Na historia da humanidade a busca por direitos e a necessidade de vinculação para garanti-los na ordem jurídica internacional, fez surgir um sistema político que controla-se e limita-se o poder do Estado frente aos valores sociais da sociedade. Esse sistema influenciou a criação de um rol mínimo e básico de direitos humanos e puderam assim atender os desejos da sociedade.
Com grande influencia do movimento cultural dos Iluministas, no século XVII, o moderno sistema internacional que se baseava nos princípios do Estado-nação e da soberania estatal viria a fazer surgiu assim o conceito de cidadania.
Essa reforma na sociedade, fez com que os direitos humanos pudessem ser reconhecidos internacionalmente, e assim passando a ser consagrado em diversos documentos internacionais, dentre as quais merece destaque: A Magna Carta, Declaração de Virginia de 1776, a Declaração Norte-Americana de 1787 e a mais famosa das declarações, a Declaração dos Direitos do Homem e o Cidadão 1789, esta ultima ser tornando o modelo por excelência das declarações.
A grande conquista dos Direitos Humanos veio com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, se tornou um marco na defesa da dignidade humana, que significou um enorme avanço na proteção dos direitos humanos, direitos dos povos e das nações. Com o reconhecimento internacional dos direitos humanos, surgiu a necessidade criar mecanismos de efetiva-los, assim muitos Estados adotaram nas suas normas internas meios que proteção e concretização dos direitos humanos.
Assim os direitos foram positivados na ordem jurídica interna dos Estados, e a doutrina os classificou por “gerações”, ou a expressão mais atual, em “dimensões de direitos”. Dentre as quais os direitos de 1ª, 2ª e 3ª dimensões tiveram seu ponto de partida a Revolução Francesa, pelos lemas da liberdade, igualdade e fraternidade. No Brasil esses direitos sempre foram reconhecidos nos textos constitucionais, e a liberdade como direito fundamental foi um dos primeiros direitos a ser reconhecidos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 assegurou ”que Todo o homem tem direito à Liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios” (Artigo 19).
A liberdade na Constituição Federal de 1988 juntos com outros direitos fundamentais previstos no art. 5º “caput” serve de base aos demais direitos fundamentais, de modo que da liberdade gênero decorre outras espécies de liberdades, dentre elas: a Liberdades de locomoção, Liberdade de associação e reunião, A liberdade religiosa, e a Liberdade de Expressão que é considerada uma das mais importantes, por ter sido reconhecida primeira.
A liberdade de expressão é a possibilidade garantia de um individuo se manifestar através de sua opinião, crença e ideias sem ser recriminado, expressando-se através de informações e divulgando sem limites de fronteiras, ou seja, “juízos de valor a respeito de fatos, ideias, portanto, juízos de valor sobre opiniões de terceiros, devendo o seu conceito, da perspectiva constitucional, ser compreendido em sentido amplo, de forma inclusiva” (SARLET, 2013, p. 128). A Constituição Federal adotou a liberdade de expressão em um sentido amplo, na qual são coligadas a outras liberdades legalmente protegidos, como SARLET menciona:
A Constituição Federal de 1988 não adotou o termo liberdade de expressão como gênero que abarca as diversas manifestações especifica, tais como a livre manifestação de pensamento, a liberdade de consciência e de crença, a liberdade de comunicação (incluindo a liberdade de imprensa), a livre expressão artística, intelectual e cientifica, muito embora se possa considerar a livre manifestação do pensamento como assumindo tal condição, visto que a manifestação do pensamento poderá ocorrer na esfera social da comunicação social, no exercício da atividade intelectual ou artística, ou mesmo dizer respeito a livre manifestação das opiniões religiosas (2013, p.448).
A manifestação do pensamento conexa à liberdade de expressão constitui como uma decorrência da liberdade de opinião, na qual é assegurado no Art. 5º IV, que descreve “é livre a manifestação do pensamento [...]”. O texto constitucional ainda assegura que “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição”. É assegurado também na manifestação do pensamento o direito de ficar em silencio, de não se manifestar, como descreve o art. 5º LXIII, dentre os direitos do preso, “o de permanecer calado”.
Ao exercer seu direito de manifestar seu pensamento, deve-se identificar-se, pois é “vedado o anonimato” (art. 5º IV). Uma possível manifestação de pensamento que viole os direitos subjetivos alheios, “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (art. 5º IV).
Desta forma a livre manifestação de pensamento coincide com a liberdade de informação, expressando o pensamento por todo meio de comunicação, seja pela atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5º, IX), sendo protegido alem da opinião os meios que são expressos. Descreve Jose Afonso da Silva: “Nesse sentido, a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência da censura, respondendo cada pelos abusos que cometer (2005, p.246 )”.
Dessa forma o direito de informação esta abarcada pela liberdade de expressão, podendo ser divulgada pela palavra, por escrita ou por qualquer outro meio de divulgação respondendo com a indenização pelo dano material e moral pelos prejuízos ao bom nome, à honra, a vida privada e a imagem das pessoas, nos termos do art.5º X da Constituição Federal de 1988.
Neste sentido, de forma a proteger os abusos da liberdade de expressão e informação e como forma a limita-lo contra possíveis confrontos com direitos fundamentais, como o direito de personalidade, é que os artigos 20 e 21 do Código Civil de 2002 vieram a assegurar a seguinte redação:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
Nota-se que há inviolabilidade da vida privada da pessoa é garantido pelos termos da lei, é que a exposição e utilização dos direitos da personalidade sem a sua autorização podem ser proibidos, e serem adotadas providencias necessárias para impedir a violação de tal dispositivo.
No entanto, uma decisão do Supremo Tribunal Federal julgado no ultimo dia 10.06.2015 a respeito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815 (2012) impetrada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), com relatora, ministra Cármen Lúcia, na qual tinha como discussão a possibilidade ou não de autorização previa para a publicação de biografias, decidiu pela a interpretação dos artigos do Código Civil ora citados conforme a Constituição.
Na ADI, há um questionamento sobre a possível incompatibilidade dos art. 20 e 21 Do Código Civil com o direito assegurado no texto constitucional da liberdade de expressão e de informação. O assunto já havia sido objeto de amplo debate em audiência publica convocada pela STF em Novembro de 2013 que teve a participação de 17 expositores
Na analise, O plenário do Supremo Tribunal Federal por unanimidade “declarou inexigível a autorização previa para a publicação de biografias” em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença de pessoa biografada, relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas). Em voto da Relatora, “A norma infraconstitucional não pode amesquinhar preceitos constitucionais, impondo restrições ao exercício de liberdades” e destacou “que a Constituição prevê, nos casos de violação da privacidade, da intimidade, da honra e da imagem, a reparação indenizatória”. No mesmo sentido, o ministro BARROSO destaca que:
Caso envolve uma tensão entre a liberdade de expressão e o direito à informação, de um lado, e os direitos da personalidade (privacidade, imagem e honra), do outro – e, no caso, o Código Civil ponderou essa tensão em desfavor da liberdade de expressão, que tem posição preferencial dentro do sistema constitucional.
Todavia a analise da necessidade de autorização previa as biografias, baseou-se sua incompatibilidade com o estado democrático, pois controlar as biografias, seria uma forma de censurar a liberdade de informação, alem de trazer “sérios danos a para a liberdade de comunicação”e nas palavras da relatora “Não é proibindo, recolhendo obras ou impedindo sua circulação, calando-se a palavra e amordaçando a história que se consegue cumprir a Constituição.” No entanto, a decisão não o autoriza o pleno uso da imagem das pessoas de maneira absoluta por quem quer que seja, e que não pode haver a violação dos direitos constitucionais dos biografados, e “possibilitou, sim, de intervenção judicial no que diz respeito aos abusos, às inverdades manifestas, aos prejuízos que ocorram a uma dada pessoa, no sentido de que qualquer sanção pelo uso abusivo da liberdade de expressão deverá dar preferência aos mecanismos de reparação a posteriori, o direito de resposta, a indenização pecúlio e a de outras formas além da indenização, tais como a publicação de ressalva ou nova edição com correção.
Contudo, a nova interpretação aos artigos 20 e 21 do Código Civil, conforme a Constituição da República assegurou a tese da plena liberdade de expressão e de informação neste aspecto, salientando que o interesse coletivo deve prevalecer sobre o individual, no caso de conflitos entre ambos. O julgamento do STF ora comentado, “foi um importantes precedentes da corte, até mesmo pelo fato de que a inexigibilidade de prévia autorização por parte dos biógrafos e editoras, não apenas não afasta eventual direito à indenização ou mesmo o exercício do direito de resposta, como bem igualmente não afasta, em circunstâncias excepcionais, medidas mais rigorosas”.
No entanto, a proteção em especial deste direito fundamental feita pelo STF, tem sido muito entensiva por considera-lo um direito englobador de diversas outras direitos constitucionais. O que torna claro que tem delimitamente compreendido como um direito de limites constitucionais sem abrangencia certa, e que cada vez tem sido demostrado como um direito não absoluto que conduz a sua mera interpretação constitucional a cada caso concreto, adquirindo assim um status de proteção constitucional respaltada no jurisdição estatal.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 5 de outubro de 1988.Diário Oficial da União. Brasília/DF, 5 de outubro de 1988.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999
DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1992.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 16 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2013.