Lavagem de dinheiro e a responsabilidade dos agentes

15/07/2015 às 09:34
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No presente artigo, abordou-se, primeiramente, como atualmente é realizada a classificação da natureza jurídica do delito de lavagem de dinheiro, em seguida, será exposto qual à competência para o julgamento desse ilícito penal.

No presente artigo, abordou-se, primeiramente, como atualmente é realizada a classificação da natureza jurídica do delito de lavagem de dinheiro, em seguida, será exposto qual à competência para o julgamento desse ilícito penal. Apresentou-se ainda uma discussão acerca da teoria da “cegueira deliberada”, e como está sendo realizada a responsabilidade dos agentes que, de alguma forma, contribuem para a prática do crime de lavagem de capitais.

1 A natureza jurídica do delito.

Desde o momento que houve a tipificação de lavagem de dinheiro como crime, vem sendo discutindo a natureza jurídica do crime em questão. Há várias divergências doutrinárias e jurisprudenciais no sentido de qualificar a natureza jurídica do delito, mas até hoje não houve um pronunciamento concreto dos tribunais superiores decretando como deve ser apontada a natureza jurídica do crime de Lavagem de Capitais. Passemos agora a discutir as duas principais correntes utilizadas para definir a sua natureza jurídica.

Grande relevância tem a natureza do delito, pois a depender de sua classificação, refletirá tanto no tempo prescricional, bem como se haverá aplicação - ou não - das alterações advindas pela lei 12.683/12.

Como já mencionado atualmente existem duas correntes predominantes: crime de lavagem de dinheiro pode ser considerado crime permanente ou crime instantâneo de efeitos permanentes. Examinaremos o que cada uma defende.

A quem defenda que a natureza jurídica do crime de lavagem quanto a sua consumação seja de crime permanente. Primeiramente apontaremos o significado de crime permanente, nas palavras do doutrinador Fernando Capez (2012, p. 182)

Crime permanente: o momento consumativo se protrai no tempo, e o bem jurídico é continuamente agredido. A sua característica reside em que a cessação da situação ilícita depende apenas da vontade do agente, por exemplo, o sequestro (art. 148 do CP).

Isto posto, compreendemos porque muitos doutrinadores enquadram o delito de Lavagem de Dinheiro como de natureza permanente. Tendo em vista que no delito de lavagem o bem obtido de forma ilícita, não só aparenta ser proveniente de negócio permitido, como, também, mascara sua origem ilegal e faz com que o bem jurídico protegido continue sendo agredido ao se estender no tempo.

Se defendermos a idéia de que o crime de lavagem é por natureza um crime permanente, por conseqüência será aplicada a nova lei antilavagem a crimes anteriores a sua promulgação, constatando-se que diante da nova lei vigente, esteja ocorrendo execução de uma das fases da lavagem, quais sejam: ocultação, dissimulação ou integração do produto oriundo do crime antecedente.

Dessa forma será aplicada a Sumula 711 do STF, o qual contém o seguinte teor: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou permanência”. Existindo, portanto, uma situação de aplicação da novatio legis in pejus.

Ou seja, as infrações penais antecedentes que antes da promulgação da nova Lei nº 12.683/12 - terceira geração - não constava no rol taxativo da lei Lei nº 9.613/98 - segunda geração - podem atingir o crime conseqüente, ou seja, ser considerado como prática do crime de Lavagem de Dinheiro.

Quem defende tal posicionamento é o doutrinador Guilherme de Sousa Nucci (2014, p. 441)

É crime comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); material (dependem da ocorrência de qualquer efetivo prejuízo para o Estado ou para a sociedade, consistente em perdas no campo tributário, financeiro, econômico etc.); de forma livre (pode ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (os verbos indicam ações); permanente (a consumação se prolonga no tempo, enquanto os bens, valores e direitos estiverem camuflados); unissubjetivo (pode ser cometido por uma só pessoa); plurissubsistente (praticado em vários atos). Admite tentativa (aliás, há expressa previsão no § 3.º, deste artigo).

Contudo, se for classificado como crime instantâneo, ainda corre o risco de aplicação da nova lei a crimes praticados anteriormente a sua vigência, mas somente se houver nova movimentação, ou seja, ocultação, dissimulação ou integração. Considerando-se tal ato, portanto, “um novo ato típico” com incidência da nova lei. Corrente doutrinaria defendida por Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini (Lavagem de dinheiro ( 2ª edição, p. 79)

“o ato de ocultar ou dissimular consuma o delito no instante de sua prática. A manutenção do bem oculto ou dissimulado é mera decorrência ou desdobramento do ato inicial. Trata-se de crime instantâneo de efeitos permanentes, no qual a consumação cessa no instante do ato, mas seus efeitos perduram no tempo”.

Conforme Informativo 642, abaixo transcrito, o STF, demonstra tendência em classificar o crime de lavagem de dinheiro como delito de natureza permanente, contudo ainda não há manifestação mais concreta e afirmativa do Supremo Tribunal Federal.


 

Ante a natureza permanente da lavagem de capitais, afastou-se o argumento de ofensa ao princípio vedatório de retroação da lei penal em prejuízo do réu. Sustentava a defesa que a peça ministerial imputaria aos denunciados fatos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei 9.613/98. Consignou-se que, embora as transferências ilícitas de recursos para o exterior tivessem ocorrido antes de 4 de março de 1998, enquanto os valores correspondentes não viessem a ser legalmente repatriados ou remanescessem ocultos no exterior, o crime de lavagem de capitais continuaria sendo perpetrado. Os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes fizeram a reserva de não se comprometerem com a tese, vindo a apreciá-la na ação penal. Nesse contexto, explicitou-se que o marco inicial da prescrição seria computado a partir do momento em que descoberto o delito, ou seja, quando o que estivesse oculto viesse a lume.

Dessa forma, restou demonstrado a demora do poder judiciário, pois mesmo após 17 anos da promulgação da lei antilavagem, fica o entendimento de não ser unânime entre os doutrinadores e os tribunais qual a natureza jurídica do crime de lavagem, fazendo com que ainda sejam incertas quais as consequências advindas das alterações feitas pela lei 12. 683/12.

2 A competência para julgamento

Há vários critérios para definirmos qual será a competência de julgamento de determinados crimes, o autor, o local do crime, ou mesmo a imposição legal. No crime de Lavagem de Capitais, primeiramente, estabelece-se que é competente para julgamento a justiça federal, nos termos estabelecidos em lei, como preleciona o art. 2º da lei 9613/98. Contudo ainda pode haver modificação de competência, tanto em razão do foro quanto em razão da matéria, como demonstraremos mais a frente.

A doutrina ainda não é unânime ao concluir qual o parâmetro que será utilizado para determinar a competência do crime de lavagem de dinheiro.

Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:

[....]

III - são da competência da Justiça Federal:

a) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas;

b) quando a infração penal antecedente for de competência da Justiça Federal.  (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

[...]

Como observamos, a competência será federal quando os crimes forem praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômica, ainda em detrimento de bens e serviços da União ou de suas Autarquias. Dessa forma estamos diante de crime de lavagem de capitais que, independentemente de seu crime antecedente, se configurado os requisitos acima exemplificados, será processado pela justiça federal. Muitos doutrinadores acreditam que, devido à terminologia “a ordem econômica”, acaba por ser bastante ampla, fazendo com que a incidência e aplicação da competência da justiça federal englobem grande parcela dos crimes de lavagem.

Ainda, continua o art. 2, inciso III, alínea “b”, que, se for competente para julgar o crime antecedente a justiça federal, também recairá competência para julgar o crime de lavagem de dinheiro. Aqui, podemos, afirmar que haverá um juízo de atração, ou mais precisamente conexão de competência entre os dois delitos, mas sem cada delito perder sua autonomia. Como bem preleciona o doutrinador Barros (2012, p. 181):

[...] plenamente razoável a decisão que pende para o reconhecimento da conexão. A lavagem de capitais é uma infração penal que certamente atende, por força dos elementos constitutivos do tipo, os requisitos necessários para configurar a chamada conexão objetiva, também conhecida por conexão lógica ou material, eis que a prática deste ilícito secundário visa ocultar os bens, direitos e valores provenientes de infração penal anterior, bem como para conseguir a impunidade ou vantagem relacionada ao crime antecedente.[...]Assim, sempre que for possível estabelecer a competência pelo critério da conexão, será absolutamente imprescindível a unidade de processamento.

Com alteração pela lei 12.683/12, houve mudança no art. 2ª, III, “b” na terminologia “o crime” (palavra original) o qual foi substituído por “a infração penal”. Desse modo houve uma ampliação do alcance da competência, pois com a exclusão do rol taxativo do art. 1ª da lei antilavagem, ficou sendo admitido que qualquer crime ou infração penal pode ser delito antecedente ao ilícito de lavagem de dinheiro.

Contudo, apesar de crime e contravenção serem espécies do tipo infração penal por questão de competência estabelecida na carta cidadã, a Justiça Federal não julga as contravenções penais, bem como os delitos de competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. Conforme está expresso no art. 109, IV da Constituição Federal:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

 IV -  os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
 

A Justiça Federal não detém competência exclusiva para lidar com o crime de lavagem de capitais. Que pode, em decorrência da matéria, ser de competência da justiça especial Eleitoral ou Militar e, ainda, recair na competência residual da justiça comum quando se tratar de crime antecedente que não guarda competência com a justiça federal e não configura nenhuma hipótese do art. 2ª, III, “a” e “b” da Lei 9613/98.

Para compreendermos, devemos observar a infração antecedente, na sua competência primária, tendo como parâmetro o art. 2ª da lei 9613/98, para o entendimento correto da competência do crime de lavagem de capitais. Dessa forma, por exemplo, não há lógica que o crime antecedente seja julgado na Justiça Estadual e o de lavagem de dinheiro na Justiça Federal pelo simples fato que houve uma transação financeira. Pelo princípio da economia processual e do interesse processual é mais razoável designar a competência à justiça comum tendo em vista o crime antecedente, salvo se existir circunstância especial que caracterize a competência da justiça federal.

Quando se trata de agente criminoso com foro por prerrogativa de função essa deve ser respeitada, tendo em vista que nesse caso, a competência é decidia em razão da pessoa. Nesse caso é possível aplicação da súmula 704 do STF, a qual afirma que haverá atração de competência em relação aos corréus à competência do agente com foro por prerrogativa. Examinemos o caso de um deputado federal que junto com dois outros indivíduos, que não são agentes públicos, pratiquem tráfico de drogas e lavagem de capitais, tendo em vista ser um dos integrantes possuidor de foro por prerrogativa de função, referida competência alcançara os demais envolvidos. Com tudo, com o fim do mandato, o processo retorna a sua competência original, voltando para o juízo singular.

Outra situação que atrai a competência da Justiça Federal é em relação aos crimes transnacionais. Devido a uma das características mais marcantes do crime de lavagem de capitais ser à ultrapassagem de fronteiras para o seu cometimento, acabamos, por muitas vezes, nos encontrando em situação de que o crime em comento tenha sido cometido fora do território brasileiro. Nessa situação utilizaremos o princípio da extraterritorialidade da lei penal pátria, que consiste em aplicar a norma penal brasileira em um caso no estrangeiro. Isso pode ocorrer em crimes cometidos contra a União, os Estados, os Municípios, e o Distrito Federal e seus bens, como também quando o Brasil for signatário de algum tratado ou convenção que obriga seu combate contra determinados crimes, estando incluso para tanto o delito de Lavagem de Capitais. Para que isso ocorre, preleciona Barros (2012, p.183):

[...]a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: (a) entrar o agente no território nacional; (b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;(c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter ai cumprido a pena; (e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo lei mais favorável.

Com o intuito de dar maior celeridade e uma análise mais aprofunda e específica, foi criada no ano de 2003 as varas especializadas em lavagem de dinheiro e contra a ordem econômica. Tal iniciativa teve por intuito um combate mais eficaz a esse crime que possui meios tão complexos de execução. Tais varas atualmente possuem competência exclusiva ou concorrente para lidar e julgar o crime de lavagem de capitais. Muitos autores criticam tal separação alegando ter ocorrido uma ofensa ao principio do Juiz natural, contudo, já está consolida pelos Tribunais sua legalidade.

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3 Bem Jurídico Defendido

Quando nos referimos ao bem jurídico de um determinado crime, estamos nos reportando ao objeto, ao bem/valor que a prática do crime está ferindo. Ou seja, por ex. o bem jurídico defendido no crime de roubo, é o direito a propriedade do indivíduo que restou ferido quando da sua subtração forçada.

Como já exaustivamente demonstrado, o crime de lavagem de capitais é bastante complexo, por vezes multidisciplinar. Em decorrência desse estado, muitas são as correntes que defendem qual o bem jurídico tutelado quando combatemos o ilícito de lavagem de capitais. Dentre muitas as três principais serão aclaradas a seguir.

Primeiramente, existe doutrina que defende que o bem tutelado é mesmo do crime antecedente, como se houvesse um prolongamento do primeiro crime. Por si só já observamos não haver lógica tendo em vista a natureza autônoma do crime de lavagem. Como bem coloca Barros:

Ora, o delito de lavagem corresponde a uma conduta criminosa adicional, que se caracteriza mediante nova ação dolosa, distinta daquela que é própria do exaurimento de crime do qual provém o capital sujo. Assim, por força de disposição legal, a lavagem é considerada infração penal autônoma.

Outra crítica feita pelos doutrinadores a essa primeira corrente, é em razão de que se o mesmo objeto pertencesse ao crime antecedente e ao crime de lavagem, teríamos a punição de dois crimes calcada em um só objeto, o que caracteriza o chamado bis in idem. Entendimento ainda corroborado pelos autores André Luis Callegari e Ariel Barazzetti Weber.

A segunda corrente aponta que o bem protegido no crime de lavagem é “administração da Justiça”. Segundo estudiosos, seria esse o objeto em razão de o delito de lavagem por suas características de mascaramento de produtos e valores, decorrentes dos ilícitos penais, afetarem o bom funcionamento da justiça criando obstáculos para uma prestação jurisdicional mais justa e eficaz. Preleciona sobre o tema Badaró e Bottini (2013, p.55):

A lavagem aqui é entendida como um processo de mascaramento que não lesiona o bem originalmente violado, mas coloca em risco a operacionalidade e a credibilidade do sistema de Justiça, por utilizar complexas transações a fim de afastar o produto de sua origem ilícita e com isso obstruir seu rastreamento pelas autoridades públicas.

Afirma ainda, Badaró e Bottini (2013, p.60), que pela forma como os crimes de lavagem estão conjecturados na legislação brasileira a ordem econômica não assemelha ser bem juridicamente protegido, pois ainda que venha afetar o funcionamento da economia sobre o prisma da livre concorrência, por exemplo, o impacto do ilícito é o decorrente do delito de lavagem de dinheiro. Clareando, imaginemos um roubo a banco em que o criminoso adquira dinheiro suficiente para compra um carro e o coloque em seu nome, não haverá lavagem de dinheiro, mas esgotamento do crime. Em contrapartida, se o dinheiro fruto do roubo for depositado em conta de terceiro, que efetue a compra do carro ou em nome de uma empresa fantasma haverá lavagem de dinheiro.

Quem crítica essa teoria, alega que levado em consideração, que somente a administração da justiça é objeto, não estaríamos englobando o crime como um todo, já que nem sempre a intenção do agente é só a obstrução da justiça e da ordem financeira, pois visa também benéfico próprio através da obtenção de lucro ferindo a estabilidade e a credibilidade do sistema econômico-financeira do Brasil.

A terceira corrente defendi que o objeto do crime de lavagem é na verdade “pluriofensivo” BARROS (4ª Ed. 2013, pág .43). Essa vertente acredita que o bem jurídico defendido não seria somente um, mas dois, quais sejam: a ordem econômica financeira e o sistema econômico. Afirma serem esses os objetos, tendo em vista que da prática do crime de lavagem - se mediante a utilização do sistema financeiro - faz com que o sistema financeiro e o econômico sejam comprometidos, por estarem, igualmente, sendo utilizados para prática de ilícito penal. Dessa forma decaem a confiança e a credibilidade na ordem econômica e no sistema financeiro do país.

Dessa forma, com o ingresso de dinheiro ilícito na economia, acaba por afetar também o funcionamento do financeiro, tendo em vista que acaba por proporcionar vantagem inconcesso a quem se utiliza de capital obtido de forma ilícita. Isso prejudica a livre concorrência, a arrecadação tributária e acaba por contaminar toda a economia, além de financiar os mais diversos crimes, como o tráfico de drogas e as organizações criminosas.

4 Teoria da Cegueira Deliberada

O crime de Lavagem de Dinheiro, quando da promulgação de sua lei no ano de 1998, foi tipificado como crime doloso, ou seja, deve ficar comprovado a intenção do agente em cometê-lo. O doutrinador, observando o desenrolar das performances criminosas, percebeu uma lacuna na lei que qualificava crime somente quando houvesse conduta dolosa. Quais seriam as conseqüências para um agente, por exemplo, bancário que de alguma forma com sua conduta ou assistência ajuda criminoso a lavar dinheiro, mesmo percebendo o perigo de agir e assumindo o risco de contribuir com o delito?

A partir dai surgiu discussão acerca do tema, sendo investigado se realmente não caberia a forma culposa (culpa consciente) ou por dolo eventual. A forma culposa até pela forma clara e objetiva de como está escrita na lei não teve muitos adeptos em sua defesa. Como explica Badaró e Bottini (2013, p.55):

Na culpa consciente, o agente percebe a estranheza que circunda a origem do bem, mas tem certeza ou segurança de que, apesar disso, eles são lícitos e que qualquer suspeita é improcedente, seja porque confia naquele que lhe entrega valores, seja porque acredita na sua capacidade de percepção da realidade além do comum.

Mas a compreensão de que caberia o dolo eventual e a sensação de impunidade só foi se fortalecendo ao passar dos tempos. Antes da alteração proporcionada pela lei 12.683/2012, só no caso de dolo direto do agente haveria o delito.

Diante da subtração da expressão que sabe serem do art. 1°,§ 2° da Lei n° 9.613/88, com a edição da Lei 12.613/12, para grande parte da doutrina impossibilitaria a admissão do dolo eventual no delito de lavagem. Mas, ainda, alguns doutrinadores admitem o dolo eventual, por exemplo, Rodolfo Tigre Maia (2004.p.88), que afirma ser cabível no tipo básico de lavagem de dinheiro.

No dolo eventual, o agente assume o risco de estar cometendo um ilícito, e não toma providencias para não cometê-lo. Nas sábias palavras do doutrinador Callegari e Weber (2014, p.92):

Em apertada síntese, a doutrina referida propõe a equiparação, atribuindo os mesmos efeitos da responsabilidade subjetiva, dos casos em que há o efetivo conhecimento dos elementos objetivos que configuram o tipo e aqueles em que há o “desconhecimento intencional ou construído” de tais elementares. Extrai-se tal conclusão da culpabilidade, que não pode ser em menor grau quando referente àquele que, podendo e devendo conhecer, opta pela ignorância.

Nessa linha abriu-se discussão acerca da aplicação da “Teoria da Cegueira Deliberada”, também chamada de “Teoria das Instruções do Avestruz” que surgiu nos Estados Unidos, trata-se de uma situação em que o agente pratica um ato que pode ser ilícito, mas “se finge de cego” para não ter certeza do ilícito que possa vir a cometer - não dar importância e através de uma atitude negativa, ou seja, através de negligência, colabora com alguma infração penal - tudo em proveito próprio.

A “Teoria da Cegueira Deliberada” foi utilizada no julgamento do caso envolvendo o maior assalto brasileiro a banco, realizado na cidade de Fortaleza, contra o Banco Central do Brasil (BACEN). A época do julgamento, em 2009, o juiz singular adotou a presente teoria para condenar os donos de uma revenda de carros, conhecida como BRILHE CAR, por lavagem de dinheiro, tendo em vista que o criminoso realizou diversas compras de veículos com quantias muito altas e à vista com o intuito de “lavar” o dinheiro roubado do BACEN. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região cancelou referida condenação, considerando-se que não ficou comprovado sumariamente que os donos da BRILHE CAR realmente sabiam que o dinheiro utilizado para a compra dos veículos era proveniente de roubo, e como na época para a Lei de lavagem era necessária a configuração do dolo para tipificação do crime de lavagem, os mesmos foram absolvidos. A seguir trecho do processo em comento - relator: Desembargador Francisco Barros de Dias:

Aplicou, assim, a teoria da CEGUEIRA DELIBERADA ou de EVITAR A CONSCIÊNCIA (willfulblindness ou consciousa voidance doctrine), segundo a qual a ignorância deliberada equivale a dolo eventual, não se confundindo com a mera negligência (culpa consciente). (...) Entendo que a aplicação da teoria da cegueira deliberada depende da sua adequação ao ordenamento jurídico nacional. No caso concreto, pode ser perfeitamente adotada, desde que o tipo legal admita a punição a título de dolo eventual.

[...]

Por outro lado, não me parece que a empresa dos apelantes estivesse sujeita às determinações dos arts. 9 e 10 da Lei 9.613/98 (...) E, no caso concreto, os meros indícios são insuficientes para a conclusão de que os apelantes tivessem ciência da origem criminosa dos valores. Diferente seria se a transação tivesse se realizado após a ampla divulgação que foi dada pela imprensa ao furto cometido pelos co-réus. É evidente que, na cidade de Fortaleza, o aparecimento de imenso volume de dinheiro em notas de R$ 50,00 levaria à imediata ilação de se tratar do numerário furtado. TRF5, Emb. Decl. em ACR nº. 5520/CE (2005.81.00.014586-0/05), Rel. Des. Francisco Barros de Dias, Data de Julgamento: 01/09/2009, Segunda Turma.

Ainda não existe um posicionamento concreto a respeito do tema, mas o STF já chegou a utilizar a Teoria da Cegueira Deliberada, concedendo assim chance de futuramente ser considerado punível o dolo eventual no crime de lavagem, como demonstra o Informativo 648 do STF:

Ato contínuo, o decano da Corte, Min. Celso de Mello admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio na teoria da cegueira deliberada, em que o agente fingiria não perceber determinada situação de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem pretendida (grifo nosso).

Em síntese, portanto, a teoria da cegueira deliberada somente é equiparada ao dolo eventual nos casos de ignorância presumida e planejada do agente em relação à origem dos valores/bens, aos quais, em decorrência de sua função sejam utilizados para mascaramento do ilícito penal cometido. Dessa forma, procura-se sempre obter novas formas de combate a essa prática que tanto prejudica a sociedade, a economia e alimenta a criminalidade.

5 Responsabilidades dos Agentes Envolvidos no delito de lavagem

No tema ao qual ingressaremos agora se trata de um assunto ainda um pouco adormecido em nosso ordenamento, mas que futuramente será alvo de atenção, pois atualmente faz parte do procedimento do crime de lavagem, podendo o agente incorrer em participação criminal a depender do seu comportamento - se agir com negligência ou imprudência.

Abordaremos agora como atualmente pode ser aplicada responsabilidade das condutas de servidores públicos, contadores, advogados, agentes financeiros, como também, um dos mais recentes envolvendo galerias de arte, quando colaboram para a prática da conduta delitiva, contudo não são responsabilizados pelos seus atos.

Com o advento da lei 12.683/12 surgiu uma forma polêmica de aplicação da lei de lavagem ao servidor público como agente no crime. O art. 17-D da supracitada lei determina o afastamento cautelar do servidor público de suas funções em caso de simples indiciamento até que o juiz competente autorize em decisão fundamentada o seu retorno, o que é totalmente irrazoável, pois certo seria que no âmbito administrativo o próprio órgão ou autarquia ao qual o servidor estiver vinculado aplique afastamento administrativo depois de uma rigorosa averiguação dos fatos. E no âmbito criminal pelo delegado depois do indiciamento e/ou do Ministério Público através de requerendo só realizado o afastamento do servidor com decisão fundamentada do juiz.

A  Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)  propôs perante o Supremo Tribunal Federal a  Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4911 contra o art. 17-D da Lei 9.613/1998, introduzido pela Lei 12.683/2012. A ação direta de inconstitucionalidade será relatada pelo ministro Ricardo Lewandowski e alega que o sentido literal desse artigo ofende os princípios do contraditório, a ampla defesa, o monopólio da jurisdição, a isonomia e a presunção de inocência.

As polêmicas não param nos servidores públicos. Os sujeitos, que a partir da lei 12.683/2012 passaram a ser as pessoas físicas e jurídicas, estão obrigados a perceber atividades atípicas, pois têm o dever de cuidado e vigilância que se descumpridos podem gerar uma responsabilidade penal por omissão na forma do art. 13, § 2º, do código penal, in verbis:

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

A redação da Lei n° 12.683/2012, modificou significativamente a lei antilavagem, trouxe-nos novos parâmetros para discutir a responsabilidade do advogado frente ao crime de lavagem e o seu cometimento. São apontadas duas formas de como o advogado pode torna-se partícipe do delito: no recebimento de honorários frutos da prática do crime, ou através de prestação de consultoria. Conquanto, renasce a nível nacional a discussão sobre a responsabilização do advogado na prestação de serviço de assessoramento.

Como sabemos, já é previsto no artigo 133 da Constituição Cidadã que o advogado é indispensável à justiça, e ainda, que no seu Estatuto lhe é assegurado o direito de manter sigilo sobre o seu cliente. Porém esse sigilo é relativo, podendo ser mitigado se assim for necessário, contudo somente por força judicial.

O que devemos observar é até que ponto o advogado só está cumprindo seu dever como profissional e quando ele já participa da prática do crime de lavagem. Há discussão de pelo simples fato do advogado estar defendendo um indivíduo acusado de lavagem, no recebimento de seus honorários pagos através do delito, também responderia pelo crime por estar “participando”, e não, recebendo seu meio de sustento. O estatuto da OAB asseverou nos incisos I, II, XIX do artigo 7°:

I - exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional;

II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (Redação dada pela Lei nº 11.767, de 2008)

XIX - recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional;

Primeiramente devemos observar que, a forma de pagamento de advogado é em honorários. Se não houver pagamento, como qualquer outro profissional, ele não realiza seu trabalho. Se, estamos negando ao acusado o direito de possuir advogado privado, pois todo o seu patrimônio está contaminado - tendo em vista ser bastante difícil separar o que foi fruto de lavagem e o que não teve qualquer contato com o crime - haverá colisão com um dos princípios basilares do ordenamento jurídico, qual seja o direito a ampla defesa. Como bem coloca Badaró (2013, p.147):

Se observarmos com cuidado a lei brasileira de lavagem de dinheiro, o recebimento de honorários maculados não é conduta típica. Não se trata de ocultação ou dissimulação (art. 1º, caput). O dinheiro recebido por profissional liberal, em contraprestação a serviços realmente efetuados, com a regular emissão de nota fiscal, não contribui para mascarar o bem, uma vez que seu destino é conhecido. Não há ato objetivo de lavagem do dinheiro. A transparência/formalidade do pagamento afasta a incidência do dispositivo. (grifos do autor)

O tema já é bastante controvertido tanto dentro de nosso meio jurídico quanto em outros países que passam pelo mesmo impasse. Já existiram diversos incidentes, por exemplo, quando o procurador da república Manoel Pastana propôs uma investigação contra o ex-ministro e então advogado criminalista Márcio Thomas Bastos , querendo acusá-lo de participar do crime de lavagem pelo simples fato de ter recebido honorários pelos serviços prestados ao Carlos Augusto de Almeida Ramos, empresário de jogos ilegais, conhecido como Carlinhos Cachoeira Ramos, empresário de jogos ilegais, conhecido como Carlinhos Cachoeira.

É importante diferenciar a controvérsia a respeito dos honorários que recebe o advogado quando esta defendendo uma pessoa acusada de um crime - na função de defensor. Do trabalho realizado pelo advogado na função de assessor - quando orienta uma operação financeira de um conjunto empresarial, ou seja, pessoas jurídicas em uma blindagem patrimonial facilitando transição de investimentos do Brasil para o exterior. Esse dispositivo na lei é para atingir a função de defensor? Esta claro que não. É para atingir o advogado na função de assessor. Grandes escritórios prestam esse tipo de serviço no Brasil.

Isso já esta sendo discutido no STF, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4841, que tem como relatora a Min. Rosa Weber, proposta pela Confederação Nacional dos Profissionais Liberais (CNPL), que afirma, entre outras coisas, que a nova redação do artigo, vai contra os princípios legais e éticos das profissões liberais, porque os profissionais liberais oferecem a seus clientes a garantia de confidencialidade de seus contratos, e estão investidos no direito/dever de manter sigilo em relação aos negócios jurídicos dos seus assistidos, conforme está expresso em seus respectivos estatutos.

O principal dispositivo atacado pela Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4841 é a nova redação dos artigos 10 e 11 da Lei 9.613/1998. Com esse novo texto, as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, tem o dever de informar operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF. Esse dispositivo deixa os profissionais liberais em colisão com seus princípios éticos regulamentadores, pois são investidos do direito-dever de manter sigilo em relação aos negócios jurídicos dos seus clientes, conforme se depreende de seus códigos de ética e disciplina.

A Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4841) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra as novas regras da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98) impostas a profissionais liberais, como prestar informações sobre transações financeiras ao COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), entre outras. Segundo a entidade, essas novas regras violam o princípio constitucional da proporcionalidade e também critica a obrigação dos profissionais prestarem informações sobre seus atos rotineiros ao COAF, e afirma que a Lei de Lavagem foi longe demais ao prever a ruptura do sigilo profissional, por parte dos profissionais liberais em desfavor de seus direitos fundamentais, dos direitos fundamentais seus clientes e do Estado de direito democrático.

Esse impasse ainda encontra-se bem distante de acabar, o que só resta torcer para que quando decidido, seja de forma justa e observando sempre os princípios basilares do direito, como o princípio do contraditório e da ampla defesa e o direito de todo indivíduo ser assistido por procurador constituído ou Defensor Público.

É notório o esforço do legislador brasileiro quando elaborou listas, contendo setores vulneráveis à lavagem de dinheiro, cujos especialistas terão que contribuir no combate ao crime, contestando o assessoramento ou cooperação aos potenciais criminosos, conforme está expresso nos artigos 10 e 11 da lei de lavagem.

Com as modificações advindas da Lei 12.683/2012, o art. 09, inciso XIV da Lei 9613/98, foi confiado obrigações de reportar operações suspeitas aos sujeitos, que podem vir a ser considerados agentes da lavagem de capitais.

Art. 9o  Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

XIV - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)

a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)

b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)

c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)

d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)

e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)

f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)

Devemos observar o elemento subjetivo, ou seja, intenção do agente em “lavar” o bem/valor proveniente de crime, ou seja, o profissional utilizando-se de seu conhecimento específico forneceu (ou encobriu) os meios usados para a prática do delito em questão. Se tal situação ocorreu, já fica claro que o profissional não estava somente realizando seu trabalho, mas sim participando de um crime, devendo o mesmo ser responsabilizado na medida de sua conduta.

Outro profissional que merece atenção e bastante discussão é o funcionário de bancos. Propomos o seguinte raciocínio: mesmo suspeitando da origem ilícita do dinheiro, o agente financeiro, realiza transação inserindo-o no mercado financeiro. Nesse caso o funcionário bancário responderá de alguma forma pelo crime de lavagem de capitais? Como vemos, não está presente o conhecimento pleno da origem do dinheiro e não foi praticado nenhum elemento subjetivo da lavagem de dinheiro como ocultação ou dissimulação de sua origem criminosa, tendo, pois, apenas atuado da forma que foi contratado.

É demonstrada uma situação possivelmente capaz de ocorrer. Nesse caso, tendo em vista o empregado não ter cometido nenhum elemento subjetivo do crime de lavagem, ele não responderia de alguma forma por seu dolo? Esse é um assunto complexo e polêmico na doutrina.

Para quantificar se há imputação de algum delito aos agentes financeiros são levados em conta diversos fatores, como se há presença de elemento subjetivo do crime de lavagem, o tamanho da participação no crime, ou seja, sua colaboração material. Valendo-se dos ensinamentos doutrinários passemos a análise, e se é possível sua responsabilidade penal ou não.

Em relação ao elemento subjetivo do crime de lavagem e o agente financeiro, fica claro que o bancário não o comete, tendo em vista que para ocorrer o elemento subjetivo do crime de lavagem, haja a intenção do agente criminoso de ocultar ou dissimular origem ilícita de bens e valores provenientes de crimes. O agente financeiro, apenas suspeitando da origem ilícita dos valores está somente realizando seu trabalho e não é de sua responsabilidade saber a origem dos valores que recebe. Esse é um dos motivos usados por doutrinadores que defendem a não punibilidade do agente financeiro, como é o caso do doutrinador Callegari (2014, p.103), mostrado abaixo:

(...) Ademais, para nós, a responsabilidade se dá através de âmbitos de competência e, neste caso, não compete ao agente financeiro à averiguação prévia, ao menos na esfera criminal, de origem lícita dos bens.

Assim parece-nos que os funcionários não têm dita função (garantidores) e, portanto, não se lhes pode atribuir o delito de lavagem de dinheiro caso realizem a transferência de fundos mesmo de origem suspeita. (...)

Dessa forma, como será responsabilizada uma pessoa que somente estava praticando seu ofício? Não se pode utilizar-se de argumentos de simples intenção do agente financeiro, sem que o mesmo preencha todos os requisitos (elementos subjetivos) para a imputação do crime de lavagem.

Outro ponto sempre levantado pela doutrina é em relação ao momento em que podemos considerar que houve participação no crime, sendo utilizada para tanto a teoria da imputação objetiva. Nas sábias palavras de Badaró (2013, p. 124-125) “a conduta penal relevante - do ponto de vista objetivo - é aquela que cria um risco não permitido de afetação do bem jurídico objeto da norma penal, que se reflete no resultado, dentro do âmbito de abrangência da norma penal”.

Partido do ponto de vista da presente teoria, primeiramente a ação do agente financeiro deve criar um risco objetivo e real ao bem protegido pelo tipo penal. A criação do risco é inerente a atividade financeira visto que, quando se cria uma instituição financeira, cria-se um risco de contribuir para a prática do crime de lavagem, mas isso não impede que a mesma seja criada, ou seja, esse é um risco permitido (BADARÓ, BOTTINI, 2013, p.125)

Devemos entender aqui, que, para ser imputado crime de lavagem deve acontecer situação onde o risco criado não seja permitido e ultrapasse o legalmente aceitável. Dessa forma deve-se pesar se o agente através de sua conduta assume risco não permitido e dessa resultou ferimento ao bem jurídico protegido. Então quando, por exemplo, um gerente movimenta conta bancária de seu cliente, sendo esse um agente criminoso, mesmo suspeitando da origem ilícita, se, atuado dentro da norma legal e da cautela inerente ao próprio ramo financeiro, não está cometendo crime de lavagem, pois somente está realizando seu trabalho.

Contudo se, ao contrário, ultrapassar esse limite, agindo com dolo, sabendo que os valores que realizou a transação são provenientes de crime estará, portanto, caracterizado a sua atuação como partícipe. Referido instituto está disciplinado no art.1º, § 2º, II da lei antilavagem, in verbis: § 2o  Incorre, ainda, na mesma pena quem:  (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

CONCLUSÃO

Podemos ressaltar que, se o agente, faltando apenas com o cuidado e a cautela, contribui para a realização do crime de lavagem, deve ser responsabilizado no tamanho de sua contribuição, de forma administrativa. Não ocorrendo dessa forma, não nos parece que a ação ou omissão do agente financeiro que contribuiu sem intenção - independentemente de ter sido beneficiado ou não com isso - e que fere o bem jurídico protegido pelo crime de lavagem ficará impune, dando ainda margem para fortalecer o delito. Estamos diante de um risco permitido e não é competência do agente financeiro averiguar previamente, em esfera criminal, a origem lícita dos bens.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BADARÓ, Gustavo Henrique, Bottini, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro. Aspectos penais e processuais penais. 2ª Ed. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2013.

BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/1998. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

CALLEGARI, André Luís, Weber, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. Ed.Atlas, São Paulo, 2014.

___________, André Luís. Direito Penal Econômico e Lavagem de Dinheiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

CAPEZ, Fernando.Curso de direito penal, volume 1, parte geral (arts. 1º a 120) .16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012.

NUCCI, Guilherme de Souza.Leis penais e processuais penais comentadasVol. 2. 8ªed., Rio de Janeiro : Forense, 2014.

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