Quem são os canalhas extrativistas?

10/07/2015 às 18:32
Leia nesta página:

Os que criticam e censuram tão-somente as lideranças políticas e os desastrados governos do PT (2003-2015) ou do PSDB (1994-2002) ou todos os que lideraram o poder depois da redemocratização (Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma) ou mesmo os golpistas civis-militares, que impuseram três golpes de Estado durante a República (1889-1894, 1930-1945 e 1964-1985), ou os presidentes civis que se sucederam (de 1894 a 1963) em suas falcatruas ou os dois Impérios napoleônicos (1822-1888), não veem que toda nossa História. Toda nossa formação e desenvolvimento está inteiramente dominada por canalhas extrativistas, desde os mais primitivos e toscos, do tempo do fazendão colonial chamado Brasil, até as escórias atuais que permeiam inclusive (e, sobretudo) as classes dominantes (poderosos econômicos, financeiros, administrativos, políticos e sociais).

Canalha é o aproveitador, explorador, o mau-caráter, o pilantra, o que sacaneia as outras pessoas, daí também ser conhecido como um sujeito vil ou cafajeste. Extrativismo, no sentido natural, significa extrair (sugar, se apropriar, arrebatar, parasitar) os bens da natureza. Mas também existe o extrativismo social (parasitismo sanguessuga da mão-de-obra alheia), econômico (egoísmo imoral), político (roubalheira da coisa pública), administrativo (peculato, corrupção) etc. O canalha extrativista é o que pratica o extrativismo amoral (sem noção de moral) ou imoral (o que atua contra os princípios e valores morais que ele sabe que existem).

Toda colonização brasileira (aliás, de toda América Latina), diferentemente do que se passou com a colonização norte-americana (onde nem os índios nem os primeiros colonos aceitaram ser escravos),[1] foi socioeconomicamente regida por canalhas extrativistas amorais (exploradores sem piedade da natureza e dos indígenas e escravos, sem senso de moralidade ou eticidade). Vários heróis nacionais (Hernán Cortés por sua expedição no México, Pizarro no Peru, Toledo nos Andes, Mendoza na Argentina, João Ramalho em São Paulo, os Bandeirantes e suas cruzadas no interior do Brasil etc.) ostentam, na verdade, uma folha corrida de vilanias e barbáries inenarráveis.[2]

Esse extrativismo primitivo (depois do desenvolvimento do capitalismo econômico e financeiro e das Revoluções Industriais e Tecnológicas) mudou de feição, posto que passou a ser imoral (contra os valores ou princípios morais), mas, de qualquer modo, está profundamente impregnado em grande parte das almas herdeiras da cultura extrativista ibérica.[3] Tanto os espanhóis como os portugueses para essas bandas vieram (pelo “Mar Tenebroso”) para explorar e extrativar tudo que encontravam. Procuravam recursos para extrair e mão de obra para coagir, escravizar, evangelizar e massacrar. Objetivavam apenas riquezas, às custas do trabalho escravo de outros seres humanos. Os primeiros colonos não tinham o menor interesse em lavrar o terreno com suas próprias mãos. Queriam que outros humanos trabalhassem para eles, porque o escopo eram as riquezas (ouro e prata) para saquear. Hernán Cortés teria dito (em 1519, quando chegou no México): “Estou aqui para me enriquecer, não para trabalhar”.

Canalhas extrativistas, em suma, são os que estabelecem uma trajetória de vida exageradamente gananciosa e egoísta, parasitária, corrupta, aproveitadora, sugadora, pilantra, exploradora, vil ou cafajeste; é o que, para se enriquecer, não respeita os valores morais básicos nem individuais nem coletivos. Esses extrativistas imorais não sabem distinguir o desejado do desejável.[4] Entre o desejado (o que pretendemos fazer) e o desejável (o que podemos fazer sem amesquinhar a ética) há uma grande distância. É a ética que transforma tudo aquilo que desejamos em algo merecedor do nosso desejo (em algo individual e coletivamente desejável). A ética, como se vê, é um filtro. É o filtro que separa o desejado do desejável. Esse é o filtro ignorado pelos canalhas extrativistas (ou seja: pelos extrativistas imorais, que fazem parte da escória mais degradante do século XXI).


Notas

[1] ACEMOGLU, Daron e ROBINSON, James. Tradução: Cristiana Serra. Por que as nações fracassam. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 5 e ss.

[2] WEFFORT, Francisco. Espada, cobiça e fé. Rio de Janeiro> Civilização Brasileira, 2012., p. 171 e ss.

[3] WEFFORT, Francisco. Espada, cobiça e fé. Rio de Janeiro> Civilização Brasileira, 2012.

[4] GIANNETTI, Eduardo. Vícios privados, benefícios públicos?. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 140.

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos