O processo como instrumento de pacificação social

14/07/2015 às 12:54
Leia nesta página:

Resumo: Este texto analisa o processo como instrumento de pacificação social, com ênfase nas fases metodológicas e evolutivas do processo, desde a concepção da fase imanentista até alcançar a moderna doutrina formal-valorativa.


                O processo como instrumento de pacificação social


"Muito mais consentâneo ao nosso ambiente cultural revela-se colocar o processo no centro da teoria do processo. Valoriza-se aí, em maior escala, o papel de todos que nele tomam parte, o modelo cooperativo de processo civil e o valor participação inerente à nossa democracia constitucional". "Tudo conflui, pois, à compreensão do processo civil a partir de uma nova fase metodológica - o formalismo-valorativo. Além de equacionar de maneira adequada as relações entre direito e processo, entre processo e Constituição e colocar o processo no centro da teoria do processo, o formalismo-valorativo mostra que o formalismo do processo é formado a partir de valores - justiça, igualdade, participação, efetividade, segurança -, base axiológica a partir da qual ressaem princípios, regras e postulados para sua elaboração dogmática, organização, interpretação e aplicação".
                                                                                                              

Resumo: Este texto analisa o processo como instrumento de pacificação social, com ênfase nas fases metodológicas e evolutivas do processo, desde a concepção da fase imanentista até alcançar a moderna doutrina formal-valorativa.

Palavras-Chave: Processo, fases evolutivas, Sincretista, Autonomista, Científica, Instrumentalista, Formal-valorativo. 

O cidadão, quando se mostra insatisfeito com uma pretensão não atendida, não pode valer-se da justiça privada, para satisfação do seu interesse, ainda que legítimo, sob pena de responder pelo exercício arbitrário das próprias razões, conduta típica prevista no artigo 345 do Código Penal Brasileiro.

A inafastabilidade do controle jurisdicional é direito constitucional fundamental, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, segundo o qual, a lei não afastará da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direitos, sendo, portanto, núcleo imutável, ingressa no rol das chamadas cláusulas pétreas.

Deve buscar no Estado seu desiderato, que, uma vez provocado, desempenha sua função judicante inafastável, através do processo civilizado.

As partes conflitantes são chamadas para realizarem atividades em cooperação, com deveres, poderes, faculdades e sujeições, aos quais, somados, dá-se o nome de Processo.

CARNELUTTI define Processo como sendo um “conjunto de atos destinados à formação ou à atuação de comandos jurídicos, cujo caráter consiste na colaboração para tal fim, de pessoas interessadas (partes), com uma ou mais pessoas desinteressadas (juízes )”.

Assim, necessário adquirir a consciência de que, como instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo precisa refletir as bases do regime democrático.

O excelso Professor Cândido Rangel Dinamarco ensina que processo é o microcosmo democrático do Estado-de-Direito, com as conotações da liberdade, igualdade e participação, em clima de legalidade e responsabilidade.

Na primeira fase, sincretista, praxista, imanentista ou procedimentalista, o processo era considerado simples meio de exercício dos direitos.

A ação era o próprio Direito subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria forças para obter em juízo a reparação desta lesão.

Não se tinha noção do Direito processual como ramo autônomo do Direito e muito menos dos elementos para sua autonomia científica.

O processo segue uma simpática linha evolutiva: em meados do século passado, era considerado um simples meio de exercício de direitos, era chamado de direito adjetivo.

Assim, nessa primeira fase, sincretista, praxista, imanentista, ou procedimentalista, o processo era considerado simples meio de exercício dos direitos.

A ação era o próprio Direito subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria forças para obter em juízo a reparação desta lesão.

Não se tinha noção do Direito processual como ramo autônomo do Direito e muito menos dos elementos para sua autonomia científica.

Considerava a ação como sendo direito subjetivo material com forças para buscar em juízo a reparação do direito lesado.

A segunda fase, autonomista, conceitual, ou processualismo, é marcada pelas grandes construções científicas do Direito processual. Tiveram lugar as grandes teorias processuais, especialmente sobre a natureza jurídica da ação e do processo, as condições daquela e os pressupostos processuais.

Avançado, vamos deparar com a fase instrumentalista. Que o direito processual é autônomo em relação ao direito material, ninguém tem dúvida; que o direito processual hodierno é marcado por construções científicas, igualmente ninguém duvida.

Agora que o processo precisa voltar sua atenção para resultados práticos, com justiça efetiva para a sociedade, isso também ninguém pode olvidar.

Nessa fase, comentam-se sobre as “ondas renovatórias” como autêntico instrumento voltado para o acesso à Justiça; o consumidor destinatário do serviço não pode ser impedido de receber justiça efetiva. Justiça rápida, porque justiça lenta é a própria denegação.

O interesse em torno do acesso efetivo à justiça conduziu doutrinadores do mundo ocidental, a partir de 1965, ao discurso de posições e posicionamentos, emergindo, destarte, três diferentes ondas renovatórias.

A primeira onda de acesso foi a discussão em torno do movimento de “assistência judiciária”, perseguindo de forma viável os métodos para proporcionar assistência àqueles que não a podem custear, hoje elevado a nível constitucional, como sendo função essencial à Justiça ( art. 5º, LXXIV e art. 134 da CF/88 ).

A segunda fase refere-se às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses “difusos”, já que a concepção de direito processual tradicional não deixava espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo era visto tão somente como assunto entre duas partes.

Destinava-se à solução de uma contenda entre essas  mesmas partes a respeito de seus direitos individuais.

Então dentro de uma visão moderna, deve existir um processo de massa para a perfeita garantia de direitos de massa, como meio ambiente, consumidores e uma proliferação de outros.

Assim, busca-se a tutela jurisdicional desses interesses supra-individuais a qualquer custo.

E para isso temos a ação civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo e as ações para proteção dos interesses homogêneos, além da ação direta de inconstitucionalidade.

A terceira, defendida por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, diz respeito ao chamado “enfoque de acesso à justiça”, isto porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo.

Essa terceira onda de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos.

Ela centra sua atenção ao conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar ou até mesmo para prevenir disputas na sociedade moderna.

“O processo é instrumento, e existe para proteger o direito “( Manoel Caetano Ferreira Filho ). 

Nos dias atuais, fala-se numa moderna fase processual, o formalismo-valorativo, defendida pelo Prof. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, a que define como sendo aquela que aloca o processo para o centro da teoria geral, equacionando de maneira adequada direito e processo e processo e Constituição.

Eis o lúcido ensinamento do excelso Professor Álvaro de Oliveira, com ênfase para o Processo Civil, sempre saindo na frente quando o assunto é prestação de justiça:


"Muito mais consentâneo ao nosso ambiente cultural revela-se colocar o processo no centro da teoria do processo. Valoriza-se aí, em maior escala, o papel de todos que nele tomam parte, o modelo cooperativo de processo civil e o valor participação inerente à nossa democracia constitucional". "Tudo conflui, pois, à compreensão do processo civil a partir de uma nova fase metodológica - o formalismo-valorativo. Além de equacionar de maneira adequada as relações entre direito e processo, entre processo e Constituição e colocar o processo no centro da teoria do processo, o formalismo-valorativo mostra que o formalismo do processo é formado a partir de valores - justiça, igualdade, participação, efetividade, segurança -, base axiológica a partir da qual ressaem princípios, regras e postulados para sua elaboração dogmática, organização, interpretação e aplicação".

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

E ainda prossegue o iluminado jurista:

"Nessa perspectiva, o processo é visto, para além da técnica, como fenômeno cultural, produto do homem e não da natureza. Nele os valores constitucionais, principalmente o da efetividade e o da segurança, dão lugar a direitos fundamentais, com características de normas principais. A técnica passa a segundo plano, consistindo em mero meio de atingir o valor. O fim último do processo já não é mais apenas a realização do direito material, mas a concretização da justiça material, segundo as peculiaridades do caso. A lógica é argumentativa, problemática, da racionalidade prática. O juiz, mais do que ativo, deve ser cooperativo, como exigido por um modelo de democracia participativa e a nova lógica que informa a discussão judicial, ideias essas inseridas em um novo conceito, o de cidadania processual".

Esta fase também é tratada por outros autores, ainda em sede de processo civil, como neoprocessualismo e neoinstitucionalismo, sempre pautando os argumentos pela efetividade do processo e pela segurança jurídica, na qual o processo ganha contornos discursivos constitucionalizados, sendo, pois, uma conquista da própria cidadania.

É importante frisar que deve ser estabelecido no processo um verdadeiro diálogo cooperativo, sério e voltado para a realização do espírito comunitário, onde a concretização da justiça tem mais valor que o formalismo exagerado e a técnica processual.

O processo é, pois, um instrumento muito caro para a sociedade. E desta forma, não se pode desprezar o seu desiderato principal: proteger a sociedade, sem o sacrifício injustificado da liberdade.

Logo, deve  o processo constituir-se um valioso aparato instrumental posto nas mãos do magistrado para a concretização da justiça, de modo rápido e informal, sem perder de vista o prestígio do contraditório e da efetividade jurisdicional.

Entrementes, não se pode negar acesso à justiça, além da resolução justa e rápida, como viés oriundo do direito fundamental, art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República.


“A expressão “acesso à justiça” é reconhecidamente  de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico: - o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado”.( Mauro Cappelletti )   
                                                                                                                            

A sociedade não quer saber desse exacerbado tecnicismo jurídico, de manobras protelatórias em nome do princípio do contraditório e da ampla defesa.

É cada vez mais imperativo encarar o processo como instrumento de prestação de justiça e não meio de enrolar o consumidor final na efetividade da Justiça. 

O povo quer mesmo é solução rápida e ágil, sem essa avalanche de recursos que servem tão somente para postergar a prestação da Justiça.

A comunidade ama de verdade e com fidelidade a celeridade processual e alimenta ódio mortal da morosidade processual.


Referências Bibliográficas:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. http://www2.planalto.gov.br, acesso em 04/02/2015, às 17h15min;

BRASIL. Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal. http://www2.planalto.gov.br/, acesso em 04/02/2015, às 17h16min;

JOBIM, Félix Marco. As fases Metodológicas do Processo. http://www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20140421181345.pdf. Acesso em 04/02/2015, às 17:23 h.
 

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Tema de interesse jurídico e social, com ênfase na evolução histórica das fases metodológicas do processo, desde a imanentista até a formal-valorativa.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos