Da aplicabilidade dos institutos da coautoria e participação nos crimes culposos no atual ordenamento jurídico criminal

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05/08/2015 às 15:17
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3.  DA PARTICIPAÇÃO

3.1.  CONCEITO

Por participação, pode-se entender a conduta do agente que induz, instiga ou auxilia o agente a praticar o núcleo do tipo, o verbo contido na norma penal incriminadora. É assim, uma ajuda para viabilizar a consecução final da conduta delituosa.

Nas lições do doutrinador Capez (2011, P. 365-366), o instituto da Participação pode ser entendido como:

[...] partícipe é quem concorre para que o autor ou coautor realizem a conduta principal, ou seja, aquele que, sem praticar o verbo (núcleo) do tipo, concorre de algum modo para a produção do resultado. Assim, no exemplo citado acima, pode-se dizer que o agente que exerce vigilância sobre o local para que seus comparsas pratiquem o delito de roubo é considerado partícipe, pois, sem realizar a conduta principal (não subtraiu, nem cometeu violência ou grave ameaça contra a vítima), colaborou para que os autores lograssem a produção do resultado.

Isto posto, de acordo com as esclarecedoras palavras do doutrinador Capez, a participação pode ser entendida como a ajuda do agente, que sem praticar o núcleo do verbo normativo, concorre para a prática do fim ilícito almejado.

Sendo assim, a diferença entre autor e partícipe esta justamente na de que o autor é o agente que pratica a conduta penal incriminadora descrita no tipo penal, e o partícipe, vem a ser o agente que de qualquer forma o ajuda, sem contudo, praticar o verbo.

Insta salientar que a doutrina majoritária entende como possível a aplicação da participação após a consumação do delito, desde que ainda haja espaço para o exaurimento do crime, e a participação venha a ser realizada antes que ocorra a mesma.

A Participação pode ser moral, quando o agente instiga ou induz o agente a praticar um determinado crime, ou material, que pode ser entendida como a ajuda efetiva para que a pessoa efetivamente prepare ou execute o delito. A título de exemplo, podemos elencar a carona, o empréstimo de uma arma de fogo, o dinheiro para que o agente compre os instrumentos posteriormente utilizados para a prática do crime, entre outros.

Apesar do tema da participação encontrar relativa pacificação conceitual no âmbito doutrinário, bem verdade é que parte significativa da doutrina critica pesadamente o legislador criminal. Essa crítica se deve pelo fato de que o mesmo acabou não esclarecendo de forma sucinta a forma de punição do partícipe.

Como já é sabido, o artigo 29 do Código Penal diz que quem de qualquer forma, concorrer para o crime, incidirá nas penas a este cominadas, na medida da sua culpabilidade. Ora, é claro que a pena do partícipe deve ser menor, por conta da sua culpabilidade que é reduzida. Mas como é que se dá essa redução?

Pois bem, agora fica clara a imprecisão legislativa, e por conta disso, podemos concordar com a doutrina brasileira, quando da crítica endereçada ao legislador pátrio.

Posto isto, vejamos o que diz a doutrinadora Camargo (2012), que em estudo publicado na revista científica do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), aduziu:

Enquanto a autoria é definida detalhada e casuisticamente, o Anteprojeto deixa uma porta aberta pelos fundos ao manter para a participação a definição extensiva fundada em qualquer modo de contribuição para o crime. Uma escolha duvidosa diante da função constitutiva da tipicidade das regras de participação: se o partícipe não realiza a lesão do dever de ação descrita no tipo delitivo como o autor, qual norma de comportamento ele violaria, em lugar disso?

A descrição da participação por omissão pelo Anteprojeto também demonstra que as proibições no Direito Penal não consistem na mera causação do resultado lesivo. A formulação inversa de tal dever na figura da omissão, i.e., o dever irrestrito de criação de uma causa que impeça a realização do tipo, não existe. É preciso primeiramente definir quando se deve agir para evitar o crime cometido por outrem e, sem nenhuma modificação nesse sentido (cf. art. 17 do Anteprojeto), ao menos a figura do garante institucional fundamenta não a participação criminosa, mas a autoria do delito. Trata-se de uma regra, se não contraditória, ao menos incompleta, pois não aponta o conteúdo de tal dever.

O Anteprojeto falha definitivamente por não oferecer uma definição dos critérios que fundamentam a punição pela participação, deixando o caminho livre para juízes que enxerguem nesse dispositivo a existência de uma responsabilidade subsidiária ilimitada pelo concurso de pessoas, fundada exclusivamente na causalidade da ação e na vontade de se concorrer para o crime.

Outro fator interessante no universo da participação é a chamada conivência ou participação negativa, que nas palavras de Capez (2011, p. 376-377) pode ser entendida como:

[...] ocorre quando o sujeito, sem ter o dever jurídico de agir, omite-se durante a execução do crime, quando tinha condições de impedi-lo. A conivência não se insere no nexo causal, como forma de participação, não sendo punida, salvo se constituir delito autônomo. Assim, a tão só ciência de que outrem está para cometer ou comete um crime, sem a existência do dever jurídico de agir (CP, art. 13, §2º), não configura participação por omissão.

Diante disso, podemos entender que salvo disposição legal em contrário, como ocorre, por exemplo, nos crimes de omissão de socorro (art. 135, CP), as pessoas só podem ser punidas pela sua omissão, quando possuírem o dever jurídico de agir, nos moldes do art. 13, §2º do Código Penal. Caso o agente não tenha o dever jurídico de agir, não se pode falar em punição da sua omissão.

Outro fato bastante intrigante dentro do instituto da participação, e o que diz respeito a repercussão aos partícipes quando do cometimento do crime pelo autor, que vem a incidir numa das causas de desistência voluntária e arrependimento eficaz do autor.

Vale lembrar que esse assunto possui enorme divergência doutrinária, existindo posicionamento para ambos os lados, contudo, acredito que a posição levantada por Ferraz (1976, p. 173-174) seja a mais correta, vejamos:

Se o executor desiste voluntariamente da consumação do crime ou impede que o resultado se produza, responderá apenas pelos atos já praticados (art. 13), beneficiando-se dessa circunstância inteiramente alheia às respectivas vontades os vários partícipes, uma vez que a isso conduz a doutrina unitária do concurso acolhida pelo art. 25.

Sendo assim, se a desistência voluntária ou o arrependimento eficaz realizado por parte do autor conduzir a redução da pena, ao partícipe se estende essa redução, assim como caso o leve à atipicidade da conduta inicial por ele praticada, tal fato também deverá ser estendido ao partícipe.

Também há forte divergência quando se fala em arrependimento do partícipe. Apesar de inúmeros posicionamentos sobre o tema, corroboramos com a doutrina de Greco (2014), que em sua obra admite tal aplicação, desde que o partícipe, após o auxílio, a instigação, consiga de qualquer forma cessar o ato do autor material do delito, sob pena de não configurar o arrependimento do partícipe. Posto isto, assevera Greco (2014, p. 452):

Entendemos que se o partícipe houver induzido ou instigado o autor, incutindo-lhe a ideia criminosa ou reforçando-a a ponto de este sentir-se decidido pelo cometimento do delito, e vier a se arrepender, somente não será responsabilizado penalmente se conseguir fazer com que o autor não pratique a conduta criminosa. Caso contrário, ou seja, se não tiver sucesso na sua missão de evitar que o delito seja cometido, depois de ter induzido ou instigado inicialmente o autor, o seu arrependimento nãos será eficaz e, portanto, não afastará a sua responsabilidade penal como ato acessório ao praticado pelo autor.

3.2.       TEORIAS SOBRE A PARTICIPAÇÃO

Antes de adentrarmos verdadeiramente ao assunto das teorias da participação, devemos transcrever o artigo 31 do Código Penal (BRASIL, PLANALTO, 1940), que remete ao nosso estudo, vejamos:

Art. 31, CP. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.

Pela leitura desse artigo, podemos extrair que a conduta do partícipe só será punível, se o crime chega ao menos a ser tentado. Assim, o ajuste, a determinação, a instigação e o auxílio que não saem do plano lógico e hipotético, não poderão ser punidos, sob pena de responsabilidade penal objetiva.

Sendo assim, a participação só se torna relevante, quando o agente começa de fato a executar o núcleo do tipo penal, já que de acordo com o artigo em análise, se o agente não começar a execução do crime, este ficará apenas no plano lógico hipotético, que por sua vez, não sofre reprimenda penal.

Contudo, na reforma da parte geral do código penal em 1984, o legislador infraconstitucional fez inserir no artigo 31 do texto da lei, a expressão “salvo disposição expressa em contrário”. Sendo assim, de forma excepcional, o legislador acabou admitindo a punição das condutas que não viessem sequer a ser tentadas. A respeito disso, a doutrina majoritária entende que esse comando legal se aplica a hipóteses restritivas, sendo uma exceção a regra geral.

A respeito disso, ensina Masson (2012, p. 522):

O Código Penal assim agiu para ressaltar que, em situações taxativamente previstas em lei, é possível a punição do ajuste, da determinação, da instigação e do auxílio como crime autônomo. Reclama, evidentemente, expressa previsão legal. É o que se dá nos crimes de incitação ao crime (CP, art. 286) e quadrilha ou bando (CP, art. 288).

Na quadrilha ou bando, por exemplo, a lei tipificou de forma independente a conduta de associarem-se mais de três pessoas para o fim de cometer crimes. Existe o delito com associação estável e permanente, ainda que os quadrilheiros não venham efetivamente a praticar nenhum delito. E, não fosse a exceção apontada pelo art. 31 do Código Penal, seria vedado punir o ato associativo, enquanto não se praticasse um crime para o qual a quadrilha fora idealizada.

Destarte, a respeito das teorias existentes sobre a participação, estas se dividem em quatro. A primeira é a teoria da Acessoriedade mínima, seguida da teoria da Acessoriedade limitada, depois vem a teoria da Acessoriedade máxima e por fim a teoria da Hiperacessoriedade.

A primeira teoria a ser analisada é a teoria da Acessoriedade mínima, que de acordo com as lições de Greco (2014, p. 447), é entendida como:

Para a teoria da Acessoriedade mínima haverá participação punível a partir do momento em que o autor já tiver realizado uma conduta típica. Basta, para essa teoria, que o autor pratique um fato típico, para que possa haver a responsabilização penal do partícipe.

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Para a teoria da Acessoriedade mínima, para a configuração da participação punível, basta apenas que o agente pratique a conduta típica, para que o mesmo seja punido. Destarte, não é necessário que a conduta seja ilícita.

Já para a teoria da Acessoriedade limitada, de acordo com os ensinamentos do doutrinador Rogerio Greco (2014, p. 447-448), pode ser entendida da seguinte forma:

Pune a participação se o autor tiver levado a efeito uma conduta típica e ilícita. Portanto, para a teoria da Acessoriedade limitada, adotada pela maioria dos doutrinadores, é preciso que o autor tenha cometido um injusto típico, mesmo que não seja culpável, para que o partícipe possa ser penalmente responsabilizado.

A teoria da Acessoriedade limitada se diferencia da Acessoriedade mínima, porque nesta é necessária que haja uma conduta típica e ilícita, enquanto naquela exige-se apenas uma conduta típica.

Insta salientar que a teoria da Acessoriedade Limitada é adotada pela maioria dos doutrinadores brasileiros.

No que pertine a teoria da Acessoriedade máxima ou extremada, de acordo com os ensinamentos de Capez (2011, p. 369): “O partícipe somente é responsabilizado se o fato principal é típico, ilícito e culpável. Dessa forma, não responderá por crime algum se tiver concorrido para a atuação de um inimputável”.

Essa última teoria se destaca por exigir a culpabilidade do agente, e recebe muitas críticas da doutrina justamente por prever esse requisito, uma vez que auxiliando um inimputável, de acordo com essa teoria, não poderia ser punido, já que o agente que pratica o delito é inimputável, e assim, estenderia essa causa ao mesmo.

Por fim, temos a teoria da Hiperacessoriedade, e para explicá-la, mais uma vez recorreremos aos ensinamentos do doutrinador Rogerio Greco (2014, p. 448), grifo meu:

A teoria da Hiperacessoriedade vai mais além e diz que a participação somente será punida se o autor tiver praticado um fato típico, ilícito, culpável e punível. A punibilidade do injusto culpável levado a efeito pelo autor, para essa teoria, é condição indispensável à responsabilização penal do partícipe. Assim, por exemplo, se o partícipe estimula ou determina alguém, menor de 21 anos de idade, a praticar um delito de furto, e se, quanto ao autor, em razão de sua idade, for reconhecida a prescrição, uma vez que o prazo, nos termos do art. 115 do Código Penal, deve ser reduzido de metade, o partícipe não poderá ser punido.

Destarte, essa teoria também sofre grande resistência doutrinária, haja vista que parte significativa da doutrina não aceita os postulados desta teoria, dado que a mesma condiciona a punibilidade do partícipe, a efetiva punição do Autor. Ou seja, além de prever os três requisitos básicos para a configuração do crime (fato típico, ilícito e culpável), elenca mais um requisito, qual seja o da punição do autor, como sendo este condicionante para a punição do partícipe.

3.3.       DA TENTATIVA DE PARTICIPAÇÃO

Em que pese a previsão doutrinária a respeito, insta salientar que atualmente predomina o entendimento de que inexiste a figura da tentativa de participação. Isso se deve pelo fato do que expõe o artigo 31 do Código Penal (BRASIL, PLANALTO, 1940) afirma: “O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”.

Sendo assim, a respeito do assunto assevera Greco (2014, p. 452):

Se o partícipe estimula alguém a cometer uma determinada infração penal, mas aquele que foi estimulado não vem a praticar qualquer ato de execução tendente a consumá-la, a conduta do partícipe é considerada um indiferente penal.

Assim sendo, se a pessoa não praticar nenhum ato de execução, ou seja, se o ato não sai do plano hipotético, não chega ao menos a ser tentado, o partícipe estará cometendo um indiferente penal, já que o código penal não pune o querer interno do homem, mas só aquelas condutas que vierem a ser exteriorizadas.

3.4.       DA PARTICIPAÇÃO POR OMISSÃO

A participação por omissão é um dos assuntos mais intrigantes quando se fala em concurso de pessoas, sendo necessária a observância de certos requisitos para a sua caracterização. Insta salientar que a doutrina basicamente se divide em duas vertentes quando se fala em participação por omissão, uma primeira encabeçada por Rogerio Greco, sendo esta minoritária, e uma segunda defendida por Fernando Capez, Cleber Masson e Aníbal Bruno, a qual nos filiamos, e que iremos explanar à seguir.

Essa corrente que defende a participação por omissão pode ser entendida nas palavras de Capez (2011, p. 377), como sendo:

[...] dá-se quando o sujeito, tendo o dever jurídico de agir para evitar o resultado (CP, art. 13, §2º), omite-se intencionalmente, desejando que ocorra a consumação. A diferença em relação à conveniência é que nesta não há o dever jurídico de agir, afastando-se, destarte, a participação. Já no caso da participação por omissão, como o omitente tinha o dever de evitar o resultado, por este responderá na qualidade de partícipe.

Pelas elucidativas palavras de Fernando Capez, podemos entender que a participação por omissão é plenamente aplicável nas relações jurídico-criminais brasileiras, desde que o agente tenha o dever jurídico de evitar aquele resultado (omissão imprópria – art. 13, §2º, CP), pois caso contrário, não poderemos falar em participação por omissão.

Ainda sobre o tema, torna-se necessário transcrevermos o entendimento do renomado doutrinador Aníbal Bruno (1956, p. 278), que sobre o tema aduziu: “Os elementos de ser uma conduta inativa involuntária, quando ao agente cabia, na circunstância, o dever jurídico de agir, e ele atua com a vontade consciente de cooperar no fato”.

Sendo assim, essa corrente é a que me parece mais acertada para o tema, já que só seria possível a participação por omissão, nos crimes omissivos impróprios, quais sejam, aqueles crimes que a lei (art. 13, §2º, CP) impõe um dever subjetivo de agir à determinada pessoa, quando de alguma outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado, ou com a sua atividade anterior, acabou por criar o risco de ocorrência do resultado.

Sobre o autor
João Firmo Neto

Bacharel em Direito. Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado da Paraíba. Autor de artigos científicos nas áreas de Direito Penal e Direito Processual Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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