO BANCÁRIO E FISCAL

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

Por falta de fundamentação adequada e de indicação de fato concreto, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu liminarmente ordem de quebra de sigilos fiscal, bancário e telefônico determinados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Próteses, instalada pelo Senado Federal. A decisão foi proferida no Mandado de Segurança (MS) 33635, no qual o empresário Francisco José Dambros, da empresa Importec, questionou determinação da comissão.

No entendimento do ministro, há plausibilidade no pedido, pois, em exame preliminar, a deliberação da CPI carece de fundamentação adequada, limitando-se a fazer referência ao noticiário da imprensa e sustentando que tal fato justifica a quebra de sigilo. “A mera referência a notícias veiculadas pela imprensa e a busca de informações mediante quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico sem a correspondente e necessária indicação de fato concreto e específico que configure a existência de causa provável não bastam para justificar a medida.”

Sobre a matéria já decidiu o Supremo Tribunal Federal  que as CPIs, no desempenho de seus poderes de investigação, estão sujeitas às mesmas regras e limitações que incidem sobre os magistrados, quanto ao exercício de igual prerrogativa. Assim entende-se que as CPIs somente podem exercer as atribuições investigatórias que lhe são inerentes, desde que as façam nos mesmos termos e segundo as mesmas exigências que a Constituição e as leis da República impõem aos juízes, especialmente no que concerne ao necessário respeito às prerrogativas que o ordenamento positivo do Estado confere aos advogados(MS 30.906 – MC, Relator Ministro Celso de Mello, DJe de 10 de outubro de 2011).

  A CPI não tem poder jurídico de mediante requisição determinar às  operadoras de telefonia interceptação telefônica, quebrar sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça(MS 27.483 – MC, Relator Ministro Cezar Peluso, DJe de 10 de outubro de 2008).

"A quebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefônicos, por traduzir medida de caráter excepcional, revela-se incompatível com o ordenamento constitucional, quando fundada em deliberações emanadas de CPI cujo suporte decisório apoia-se em formulações genéricas, destituídas da necessária e específica indicação de causa provável, que se qualifica como pressuposto legitimador da ruptura, por parte do Estado, da esfera de intimidade a todos garantida pela CR. (...) O controle jurisdicional de abusos praticados por CPI não ofende o princípio da separação de poderes. O STF, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, neutralizando, desse modo, abusos cometidos por CPI, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República. O regular exercício da função jurisdicional, nesse contexto, porque vocacionado a fazer prevalecer a autoridade da Constituição, não transgride o princípio da separação de Poderes." (MS 25.668, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 23-3-2006, Plenário,DJ de 4-8-2006.)

Certamente não há dúvida quanto ao fato de poder a Comissão Parlamentar de Inquérito(CPI) determinar a quebra de sigilo bancário, dentro do chamado poder investigativo.

Aliás as Comissões Parlamentares de Inquérito, a teor  do artigo 58, § 3º, da Constituição Federal, terão poderes investigatórios próprios das autoridades judiciárias.

Mas há limites. Observa-se, na linha exposta por Eugênio Pacelli(Curso de Processo Penal, 17º edição, pág. 361) que, tratando-se de restrições ao exercício de qualquer direito individual, toda decisão, seja de que autoridade partir, deve ser rigorosamente fundamentada.

A esse respeito, já se decidiu:

"A quebra do sigilo, por ato de CPI, deve ser necessariamente fundamentada, sob pena de invalidade. A CPI – que dispõe de competência constitucional para ordenar a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico das pessoas sob investigação do Poder Legislativo – somente poderá praticar tal ato, que se reveste de gravíssimas consequências, se justificar, de modo adequado, e sempre mediante indicação concreta de fatos específicos, a necessidade de adoção dessa medida excepcional. Precedentes. A fundamentação da quebra de sigilo há de ser contemporânea à própria deliberação legislativa que a decreta. A exigência de motivação – que há de ser contemporânea ao ato da CPI que ordena a quebra de sigilo – qualifica-se como pressuposto de validade jurídica da própria deliberação emanada desse órgão de investigação legislativa, não podendo ser por este suprida, em momento ulterior, quando da prestação de informações em sede mandamental. Precedentes. A quebra de sigilo – que se apoia em fundamentos genéricos e que não indica fatos concretos e precisos referentes à pessoa sob investigação – constitui ato eivado de nulidade. Revela-se desvestido de fundamentação o ato de CPI, que, ao ordenar a ruptura do sigilo inerente aos registros fiscais, bancários e telefônicos, apóia-se em motivação genérica, destituída de base empírica idônea e, por isso mesmo, desvinculada de fatos concretos e específicos referentes à pessoa investigada." (MS 23.868, rel. min.Celso de Mello, julgamento em 30-8-2001, Plenário, DJ de 21-6-2002.)

As Comissões Parlamentares de Inquérito haverão de encontrar limitação de seus poderes na própria Constituição, mais precisamente nas chamadas cláusulas de reserva de jurisdição. Essas reservas decorreriam de eventual excepcionalidade de determinada regra, quando prevista no próprio texto constitucional. Será o caso da garantia da inviolabilidade do domicílio, à exceção do flagrante delito e de ordem judicial(artigo 5º, XI); a de que ninguém será levado à prisão ou nela mantido, à exceção do flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade judiciária(artigo 5º, LXV(); para a violação do sigilo de comunicações telefônicas, onde há dispositivo expresso reservando a competência da autoridade judiciária(artigo 5º, XII).

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Nessas situações não será possível às Comissões Parlamentares de Inquérito a restrição ou a limitação dos direitos ali assegurados, em razão da regra da exceção expressa em relação às autoridades judiciárias, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal(MS 23.642/DF, em 29 de novembro de 2000), como se lê do Informativo STF n. 212. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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