Resumo: Desde que a Carta Magna, de 1988, [1] foi promulgada muito mudou em nosso país. Os Constituintes originários tentaram sintetizar todos os apelos sociais para se construir um país embasado no respeito a todas as crenças, a todas as pessoas, indiferentemente, de credo, de raça, de sexo. A discriminação não foi, peremptoriamente, aceita na Carta Cidadã. Alguns autores consideram a Carta um verdadeiro documento iluminista, principalmente o art. 5º. CF/88 somado ao TIDH (Tratado Internacional de Direitos Humanos) têm mudado o ordenamento jurídico em nosso país, assim como comportamentos na sociedade. Com certeza, o futuro será muito diferente do que se presencia contemporaneamente.
A primeira Carta Política democrática foi a de 1891, considera a Constituição de Rui Barbosa. Outras Constituições promulgadas foram as de 1934, de 1946 e a vigente, de 1988. As outorgadas foram as de 1824 (Imperial), de 1937 (Getúlio Vargas) e de 1967 (militares).
O que difere a CF/88 das demais Constituições Federais promulgadas?
Simples, sua efetividade no contexto sociopolítico. Apesar das Constituições Federais promulgadas, os párias jamais tiveram tanta força de opinião e atuação no contexto sociopolítico como no contexto atual. O Código Civil, de 1916, encontrou sua extinção por força da Carta de 1988, o que levou a criação do Código Civil de 2002. A mulher, que teve pouquíssimos direitos, com a vigência da CF/88 passou a ter os mesmos direitos dos homens: voto, opinião política e, no contexto familiar, acesso ao emprego etc. A Lei Maria da Penha consagrou o direito à vida, que até então não era defendido efetivamente pelo ordenamento jurídico brasileiro, muito menos pelos próprios cidadãos, que continuavam a achar que as mulheres não passavam de coadjuvantes no cenário nacional.
Nas religiões, outra grande mudança em nosso país. Se no Império a religião oficial era a Católica, com a CF/1891 não haveria mais a influência da religião nas políticas de Estado. Contudo, ainda se mantinha, como ainda ocorre contemporaneamente, a influência da religião nas decisões dos parlamentares. Se a Católica tinha influência sociopolítica, pois a sociedade ainda era, em sua totalidade, católica, na década de 1990, a evangélica começou a influenciar os comportamentos dos cidadãos. E muita coisa mudou de lá para cá. Quase tudo era proibido, o mundo era um local de pecados, os fiéis deveriam acatar, às cegas, as ordens dos bispos. Dinheiro, roupa decotada, carros etc. Tudo era pecado, pois era ostentação aos olhos de Deus. As demais religiões eram profanas, e deveriam ser combatidas pelos fiéis. As imagens católicas, umbandistas, budistas, qualquer imagem, não deveriam ser idolatradas. Chegou-se, ao cúmulo do absurdo, o ato de chutar de uma imagem [2] de Nossa Senhora Aparecida. O que dizer, então, da morte de John Lennon como obra de Deus? [3] A mulher tinha que obedecer, cegamente, os ditames do homem, eis o que tinha nas religiões Católica e Protestante.
Xuxa já foi considerada pecadora, acusada de fazer pacto com o demônio, pois tinha muito dinheiro, o mesmo aconteceu com outros artistas; a prosperidade material, para os protestantes, era obra do demônio. A mudança se fez na filosofia, de alguns protestantes, sobre riquezas. Deus agora provê, com bens materiais de luxo, o seguidor religioso. As roupas foram remodeladas, agora é permitida saia acima dos joelhos, os adornos corporais também foram permitidos. Enfim, mudanças estruturais nas religiões. Algumas religiões protestantes, no Brasil, contemporaneamente, abraçam qualquer adepto de outra religião. Não há mais discriminações aos cultos, qualquer um pode entrar. Em outras religiões protestantes, ainda se clama a ira de Deus aos adeptos de outras religiões.
A própria Igreja Católica está mudando. O Papa Francisco enviou carta ao Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização. Dentre a Promoção, a absolvição do pecado do aborto:
“Espero que a indulgência jubilar chegue a cada um como uma experiência genuína da misericórdia de Deus, que vai ao encontro de todos com o rosto do Pai que acolhe e perdoa, esquecendo completamente o pecado cometido.”.
E o casamento? O casamento é à base da Religião Católica, o dissolver era considero como grave conduta dos cônjuges aos olhos da Igreja [Deus]. Mais uma vez, a Igreja dá um passo importante aos direitos humanos: a Igreja aceita os casais que celebraram a segunda união. [4]
Por que das mudanças?
Alguns dizem que é a Nova Ordem Mundial, isto é, uma conspiração de Iluminati, para dominação do mundo. Outros, que o Apocalipse está acontecendo. Concepções teóricas a parte, os direitos humanos são filosofias que aconteceram em determinadas épocas da humanidade, diante dos graves atos cometidos por alguns seres humanos contra os direitos naturais de todos os seres humanos. Ou seja, todos os seres humanos nasceram livres, em pensamento, em opções, em condutas, nas igualdades. As leis são atributos dos homens, os quais foram criados para sustentar riquezas para poucos, enquanto muitos sustentavam as regalias dos soberanos. Os direitos humanos, ou dimensões dos direitos humanos, são consequências de épocas históricas, de lutas de classes, de livrar cidadãos subjugados por leis desumanas às leis universalistas, cujos detentores e direitos são todos os cidadãos.
Os antecedentes históricos dos direitos humanos datam muito antes da Magna Charta Libertatum de 1215. Datam dos tempos da Roma Antiga. Contudo, da Magna Charta, houve outros manifestos contra abusos dos soberanos, violações aos direitos naturais de todo ser vivo, como a Constituição dos EUA, de 1787, a Constituição francesa, de 1791. Somente, após a Segunda Guerra Mundial, que a humanidade começou a dar mais importância aos direitos humanos; ou seja, deflagraram-se movimentos de internacionalização dos direitos humanos, sendo o marco inicial a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948.
A banalização da barbárie, iniciada na Segunda Guerra Mundial, como o extermínio em massa dos judeus, demonstrou que os direitos do homem deveriam ser protegidos pelo Direito Internacional. No Brasil, a partir da promulgação da Carta Política de 1988, vários tradados de direitos humanos foram ratificados:
a) Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989;
b) Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989;
c) Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990;
d) Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992;
e) Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992;
f) Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992;
g) Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995;
h) Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte, em 13 de agosto de 1996.
i) Protocolo à Convenção Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), em 21 de agosto de 1996.
Mesmo com as ratificações, ainda assim, o Brasil [cultura] mantinha concepções teóricas em desacordo com os direitos humanos. Necessárias foram as pressões internacionais sobre direitos humanos para o Brasil começar a aplicar estes direitos. Por exemplo, pois considero marco zero dos direitos das mulheres, a Lei Maria da Penha. Através dessa Lei foi possível garantir a igualdade material. A Comissão Internacional de Direitos Humanos, em vários relatórios, acusou o Brasil de várias violações de direitos humanos: à mulher, aos presidiários, as condutas de corrupção, aos adolescentes, às ações policiais, à devastação ambiental etc.
Os direitos dos homoafetivos e a possibilidade de redução da maioridade penal [relatório nº 78/15] são casos que estão sendo observados e apurados na Comissão Interamericana de Direitos humanos.
Conclusão
Muitos dos avanços sociopolíticos em nosso ordenamento jurídico se devem às pressões internacionais sobre direitos humanos. Infelizmente, há um grupo de parlamentares que impedem os direitos humanos de se materializarem, substancialmente, no país. Não menos, há juízes brasileiros que estão desconexos com as normas dos direitos humanos. Por exemplo, a liminar do Juízo da Comarca de Fortaleza, estado do Ceará. A liminar impusera multa, diária, de 5 milhões de reais, a editora IstoÉ caso distribuísse, comercializasse e publicasse notícia relacionando a operação policial, que investigava lavagem de dinheiro e evasão fiscal, e o governador do Ceará. O caso foi parar no STF [RCL 18638 MC / CE], o qual julgou a liminar inconstitucional, [5] uma vez que a Lei da Imprensa, de 1967, feria a liberdade de expressão, não podendo sofrer censura prévia. Além disso, a matéria possui conteúdo de interesse público, não difundiu notícia falsa e, mesmo que a matéria tenha se baseado em investigação sigilosa, os jornalistas não a violaram, mas apenas divulgaram. A decisão do STF colocou frente a frente à liberdade de expressão e o direito da personalidade.
A liberdade de expressão no Brasil é um verdadeiro antídoto aos males seculares, da intolerância, das discriminações, dos preconceitos, das maracutaias dos agentes públicos, especialmente entre políticos e lobistas, das perseguições religiosas etc.
“A liberdade de expressão no Brasil viveu uma história acidentada. Apesar de prevista expressamente em todas as Constituições, desde 1824, ela é marcada pelo desencontro entre o discurso oficial e o comportamento do Poder Público, pela distância entre intenção e gesto. Em nome da religião, da segurança pública, do anti-comunismo, da moral, da família, dos bons costumes e outros pretextos, a história brasileira na matéria tem sido assinalada pela intolerância, a perseguição e o cerceamento da liberdade. Entre nós, como em quase todo o mundo, a censura oscila entre o arbítrio, o capricho, o preconceito e o ridículo. Assim é porque sempre foi.” (RCL 18638 MC / CE, p.10).
Quando há liberdade de expressão, não há como persistir nos atos violadores ao Estado de direito em nosso país. Em decisão que ecoará na história brasileira, o STF eliminou, em 30 de abril de 2009, a Lei de Imprensa de 1967, o que causou a inexigibilidade de diploma superior para o exercício profissional de jornalista [RE 511.961]. A CIDH, em seu relatório nº 38/09, parabenizou a decisão do STF por assentar a liberdade de expressão no ordenamento jurídico brasileiro.
Outro avanço importantíssimo dado pelo STF foi o acordo com a CIDH. Trata-se da carta de intenções, a qual influenciará nas decisões judiciais brasileiras. Para isso, cursos de formação e de capacitação de juízes e de funcionários dos tribunais serão criados. Com isso, os juízes terão melhores capacidades técnicas em consonância com os direitos humanos.
Os parlamentares, retrógrados, terão que se adequar aos novos ventos da liberdade dos direitos humanos, que, cada vez mais, farão parte da vida dos brasileiros. Todos os brasileiros, enfim, terão que se adequar aos avanços desencadeados pelos direitos humanos, não mais sendo possível, por muito tempo, sob condição de o Brasil ser condenado internacionalmente, por práticas sociopolíticas antidireitos humanos. As religiões, as quais se mostram contrárias aos avanços dos direitos humanos, não sobreviverão, caso não mudem seus dogmas, tabus.
Não poderia esquecer de demonstrar, aos leitores, a força normativa da Carta Política de 1988. Pela primeira vez, quando a Rede Globo de televisão teve que ceder espaço, em seu principal telejornal (Jornal Nacional), ao então governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola, tratava-se do direito de resposta. O âncora, desconcertado, teve que pronunciar, em rede nacional, o texto editado por Brizola. [6]
Os direitos humanos vieram para ficar. Por sua vez, o efeito cliquet objetiva o aperfeiçoamento, a melhoria dos direitos humanos.
Notas:
[1] - CF/88 original. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html
[2] – Bispo da Igreja Universal protestava agressão verbal e física à imagem de Nossa Senhora Aparecida. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VpPwWEsk0OY
[3] – Marco Feliciano: deus matou John Lennon e os mamonas. Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=IUCk9fhiu5Q
[4] – Francisco: casais de segunda união fazem parte da Igreja. Disponível em: https://www.youtube.com/embed/Tp71qiNYz_4?wmode=transparent&rel=0
[5] – STF, Liberdade de expressão. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL18638.pdf
[6] - Direito de responsta. Leonel Brizola versus Rede Globo de televisão. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DA3ZVeWwiwk
Referências:
CIDH – relatórios. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/casos.port.htm
Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª região. Caderno de Direito Constitucional – 2006. Flávia Piovesan. Disponível em: http://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/arquivos/emagis_atividades/ccp5_flavia_piovesan.pdf
STF. JORNALISMO. EXIGÊNCIA DE DIPLOMA. Disponível em: https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:knXuKqDv1l0J:redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp%3FdocTP%3DAC%26docID%3D605643+&cd=1&hl=en&ct=clnk&gl=br&client=opera