Considerações sobre ontologia[1] processual civil contemporânea e o CPC/2015.

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31/08/2015 às 04:48
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[1] O significado de ontologia varia conforme a filosofia, para o aristotelismo, é a parte da filosofia que tem por objeto de estudo as propriedades mais gerais do ser, apartadas da infinidade de determinações que, ao qualificá-lo particularmente, ocultam sua natureza plena e integral. Já para Heidegger representa a reflexão sobre o sentido mais abrangente do ser, como aquilo que torna possível as múltiplas existências.

[2] Heidegger, e depois Gadamer, trouxeram à construção da hermenêutica filosófica, a contribuição produtiva do intérprete no movimento da compreensão, bem como a elevação da linguagem para dentro do processo interpretativo, e, também, atribuíram sentido ontológico ao conhecimento da verdade, ao contrário do apego à historicidade, realçado na hermenêutica clássica.

[3] Segundo Gadamer, o conjunto da ética humana se distingue essencialmente da natureza pelo fato de nela não atuarem simplesmente capacidades ou forças, mas que o homem vem a ser tal como veio a ser somente através do que faz e de como se comporta. A mudança e a indeterminação são as condições pela qual a justiça, a virtude e o bem podem ser qualificados como tais. O justo é essa estabilidade que se revela na própria indeterminação do mundo; na ambiguidade de que pode ser diferente do que é.

[4] Lênio Streck apesar de apontar que a hermenêutica seja identificada e conhecida por sua origem mitológica, particularmente a partir de Hermes, um semideus que corresponde ao mensageiro dos deuses com os mortais. A verdade é que apenas na modernidade que pode ser compreendida stricto sensu, a hermenêutica como a revolução provocada pelo nascimento do sujeito.

[5] A metáfora como fonte do conhecimento em Tomás de Aquino, faz-nos analisar dois conceitos fundamentais da filosofia tomista: a negatividade e participação que constituem uma chave original para o entendimento da realidade. A causa primeira das coisas é onde se encontra a explicação mais profunda da existência e, sendo suprarracional, encontra-se infinitamente afastada da inteligência e da imaginação do homem, numa transcendência radical, absoluta e incompreensível. Daí o porquê que é preciso negar qualquer qualidade e característica a essa causa, que não se confunde com nada do que existe. Descobre-se, portanto, a inutilidade de tentar subjugar a realidade sob a férrea lógica da razão humana, como fazem, os racionalistas mais exaltados.

[6] A recuperação do conceito de justiça a partir da diké de Anaximandro. Assim se revela como um cosmos, numa comunidade jurídica das coisas, descoberta só feita no fundo da alma humana, por uma faculdade intuitiva fugindo-se de qualquer investigação empírica. A justiça para Anaximandro recorda o conceito grego de culpa e que fora transferido da imputação jurídica para a causalidade física. A sua concepção de diké sobre os acontecimentos é o começo do processo de projeção da pólis no universo, contendo em germe, a ideia do futuro e harmônico ser eterno com seus valores.

[7] Com precisão cirúrgica vem a análise feita por Lênio Streck afirmar: "Em outras palavras: a escolha é sempre parcial. Há no direito uma palavra técnica para se referir a escolha: discricionariedade e, quiçá (ou na maioria das vezes), arbitrariedade. Portanto, quando um jurista diz que o "juiz possui poder discricionário" para resolver os casos difíceis, o que quer afirmar é que, diante de várias possibilidades de solução do caso, o juiz pode escolher aquela que melhor lhe convier.

[8] Há dois aspectos diferentes em relação aos quais, é possível cogitar de incerteza judicial: seja quanto aos meios da decisão e seja quanto ao seu conteúdo. O primeiro refere-se à aplicação das normas que devem reger o processo de tomada de decisão judicial. O segundo refere-se às expectativas normativas ou cognitivas que ela frustra ou confirma quando finalmente é tomada. Não existe uma relação necessária entre os dois tipos de incerteza. Nesse sentido uma pesquisa recente apontou que cerca de oitenta por cento dos magistrados brasileiros consideram que as cruciais causas da morosidade do Judiciário pátrio estariam ligadas à má qualidade da legislação processual. Com o advento do CPC de 2015 esperemos que pelo menos que venhamos reduzir as causas.

[9] Somente com a recusa de ambas as partes a respeito da realização da audiência obrigatória de conciliação ou mediação, e com fundamentadas razões, é que se deixará de realiza-la. Portanto, em regra esta será realizada, mesmo quando um dos litigantes se manifestar sobre a impossibilidade da composição amigável da lide.

[10] A teoria do processo vista como procedimento em contraditório tem suas bases em dois grandes doutrinadores: Rosemiro Pereira Leal e Aroldo Plínio Gonçalves. Essa teoria fora desenvolvida pelo processualista italiano, Elio Fazzalari, o principal estudo foi o aprofundar sobre o instituto do processo em conceitos que distinguisse do procedimento que é a sua estrutura técnico-jurídica. Acautelou-se o doutrinador italiano quando fez a distinção entre processo e procedimento, integralizando em sua teoria, o contraditório. O processo não pode ser definido pela mera sequência, direção ou finalidade de atos praticados pelas partes ou pelo juiz, mas pela presença de atendimento do direito ao contraditório entre as partes, em simétrica paridade. Portanto, o processo não pode ser entendido se não houver o contraditório, que só ocorre quando as partes em litígio possuem simétrica paridade, ou seja, o mesmo espaço-temporal no processo. O procedimento para Fazzalari, não significa o conceito particular de uma disciplina, mas um conceito geral do Direito, e deve ser colhido, extraído, de um complexo de normas. Simplificando, o procedimento não pode ser compreendido somente como atos ou série de atos realizados no processo se não for à luz de normas processuais. Enfim, consagrou Rosemiro Pereira Leal que o procedimento corresponde a uma estrutura técnica construída pelas partes, que sem a observância às normas processuais, ou sem a sua presença, o procedimento, pode ser considerado como amontoado de atos não-jurídicos sem qualquer legitimidade, validade e eficácia.

[11] As considerações de Eric Hobsbawn são importantes para ilustrar: "As orígines da Segunda Guerra Mundial produziram uma literatura histórica incomparavelmente menor sobre suas causas do que as da Primeira Guerra, e por um motivo óbvio. Com as mais raras exceções, nenhum historiador sério jamais duvidou de que a Alemanha, Japão e (mais hesitante) a Itália foram os agressores. Os Estados arrastados à guerra contra os três, capitalistas ou socialistas, não queriam o conflito, e a maioria fez o que pôde para evitá-lo. Em termos mais simples, a pergunta sobre quem ou o que causou a Segunda Guerra Mundial pode ser respondida em duas palavras; Adolf Hitler". (In: HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O Breve Século XXI: 1914-1991. Tradução de Marcos Santarrita. 2ª edição. São Paulo: Cia. das Letras, 1995).

[12] O engraçado ou pelo menos irônico é que a Constituição Alemã de 1919 trazia inovações consideráveis em matéria de Direitos Humanos, mas a vigência efetiva dos textos constitucionais depende de sua aceitação pela coletividade. E, apesar de possuir uma escrita equilibrada e prudente, refletia valores ainda não enraizados na sociedade alemã.

[13] Contraditório é mais do que isto, afinal é um elemento de extrema importância para a teoria em estudo, portanto, este deve representar também uma forma de garantia “participação, em simétrica paridade, das partes, daqueles a quem se destinam os efeitos da sentença, daqueles que são os “interessados”“.

[14] Os enigmas da ciência processual são múltiplos e começam com a definição de justiça, passa para a concepção de verdade, depois de ética processual, vindo também a questão da forma procedimental suplantar por vezes o próprio escopo do processo que é a pacificação social. A teleologia da interpretação das leis pelo judiciário é ainda uma descoberta reticente e muito pouco observada.

[15] Deverá a verdade no processo judicial corresponder à verdade. Sabemos, porém que a verdade formal é a que resulta do processo ainda que não exista a exata correspondência com os fatos conforme ocorreram historicamente. Já a verdade real é aquela a que chega o julgador, é a revelada pelos fatos conforme ocorreram historicamente e não como querem os litigantes que apareçam realizados. A distinção entre verdade real e formal surgiu no confronto entre o processo penal e o processo civil. Onde no civil, os interesses são, supostamente, menos relevantes do que os interesses no processo penal, em face dos bens tutelados serem a vida, a liberdade, o jus puniendi do Estado e, etc. Assim, no penal se busca a verdade real ao passo que no civil apenas a verdade formal. É certo que no processo penal justifica-se a busca da verdade real pelo juiz por se referir ao direito indisponível, ou seja, aquela que a lei considera essencial à sociedade, sendo tutelado pelo Ministério Público.

[16] Chaïm Perelman (1912-1984) filósofo de Direito que viveu e ensinou a maior parte de sua vida na Bélgica, foi um dos mais relevantes teóricos da retórica do século XX. Sua principal obra o Tratado da Argumentação de 1958.

[17] O Leviatã é criatura mitológica de grandes proporções e bem comum no imaginário dos navegantes europeus da Idade Média. O nome vem do hebraico liwjathan, cujo significado é "animal que se enrosca", sendo modificado pelo latim bíblico para leviathan. Também conhecido como monstro marinho.

[18] O Conselho Nacional de Justiça decida aprimorar o relatório da Justiça em número que representa um importante instrumento de análise da estrutura e do desempenho do Judiciário para formulação de políticas de gestão, o relatório da Justiça em Números deve ser aprimorado a partir de 2016. Pretende o CNJ acrescentar indicadores inéditos, e aperfeiçoar alguns existentes e excluir os pouco relevantes.

O objetivo é democratizar o debate e garantir a excelência da nova versão. Disponível em: http://www.trf2.jus.br/Paginas/Noticia.aspx?Item_Id=2619&js=1  Acesso em 22.08.2015.

[19] O precedente judicial deve ser entendido como sendo a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto e cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos. Um precedente judicial quando reiteradamente aplicado se transforma em jurisprudência que representa um conjunto de julgados harmônicos entre si, fruto da constante interpretação e aplicação da lei num determinado sentido. A súmula, por sua vez, é um enunciado normativo enumerado e publicado por certo tribunal e que demonstra seu posicionamento prevalente sobre determinado tema ou tese jurídica, posto que extraído da ratio decidendi de casos concretos anteriormente julgados. Quando o juiz utilizando o método de confronto, verifica que o caso em análise ou julgamento pode ou não ser considerado como análogo ao paradigma, chama-se distinguishing ou apenas distinguish.  Termos que podem ser usados para duas acepções diferentes, a saber: 1. Para designar método comparativo entre o caso concreto e o paradigma (distinguish -método); 2. Para designar o resultado desse confronto, quando se concluir haver entre estes alguma diferença.

[20] Luís Roberto Barroso, atual ministro do STF, aponta que o constitucionalismo francês procurou conceituar o postulado presente no preâmbulo da Constituição francesa de 1793, expressando-o da seguinte forma, in litteris: "A segurança consiste na proteção conferida pela sociedade a cada um de seus membros para a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades".

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[21]A defesa do direito concreto quando ameaçado, não constitui apenas um dever do respectivo titular consigo mesmo, mas também para a sociedade. Assim o titular também defende a lei, e com esta, a ordem essencial à vida em sociedade, ainda haverá quem negue que tal defesa representa um dever para com a sociedade? Se esta pode convocar um cidadão para a luta contra o inimigo extremo, uma luta na qual é empenhada a própria vida, se, portanto, a qualquer um cabe o dever e os interesses comuns contra o inimigo externo, tal dever não prevalecerá também no interior do país?

[22] A Escola do Direito Livre teve como seus matizes próprios de opiniões de François Gény, Büllow, Köhler,

Kantorowicz, Schlossmann, Erlich, Stammler e Mayer que preconizava o Direito Justo. Propôs novos métodos de interpretação, permitindo-se, em alguns países, ao juiz corrigir e completar a lei, guiado por orientações subjetivas, com a valoração interesses pelos próprios sentimentos, criando no lugar e ao lado do direito positivo. Não havia acordo entre os defensores desta corrente. Para uns, o juiz só pode criar o direito no silêncio da lei; Para outros, o juiz só pode criar o direito ao proceder à interpretação lógica; E, para tantos outros, em qualquer caso, o juiz tem a liberdade para, inclusive, ao interpretar a norma ir de encontro a mesma, todas as vezes em que tiver como objetivo buscar o direito justo. O juiz guiado pelo sentimento e pela consciência jurídica deve inspirar-se nos dados da realidade social.

[23]O desenrolar do processo em um prazo razoável é, ao contrário, fator de segurança, na acepção mais ampla desse valor. Com respeito a isso, a legislação processual repele a utilização de expedientes que impedem de se efetivar e de se oportunizar a tutela jurisdicional, a teor do que dispõem, só para exemplificar, os artigos 16 a 18, 273, inc. II, 461, 600, 879 e, mais recentemente, o renovado art. 14, caput, inc. V e parágrafo único, todos do Código de Processo Civil (CPC/1973).

[24] O legislador constitucional brasileiro incluiu, assim, o direito de todos terem assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, no inovador inciso LXXVIII, do art. 5º da CF/1988. José Afonso da Silva apontava como despiciendo o novo inciso, quando afirmou que o acesso à justiça só por si já inclui uma prestação jurisdicional em tempo hábil para garantir o gozo do direito pleiteado, mas a crônica morosidade do aparelho judiciário o frustrava. Em verdade se encontra positivado apenas um princípio constitucional implícito, mas trata-se de pleonasmo benéfico.

[25] Afirmava Ovídio Baptista que a "urgência da tutela" e, não a tutela da urgência fez com que a procurada efetividade ficasse reduzida, tendencialmente, à simples celeridade na prestação da tutela processual exigida, constituindo mesmo, o tempo um dos parâmetros da justiça contemporânea. Assegura a Constituição italiana, em seu art. 111, o giusto processo e sua ragionevole durata. A segurança jurídica, porém, relaciona-se a um conceito mais amplo que, no dizer de Canotilho, porquanto subprincípio concretizador do princípio do Estado de Direito, constitui garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação, realização do direito, e cujos postulados são exigíveis perante qualquer ato, de qualquer poder (legislativo, executivo e judiciário). Reafirma Canotilho que a segurança jurídica abrange a ideia de proteção da confiança dos cidadãos, pode formular-se no direito do indivíduo de poder confiar que os efeitos jurídicos previstos no ordenamento são assegurados nas manifestações de seus atos ou de decisões públicas incidentes sobre o status jurídico, realizadas com base em normas vigentes e válidas.

[26] Os críticos opositores da Escola do Direito Livre entendem que na interpretação da norma o que deve prevalecer é a vontade da sociedade, representada pela lei e, de forma nenhuma, a vontade individual do juiz. Contra a Escola Livre ergueram-se estudiosos vários, apontando-lhe o grave defeito de comprometer a segurança jurídica, gerando um alarmante estado de anarquia. Por sua vez, os partidários da Escola do Direito Livre, todavia, centravam suas críticas na excessiva abstração do método tradicional que restava amarrado aos conceitos lógicos e formais, afastando-se da realidade concreta da vida e das relações em jogo e, fim do próprio Direito. Segundo Ferrara somente a interpretação teleológica e não há outra forma de concebê-la, pois é a que confere a eficácia prática à jurisprudência e está vinculada firmemente à lei, quer pela aplicação lógica, quer pela analógica, cujos germes e meios se contêm no Direito Positivo. O princípio não é invenção do jurista, porém descoberta do Direito, e que se encontra latente no direito positivo.

[27] É preciso combater a guetificação do processo coletivo no direito brasileiro. Guetificação conforme leciona Zygmunt Bauman é medida paralela e complementar à criminalização da pobreza, sendo um  modo de confinar e imobilizar os indesejáveis segundo determinada sociedade. A guetificação ocorreria a partir da interpretação da legitimidade coletiva dos agentes públicos em ênfase na capacidade econômica dos beneficiados por suas ações coletivas. Tal medida resultaria na redução de força dos pleitos processuais dos mais carentes, os quais teriam maiores dificuldades de batalhar por seus direitos, ao lado dos demais membros da sociedade.(In: MAIA, Maurilio Casas. O risco da guetificação no processo coletivo: breve reflexão sobre a legitimidade defensorial coletiva - o NCPC e a ADI 3943. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/o-risco-da-guetificacao-no-processo-coletivo-breve-reflexao-sobre-a-legitimidade-defensorial-coletiva-o-ncpc-e-a-adi-n-3943-por-maurilio-casas-maia/ Acesso em 22.082015).

[28] As teorias contemporâneas de justiça dentro da escola do pensamento político atual, tal como o utilitarismo, o igualitarismo liberal, o libertarismo, o marxismo e o comunitarismo. Num primeiro momento o objetivo da justiça é produzir o maior grau de felicidade possível para o maior número de pessoas alcançável. Para os igualitários, é relevantíssimo que a igualdade econômica e social seja o fundamental princípio na sociedade. Já para o libertarismo se defende que a liberdade individual e de mercado sob todos os seus aspectos. Para o comunitarismo, transcende a justiça individual para o conceito de justiça coletiva.

[29] Novamente o lúcido e sagaz Lênio Streck adverte que: "Se o constitucionalismo contemporâneo que chega ao Brasil apenas ao longo da década de 90 do século XX estabelece um novo paradigma, ou  proporciona as bases para introdução de um novo, o que impressiona, fundamentalmente, é a permanência de velhas formas de interpretar e aplicar o direito, o que pode ser facilmente percebido pelos Códigos ainda vigentes (embora de validade constitucional duvidosa em grande parte). Em tempos de intersubjetividade (refiro-me à transição da prevalência do esquema sujeito- objeto para a relação sujeito-sujeito), parcela considerável de jurista ainda trabalho com modelos (liberais-individualistas) "Caio", "Tício" e "Mévio"...!”(In: STRECK, Lênio L. O pan-principiologismo e o sorriso do lagarto. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-mar-22/senso-incomum-pan-principiologismo-sorriso-lagarto Acesso em 23.08.2015).

[30] O valor efetividade inspira o reconhecimento de que todas as partes devem ser tratadas com condições de igualdade, dentro da relação jurídico-processual. Basta apenas mencionar que, para um processo ser efetivo, necessário se faz que seja observado o tratamento paritário das partes que o compõem, baseando-se na regra de igualdade de armas que deve acompanhar todos os momentos da sociedade democrática. Uma vez assegurado esse tratamento, seja em seu sentido substancial ou formal, não restam dúvidas que assim se perfaz seguro. Confirmam-se com isso que segurança e efetividade são valores extremamente interligados. Podem coexistir isolados, autonomamente, mas, para a realização primordial do processo, enquanto instrumento de pacificação social justa, devem ser conjugados de maneira harmônica, entrelaçados por suas facetas interdependentes. Daí, o lugar, também, à celeridade das tramitações.

[31] Karl Larenz (1903-1993) foi jurista e filósofo do direito alemão. Foi professor de duas importantes universidades da Alemanha: Universidade de Kiel e a Universidade Munique, nesta derradeira lecionou de 1960 até o fim de sua carreira acadêmica. Foi um dos pensadores da escola da jurisprudência de valores ou de princípios. Esta escola representa no processo de evolução do direito uma superação das contradições do positivismo jurídico, e por tal razão, é considerada por alguns como semelhante à escola do pós-positivismo. A jurisprudência dos calores caracteriza uma forma de se entenderem os conceitos de incidência e a interpretação da norma jurídica, bem como sua divisão em regras e princípios, além de conceitos como igualdade, liberdade e justiça.

[32] O devido processo legal substancial transcende a simples decisão formal promovida pelo juiz de direito diante do caso concreto. Canotilho leciona que: "A teoria substantiva está ligada à ideia de um processo legal justo e adequado, materialmente informado pelos princípios da justiça, com base nos quais os juízes podem e devem analisar os requisitos intrínsecos da lei". Dirige-se em primeiro momento ao legislador, constituindo-se num limite à sua atuação posto que deva pautar-se pelos critérios de justiça, razoabilidade e racionalidade. Já o devido processo legal em sentido formal tem como principal destinatário o juiz como representante do Estado.

Pois a ele compete o dever de obedecer aos ritos, bem como seus demais aspectos que circundam o processo, sem, portanto, o eivá-lo de nulidade, ou suprimindo de quaisquer garantias das partes. Corresponde a garantia que a parte tem em saber o que vai acontecer dentro processo, sem invocações, que possam comprometer seu direito. Em outras palavras é a regularidade formal em todo o procedimento já pré-estabelecido pela Lei em todos os seus termos.

[33] A Teoria neo-Institucionalista do processo preconiza fiscalidade (controle de constitucionalidade aberto a qualquer povo) do processo legiferante nas bases intituintes e constituintes da legalidade, vem como na atuação e modificação, aplicação ou extinção do direito constituído e trabalha a socialização do conhecimento crítico-democrático em pressupostos (direito fundamental) de auto-ilustração (dignidade) pelo exercício da cidadania como legitimação ao direito-de-ação coextenso ao procedimento processualizado”.

[34] Nesta pós-modernidade, o processo como instituição se infere “pelo grau da autonomia jurídica constitucionalizada a exemplo do que desponta no discurso do nosso texto constitucional”.

Portanto, é considerável a conquista da fundamentação do processo em princípios e institutos que repudiam a repressão e concentração política.  Hoje, a Jurisdição Constitucional realizada pelo processo, representa uma condição de igualdade institucional entre o Estado e os cidadãos.  Diante deste pensamento, Rosemiro afirma que no pós-modernismo não pode haver também “hierarquia de instituições jurídicas ou a prevalência de uma sobre as outras no bojo constitucional”, pois a constituição, sem sombra de dúvida, uma fonte jurídico-institucional, não representa um Estado instrumental.

[35] Antônio Castanheira Neves (1929) é filósofo do direito português e professor jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. O direito deve ser entendido através da ideia de problema jurídico, de que são principal exemplo, os casos judiciais. Os problemas têm de serem resolvidos problemas jurídicos.

Estes, sim, são o ponto de partida necessário. A oposição de Castanheira Neves ao positivismo, ao jusnaturalismo e as várias teorias do silogismo jurídico, o que o tornou um dos primeiros defensores do interpretativíssimo jurídico, posição bem próxima da hermenêutica jurídica. O doutrinador lusitano afirma que a interpretação jurídica não é um elemento necessário da argumentação jurídica. O direito provém sempre é dos problemas jurídicos, que são concretos, historicamente situados, normativos e práticos.

Toda a decisão jurídica visa determinar o que é que alguém deve fazer num caso concreto, numa situação histórica e social concreta. A decisão judicial é também, em si mesma, uma ação. E, a interpretação, pelo contrário, nem sempre é necessária e, quando o é, é instrumental.

[36] A proposta de estabilização da tutela antecipada trata-se de uma revolução operada dentro do sistema processual brasileiro que sempre primou pela cognição plena e exauriente. Portanto, resta a adoção da possibilidade de um julgamento fundado no juízo de verossimilhança e na probabilidade, antes necessariamente provisório – adquirir imutabilidade que só era atribuída aos julgamentos definitivos de mérito. Consagra-se enfim um direito autônomo à tutela de urgência. Apesar de que o sistema não abandonou completamente a ideia de ordinariedade mas apenas a condicionou à iniciativa da parte interessada.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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