UM PROBLEMA MORAL
ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da República aposentado
Um dispositivo do projeto do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) sobre a repatriação de recursos para financiar a reforma do ICMS favorece a entrada de capital ilícito no País por impedir investigações sobre a origem do dinheiro pelos órgãos públicos.
No entanto, tem-se razão o Presidente da ANPR, Associação dos Procuradores da República, quando disse:
"Isso não abre apenas uma porta, mas sim escancara uma parede inteira para a entrada de capital ilícito de todas as origens no País”.
O dispositivo a que ele se refere é o parágrafo 3º, artigo 3º do projeto 298, que diz o seguinte: "A declaração de regularização não pode ser, por qualquer modo, utilizada como indício ou elemento relevante para efeitos de qualquer procedimento tributário ou criminal, devendo os bancos e órgãos públicos intervenientes manter sigilo sobre a informação prestada, excluído qualquer procedimento investigativo sobre a disponibilidade dos recursos ou qualquer circunstância material relativa à obtenção dos bens declarados".
Cavalcanti criticou a iniciativa do governo de editar, na segunda-feira, dia 13 de julho do corrente, a Medida Provisória 683, que prevê a criação de fundo a ser abastecido por ativos repatriados para compensar as perdas dos estados com a unificação das alíquotas interestaduais do ICMS. "Com essa MP, o governo sinaliza que o Legislativo pode anistiar crimes, o que vai contra os avanços que a sociedade e as instituições têm alcançado no combate à lavagem de dinheiro e da corrupção, a exemplo da Operação Lava Jato sobre desvios na Petrobras", disse.
Segundo estimativa apresentada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, aos líderes dos partidos no Senado, a medida pode reforçar o caixa federal em até R$ 20 bilhões este ano, dos quais
R$ 10 bilhões reforçariam o superávit primário (economia de recursos para pagar os juros da dívida pública). A outra metade iria para os dois fundos criados nesta terça-feira pela Medida Provisória 683, que restituirão as perdas dos estados com a unificação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e financiarão projetos de infraestrurura em regiões menos desenvolvidas.
Pela nova versão do projeto de lei, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), o governo ficaria com 35% dos recursos repatriados. Desse total, 17,5% correspondem à cobrança de Imposto de Renda, que engordaria o superávit primário, e 17,5% correspondem à cobrança da multa, que financiaria o Fundo de Desenvolvimento Regional e Infraestrutura e o Fundo de Auxílio à Convergência do ICMS.
Em troca da repatriação, os contribuintes seriam anistiados de qualquer processo administrativo pelo Fisco. Caberia aos bancos a triagem dos recursos para identificar recursos provenientes de tráfico e de lavagem de dinheiro. Os casos seriam denunciados às autoridades, o que, segundo o governo, afastaria o capital de origem criminosa. No entanto, quem cometeu evasão fiscal com dinheiro de origem legal seria, na prática, perdoado.
A anistia é o ato de caráter geral pelo qual o poder público deixa de punir certos crimes. É concedida por lei que terá efeito retroativo.
É o esquecimento jurídico de uma ou mais infrações.
É cabível a anistia antes e depois do processo ou da condenação. É própria, quando concedida antes da sentença condenatória transitar em julgado e imprópria, se dada, depois da sentença, recaindo sobre a pena.
A anistia pode ser geral(quando beneficia todas as pessoas que participaram do crime) ou parcial. Pode ser ampla ou plena(apaga por completo a matéria de fato e extingue todos os efeitos), é irrestrita quando inclui todos os crimes relacionados com o principal e restrita quando são excluídas algumas infrações.
Se a anistia apaga o delito e extingue seus efeitos, é justo que não se exija o decurso de dois anos previstos no artigo 94, caput, do Código Penal, para a concessão da reabilitação. O mesmo deve ser dito com relação a abolito criminis, como se vê de decisão do STF, em caso de anistia por crime contra a segurança nacional(RCrim 1.439, DJU de 6 de maio de 1983, pág. 6.023).
A graça é individual e concedida a crimes comuns, apagando, se concedida após a condenação, apenas os efeitos da condenação criminal, sendo concedida pelo Poder Executivo.
A graça pode ser requerida pelo condenado, por qualquer do povo, pelo Conselho Penitenciário.
A graça pode ser total, alcançando todas as sanções impostas ao condenado, ou parcial, com a redução ou substituição da sanção, caso em que toma o nome de comutação.
A evasão fiscal é o uso de meios ilícitos para evitar o pagamento de tributos. Distingue-se da elisão fiscal que configura-se num planejamento que utiliza métodos legais para diminuir o peso da carga tributária.
Os olhos seriam fechados para a evasão de divisas feitas em troca do recebimento de uma massa de receita tributária, que é considerada necessária para a solução dos problemas fiscais do país?
Há um verdadeiro retrocesso nos avanços existentes com relação ao combate à evasão de divisas e ainda a lavagem de dinheiro.
O incentivo à repatriação de capitais provoca um problema moral. Como se sentirá o contribuinte que agiu correto com a Nação, declarando capitais que enviou para o exterior e pagando os impostos e contribuições corretos, fugindo da evasão fiscal?
É certo que o texto do projeto fala em repatriação de qualquer recurso do exterior. Estaria, pois, aí, aqueles que estão envolvidos em escândalos, por uma interpretação literal.
De toda sorte, é necessário fazer a distinção entre capital lícito dos recursos com origem no tráfico e na lavagem de dinheiro que devem merecer um severo tratamento legal, tanto no campo penal como tributário.
Por fim, se tudo isso não bastasse, por definitivo, tem-se o absurdo da medida legal, por absoluta falta de razoabilidade empírica, na medida em que os bancos não têm como fazer essa identificação entre dinheiro sujo e limpo, pois eles apenas impulsionam o início dos trabalhos, a partir da indicação de movimentações suspeitas, mas até chegar à prova há um longo caminho a percorrer.