1. Introdução
O estudo da ética pode ser procedido de diversas maneiras e sob diversos pontos de vista. Podemos iniciar o estudo a partir de sua concepção etimológica e daí então passar a interpretar deontológicamente seus conceitos e sentidos, é dizer, agregar ao estudo um gradiente de valores. Aliás, acredito que esta seja a forma mais eficaz de compreender o presente trabalho, que tem por objeto a análise de um caso concreto que envolva essas questões: ética e segurança pública.
Muito se poderia abordar sobre tais questões, uma vez que não há que se falar em Segurança Pública onde existem personagens das mais variadas classes, sem que seja atrelado senão uma questão ética por mais simples que seja qualquer caso ou qualquer ação policial, ou ainda qualquer demanda populacional.
Dentre essa enorme gama de questões que poderiam ser abordadas, ative este trabalho em analisar uma questão que tenho maior afinidade e com isso mais subsídios de questionamentos, bem como respostas mais aprofundadas.
O caso que trouxe à baila, se trata de um evento ocorrido na abertura da copa do mundo no Brasil, especificamente no jogo entre Brasil e Croácia, em que houve um impasse na tomada de decisões do comandante da segurança interna do evento, quando um atirador de precisão da polícia civil de São Paulo, dando cobertura de segurança a determinada área da tribuna de honra do estádio, identificou uma pessoa desconhecida, cujo acesso não lhe era permitido, transitando pelo perímetro guarnecido pelo policial. Tratava-se da área onde estavam presentes alguns chefes de Estado, dentre eles a Presidente do Brasil, a Exma. Srª. Dilma Vana Rousseff.
De pronto ao engajar pelo aparelho óptico de pontaria tal pessoa desconhecida, o atirador e seu respectivo espectador comunicaram tal fato ao centro de controle e segurança, solicitando então pronta autorização a neutralizar o possível causador de uma ameaça.
Com muita prudência, o centro de controle tomou medidas no sentido de identificar aquele suspeito desconhecido, mormente se apurou que era um policial militar que burlou as barreiras que lhe impediriam de entrar naquele recinto, para poder assistir ao espetáculo.
Tudo foi resolvido da forma mais pacifica e diplomática entre as corporações, sem maiores danos ou qualquer tragédia, mas o fato foi importante para despertar algumas indagações sobre essa figura tão enaltecida nos filmes de hollyood, que é o “sniper”, juntamente com as questões éticas que o cerca.
2. Ética nas suas concepções mais puras...
A palavra ética se origina do termo grego ethos, que significa "modo de ser", "caráter", "costume", "comportamento". De fato, a ética é o estudo desses aspectos do ser humano: por um lado, procurando descobrir o que está por trás do nosso modo de ser e de agir; por outro, procurando estabelecer as maneiras mais convenientes de sermos e agirmos. Assim, pode-se dizer que a ética trata do que é "bom" e do que é "mau" para nós.
Bom e mau, ou melhor, Bem e Mal, entretanto, são valores que não apresentam, para o ser humano, um caráter absoluto. Ao longo dos tempos, nas mais diversas civilizações, várias interpretações serão dadas a essas duas noções. A ética acompanha esse desenvolvimento histórico, para que isso sirva de base para uma reflexão sobre como ser ético no tempo presente.
De fato, o termo ética em sua etimologia, revela que éthos está ligado a essas idéias primordiais (é a abstração das experiências morais hauridas pela prática vivencial sócio-humana). E, da análise, revela-se que éthos (grego singular) é o hábito ou o comportamento pessoal, decorrente da natureza ou das convenções sociais ou da educação; éthe (grego,plural) é o conjunto de hábitos ou comportamentos de grupos ou de uma coletividade, podendo corresponder aos próprios costumes.
“Conceituar ética já leva à conclusão de que ela não se confunde com a moral, pese embora aparente identidade etimológica de significado. Ethos, em grego e mos, em latim, querem dizer costume. Nesse sentido, a ética seria uma teoria dos costumes. Ou melhor, a ética é a ciência dos costumes. Já a moral não é ciência, senão objeto da ciência. Como ciência, a ética procura extrair dos fatos morais os princípios gerais a eles aplicáveis”. (Nalini, Ética Geral e Profissional, 2. ed.,1999, p.34).
Se o comportamento humano é o grande foco de atenção das discussões sobre a eticidade, num primeiro olhar, que é que se constata no comportamento humano? Parte-se de uma pergunta: do que é que somos capazes como seres capazes de razão, de deliberação e decisão? Do que é que somos capazes por sermos seres que pensam causas e fins, meios e métodos, por sermos seres que intentam, que confabulam, que refletem, que agem e que são capazes de criação? O que podemos fazer como seres criativos?
Somos capazes de agir, fazer, produzir, inovar, revolucionar, mudar, instituir, estruturar, formar, construir, dominar, sistematizar, calcular, etc. No entanto, é paradoxal que a capacidade de criar-se se encontra alinhada com a paralela capacidade de destruir. E essa parece ser uma força tão equivalente àquela criativa. É assim que fenômenos absolutamente assintônicos diametralmente opostos convivem lado a lado, produzindo todas as contradições que marcam a vida social. (Bittar, Eduardo Carlos Bianca – Curso de Filosofia do Direito 4ª Ed. – São Paulo : Atlas, 2005).
3. Tiro de precisão, comprometimento e a ética policial
Várias são as nomenclaturas sobre o atirador de precisão, conhecido mundialmente pelo nome de sniper, mas dentre outras concepções como atirador de elite, satélite de proteção, caçador entre outras, como na Polícia Civil de São Paulo, Atirador Estratégico de Proteção à Vida - AEPV.
O que mais importa há cerca desta questão é sobretudo no que tange ao emprego desta pedra fundamental na arquitetura da Segurança Pública, e justamente a este respeito que se evolvem algumas questões éticas.
A atividade policial ocidental, incluindo, evidentemente, a brasileira, busca a solução da crise através de meios não letais, os quais se iniciam pela negociação.
Uma vez constatada o insucesso dos meios não letais de solução da crise envolvendo reféns, a atividade policial poderá optar pela utilização do tiro de comprometimento, solução extrema e que, sem sobre de dúvida, ferirá bens jurídicos tutelados pelo direito.
Deixando de lado as questões jurídicas sobre o tema e atendo-se puramente a sustentação ética sobre a dualidade vida-morte, e quem detém o domínio da decisão entre esta escolha contraposta, passamos a tecer alguns comentários atinentes ao tema deste trabalho.
Em que pese a decisão de efetuar o disparo do rifle frente à cessação de um evento crítico não parta do atirador, o peso deste deslinde sem dúvidas também recairá sobre os pensamentos do atirador, que em algum momento de sua vida poderá refletir sobre suas ações e entrará exatamente em uma discussão ética sobre o certo e o errado.Em verdade, desprezando sentimentos e sensacionalismos, a se pensar com a razão pura, não é fácil entender as eloqüências que surgiriam a cada tiro disparado contra um anteparo humano.
Resumidamente, ao se efetuar um disparo para se conter um tomador de determinado evento crítico, além de toda análise do cenário, da arma, equipamentos, munição, deve tal disparo ser visado em um ponto especial de maneira a desligar imediatamente seu sistema motor, impedindo uma contração muscular que poderia resultar no apertar do gatilho, resultando em uma tragédia.
Em poucas palavras traduzi a finidade do emprego estratégico do atirador de precisão para que possamos partir de uma premissa básica para o estudo que se trata da necessidade, como baluarte do resultado efetivo e satisfatório na resolução do evento crítico.
Sob o prisma do atirador de precisão toda questão ética seria resolvida sobre a seguinte conclusão.... Cessão a agressão, cumpri ordem e salvei vidas. Mas sabemos que não é sempre assim..... As vezes o sucesso da ação seria apenas a forma de mascarar o insucesso das outras estratégias táticas.... É uma questão a se pensar.
4.Conclusão
Muito há de se pensar sobre o aspecto ético na atividade policial, principalmente quando se trata do tiro de comprometimento, que resulta simplesmente na sentença de morte antecipada, pois com um simples apertar de gatilho, ceifa-se uma vida por outra. Vem então a questão da disponibilidade de bens jurídicos, ou seja, é legitimo o Estado negociar o bem jurídico VIDA, a partir de um evento crítico em que se faz uma vida inocente de refém?
Sem dúvidas além de ser uma questão jurídica, é essencialmente ética. E com base nos argumentos apresentados, fico com a opinião de que se necessário e como última ratio, após cumpridas todas as etapas de gerenciamento da crise, é perfeitamente permissivo tal aplicação.
As vezes o que é ético embora o seja, pode num primeiro momento não transparecer, mas todas as questões humanas precisam ser observadas sob vário pontos de vista, isto a torna ética ou não.