Estado não pode violar sigilo de correspondência de preso

10/07/2015 às 16:24
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A apreensão de um “bilhete” escrito por Marcelo Odebrecht, preso preventivamente na 14ª fase da Operação Lava Jato, trouxe à imprensa uma discussão jurídica de suma importância, qual seja, a violação de sigilo de correspondência de presos por parte de agentes do Estado.

 Em tempos novos, de alertas, receios e anseios, não podemos deixar ruir a Democracia e o Estado Democrático de Direito e, assim, diversos temas precisam ser tratados com cuidado e atenção. Valendo-se da expressão, mais em voga na última semana – erga omnes –, em seu sentido mais amplo, a lei alcança todos os cidadãos brasileiros, posto que não existe nenhum acima dela.

Assim, sem adentrar ao mérito e aos fatos em investigação na sobrecitada Operação, o tema deve ser enfrentado, tendo a imprensa sempre uma enorme importância na instrução e na informação da população em geral. Questiona-se, dessa feita, se é permitido ao Estado violar direitos e garantias dos cidadãos, no caso o sigilo de correspondência, o direito de defesa e o exercício da advocacia, pelo fato de estarem sob sua custódia?

 Inicialmente, é garantido a todos, sem distinção de qualquer natureza, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, sendo ainda inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal).

Utilizando-se de trecho do brilhante voto proferido outrora pelo ministro Eros Grau, “de que vale a Constituição dizer que ‘é inviolável o sigilo da correspondência’?”. Não vale nada “dizer” se não for aplicado o direito, legitimando-se condutas arbitrárias e desmedidas que alcançarão a todos os cidadãos, uma vez que o desrespeito à garantia de um, ofende o direito de todos (HC 95009, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2008).

 Pois bem, deve-se entender por correspondência qualquer forma de intercâmbio de mensagens e, portanto, um “bilhete”, ainda que aberto, não poderia ser violado, uma vez que o que se preserva é o sigilo do conteúdo da correspondência e não a forma em que ela fora enviada. Portanto, sendo a correspondência enviada por pombo, e-mail ou carta, o conteúdo da mensagem é que deve ser protegido.

De toda forma, pode ser entendido que o direito ao sigilo de correspondência não é absoluto, podendo ser afastado em casos extremos, de forma justificada e fundamentada, por decisão judicial. Devendo esta ser precedida, sempre, da indicação de causa provável e, também, da referência a fatos concretos, sob pena de invalidação.

 No caso concreto, todavia, o “bilhete” tinha por destinatário o advogado do preso. Neste caso, diferentemente do quanto acima exposto, tendo em vista o sagrado direito de defesa do acusado e do livre exercício da advocacia, por nenhuma hipótese, nem mesmo por determinação judicial, o sigilo do conteúdo da correspondência poderia ter sido violado. Extensivamente, considera-se a comunicação entre o cliente e o advogado conteúdo do próprio direito de defesa e, com isso, parte da inviolabilidade do próprio arquivo do advogado, ferindo também direito deste, constitucionalmente garantido. 

Dessa forma, a todos deve ser garantido o sigilo das correspondências, não podendo o Estado, como em muitos estabelecimentos, de forma aleatória e abrangente, criar um “departamento de censura” para ler e analisar o conteúdo das cartas enviadas e recebidas pelos presos, como se estes estivessem com todos os seus direitos e garantias constitucionais suspensos.

Por fim, o ato praticado se afasta da ética e deixa manca a justiça, pois dela retira uma de suas bases, a do advogado, indispensável à sua própria administração e existência.  

Sobre o autor
Miguel Pereira Neto

Presidente da Comissão Permanente de Estudos sobre Corrupção, Crimes Econômicos, Financeiros e Tributários do IASP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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