O processo como instrumento de pacificação social
"Muito mais consentâneo ao nosso ambiente cultural revela-se colocar o processo no centro da teoria do processo. Valoriza-se aí, em maior escala, o papel de todos que nele tomam parte, o modelo cooperativo de processo civil e o valor participação inerente à nossa democracia constitucional". "Tudo conflui, pois, à compreensão do processo civil a partir de uma nova fase metodológica - o formalismo-valorativo. Além de equacionar de maneira adequada as relações entre direito e processo, entre processo e Constituição e colocar o processo no centro da teoria do processo, o formalismo-valorativo mostra que o formalismo do processo é formado a partir de valores - justiça, igualdade, participação, efetividade, segurança -, base axiológica a partir da qual ressaem princípios, regras e postulados para sua elaboração dogmática, organização, interpretação e aplicação".
Resumo: Este texto analisa o processo como instrumento de pacificação social, com ênfase nas fases metodológicas e evolutivas do processo, desde a concepção da fase imanentista até alcançar a moderna doutrina formal-valorativa.
Palavras-Chave: Processo, fases evolutivas, Sincretista, Autonomista, Científica, Instrumentalista, Formal-valorativo.
O cidadão, quando se mostra insatisfeito com uma pretensão não atendida, não pode valer-se da justiça privada, para satisfação do seu interesse, ainda que legítimo, sob pena de responder pelo exercício arbitrário das próprias razões, conduta típica prevista no artigo 345 do Código Penal Brasileiro.
A inafastabilidade do controle jurisdicional é direito constitucional fundamental, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, segundo o qual, a lei não afastará da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direitos, sendo, portanto, núcleo imutável, ingressa no rol das chamadas cláusulas pétreas.
Deve buscar no Estado seu desiderato, que, uma vez provocado, desempenha sua função judicante inafastável, através do processo civilizado.
As partes conflitantes são chamadas para realizarem atividades em cooperação, com deveres, poderes, faculdades e sujeições, aos quais, somados, dá-se o nome de Processo.
CARNELUTTI define Processo como sendo um “conjunto de atos destinados à formação ou à atuação de comandos jurídicos, cujo caráter consiste na colaboração para tal fim, de pessoas interessadas (partes), com uma ou mais pessoas desinteressadas (juízes )”.
Assim, necessário adquirir a consciência de que, como instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo precisa refletir as bases do regime democrático.
O excelso Professor Cândido Rangel Dinamarco ensina que processo é o microcosmo democrático do Estado-de-Direito, com as conotações da liberdade, igualdade e participação, em clima de legalidade e responsabilidade.
Na primeira fase, sincretista, praxista, imanentista ou procedimentalista, o processo era considerado simples meio de exercício dos direitos.
A ação era o próprio Direito subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria forças para obter em juízo a reparação desta lesão.
Não se tinha noção do Direito processual como ramo autônomo do Direito e muito menos dos elementos para sua autonomia científica.
O processo segue uma simpática linha evolutiva: em meados do século passado, era considerado um simples meio de exercício de direitos, era chamado de direito adjetivo.
Assim, nessa primeira fase, sincretista, praxista, imanentista, ou procedimentalista, o processo era considerado simples meio de exercício dos direitos.
A ação era o próprio Direito subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria forças para obter em juízo a reparação desta lesão.
Não se tinha noção do Direito processual como ramo autônomo do Direito e muito menos dos elementos para sua autonomia científica.
Considerava a ação como sendo direito subjetivo material com forças para buscar em juízo a reparação do direito lesado.
A segunda fase, autonomista, conceitual, ou processualismo, é marcada pelas grandes construções científicas do Direito processual. Tiveram lugar as grandes teorias processuais, especialmente sobre a natureza jurídica da ação e do processo, as condições daquela e os pressupostos processuais.
Avançado, vamos deparar com a fase instrumentalista. Que o direito processual é autônomo em relação ao direito material, ninguém tem dúvida; que o direito processual hodierno é marcado por construções científicas, igualmente ninguém duvida.
Agora que o processo precisa voltar sua atenção para resultados práticos, com justiça efetiva para a sociedade, isso também ninguém pode olvidar.
Nessa fase, comentam-se sobre as “ondas renovatórias” como autêntico instrumento voltado para o acesso à Justiça; o consumidor destinatário do serviço não pode ser impedido de receber justiça efetiva. Justiça rápida, porque justiça lenta é a própria denegação.
O interesse em torno do acesso efetivo à justiça conduziu doutrinadores do mundo ocidental, a partir de 1965, ao discurso de posições e posicionamentos, emergindo, destarte, três diferentes ondas renovatórias.
A primeira onda de acesso foi a discussão em torno do movimento de “assistência judiciária”, perseguindo de forma viável os métodos para proporcionar assistência àqueles que não a podem custear, hoje elevado a nível constitucional, como sendo função essencial à Justiça ( art. 5º, LXXIV e art. 134 da CF/88 ).
A segunda fase refere-se às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses “difusos”, já que a concepção de direito processual tradicional não deixava espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo era visto tão somente como assunto entre duas partes.
Destinava-se à solução de uma contenda entre essas mesmas partes a respeito de seus direitos individuais.
Então dentro de uma visão moderna, deve existir um processo de massa para a perfeita garantia de direitos de massa, como meio ambiente, consumidores e uma proliferação de outros.
Assim, busca-se a tutela jurisdicional desses interesses supra-individuais a qualquer custo.
E para isso temos a ação civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo e as ações para proteção dos interesses homogêneos, além da ação direta de inconstitucionalidade.
A terceira, defendida por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, diz respeito ao chamado “enfoque de acesso à justiça”, isto porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo.
Essa terceira onda de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos.
Ela centra sua atenção ao conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar ou até mesmo para prevenir disputas na sociedade moderna.
“O processo é instrumento, e existe para proteger o direito “( Manoel Caetano Ferreira Filho ).
Nos dias atuais, fala-se numa moderna fase processual, o formalismo-valorativo, defendida pelo Prof. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, a que define como sendo aquela que aloca o processo para o centro da teoria geral, equacionando de maneira adequada direito e processo e processo e Constituição.
Eis o lúcido ensinamento do excelso Professor Álvaro de Oliveira, com ênfase para o Processo Civil, sempre saindo na frente quando o assunto é prestação de justiça:
"Muito mais consentâneo ao nosso ambiente cultural revela-se colocar o processo no centro da teoria do processo. Valoriza-se aí, em maior escala, o papel de todos que nele tomam parte, o modelo cooperativo de processo civil e o valor participação inerente à nossa democracia constitucional". "Tudo conflui, pois, à compreensão do processo civil a partir de uma nova fase metodológica - o formalismo-valorativo. Além de equacionar de maneira adequada as relações entre direito e processo, entre processo e Constituição e colocar o processo no centro da teoria do processo, o formalismo-valorativo mostra que o formalismo do processo é formado a partir de valores - justiça, igualdade, participação, efetividade, segurança -, base axiológica a partir da qual ressaem princípios, regras e postulados para sua elaboração dogmática, organização, interpretação e aplicação".
E ainda prossegue o iluminado jurista:
"Nessa perspectiva, o processo é visto, para além da técnica, como fenômeno cultural, produto do homem e não da natureza. Nele os valores constitucionais, principalmente o da efetividade e o da segurança, dão lugar a direitos fundamentais, com características de normas principais. A técnica passa a segundo plano, consistindo em mero meio de atingir o valor. O fim último do processo já não é mais apenas a realização do direito material, mas a concretização da justiça material, segundo as peculiaridades do caso. A lógica é argumentativa, problemática, da racionalidade prática. O juiz, mais do que ativo, deve ser cooperativo, como exigido por um modelo de democracia participativa e a nova lógica que informa a discussão judicial, ideias essas inseridas em um novo conceito, o de cidadania processual".
Esta fase também é tratada por outros autores, ainda em sede de processo civil, como neoprocessualismo e neoinstitucionalismo, sempre pautando os argumentos pela efetividade do processo e pela segurança jurídica, na qual o processo ganha contornos discursivos constitucionalizados, sendo, pois, uma conquista da própria cidadania.
É importante frisar que deve ser estabelecido no processo um verdadeiro diálogo cooperativo, sério e voltado para a realização do espírito comunitário, onde a concretização da justiça tem mais valor que o formalismo exagerado e a técnica processual.
O processo é, pois, um instrumento muito caro para a sociedade. E desta forma, não se pode desprezar o seu desiderato principal: proteger a sociedade, sem o sacrifício injustificado da liberdade.
Logo, deve o processo constituir-se um valioso aparato instrumental posto nas mãos do magistrado para a concretização da justiça, de modo rápido e informal, sem perder de vista o prestígio do contraditório e da efetividade jurisdicional.
Entrementes, não se pode negar acesso à justiça, além da resolução justa e rápida, como viés oriundo do direito fundamental, art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República.
“A expressão “acesso à justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico: - o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado”.( Mauro Cappelletti )
A sociedade não quer saber desse exacerbado tecnicismo jurídico, de manobras protelatórias em nome do princípio do contraditório e da ampla defesa.
É cada vez mais imperativo encarar o processo como instrumento de prestação de justiça e não meio de enrolar o consumidor final na efetividade da Justiça.
O povo quer mesmo é solução rápida e ágil, sem essa avalanche de recursos que servem tão somente para postergar a prestação da Justiça.
A comunidade ama de verdade e com fidelidade a celeridade processual e alimenta ódio mortal da morosidade processual.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. http://www2.planalto.gov.br, acesso em 04/02/2015, às 17h15min;
BRASIL. Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal. http://www2.planalto.gov.br/, acesso em 04/02/2015, às 17h16min;
JOBIM, Félix Marco. As fases Metodológicas do Processo. http://www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20140421181345.pdf. Acesso em 04/02/2015, às 17:23 h.