7. Fiscalização da aplicação dos recursos
A fiscalização da aplicação dos recursos financeiros relativos ao PNATE é de competência do MEC, do FNDE, do CACS/FUNDEB e dos órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal, competência esta que vem expressamente prevista no caput e § 1º do art. 10. da Lei nº 10.880/2004, mediante a realização de auditorias, fiscalizações, inspeções e análise dos processos que originarem as prestações de contas.76
O § 1º do art. 18. da Res. 5/15 prevê que esses órgãos e entidades poderão celebrar convênios ou acordos, em regime de mútua cooperação, para auxiliar e otimizar o controle do PNATE. Observe-se que aqui a norma refere-se a convênios e acordos para as ações de controle do PNATE, e não para o repasse das verbas do PNATE em si, pois, como já vimos anteriormente, este último repasse opera-se diretamente, por crédito em conta. Tais convênios e acordos (para as ações de controle do PNATE) estão expressamente previstos no § 2º do art. 10. da Lei nº 10.880/2004.
A fiscalização do MEC, do FNDE e dos órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal ocorrerá de ofício, a qualquer momento, ou será deflagrada, isoladamente ou em conjunto, sempre que for apresentada denúncia formal de irregularidade identificada no uso dos recursos do PNATE.77 Tal vem previsto no § 4º do art. 10. da Lei nº 10.880/2004.
O FNDE realizará nos EEx, a cada exercício financeiro, auditagem da aplicação dos recursos do Programa, por sistema de amostragem, podendo, para tanto, requisitar o encaminhamento de documentos e demais elementos que julgar necessários, bem assim realizar fiscalização in loco ou, ainda, delegar competência a outro órgão ou entidade pública para fazê-lo.78 Quanto a esta delegação, o disposto no § 3º do art. 18. da Resolução CD/FNDE 5/15 encontra amparo legal direto no § 5º do art. 10. da Lei nº 10.880/2004, que é norma especial.
Os EEx obrigam-se, também, a fornecerem ao FNDE, quando solicitadas, informações sobre a execução do PNATE para subsidiar ações de acompanhamento, monitoramento e melhoria do programa.79
Em caso de crime contra a Administração Pública pertinente a recursos do PNATE, a competência processual penal é da Justiça Federal. Nesse sentido, recentemente decidiu o E. Tribunal Regional Federal da Primeira Região:
“(…) 5. Se os recursos repassados pelo Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação - FNDE para implantação do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar - PNATE encontram-se sujeitos à prestação de contas perante o Ministério da Educação, não tendo, portanto, se incorporado ao patrimônio municipal, aplica-se, o entendimento analógico do Enunciado 208 da Súmula do STJ, que assim dispõe: ‘compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita à prestação de contas perante órgão federal’. 6. (…)”.80
8. Suspensão e restabelecimento dos repasses.
Nos termos do § 1º do art. 5º da Lei nº 10.880/2004, com redação dada pela Lei nº 11.947, de 2009, o FNDE está autorizado a suspender o repasse dos recursos do PNATE nas seguintes hipóteses: I - omissão na prestação de contas, conforme definido pelo seu Conselho Deliberativo; II - rejeição da prestação de contas; III - utilização dos recursos em desacordo com os critérios estabelecidos para a execução do Programa, conforme constatado por análise documental ou de auditoria.
Atento a isso, a Resolução CD/FNDE n.º 5/15 dispôs, no art. 19, que o FNDE suspenderá o repasse dos recursos financeiros à conta do PNATE, quando:
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1) a prestação de contas não for apresentada na forma e/ou no prazo estabelecido no artigo 17, ou ainda, as justificativas a que se refere o artigo 18 não vierem a ser apresentadas pelos EEx ou aceitas pelo FNDE ─ esta hipótese atende ao princípio da legalidade, em razão do inciso I do § 1º do art. 5º da Lei nº 10.880/2004;
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2) a prestação de contas não for aprovada ─ esta hipótese atende ao princípio da legalidade, em razão do inciso II do § 1º do art. 5º da Lei nº 10.880/2004;
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3) os recursos forem utilizados em desacordo com os critérios estabelecidos para a execução do PNATE, mediante constatação de análise técnica documental do FNDE, auditoria ou outros meios ─ esta hipótese atende ao princípio da legalidade, em razão do inciso III do § 1º do art. 5º da Lei nº 10.880/2004;
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4) houver determinação judicial, com prévia apreciação pela Procuradoria Federal no FNDE ─ esta hipótese atende ao princípio da legalidade, porque pela doutrina jurídica a Administração Pública está sujeita a cumprir ordens judiciais, devendo ser ressalvado, contudo, que ordens judiciais são cumpridas pelos gestores no âmbito da Administração Pública Federal após “Parecer de Força Executória”, emitido pelo órgão competente da Procuradoria-Geral Federal, atestando a eficácia da decisão judicial (i.e., se não está suspensa, revogada ou cassada por outra decisão judicial, de igual ou superior instância, etc.) e se a mesma produz efeitos em face do FNDE.
Diante da suspensão, nos termos do art. 20. da Resolução/FNDE n.º 5/15, o restabelecimento do repasse dos recursos do PNATE aos EEx ocorrerão quando:
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1) na hipótese da omissão, a prestação de contas for apresentada na forma prevista no artigo 17;
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2) na hipótese da não aprovação das contas, seja sanada a irregularidade;
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3) nas hipóteses da omissão de prestar contas ou da impossibilidade da comprovação da aplicação dos recursos em conformidade com os critérios estabelecidos para execução do PNATE, e desde que o administrador seja outro que não o faltoso, o sucessor apresente justificativa que demonstre o impedimento de fazer a prestação de contas, acompanhada, necessariamente, da cópia autenticada de Representação protocolizada no órgão do Ministério Público, para adoção das providências cíveis e criminais de sua alçada;
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4) instaurada a tomada de contas especial, nos termos do artigo 84 do Decreto-Lei nº 200, de 1967;81
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5) assim determinado por decisão judicial, após apreciação pela Procuradoria Federal no FNDE.
O EEx fará jus a restabelecimento do repasse, inclusive de parcelas integrais desde que a pendência que motivou a suspensão seja regularizada até o último dia útil do mês de outubro do ano em curso.82
Quando o restabelecimento do repasse a que se refere este artigo ocorrer após o envio da Tomada de Contas Especial ao Tribunal de Contas da União (TCU), o FNDE, por meio da Diretoria Financeira, deverá providenciar o encaminhamento da documentação ao TCU, acompanhada de manifestação acerca da sua suficiência e pertinência para sanar a omissão ou a irregularidade praticada e da informação de que foi efetuado o restabelecimento do repasse dos recursos financeiros aos EEx.83
Essas normas aplicam-se, inclusive, aos repasses efetuados neste exercício de 2015 em data anterior à publicação desta Resolução, ressalvados os atos praticados com base em normativos vigentes à época.84
9. Denúncias
O caput do art. 21. da Resolução CD/FNDE n.º 5/15 dispõe que qualquer pessoa, física ou jurídica, poderá apresentar denúncia de irregularidades identificadas na aplicação dos recursos do PNATE ao MEC, ao FNDE, ao TCU, aos órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal, ao Ministério Público e ao CACS/FUNDEB, contendo, necessariamente: I - uma exposição sumária do ato ou fato censurável, que possibilite sua perfeita determinação; II - a identificação do órgão da Administração Pública e do responsável por sua prática, bem assim a data do ocorrido.
O inciso I do art. 21, ao referir-se a “perfeita determinação”, não está a exigir do denunciante que apresente todas as provas pertinentes à denúncia, mas que a descrição desta irregularidade, na exposição sumária do ato ou fato tido por censurável, seja suficiente à compreensão da irregularidade identificada.
O § 1º do art. 21. da Resolução CD/FNDE n.º 5/15 exige que quando a denúncia for apresentada por pessoa física, sejam fornecidos nome legível, endereço e cópia autenticada de documento que ateste a sua identificação e que, quando o denunciante for pessoa jurídica (partido político, associação civil, entidade sindical, etc.), deverá ser encaminhada cópia de documento que ateste sua constituição jurídica e fornecido o endereço da sede.85
Em caso de desmembramento de Municípios,86 o de origem criará mecanismos de repasse e controle da cota de recursos pertinente ao novo Município, permanecendo responsável pela prestação de contas dos recursos transferidos.87 Evidentemente, essa norma, contida no art. 23. da Resolução CD/FNDE 5/15, deve ser interpretada restritivamente, ou seja, o Município de origem será responsável pela prestação de contas de todos os recursos que recebeu, anotando o repasse realizado para o novo Município, inclusive, mas os gestores do Município de origem não podem ser responsabilizados em relação a gastos da parte dos recursos efetivamente repassada ao novo Município (isto é, pela execução dessas verbas), inclusive em razão da autonomia dos entes federados (CF/88, art. 18, caput).
10. Improbidade administrativa
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem firmando o entendimento de que o ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, inciso VI, da Lei n.º 8.429/92 (“deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo”) não se confunde com o mero atraso na prestação de contas, porque seria necessário demonstrar na conduta omissiva do agente político a presença do elemento subjetivo, isto é, a má-fé ou o dolo genérico na burla ao comando legal, a intenção de “deixar de prestar contas” (como descrita a conduta no mencionado dispositivo legal).
Em razão da Súmula 07/STJ, aquela Corte Superior não reexamina a matéria fática para dizer se houve ou não tal dolo. Assim, os precedentes do STJ em geral sugerem que, em casos tais, não deve haver condenação por improbidade, mas observemos que tal se dá por uma questão jurídico-processual.
Assim, o acerto ou desacerto da decisão de condenação por improbidade administrativa em razão de demora na prestação de contas dependerá do exame de cada caso concreto.
Ou seja, via de regra, a jurisprudência do STJ não tem aceito a interpretação de que o mero atraso na prestação de contas enseje reconhecimento de improbidade administrativa, mas também, por outro lado, o STJ não tem afastado a possibilidade que as instâncias ordinárias condenem o gestor público por improbidade administrativa se as provas dos autos revelarem que a prestação de contas não ocorreu em razão de má-fé, de omissão dolosa.
Conferir recentes julgados:
“2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, para a configuração do ato de improbidade previsto no art. 11, inc. VI, da Lei n. 8.429/92, não basta o mero atraso na prestação de contas, sendo necessário demonstrar a má-fé ou o dolo genérico na prática de ato tipificado no aludido preceito normativo. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ - AgRg no REsp 1223106/RN, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/10/2014, DJe 20/11/2014);
“3. A Lei n. 8.429/1992 define, em seu artigo 11, inciso VI, que a ausência de prestação de contas é ato ímprobo. Porém, deve-se destacar que não é a simples ausência de prestação de contas, no prazo em que deveria ser apresentada, que implica na caracterização do ato de improbidade administrativa, sendo necessário aferir o motivo do atraso na prestação de contas e os efeitos decorrentes. 4. No caso dos autos, o acórdão a quo não consignou nenhum fato que pudesse dar ensejo ao entendimento de que o réu extrapolou o prazo da prestação de contas com o intuito de locupletar-se, de alguma forma, de seu ato omissivo. Nesse contexto, não há como em sede de recurso especial entender-se pela configuração do ato ímprobo. 5. Agravo regimental não provido” (STJ - AgRg no REsp 1295240/PI, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/09/2013, DJe 10/09/2013);
“2. As considerações feitas pelo Tribunal de origem afastam a prática do ato de improbidade administrativa por violação de princípios da administração pública, uma vez que não foi constatado o elemento subjetivo do dolo na conduta do agente, mesmo na modalidade genérica, o que não permite o reconhecimento de ato de improbidade previsto no art. 11. da Lei 8.429/92. 3. O Tribunal a quo decidiu de acordo com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que ‘a caracterização do ato de improbidade por ofensa a princípios da administração pública exige a demonstração do dolo lato sensu ou genérico’ (EREsp 772.241/MG, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, DJe 6/9/2011) 88
Portanto, a demora dolosa, isto é, de má-fé, na prestação de contas da utilização adequada dos recursos do PNATE, que possa ser interpretada como “deixar de prestar contas”, configura a improbidade administrativa prevista no inciso VI do art. 11. da Lei nº 8.429/1992, mas o dolo teria que ser reconhecido pelas instâncias ordinárias, a considerar-se o que sugere a jurisprudência do STJ.