A SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA

30/06/2015 às 07:21
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O ARTIGO DISCUTE A MEDIDA CAUTELAR ESTABELECIDA NO ARTIGO 319, VI, DO CPP.

~~A SUSPENSÃO DO EXERCICIO DA FUNÇÃO PÚBLICA: A QUESTÃO DO CONTRADITÓRIO  COMO CONDIÇÃO PARA EFETIVAÇÃO DA MEDIDA PROCESSUAL PENAL.

ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da Republica aposentado


Discute-se aqui a possibilidade de suspensão do exercício de função pública de agente público em face de investigação criminal efetuada.
O artigo 282 do Código de Processo Penal, Título IX, com a redação dada pela Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, prevê a adoção de inovações, em perfeita harmonia ao texto constitucional de 1988 e com a reforma processual penal realizada em 2008, trazendo várias modalidades de restrições à liberdade individual, desde a mais grave, que consiste na prisão até a mais leve, baseada na proibição de contato com determinada pessoa. Em razão disso, não podem ser decretadas sem base fática ou legal, uma vez que acima das regras processuais temos o principio constitucional da presunção de inocência, que é previsto no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal
Exige-se que as medidas cautelares que venham a ser aplicadas, se enquadrem no âmbito da adequação, fator que concerne ao principio constitucional da proporcionalidade. A medida, outrossim, há de ser necessária para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais, do que se lê do artigo 282, I, do Código de Processo Penal. 
Sendo assim a gravidade do delito deve ser avaliada concretamente, para que o juiz possa aplicá-la, sempre que possa deferi-la, de ofício, ou a requerimento das partes, durante o processo ou ainda decretá-la, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Parquet, na fase do inquérito policial.
É a linha trazida por Weber Batista (Liberdade Provisória, 2ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1985, pág. 25 e 40), quando observou que a prisão é contraproducente e só deve ser usada como último recurso e somente quando nenhum outro meio for adequado. A pedra de toque da liberdade provisória, que vem como freio a prisão provisória, que é aquela que surge durante a investigação, durante o processo, é a necessidade de medida coercitiva mais grave, pois sempre que possível a prisão provisória deve ser substituída por providência cautelar menos grave.
As medidas cautelares, que são hoje previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, por força da edição da Lei 12.403, já referenciada, bem como a prisão cautelar(prisão preventiva, prisão temporária), devem ser vistas dentro de um quadro de necessidade de cada uma delas, de forma que a prisão é a última ratio. Isso porque proíbe-se o excesso.
Não estamos diante do chamado poder geral de cautela, tão conhecido no processo civil. Ali, vige o principio dispositivo(artigo 130 do CPC) e lá os direitos, em regra, são disponíveis. Ao contrário, no processo penal, os direitos são indisponíveis e o sistema é o acusatório. 
Discute-se se o confronto da adoção dessas medidas cautelares e a oitiva da parte contrária, o contraditório.
Aliás, o parágrafo terceiro, do artigo 282, determina que ¨ressalvados  os casos  de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.¨
Bem disse Guilherme de Souza Nucci(Prisão e liberdade, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 31) que descarta-se a oitiva se houver caso de urgência ou o perigo de ineficácia da medida, o que soa, como bem disse, lógico e óbvio.
Soma-se a douta posição de Paulo Rangel(Direito Processual Penal, 20ª edição, São Paulo, Atlas, pág. 863), para quem somente se intima a parte contrária se a medida cautelar não exigir urgência ou houver perigo de sua ineficácia.
Aplica-se com relação as medidas cautelares, no campo processual penal, o princípio da fungibilidade diante de eventual inexecução das obrigações assumidas. Assim pode o juiz substituir a medida anteriormente adotada, pode impor outra medida, além da já imposta ou decretar a prisão preventiva(artigo 312 do Código de Processo Penal, diante da garantia da ordem pública, da ordem econômica, como conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal quando houver prova de existência do crime ou indícios suficientes de autoria), em último caso.
Dentre as diversas medidas cautelares, expostas no artigo 319 do Código de Processo Penal, fala-se na suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais(artigo 319, inciso VI, do Código de Processo Penal).
O que se quer é a suspensão, pois tem que existir uma relação de conexidade entre a função exercida pelo agente e a infração cometida. Isso porque o fato do agente público cometer um crime não pode autorizar a suspensão de suas atividades funcionais , se o crime não tem nada a haver com o exercício da função pública.
Como bem disse Guilherme de Souza Nucci(Prisão e liberdade, pág. 85) a medida pode ser ideal para crimes contra a administração pública, como, por exemplo, corrupção, concussão, prevaricação, bem como para delitos econômicos e financeiros, evitando-se a preventiva, que tenha por fundo a garantia da ordem econômica. Assim a suspensão do exercício da atividade econômica pode ser suficiente para aguardar o desenvolvimento do processo.
Tal medida não tem nada de novo. Basta ler o artigo 56, § 1º, da Lei de Drogas.
 De toda sorte, o juiz deve agir com razoabilidade e prudência, evitando o afastamento superior a tempo necessário para o perfazimento de atos processuais, no intuito de não causar maiores transtornos ao acusado e a própria eficácia do processo.
Ressalto que o afastamento, como medida cautelar alternativa,  dentro da democracia, é algo que deve acontecer dentro de parâmetros jurídicos, onde a Constituição é o norte a seguir, sendo imprescindível a atuação do Ministério Público, na defesa da própria ordem democrática e da legalidade, onde a urgência é elemento primordial.
Nesse entendimento aqui trazido, ressalte-se que a delação de Ricardo Pessoa traz um problema seríssimo para o governo e ainda pegou diversos partidos “de raspão”.
Independentemente do fato de que os Ministros e parlamentares  envolvidos deveriam se afastar de seus cargos enquanto durar a investigação, o Procurador-Geral da República deve estudar o ajuizamento da medida de suspensão do exercício da função pública, caso a caso, em suas peculiaridades, dentro da necessária garantia da ordem pública,  da conveniência da instrução criminal e ainda da aplicação da lei penal.
Sabe-se que a conveniência da instrução criminal é restrita. Liga-se, basicamente, à atuação do réu em face da captação de provas. Se a sua atitude for imparcial, inerte e contemplativa, permitindo toda a sua de acontecimentos, não haverá inconveniência para que permaneça no cargo. Todavia, se resolva agir, impedindo a escorreita atuação estatal na colheita e no regular trâmite do processo, sua permanência no cargo revela-se inconveniente.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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