Antes de adentrarmos ao tema propriamente dito, cumpre fazermos a elucidação da seguinte indagação: a Lei 11.277/2006, que introduziu o artigo 285-A no Código de Processo Civil, é compatível com os princípios do Processo do Trabalho e, caso seja, em quais situações o instituto seria aplicável?
O artigo 285-A criou o decreto liminar de improcedência de demandas repetitivas, quando a matéria controvertida for unicamente de direito e, no juízo, já tiver sido proferida sentença de total improcedência em casos idênticos, podendo ser dispensada citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada, alterando assim a triangularização do processo.
Entretanto, ressalta-se que, quando se fala em casos idênticos, estamos tratando de ações repetitivas, em que há matéria unicamente de direito, ou seja, matérias em que não haja necessidade de dilação probatória, ainda que necessitem de provas e estas estejam pré-constituídas nos autos. Já no concernente à sentença de total improcedência de mérito, trata-se da sentença que julga improcedente todos os pedidos formulados na exordial, ainda que cumulativos.
Desta forma, ao tratarmos da matéria acerca da aplicabilidade ou não do artigo 285-A do CPC ao processo do trabalho, adentramos em um universo jurídico demasiadamente controverso e cheio de debates, havendo duas posições predominantes: analisemos uma a uma.
A 1ª vertente/corrente, defendida pelo professor Jorge Luís Souto Maranhão, parte do pressuposto da inaplicabilidade do artigo 285-A do CPC ao processo do trabalho, sob os argumentos de que a CLT possui rito próprio, não havendo que se falar em omissão, tampouco em lacuna, segundo a Teoria Restritiva ou Tradicional, em que a aplicação do processo civil somente é possível nos casos de lacunas normativas ou primárias da lei, segundo o professor Manoel Antônio Teixeira Filho e o Ministro Pedro Paulo Teixeira Filho. E mais, a aplicabilidade do artigo 285-A do CPC ao processo do trabalho também ofenderia significativamente o princípio da conciliação, elencado no artigo 846 e 850 da CLT, não sendo previsto, na legislação trabalhista, despacho positivo de citação, tampouco despacho saneador, como previsto no CPC, além do fato do juiz do trabalho só ter contato com a petição inicial no momento da audiência, pautado na notificação postal do réu providenciada pelo servidor da secretaria da vara, segundo o artigo 841 da CLT.
Cumpre ressaltar que a Ordem dos Advogados do Brasil (Seção São Paulo), secundada pelo Instituto Nacional de Direito Processual, na condição de amicus curiae, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade, em tramitação perante o Colendo STF, em defesa da inconstitucionalidade, sob a alegação de afronta e violação aos princípios constitucionais do processo de acesso ao judiciário (artigo º, XXXV da CF/88); simetria de tratamento processual já que o instituto favorece apenas aos réus e, mais raramente, aos reconvindos; ampla defesa e contraditório (artigo 5º, LV da CF/88); devido processo legal (artigo 5º, LIV, CF/88).
A 2º corrente defende a aplicabilidade do artigo 285-A do CPC ao processo do trabalho, sob a justificativa de que o instituto do julgamento superantecipado da lide, a antecipação dos efeitos da tutela de mérito ou as liminares cautelares “inaudita altera parte” não ferem quaisquer princípios constitucionais, embora se alinhem, ex perfecto, com modelo liberal-formal de processo civil, que herdamos das revoluções liberais e do positivismo jurídico, objetivando ao máximo a presteza e a efetividade da tutela jurisdicional, não vilipendiando de maneira alguma garantias de defesa.
Essa é a posição defendida por renomados doutrinadores dentre os quais citemos Ovídio A. Baptista da Silva, Ada Pellegrini Grinover[1], Nelson Nery Júnior[2], José Augusto Rodrigues Pinto, dentre vários juízes participantes do Seminário “As recentes mudanças do CPC e sua implicações no processo do trabalho” (TRT/15ª, 4.08.06), coordenado pelo Juiz Luiz Roberto Nunes. Segundo Ada Pellegrini Grinover, temos:
“A nova disposição não infringe nem o devido processo legal nem o contraditório, sendo este apenas diferido para o momento posterior à prolatação da sentença antecipada, quando o autor pode recorrer e até o juiz pode rever sua decisão (retratabilidade = §1º). Quanto ao réu, ele é beneficiado pela decisão e poderá contrarrazoar o recurso e, se não houver recurso, será normalmente cientificado da decisão favorável”.[3]
O doutrinador José Augusto Rodrigues Pinto[4] pugna pela aplicação processual trabalhista do artigo 285-A do CPC, subsidiariamente, desde que se enfatize, segundo o parâmetro do artigo 769 da CLT, a omissão e a compatibilidade. Pode o referido instituto ser aproveitado tanto ao empregado-réu e ao empregado-reconvindo, como ao empregador-réu e ao empregador-reconvindo, uma vez que o objetivo da aplicação do artigo 285-A do CPC é a efetividade e a instrumentalidade do processo, o que se soma à existência de lacuna na CLT, à compatibilidade principiológica do artigo 769 da CLT e à supressão do termo “conciliar” do “caput” do artigo 114 da CF/88.
BIBLIOGRAFIA:
PINTO, José Augusto Rodrigues. “Constitucionalidade e supletividade do art. 285-A do CPC”, in Suplemento Trabalhista, São Paulo, LTr, 2006, n.88, pp. 371-375.
PRATA, Marcelo Rodrigues. Os reflexos das inovações do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho. Ver. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.42, n. 72 p. 79-89, jul./dez.2005.
GRINOVER, Ada Pellegrini. “Processo trabalhista e processo comum”, in O processo em sua unidade. V.II, São Paulo: Forense, 1984.
Notas
[1] Cf, Roseli Ribeiro, Artigo 285-A do CPC: sentença sem citação gera polêmica entre especialistas, in última Instância, São Paulo, Entrelinhas Comunicação, 2006.
[2] Idem, ibidem. Para Nery Jr., só haveria inconstitucionalidade se a hipótese fosse de sentenças inaudita altera parte de caráter procedente.
[3] In Ultima Instância, cit.
[4] PINTO, José Augusto Rodrigues. “Constitucionalidade e supletividade do art. 285-A do CPC”, in Suplemento Trabalhista, São Paulo, LTr, 2006, n. 88, pp. 371-375.