Uma análise das normas-penas em confronto com as normas-garantias previstas na legislação brasileira

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10/07/2015 às 18:15
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[1] Depreende-se do artigo 1º da Constituição Federal de 1988 que: “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político”.

[2] Numa palavra, além de estarem submissos à aplicação das leis pátrias acaso cometam algum crime, devem os agentes de persecução criminal respeitar com rigor as normas de defesa em favor de qualquer acusado (ou investigado), sob pena de cometerem crime de abuso de autoridade.

[3] A palavra Legislação é aqui empregada em maiúsculo para designar, a um tempo, a Constituição Federal e as leis infraconstitucionais em geral.

[4] Leia-se, basicamente, a Polícia Judiciária e o Ministério Público, como órgãos de investigação e de persecução penal, e o Poder Judiciário, na qualidade de órgão julgador.

[5] Tal expressão é utiliza para ressaltar os interesses de indivíduos destituídos de recursos políticos, econômicos e sociais, os quais se acham em situação de diminuta ou nenhuma influência a reverberar na aplicação da Lei Penal pelos órgãos do Estado.

[6] A despeito da sua inegável importância, em matéria de direito penal caminham os princípios jurídicos pari passu com as normas-regra (legalidade estrita), cabendo a estas sedimentarem as mudanças estruturais promovidas a partir da aplicação pelos tribunais daqueles, conforme se verá. Segundo Humberto Ávila (2013, 75-85), determinadas normas, a depender do ângulo sob o qual serão examinadas, podem ter estrutura de regra, de princípio ou de postulado, de modo que, em rigor, o princípio da legalidade, no âmbito do direito penal, dada a sua natureza eminentemente descritiva, tem estrutura de norma-regra.

[7] Tais normas, num primeiro estagio, poderiam não ser jurídicas no sentido que têm atualmente, mas no de normas socialmente estabelecidas e aceitas (primitivas). Com o advento da ideia de Estado Constitucional de Direito, essas normas seriam jurídicas no sentido próprio do termo, eis que estabelecidas pelo Estado a partir de critérios formais, estando o próprio Estado desta feita a elas submetido.

[8] Para Aristóteles felicidade, virtude e justiça andam juntas e em certa medida são interdependentes. A ética aristotélica foi estudada por Hans Kelsen na obra O que é justiça?, onde lembra que para Aristóteles justiça “é uma função do Estado. Pois o Direito é a ordem da comunidade política; e o Direito determina o que é justo”. Assim, conclui: “Se é a justiça que determina o que é justo, a justiça é a legitimidade; e se a justiça é igualdade, é apenas igualdade perante o Direito” (Cf. KELSEN, Hans. O que é justiça? Trad. Luís Carlos Borges. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 132).

[9] Sob este prisma, por exemplo, seria da essência do escravo ser escravo e em sendo escravo estaria obedecendo a uma predisposição natural, portanto contribuindo para o bem comum e nisto se realizando plenamente.

[10] O jurista cearense Arnaldo Vasconcelos, diferentemente de Hans Kelsen, defende que sanção não se confunde com coação, sendo esta acidental e não essencial ao Direito. Nesse diapasão, após afirmar que direito e força são realidades incomunicáveis, arremata: “tornar-se-ia evidente, por esse modo, que o conceito de Direito como conjunto de norma para ao exercício da força pertence, mais propriamente, ao imaginário jurídico” (Cf. VASCONCELOS, Arnaldo. Direito e força: uma visão pluridimensional da coação jurídica. São Paulo: Dialética, 2001, p. 23).

[11] O espírito da Constituinte de 1987, segundo o Professor Paulo Bonavides, girou em torno da necessidade do fim “daquela ruptura prolongada que fora a chamada ‘revolução permanente’ do golpe de Estado de 1964” (Cf. BONAVIDES, Paulo; et al. História constitucional do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 451).

[12] Aqui a Constituição estabelece (não de forma taxativa) outros nortes sobre a pena, sobretudo quando afirma que a lei regulará a individualização da pena e adotará entre outras modalidades. Essa abertura proporcionou a instituição da nova política criminal de drogas, prevista na Lei n.º 11.343/2006, sobre a qual se comentará adiante.

[13] Quanto à pena privativa de liberdade prescreve os incisos XLVIII, XLIX e L do mesmo artigo, verbis: “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”; “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”; “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”.

[14] A multa será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. Segundo a literalidade do dispositivo legal, o valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário e será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária.

[15] É o que ocorreu com Nilo Batista, citado por Guilherme Nucci (In: NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7. ed. rev., atual. e ampl. 2. tir. São Paulo: RT, 2007, p. 339).

[16] Os critérios para a transação penal encontram-se previstos no § 2º do artigo 76 da referida lei, litteris: “Não se admitirá a proposta se ficar comprovado: I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo; III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida”.

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[17] Mesmo a proposta de suspensão condicional do processo, uma vez aceita pelo acusado, o submete a um período de prova, sob as condições cumulativas de reparar o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, proibição de frequentar determinados lugares, proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz e, por último, comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades, sem falar que o juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado (vide artigo 89, §§ 1º e 2º).

[18] Referente à prisão preventiva, os requisitos que a autorizam estão prescritos no artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP), que reza: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”, podendo ainda ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares, a teor do art. 282, § 4o.

[19] Em nível de primeiro grau de jurisdição, essa é a segunda fase judicial no processo criminal (lato senso), e vem após a condenação, tudo a ocorrer nos autos apartados de execução penal, no qual são decididos pedidos de progressão de regime e de livramento condicional, dentre outros. Na primeira fase, que em geral vai do recebimento do auto de prisão em flagrante até a sentença, as decisões são provisórias, daí seu caráter processual.

[20] Segue a Ementa: “PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § lº, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90”.

[21] A nova redação do dispositivo em apreciação está assim articulada: “a progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente”.

[22] Recentemente o STF confirmou que a exigência de cumprimento de um sexto da pena para a progressão de regime se aplica aos crimes hediondos praticados antes da vigência da Lei n.º 11.464/2007, onde a decisão se deu em análise do Recurso Extraordinário 579.167, com repercussão geral. Eis a Ementa: “SEGURANÇA JURÍDICA – APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO. A primeira condição da segurança jurídica é a irretroatividade da lei, no que editada para viger prospectivamente, regendo atos e fatos que venham a ocorrer. LEI – APLICAÇÃO NO TEMPO – PENAL. O princípio da irretroatividade da lei surge robustecido ante o disposto no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal – “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. PENA – REGIME DE CUMPRIMENTO – DEFINIÇÃO. O regime de cumprimento da pena é norteado, considerada a proteção do condenado, pela lei em vigor na data em que implementada a prática delituosa. PENA – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – FATOR TEMPORAL. A Lei nº 11.464/07, que majorou o tempo necessário a progredir-se no cumprimento da pena, não se aplica a situações jurídicas que retratem crime cometido em momento anterior à respectiva vigência – precedentes. LEI PENAL – INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA – EXTENSÃO – IMPROPRIEDADE. Descabe interpretar analogicamente norma penal benéfica ao acusado a ponto de introduzir, no cenário, quanto a instituto nela não tratado, exigência relativa ao cumprimento de parte da pena para progredir”.

[23] No mesmo caminhar, o STF tem admitido aos condenados por delitos hediondos o direito de substituição da pena de prisão por pena restritiva de direito, nas hipóteses de crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa (In: CANOTILHO, J. J. Gomes; et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013,  p. 408).

[24] Uma análise meramente perfunctória revela que grande parte dos presidiários no Brasil são pessoas pobres na acepção jurídica do termo, além do que amargam prisões provisórias ou processuais, o que indica que estão presos sem julgamento definitivo.

Sobre o autor
Emetério Silva Oliveira Neto

Advogado; Bacharel em Direito e Especialista em Direito Penal e Criminologia, ambos pela Universidade Regional do Cariri (URCA); Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará (UFC)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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