O delegado de Polícia contemporâneo não pode mais ser considerado aquele antigo operador do direito especializado em diferenciar crime de contravenção penal. […]. O delegado de Polícia contemporâneo [...] deve estar em consonância com a evolução da doutrina e da jurisprudência, e não somente com a lei, visto que, como dito, dada a constitucionalização do direito, o ordenamento jurídico é muito mais do que a lei. Portanto, ter a noção exata da finalidade da pena, que nada mais é do que a finalidade do direito penal é fator fundamental para o exercício das funções inerentes ao cargo de delegado de Polícia. […]. Daí a razão pela qual se faz indispensável a todos os operadores do direito penal a análise das teorias das penas, porquanto são elas que revelam o verdadeiro conteúdo e a missão da importante função de punir os membros da sociedade, que, embora dotados de discernimento, não estabelecem comunicação com a norma e, por isso, desestabilizam o sistema com seus comportamentos.
ARMANDO SÉRGIO PRADO DE TOLEDO. Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Resumo: Este texto aborda, sucintamente, as atribuições do Delegado de Polícia, em especial no âmbito investigativo e no exercício de atividades de Polícia Judiciária, num modelo de estado democrático de direito, se destacando em defesa das garantias constitucionais.
Palavras-Chave: Delegado de Polícia, Atribuições, estado democrático de direito, defesa das garantias constitucionais.
Conforme preceitua a Constituição Federal, no seu art. 144, § 4º, incumbem às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira (...) as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais (...).
Desta forma, nota-se que duas seriam, em tese, as atribuições do Delegado de Polícia:
a) de Polícia Judiciária;e
b) de apuração de infrações penais.
Para reforçar a importâncias de suas atribuições, foi editada a Lei nº 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, e logo no artigo 2º consigna:
Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
§ 2º Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.
Percebe-se, claramente, que algumas garantias serão asseguradas à atividade investigativa da Polícia no chamado filtro processual tendente a busca da reprodução fotográfica dos episódios criminais, como a essencialidade das funções de polícia judiciária e apuração das infrações penais, finalidade dualista das funções de polícia - autoria e materialidade -, poder requisitório do Delegado de Polícia, garantia do delegado de polícia natural, com roupagem mitigada, inamovibilidade relativa, indiciamento privativo, isonomia protocolar com outras carreiras jurídicas, além de outras garantias.
Temos, portanto, no segundo viés, a essência do trabalho da Polícia Civil, a investigação das infrações penais. Nesse contexto o trabalho investigativo, gerenciado pelo Delegado de Polícia, irá conjugar esforços, confrontando todos os elementos probatórios colhidos durante a ação investigativa, a fim de se concluir pela autoria e materialidade do crime, e em determinados tipos penais confirmando sua motivação e mecânica, que além de esclarecer o crime, em si, servirá para estudar a dinâmica criminal de determinada região, o que permitirá um melhor diagnóstico pelo Poder Público, lato sensu.
Destaca-se que a ação investigativa gerenciada pelo Delegado de Polícia seria calcada em uma pesquisa que busca informações em fontes diversas, para organizá-las e chegar a uma conclusão, utilizando-se de vários saberes distintos do próprio Direito. Nessa esteira, importante ressaltar o princípio norteador da investigação que seria o da indivisibilidade, que quer dizer que a ação investigativa é ato indivisível, não sendo possível fracioná-la, sob pena de se alcançar conclusões equivocadas.
Assim, todos os elementos colhidos durante a investigação devem ser confrontados e analisados de forma metodológica.
Já a atividade de Polícia Judiciária, não somenos importante, seria aquela onde o Delegado de Polícia substitui a figura do Juiz, em situações emergenciais, possíveis de caracterização de flagrante delito, quando o Delegado de Polícia/Juiz, então, analisará os fatos sob a ótica jurídica, podendo ratificar a prisão, recolhendo o criminoso ao cárcere, podendo não ratificar a prisão por entender que não estão presentes elementos peremptórios que confirmem que o sujeito encontrava-se em estado flagrancial, bem como é permitido o arbitramento de fiança, nas situações legalmente previstas.
As Polícias Civis, compreendendo-se aqui a Federal, são dirigidas por Delegado de Polícia de carreira, profissional de incontestável carreira jurídica, conforme se depreende da Constituição do Estado de Minas Gerais, onde se preceitua no art. 140, § 3º que:
“para o ingresso na carreira de Delegado de Polícia, é exigido o título de Bacharel em Direito e concurso público, realizado com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil (...).”.
Carece destaque, ainda, os princípios constitucionalmente previstos na Constituição Federal, em seu art. 37, que norteiam a atuação da Administração Pública, dentre os quais destaca-se o princípio da Legalidade, suporte basilar da atuação do Delegado de Polícia, como operador de direito que é, e cuja formação, obrigatoriamente, deverá ser de bacharel em curso de graduação em Direito.
Segundo apregoa o mestre Fernando da Costa Tourinho Filho, em sua obra Processo Penal vol. 32 – Ed. Saraiva, “(...) efetuada a prisão em flagrante, o preso, ou, segundo a terminologia do nosso Direito, o conduzido, deverá ser apresentado à Autoridade Policial competente por aquele que efetuou a prisão e que se chama condutor (...)”, ou seja, o Delegado de Polícia, Autoridade Policial, deverá receber o conduzido e proceder à análise jurídica concernente aos fatos narrados, com o fito de se decidir o destino do suposto infrator.
Posta a responsabilidade do Delegado de Polícia quando do exercício da atribuição de Polícia Judiciária, cabe mencionar que os grandes estudiosos da ciência jurídica definem como autoridade pública “o servidor que exerce em nome próprio o poder do Estado, tomando decisões, impondo regras, dando ordens, restringindo bens jurídicos e direitos individuais, tudo dentro dos limites da lei”
E o Delegado de Polícia, como autoridade pública que é, para o exercício condigno da missão que o Estado lhe confia, requer atributos intelectuais, técnicos profissionais e, acima de tudo, morais. Deverá ter firmeza de caráter, dedicação ao trabalho, cultivar a verdade, atualizar-se constantemente nos seus misteres e desenvolver o senso de justiça, em todos os seus atos.
Para cumprir sua missão com transparência, tecnicismo, legitimidade e pautado na legalidade, impera-se que o Delegado de Polícia motive suas decisões, principalmente, na atuação de Polícia Judiciária, já que nessa situação substitui a figura do Juiz e profere, sim, decisões.
O art. 93, IX, da Constituição da República, prevê que Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões.
Outro não deve ser o entendimento, quando se analisa a atuação do Delegado de Polícia diante de fatos impostos como crime. Deverá a Autoridade Policial analisar juridicamente os fatos trazidos à baila, como operador de direito que é, e fundamentar suas decisões, em respeito ao tecnicismo inerente ao Delegado de Polícia, e aos princípios da legalidade, moralidade e eficiência.
É digna de destaque a Instrução Normativa 01/CSPC/95, que trata de forma sistêmica, clara e concisa, de todos os temas relacionados com o inquérito policial. Referida Instrução no parágrafo único do art. 108, faz menção expressa a necessidade de fundamentação no caso de ratificação de flagrante por crime de tráfico de drogas, antes previsto na Lei nº 6368/76, senão vejamos:
Parágrafo Único - Nos casos de autuação em flagrante por crimes tipificados na Lei n ° 6.368/76, antes de fornecer a nota de culpa ao indiciado, a autoridade policial, por despacho, deverá justificar os motivos que a nortearam para o enquadramento penal do fato, obedecendo às disposições do art. 37 e parágrafo único do referido diploma legal. destaque nosso.
Outro não é o entendimento da nova Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), em seu art.52, I, que trata da necessidade da fundamentação, pela Autoridade Policial, quando do Relatório final, senão vejamos:
Art. 52. Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade de polícia judiciária, remetendo os autos do inquérito ao juízo:
I - relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente;
Costume-se afirmar que o Delegado de Polícia é o primeiro juiz natural da causa. É ele que recebe o fato bruto, é quem deve decidir quando ainda afloram as emoções, a revolta, o ódio, e outros sentimentos das partes envolvidas, quais sejam, de autores, vítimas, familiares, além de profissionais da imprensa, que estão ali para procederem a cobertura jornalística.
Assim, com extrema dedicação e apurado equilíbrio deve agir com parcimônia e neutralidade, a fim de garantir que as primeiras provas sejam produzidas de forma equânime e desapaixonada.
E depois dessas primeiras providências, deve agir como verdadeiro juiz de garantia, adotando, rigorosamente, todas as medidas legais que o caso requer, lavrando auto de prisão em flagrante, requisitando perícias diversas, arbitrando valor de fiança, se o for o caso, representando por medidas cautelares, além de outras inúmeras atribuições previstas em leis.
Em síntese, é possível afirmar que as funções do Delegado de Polícia são técnicas, jurídicas e científicas, buscando sempre aprimorar o sistema de justiça criminal no Brasil.
Como ensina com autoridade o Professor Luiz Flávio Gomes:
"a investigação preliminar cumpre a “função de filtro processual contra acusações infundadas”; embora a sua própria existência já “configure um atentado ao chamado status dignitatis do investigado”, e daí decorrem duas conclusões: a primeira é que a investigação prévia através do inquérito policial é uma garantia constitucional do cidadão em face da intervenção do Estado na sua esfera privada porque ela atua como salvaguarda do jus libertatis e dostatus dignitatis; a segunda é que a investigação prévia não é somente fase anterior do processo penal, porque mesmo quando não há processo a investigação terá cumprido um papel na ordem jurídica".
Não se desconsidere, noutra toada, que o Delegado de Polícia sempre atua como primeiro jurista no processo penal, a saber:
"Em regra o Delegado de Polícia é o primeiro jurista a ter acesso ao fato criminoso, ou seja, é o primeiro receptor do caso concreto, tendo a atribuição de analisar juridicamente os fatos ocorridos e promover eficiente Investigação Criminal. Precisa agir com atenção e cautela diante da iminência de suas atribuições com o direito fundamental de liberdade da pessoa humana, pois muitas vezes terá o dever de cercear o direito à liberdade do indivíduo, como no caso da prisão em flagrante". (SOUZA FILHO, Gelson Amaro; COIMBRA, Mário)
Por derradeiro, o Delegado de Polícia, seja no exercício de Polícia Judiciária, seja na atividade investigativa, deve sempre motivar seus atos, como indicativo do conhecimento legal que possui, da transparência de suas decisões, em respeito ao princípio da legalidade e, por conseguinte, convergindo suas ações em prol da sociedade, na medida em que se promove a justiça social, evitando-se, por via oblíqua, a loquacidade inócua externa questionadora de seus atos.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Decreto nº 2848/1940. Define o Código Penal Brasileiro. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.