CONDIÇÃO JURÍDICA DO ESTRANGEIRO E UM CASO CONCRETO

18/08/2015 às 11:54
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O ARTIGO PÕE EM DEBATE TEMA CONCRETO NA MATÉRIA.

CONDIÇÃO JURÍDICA DO ESTRANGEIRO: UM CASO CONCRETO

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

Os meios de comunicação deram destaque a situação do senador boliviano Roger Pinto Molina, que se encontra no Brasil após passar 15(quinze) meses na embaixada brasileira em La Paz.

O Senador Roger Pinto, que, em maio de 2012, pediu asilo na Embaixada brasileira naquele País, alegou perseguição política após apresentar uma série de supostas denúncias contra o Presidente da Bolívia. Por sua vez, ele enfrenta uma série de processos na Justiça Boliviana – cerca de vinte, segundo a imprensa daquele País. Destes, quatro acusações são por corrupção, que segundo se informa, impediram o Senador de deixar aquele País.

Ao entrar no país, na semana passada, Molina recebeu um protocolo de refugiado provisório, o que torna sua situação regular no País.

Devemos distinguir asilo territorial, de asilo diplomático e, por fim, refúgio.

No Direito Internacional Público sabe-se que um Estado não é obrigado a aceitar, em seu território, o ingresso de estrangeiros, quer a título provisório, quer a título permanente. Sendo assim, o direito de admitir ou não estrangeiros em seu território ou de admitir ou não condicionalmente, ou de expulsá-los é uma consequência necessária da soberania estatal.

O asilo territorial é o recebimento de estrangeiro em território nacional, sem os requisitos de ingresso, para evitar punição ou perseguição baseada em crime de natureza política ou ideológica geralmente por crime praticado em seu país. Assim tal concessão tem por objetivo proteger uma pessoa que, por seus motivos políticos ou ideológicos, se sinta perseguida ou ameaçada.

Independente do que enuncia a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem de 1948, em seu artigo 27, ao prescrever que ¨Toda Pessoa tem o direito de procurar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição que não seja motivada por delitos de direitos comuns(crimes comuns), e de acordo com a legislação de cada país, e com as convenções internacionais¨, a Constituição de 1988 prevê a concessão de asilo político, seja territorial ou diplomático, sem quaisquer restrições, sendo este um dos princípios pelos quais a República Federativa do Brasil deve se reger nas suas relações internacionais, como se lê do artigo 4º, inciso X.

Anoto, desde já, a lúcida ponderação do Ministro Nélson Hungria(Comentários ao Código Penal, volume I, tomo I, 5º edição, Rio de Janeiro, 1977, pág. 367), para quem ¨a indagação para outorga de asilo, seja o diplomático, seja o territorial, não deve limitar-se ao caráter político deste ou daquele crime imputado, mas atender, também, ao móvel político da acusação, ainda que esta seja, refalsadamente, por crime comum¨.Para o príncipe dos penalistas brasileiros, não só a perseguição por crimes políticos condiciona o asilo, senão também a perseguição por motivos políticos.

O asilo político tem a característica de ser ainda asilo territorial, concedendo-o o Estado ao estrangeiro que, tendo cruzado a fronteira e ingressado em seu  território, aí requereu o benefício. O asilo diplomático ou extraterritorial, por sua vez, é modalidade de asilo territorial, mas dotado de característica de provisoriedade e precariedade, e que é concedido, no âmbito da América Latina, pelo Estado fora do seu território, isto é, no território do próprio Estado onde o individuo estaria sendo perseguido. Tal concessão se dá em locais imunes à jurisdição daquele Estado, como embaixadas, representações diplomáticas, navios de guerra, acampamentos ou aeronaves militares. Lembro que, a teor do artigo 5º da Convenção de Caracas, que uma vez concedido o asilo, o Estado asilante pode pedir a saída do asilado para o território estrangeiro, sendo o Estado territorial obrigado a concedê-lo imediatamente, salvo por motivo de força maior. O salvo-conduto é requerido pela autoridade asilante  - normalmente o embaixador – a fim de que o asilado possa deixar o território do país com segurança para receber o asilo territorial no Estado disposto a recebê-lo, impedindo que o asilado seja detido no caminho da embaixada até o aeroporto internacional da capital do seu País.

Ora, e se o Estado se negar a dar esse salvo-conduto? Por certo, na linha do já decidido no precedente Haya de La Torre, Chefe do Partido Aprista Peruano, em rumoroso caso envolvendo o Peru, que lhe negou salvo-conduto, e a Colômbia, em cuja embaixada ele se refugiou, a Corte Internacional de Justiça entendeu que as partes, por princípios de cortesia e boa-vizinhança, devem chegar à solução prática, mas exigiu a caracterização do status de urgência para adoção da medida, exigido pela Convenção de Havana.  

Por sua vez, dele se distancia  o refúgio, instituto tratado na Lei 9. 474, de 22 de julho de 1997, que reconhece como refugiado, todo indivíduo que: devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora do seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa a ele regressar e, por fim, devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seus país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

Tal redação segue àquela exposta na Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951, e seu Protocolo, de 1966.

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Observa-se que o status de refugiado se dá não em virtude de uma perseguição política, que ocorre no caso do asilo, mas em virtude de perseguição por motivos de raça, religião ou por nacionalidade, ou ainda pelo fato de pertencer a determinado grupo social ou ter determinada opinião política.

Observe-se, a teor do artigo 8º da Lei 9.474, que o ingresso irregular no território nacional(o senador chegou ao território brasileiro em condições questionadas pela Bolívia, ao sair da Embaixada Brasileira, sem autorização daquele País), não constitui impedimento para o estrangeiro solicitar refúgio às autoridades competentes.

Satisfeitas as exigências, fica o solicitante amparado pelo Estatuto dos Refugiados de 1951, de forma a que se impeça a exclusão injustificada do refugiado para país onde já sofreu ou possa sofrer qualquer tipo de perseguição.

Cabe ao Comitê Nacional para Refugiados – CONARE-, em deliberação coletiva, a competência para analisar o pedido, seja: declarando o reconhecimento ou determinando a perda, em primeira instância, da condição de refugiado. No caso de decisão negativa, cabe recurso ao Ministro do Estado da Justiça, no prazo de quinze dias.

È certo que se poderá falar em deportação ou extradição. A causa da primeira é o não cumprimento dos requisitos necessários para o ingresso regular ou para a sua permanência no país, sendo causa diversa à prática do crime. Por outro lado, a prática de delito pode ser razão para expulsão ou extradição de estrangeiros, mas não para sua deportação. Anoto que a expulsão é medida repressiva por meio da qual um Estado retira de seu território estrangeiro que, de alguma maneira, ofendeu e violou as regras de conduta ou as leis locais, praticando atos contrários à segurança e a tranquilidade do país, sendo medida política administrativa.

Mas poderá a Bolívia requerer a extradição, que o ato pelo qual um Estado entrega à justiça repressiva de outro, a pedido deste, o indivíduo neste último processado ou condenado criminalmente lá refugiado, para que possa ser julgado ou cumprir a pena que já lhe foi imposta, desde que o crime seja comum e não político, exigindo-se que tenha um mínimo de gravidade. Haveria aí três fases: uma administrativa(sob a responsabilidade do Poder Executivo), até seu envio ao STF; outra judiciária com o exame da legalidade pelo STF e, por fim, outra administrativa, com a entrega da pessoa ao país requerente ou quando comunica a este a sua negativa.

Se autorizada pelo Supremo Tribunal Federal a extradição, compete ao Presidente da República decidir em definitivo, será dele a palavra final, com relação à conveniência, sendo perfeitamente possível que a autorização do STF não seja efetivada pelo Chefe do Executivo, do que se lê do artigo 84, inciso VII, da Constituição Federal.

Seja como for, distancia-se a extradição da abdução, que é o seqüestro de indivíduo que se encontra em dado Estado para ser julgado no território de outro, em violação às regras de Direito Internacional. 

O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de eventual pedido de extradição, a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, baseado nos fatos que fundamentaram a concessão do refúgio.  Havendo, por sua vez, expulsão, tal não resultará em sua retirada para país onde sua vida, liberdade e integridade física possam estar em risco.

Registro, por fim, que as situações que envolvem o refúgio não são individuais em que pessoas buscam asilo em dado país para a salvaguarda de sua vida, mas de situações onde vários seres humanos saem dos seus respectivos Estados, seja por razões econômicas, ou geradas por uma guerra civil ou ainda baseadas em perseguições por motivos de raça ou religião em direção a outro lugar onde possam obter proteção.

Vem agora a informação de que, quase dois anos após solicitar refúgio no Brasil, o senador Roger Pinto Molina recebeu finalmente o status de refugiado na última semana.

Sem dizer o resultado, o Ministério da Justiça, que responde pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare), afirmou que o órgão colegiado tomou a decisão sobre Molina e o notificaria da decisão em breve. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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