As contas do Governo da União

21/07/2015 às 16:09
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De quem é a competência de prestar as "contas do governo"? Será apenas de um órgão, de um Poder, dos chefes de cada Poder, do governo da República, ou, quem sabe, de outra pessoa ou de outro Poder? Que contas são essas? Qual a sua finalidade?

AS CONTAS DO GOVERNO DA UNIÃO
RESUMO
O artigo examina as chamadas “Contas do Governo”, ou “Contas do Presidente da República”, à luz do que dispõem a Constituição Federal de 1988 e a Lei 8.443/1992 (Lei Orgânica do TCU). E também discorre a respeito da interferência da Lei Complementar 101/2000 (Lei de Reponsabilidade Fiscal).
Acerca de tais contas, são tratados os aspectos: da competência, o texto discorre sobre qual Poder da União ou qual pessoa tem a incumbência constitucional de prestá-las; do significado, é dado foco na natureza, na essência das contas; das finalidades, são abordados os principais objetivos, propósitos, das “Contas do Governo”.
Finalmente, algumas conclusões são aduzidas acerca do relevante tema.
Palavras-chave: Contas do Governo. União. Competência. Presidente da República. Congresso Nacional. Tribunal de Contas da União.
1. INTRODUÇÃO
A certidão de nascimento da República Federativa do Brasil, a Constituição Federal de 1988, trata de três aspectos relevantes a respeito das “Contas do Governo”: Quem deve prestá-las? Qual o seu significado? Qual a sua finalidade?
Também denominadas de “Contas do Presidente da República”, têm grande importância para a vida e o dia a dia do cidadão, pois trazem informações substanciais em termos de saúde, de educação e de segurança pública. Nas felizes palavras de Francisco, o Papa, “os pilares fundamentais que sustentam uma nação, os seus bens imateriais”.
O Relatório e o Parecer Prévio elaborados pelo TCU, após profunda análise do Balanço-Geral da União são valiosas peças, que devem ser utilizadas como fonte de informação para os gestores governamentais e como instrumento de controle para a sociedade.
2. ASPECTOS RELEVANTES
2.1. COMPETÊNCIA
De quem é a competência de prestar as “Contas do Governo”? Será que é apenas de um órgão do Poder Executivo, “Contas da Presidência da República”, do Poder Executivo, “Contas do Poder Executivo”, ou dos Chefes de cada Poder, “Contas dos Chefes de cada Poder”, ou do “Governo da República”, “Contas do Governo da República”, ou, quem sabe, de outra pessoa ou de outro Poder.
Quem presta constas é pessoa, e não órgão ou Poder da União.
Assim estabelece a Constituição Federal de 1988, ao dispor que “prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada” (parágrafo único do art. 70 da CF). Ou seja, a competência de prestar as “Contas do Governo” é atribuída pelo texto constitucional especificamente a uma pessoa e não a um órgão ou Poder da União.
E em termos contábeis qual o principal motivo de as contas serem prestadas por uma pessoa e não por um órgão ou Poder da União? A razão está no fato de que pessoa possui Patrimônio. Objeto de estudo da contabilidade, patrimônio é o conjunto de bens direitos e obrigações pertencentes a uma pessoa. Por exemplo, quem possui bens é a pessoa União e não o Poder Executivo da União, ou a Presidência da República (art. 20 da CF).
No Direito Público brasileiro Poder não tem personalidade, não é pessoa, logo os Chefes dos Poderes Executivo, Legislativo, ou Judiciário, nessa condição, não têm constitucionalmente o dever de prestar contas. E nem os Chefes das Funções Essenciais à Justiça: Ministério Público, Advocacia-Geral da União e Defensoria Pública da União.
Em outras palavras, a Carta Magna de 1988, desde a sua promulgação, NUNCA tratou de contas de Poder (Contas do Poder Executivo), de Chefes de Poder (Contas do Chefe do Poder Executivo) e nem de Chefes de Funções Essenciais à Justiça (Contas do Chefe do Ministério Público da União).
A Constituição Federal de 1988 somente pode ser modificada por Emenda Constitucional, nunca por Lei Complementar.
E para modificar a atribuição dada pela Lei Fundamental especificamente a “qualquer pessoa”, o instrumento próprio é a Emenda Constitucional e não a Lei Complementar, como por exemplo a LC 101/2000 (LRF - Lei de Responsabilidade Fiscal). Portanto, constitucionalmente, não é cabível a interpretação dada ao art. 56 da LRF no sentido de exigir prestação de contas de Chefes de Poder e de Chefes das Funções Essenciais à Justiça.
Mas, afinal, de quem é a competência de prestar as “Contas do Governo”?
A competência de prestar as “Contas do Governo” é privativa do Presidente da República.
Na determinação (inciso XXIV do art. 84 da CF), a Lei Maior de 1988 dispõe que tal competência é privativa, mas não exclusiva. Há diferença entre as duas?
Sim.
A competência privativa pode ser delegada (transmitida para outro), enquanto que a exclusiva não. No caso das contas prestadas pelo Presidente da República não há delegação constitucional e nem de Emenda Constitucional. Portanto, referida competência é apenas do Presidente da República e não dos Chefes de cada Poder, ou de Poder isoladamente, ou dos Chefes das Funções Essenciais à Justiça, como visto acima.
Assim, até que advenha Emenda Constitucional modificando a matéria, essa competência privativa do Presidente da República pode ser entendida como exclusiva.
2.2. SIGNIFICADO
O que são as denominadas “Contas do Governo”, ou “Contas do Presidente da República”, ou, nos termos constitucionais, contas referentes ao exercício anterior prestadas, anualmente, pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa (inciso XXIV do art. 84 da CF).
Será que são contas relativas à pessoa física do Presidente da República, na condição de gestor ou responsável por dinheiros, bens e valores públicos? Ou contas de outra pessoa, cuja responsabilidade de prestá-las é privativa do Presidente da República?
O inciso IX do art. 49 da Constituição Federal de 1988 determina que é competência exclusiva do Congresso Nacional julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo. Já a atribuição de julgar as contas de administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta é própria e privativa do Tribunal de Contas da União (inciso II do art. 71).
Como contas prestadas pelo Presidente da República não são julgadas pelo TCU e sim pelo Congresso Nacional, elas não se enquadram como contas pessoais do Presidente da República na condição de gestor ou de responsável por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta.
Não sendo contas pessoais do Presidente da República na condição de gestor ou responsável por dinheiros, bens e valores públicos, será que são as “Contas do Governo da República”?
O Direito Público brasileiro positivo estabelece a existência de determinadas pessoas. A pessoa jurídica “República Federativa do Brasil” é tratada pela Carta Constitucional de 1988 como sendo de âmbito externo (art. 4º da CF). E integrando essa pessoa, conhecida como “Estado Federal”, tem-se as pessoas jurídicas de Direito Público interno: União, Estados, Municípios e Distrito Federal (art. 18 da CF).
Na condição de pessoa jurídica de Direito Público externo que atua junto ao conjunto das Nações, a República Federativa do Brasil, o “Estado Federal”, não tem contas a serem prestadas.
Portanto, as contas Prestadas pelo Presidente da República também não são “Contas do Governo da República”.
Como se pôde observar, as contas não são pessoais do Presidente da República, na condição de gestor ou responsável por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta e nem “Contas do Governo da República”.
Então, de quem são as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República?
Para esclarecer a questão, deve ser examinado o conteúdo do documento encaminhado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República.
A legislação estabelece que referidas contas “consistirão nos balanços-gerais da União e no relatório do órgão central do sistema de controle do Poder Executivo sobre a execução dos orçamentos de que trata o § 5º do art. 165 da Constituição Federal” (parágrafo único do art. 36 da Lei 8.443/92). E um dos orçamentos de que trata o dispositivo constitucional é o “orçamento fiscal referente aos Poderes da União” (inciso I do § 5º do art. 165 da CF).
Ou seja, o relatório do órgão central do sistema de controle do Poder Executivo deve discorrer a respeito da execução dos orçamentos, dentre os quais o orçamento fiscal dos Poderes da União. E estando as Funções Essenciais à Justiça incluídas na organização constitucional dos Poderes da União, o aludido relatório do Poder Executivo também deve contemplá-las.
Já o Parecer Prévio elaborado pelo Tribunal de Contas da União, com características de parecer técnico de auditoria, deve analisar a execução dos orçamentos dos Três Poderes da União e das Funções Essenciais à Justiça.
Assim, o Presidente da República presta anualmente ao Congresso Nacional as Contas do Governo da União.
Contas da União, pessoa jurídica de direito Público Interno que também representa a República Federativa do Brasil em suas relações com os estados estrangeiros e participa de organizações internacionais (inciso I do art. 21 da CF).
2.3. FINALIDADES
As “Contas do Governo da União”, prestadas anualmente pelo Presidente da República, têm por finalidade apresentar as posições financeira, orçamentária, contábil e patrimonial da União em 31 de dezembro, com vistas a oferecer informações úteis a gestores e a grande número de usuários para avaliações e tomadas de decisões econômicas acerca da alocação de recursos.
Em outa dicção, tais informações possibilitam avaliar, direcionar e monitorar a gestão de políticas públicas e dos serviços prestados à sociedade.
Além disso, as referidas contas também são instrumento de controle social, que pode ser concentrado ou difuso.
O controle social concentrado é exercido na forma de controle externo pelo povo, por intermédio de seus representantes no Congresso Nacional e com o auxílio do Tribunal de Contas da União (parágrafo único do art. 1º e arts. 70 e 71 da CF). Esse controle da execução da receita e da despesa abrange todos Poderes da União e as Funções Essenciais à Justiça.
Quanto ao denominado controle interno, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário deverão mantê-lo sob a forma de sistema integrado e com as finalidades estabelecidas no art. 74 da Constituição Federal de 1988.
Ainda em relação ao controle social concentrado, ou controle externo exercido pelo povo, cabe reiterar que compete ao Congresso Nacional, “julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo” (inciso IX do art. 49 da CF). Esse julgamento é realizado tendo por base o Parecer Prévio elaborado pelo Tribunal de Contas da União.
O aludido Parecer Prévio, etapa fundamental no processo de controle externo da gestão pública brasileira, oferece ao Congresso Nacional os elementos técnicos essenciais para o julgamento das Contas do Governo da União prestadas, anualmente, pelo Presidente da República (art. 71, inciso I, da CF).
Elaborado em sessenta dias a contar do recebimento das referidas contas, mediante a análise do Balanço-Geral da União (BGU) e do relatório da execução orçamentária, preparado pelo órgão central do sistema de controle interno do Poder Executivo, o parecer prévio do Tribunal de Contas da União deve ser conclusivo, indicando se o BGU representa adequadamente a posição financeira, orçamentária e patrimonial da União em 31 de dezembro do exercício em exame e se as operações realizadas seguiram os princípios de contabilidade aplicados à Administração Pública federal.
Já o controle social difuso é exercido pelo cidadão ou por setores da sociedade, que examinam, por exemplo, como foram executados os programas de governo? Quais atingiram as metas estabelecidas? Os recursos foram efetivamente aplicados? Houve eficiência nos resultados? Há necessidade de mais recursos? O crescimento econômico foi adequado? Que medidas podem e devem ser adotadas para incrementá-lo? Houve irregularidades na execução da receita e da despesa?
O controle social difuso tem grande relevância, pois em muitos casos faz correlação entre questões micro e macro da União, mostrando a influência de uma em outra nos dois sentidos.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A competência de prestar as “Contas do Governo da União” é privativa do Presidente da República.
As principais finalidades dessas contas são: apresentar as posições financeira, orçamentária, contábil e patrimonial da União em 31 de dezembro, informações úteis e relevantes a gestores e a grande número de usuários, e ser instrumento de controle, exercido de forma concentrada pelo Congresso Nacional ao julgá-las (controle externo) e de maneira difusa pelo cidadão ou por setores da sociedade (controle social).
O controle social concentrado, ou controle externo, não é um controle de um Poder sobre outro Poder, pois os Poderes da União são independentes e harmônicos entre si (art. 2º da CF). Na realidade, o controle externo é o controle do povo (toda a sociedade) exercido por intermédio de seus representantes no Congresso Nacional sobre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como sobre as Funções Essenciais à Justiça.
O controle social difuso tem grande relevância ao fazer correlação entre questões micro e macro econômicas da União, mostrando a interdependência de uma e outra.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 29 de maio de 2014.
BRASIL. Lei 8.443, de 16 de julho de 1992. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8443.htm. Acesso em: 29 de maio de 2014.
BRASIL. Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/LCP/Lcp101.htm. Acesso em; 29 de maio de 2014.
 

Sobre o autor
Ivo Montenegro

<br>Graduado em Direito (Uniceub), Ciências Contábeis (UPIS), Administração (UPIS) e Processamento de Dados (Unb). Pós-graduado pela Escola de Governo (UFRJ) e em Didática de Ensino Superior (Uniceub). MBI – Master in Business Intelligence (UPIS). Professor de Administração Financeira e Orçamentária-I (AFO-I: Orçamento Público) por um período de 11 anos. Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU). Trabalha no Tribunal desde janeiro de 1985. Neste ano participou do 1º grande curso de Auditoria Operacional do GAO (U.S. Government Accountability Office) no TCU, ministrado pelo Senhor Jim Wesberry, na época Consultor Sênior em Instituições Internacionais de Auditoria e Treinamento do GAO. Em 1986 participou da implantação no TCU do módulo do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). Assessor de Ministro por 28 anos. Assessorou o Relator da Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/1992), Ministro Luciano Brandão Alves de Souza. Assessorou por 2 vezes o Ministro Paulo Affonso Martins de Oliveira na relatoria das contas do governo da União, como coordenador. Assessorou por 2 vezes o Ministro Antônio Valmir Campelo Bezerra na relatoria das contas do governo da União, como coordenador. Assessor do Presidente. Assessorou o Ministro Valmir Campelo na Presidência do TCU durante o período de 2 anos. Desenvolveu várias atividades como assessor do Presidente, cabendo destacar a elaboração de minutas dos votos de desempate e a implantação do Grande Colar do Mérito do Tribunal de Contas da União; do Museu do TCU e do Espaço Cultural Marcantonio Vilaça. Por mais de 20 anos elaborou Declarações de Voto dos Ministros Paulo Affonso e Valmir Campelo acerca da apreciação pelo TCU das contas do governo da União. Assessorou o Ministro Valmir Campelo nas atividades e na relatoria dos processos relativos à Copa do Mundo Fifa de 2014. Dijur/TCU. Atualmente exerce atividade na Diretoria de Jurisprudência (Dijur) da Secretaria das Sessões do Tribunal de Contas da União, elaborando enunciados.<br><br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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