Rasgar papel moeda é crime ou apenas um ato de loucura?

02/07/2015 às 14:28
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Resumo: Este ensaio aborda a questão de rasgar dinheiro, seus questionamentos sobre possível ato de loucura ou fato juridicamente relevante definido como crime.

Rasgar papel moeda é crime ou apenas um ato de loucura?

Resumo: Este ensaio aborda a questão de rasgar dinheiro, seus questionamentos sobre possível ato de loucura ou fato juridicamente relevante definido como crime. 

Palavras-Chave: Papel moeda, rasgar dinheiro, ato de loucura, fato social relevante, ilicitude, configuração.

Outro dia uma determinada pessoa, no Vale do Mucuri, em Minas Gerais, durante a lavratura de um Auto de Prisão em Flagrante meteu a mão no bolso, retirou uma cédula de R$ 100(cem reais) da carteira e rasgou.

O fato chamou a atenção de várias pessoas. Algumas diziam que o cidadão era louco, outras diziam, sem muita base, que essa atitude era considerada criminosa.

Se considerada louca, após exame de insanidade mental, certamente a culpabilidade estaria afastada, por ausência de um dos seus elementos — a imputabilidade.

A capacidade de entendimento e de autodeterminação é necessária para imposição de pena, num juízo de reprovabilidade ou censurabilidade que alguém que tenha praticado um fato típico e ilícito.

Constatada a inimputabilidade por doença mental, pelo critério biopsicológico, deve o juiz absolver o autor de um injusto penal, e logo em seguida aplicar medida de segurança, seja tratamento ambulatorial ou internação em hospital psiquiátrico, tudo conforme estudo nos artigos 26 e 96 do Código Penal.

Considerando que a aplicação de medida se segurança também passa pelo crivo do princípio da legalidade, é preciso que alguém tenha praticado um injusto penal — conduta típica e ilícita.

No caso do papel-moeda ou do dinheiro rasgado, qual seria a conduta típica?
Inicialmente, o saudoso professor Nélson Hungria definia moeda como sendo o valorímetro dos bens econômicos, o denominador comum a que se reduz o valor das coisas úteis.

No Brasil, algumas competências são definidas por leis. Assim, cabe ao Conselho Monetário Nacional estabelecer o valor interno da moeda, bem como autorizar as emissões de papel-moeda.

Compete ao Banco Central emitir papel-moeda e moeda metálica, conforme autorização outorgada pelo Conselho Monetário Nacional.

Noutro sentido, cabe à Casa da Moeda, com exclusividade, a fabricação de moeda metálica e papel-moeda.
A legislação que trata do assunto é bem esparsa. A Constituição Federal de 1988 regulamenta o assunto de moeda nos artigos 21, VII, 22, VI, e artigo 164 e pelas leis nº 4.595/64. nº 4.511/64 e nº 5.895/73.

Art. 21. Compete à União:
I - (omissis);
VII - emitir moeda;
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - (omissis);
VI - sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;

O Código Penal, em seu artigo 289 e SS protege a fé pública, e logo neste primeiro dispositivo consagra o tipo penal de moeda falsa, justamente por ser signatário da Convenção Internacional para a Repressão da Moeda Falsa (Decreto nº 3.074/38).

Existem outras figuras típicas relacionadas. Tendo em vista a obrigatoriedade do recebimento de moeda em curso legal no país, deparamos com a conduta contravencional prevista no artigo 43 do Decreto-Lei nº 3688/41, in verbis:

“Recusar-se a receber pelo seu valor, moeda de curso legal do país: pena — multa”.

Ainda nesse mesmo sentido o artigo 44 da LCP, define a conduta de quem “usar, como propaganda, de impresso ou objeto que pessoa inexperiente ou rústica possa confundir com moeda”, também com previsão de pena de multa.

Existem ainda algumas condutas contra a ordem financeira, econômica, tributária, previstas na Lei nº 8.137/90 e outras normas que protegem o sistema financeiro.

Mas e a conduta de rasgar a moeda, onde está? Seria crime de lesa-pátria? Seria burrice, tolice, fato atípico, economia popular?

A meu sentir, a moeda pertence à União e o seu valor intrínseco ao particular, nos exatos termos dos artigos 98 e 99 do Novo Código Civil.

Assim, se a própria pessoa rasga, suja, destrói, inutiliza, papel-moeda ou metálica, ainda que seja de sua propriedade estará configurado o crime de dano qualificado, previsto no artigo 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal Brasileiro.

Dano
Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Dano qualificado
Parágrafo único - Se o crime é cometido:
I - com violência à pessoa ou grave ameaça;
II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave
III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista

Assim, quem rasga dinheiro, comete crime contra o patrimônio da União, art. 163, Parágrafo único, III, do Código Penal Brasileiro, pois logo estará destruindo coisa alheia móvel, devendo ser o comportamento doloso, dinheiro como sendo o bem material, o patrimônio o objeto jurídico.

Trata-se de crime comum, material, de forma livre, comissivo, instantâneo, de dano, unissubjetivo, plurissubsistente e de competência da Justiça Federal.

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

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