A FRAUDE NO BALANÇO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

18/09/2015 às 14:14
Leia nesta página:

O ARTIGO TRAZ À DISCUSSÃO O ARTIGO 10 DA LEI 7.492/86.

~~A FRAUDE NO  BALANÇO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA


ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da República aposentado


A matéria envolvendo a inserção de elementos fraudulentos em balanço é deveras preocupante para acionistas, investidores e clientes de instituições financeiras, na medida em que se coloca em xeque a credibilidade de funcionamento e a própria execução satisfatória da política econômica do governo. A fé pública e o patrimônio são ainda afetados.
No caso em tela, o artigo 10 da Lei 7.492/86 apresenta conduta específica onde se lê:
Art. 10. Fazer inserir elemento falso ou omitir elemento exigido pela legislação, em demonstrativos contábeis de instituição financeira, seguradora ou instituição integrante do sistema de distribuição de títulos de valores mobiliários:
        Pena - Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.
Por sua vez, dita o artigo 11 da Lei 7.492/86:
Art. 11. Manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação:
        Pena - Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.
Discute-se a questão do balanço, sua natureza jurídica.
Afirmou  Fábio Konder Comparato(Ensaios e pareceres de direito empresarial, Rio de Janeiro, Forense, 1978, pág. 31) que o balanço é ato jurídico e não simples ato material. Disse ele:
¨De balanço, a rigor, só se pode falar depois que o titular do patrimônio balanceado – pessoa física ou jurídica – o aprova, obedecidas as formalidades legais. Antes disso, o que  há é um projeto ou uma minuta de balanço, sem valor contábil ou inexistência jurídica.
É sabida a lição de Francesco Messineo(Studi di Diritto delle Societá, Milão, 1958, pág. 132), de que o balanço é concebido como mera reprodução da realidade econômica da empresa, ou como espelho de uma situação patrimonial. Mas essa fotografia da empresa que é o balanço pode ser retocada. O balanço e a conta dos resultados é negócio jurídico de certificação, com eficácia dispositiva, como lecionou Giuseppe Ferri(La società, Turim, 1971, pág. 567). Em sede de sociedade anônima, o balanço aprovado, de forma regular, deve ser considerado válido, inclusive perante terceiros.
Ainda para Fábio Comparato(obra citada, pág. 32) ¨o balanço, como de resto toda a contabilidade, não pode jamais ser um simples reflexo de fatos econômicos, porque se trata de uma interpretação simbólica e, portanto, convencional da realidade”. Sendo assim os fatos econômicos não passam para os livros contábeis no estado bruto, mas são traduzidos para quem os analisa, em conceitos e valores, previamente estimados e valorados, num determinado critério.
E conclui Fábio Comparato:

¨A exatidão matemática dos balanços, que o vulgo contempla admirativamente, é mera coerência interna e recíproca de lançamentos em partidas dobradas, simples exatidão formal. Mas entre a realidade econômica e a sua tradição contábil interfere, necessariamente, um juízo de valor, uma estimativa axiológica, cuja impressão e contestabilidade jamais serão suprimidos, porque inerentes ao próprio processo de conhecimento.
A verdade contábil é, pois, simplesmente relativa. O lucro de balanço, por exemplo, é uma realidade meramente contábil e abstrata. A coerência dos lucros de exploração  e o seu exato montante, a rigor, só podem ser verificados, realmente quando a empresa se extingue e se apura o resultado final.”

Nessa linha de pensar, Paulo José da Costa Jr. e C. Pedrazi(Direito penal das sociedades anônimas, São Paulo, 1973, pág. 92) consideravam que em matéria de balanço não se pode falar em exatidão, senão relativa. Isso porque os critérios fundamentais de julgamento de um balanço são a clareza e a sinceridade, não a exatidão. Em consequência, tem-se que o direito pune não o levantamento de balanços inexatos, mas falsos e fraudulentos, isso é insinceros.
Ora, no sistema financeiro, repita-se, não se pode esquecer que sua base é a confiança, a transparência, onde não há espaço para a dúvida, para a obscuridade, num sistema que é objeto de regulação a bem da sociedade.
Instituição financeira, à luz do artigo 1º da Lei 7.492/86, é pessoa jurídica que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, captação, intermediação ou aplicação de recursos. A interferência deve ser com recursos de terceiros.
É crime fazer operar instituição financeira sem autorização ou com autorização mediante fraude(artigo 16 da Lei 7.492/86), crime formal, de perigo. Isso porque compete privativamente ao Banco Central conceder autorização às instituições financeiras, a fim de que possam funcionar no País, instalar ou transferir suas sedes, ou dependências, inclusive no exterior; ser transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas e ter prorrogados os prazos para funcionamento(artigo 10, X, da Lei 4.595/64). Caracteriza-se a instituição financeira pela exploração de dinheiro como mercadoria, por meio de especulação no mercado financeiro. Mas a coleta a intermediação ou aplicação de dinheiro como mercadoria exige um mínimo de reiteração, isto porque a mercadoria do numerário deve ser habitual. Aliás, o crime do artigo 16 da Lei 7.492/86 não se consuma numa só operação isolada.
Fez-se necessário a edição da Lei 7.492, de 16 de julho de 1986, que foi sancionada  como instrumento na busca de uma resposta aos desmandos e abusos financeiros que atingiram diretamente a poupança e a credibilidade nos investimentos efetuados pela coletividade. O bem jurídico a ser protegido, nesses crimes, é a ordem pública, aí inserido o próprio Sistema Financeiro Nacional, a fé pública e os interesses essenciais das diversas camadas populares, inclusive o patrimônio de terceiros lesados pelos administradores e credores. A Lei 7.492/86, em verdade, foi uma resposta aos investidores que haviam sido fraudados com as sucessivas quebras e negócios mal-explicados que escandalizaram o país. Era o exemplo dos casos Halles, Áurea, Ipiranga, Lume, Tieppo, Delfin, Capemi, Coroa-Brastel, Haspa, Letra, Grupo Sulbrasileiro, Habitasul, Brasilinvest, Comind, Auxiliar e Maisonnave, quando os responsáveis eram submetidos apenas às regras da Lei 6.024, de 13 de março de 1974, que alcançavam seus bens para penhora e posterior rateio do líquido apurado entre os credores,como  bem disse Ela Wiecko Volkmer de Castilho(O controle penal nos crimes contra o sistema financeiro nacional, Belo Horizonte, Livraria Del Rey Editora, 1998, pág. 125 a 131). Note-se bem: as Leis de Reforma Bancária e do Mercado de Capitais foram editadas em 1964 e 1965 e foram necessários vinte anos e ainda uma série de escândalos financeiros para haver a criminalização de algumas condutas extremamente nocivas à coletividade.
O caso do Banco Nacional é, sem duvida emblemático, do que se lê do acórdão proferido na Apelação Criminal 200202010121096, DJ de 21 de junho de 2007, que correu perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, onde se transcreve, por sua importância histórica, parte da decisão:
“Em 18/11/1995, o Banco Central do Brasil, na condição de órgão fiscalizador, decretou Regime de Administração Especial Temporária (RAET) no Banco Nacional S.A., nomeando uma Comissão de Inquérito com a missão de apurar as causas que conduziram a instituição financeira a tal situação. Encerradas as investigações, a Comissão apresentou à Presidência do BACEN um Relatório Final (fls. 013411/013437 do IPL, Apenso II - Vol. 85), datado de 01.07.1996, no qual se encontram indicativos das gestões que causaram prejuízos da ordem de R$ 7.594.518.000,00 ao próprio Banco Nacional S.A.; dos componentes dessas gestões; e, entre outros fatos apurados, das causas de sua queda, assim identificadas, verbis:
       “Conforme atesta o balanço saneado pela Comissão de Inquérito (fls. 12.803/12.804), a situação da sociedade é de insolvabilidade, acusando um passivo a descoberto no valor de R$ 6.734.117 mil (seis bilhões, setecentos e trinta e quatro milhões, cento e dezessete mil), na data da decretação do Regime Especial.
       A queda do Banco Nacional S.A., assim entendida a decretação do Regime de Administração Especial Temporária, ocorreu em função da crise de liquidez enfrentada pela instituição, capaz de expor em risco seus credores, manifestada em pedido formulado por seus ex-administradores, conforme ATO-PRESI/BACEN nº 405, de 18-11-95.
       Essa falta de liquidez, provocada pela insolvência de ativos insubsistentes, está materializada nos bens e direitos recusados pelo UNIBANCO, que representavam 62% do ativo total do Balanço Patrimonial elaborado pelo Banco Nacional S.A., em 18.11.95, onde se destacam as operações de crédito, identificadas pelo código '917', que além de não retornarem com o capital investido, ainda permitiram a geração de receitas meramente escriturais, que serviram para maquiar os balanços dos últimos anos.”
           Constatadas essas e também outras irregularidades, entre as quais a omissão, na lista obrigatória dos 20 maiores devedores do Banco, dos nomes de devedores das contas de “natureza 917”; a destacada concentração de remessas de valores ao exterior efetuadas através do “Cartão Nacional”, via mercado de câmbio de taxas flutuantes, no período próximo à decretação do RAET; as operações de câmbio com redução de valor, envolvendo o BNSA, o Banco Icatu S.A e o Interbanco S.A., que resultou em diferença apurada de US$2.000.000,00; e a existência de operação de câmbio contratada entre o Interbanco, o Banco Icatu, o BNSA e o Banque Nationale de Paris, sem o competente “certificado de registro”, tendo a Comissão de Inquérito concluído pela possibilidade de capitularem-se os fatos levantados, no que pertine às normas de natureza penal, nos arts. 4º, caput e parágrafo único; 6º; 10; 11; e 22, caput e parágrafo único, todos da Lei nº 7.492/86, aos 28/05/1996 o Procurador-Geral da Autarquia fez encaminhar cópia da Conclusão da Apuração e do Relatório Final ao Ministério Público Federal.
           O MPF, com base na conclusão alcançada pelo BACEN e depois de apurar os fatos penalmente relevantes em sede de Inquérito Policial (nº 580/96), em cujo bojo realizadas duas provas periciais eminentemente esclarecedoras, a saber Laudo Contábil nº 39.441 e Laudo de Material de Informática, além de colhidos documentos e inúmeros depoimentos de pessoas de alguma forma envolvidas com os fatos investigados, ofereceu, aos 22.09.1997, a denúncia à qual me reportei em o Relatório. São, ainda, objeto de outra Ação Penal (98.00.49041-8), em curso no Juízo da 1ª Vara Federal Criminal/RJ, as questões relacionadas às operações de câmbio (caso Interbanco), em que se apura a prática dos crimes tipificados nos arts. 4º, 16 e 22, todos da Lei nº 7.492/86, combinados com o art. 288 do Código Penal Brasileiro.
           De plano ressalto, portanto, não se poder olvidar que a complexidade da questão envolvente dos fatos foi alvo de profunda e criteriosa investigação na fase instrutória criminal, com uma amplitude muito maior na apuração da verdade, inclusive em função do tempo demandado, do que a inicialmente buscada no processo administrativo, sendo esta a razão pela qual as duas esferas, distintas e autônomas, não podem servir de parâmetro igualitário de comparação para suas conclusões, muito embora a colaboração valiosa dos funcionários do BACEN.
           Sabe-se que, ao longo de sua existência, o BANCO NACIONAL S.A. incorporou cerca de quinze outras empresas, chegando a figurar entre as dez maiores instituições do Sistema Financeiro Nacional. No exterior, contava com agências em Nova York, Miami, Nassau e as subsidiárias Interbanco S.A., no Paraguai, e Banco Nacional Luxembourg S.A..
           Por outro lado, o BNSA manteve e ampliou uma política agressiva, porém equivocada, de concessão de crédito. Em alguns momentos, sua carteira de empréstimos chegou a ser dez vezes maior que seu patrimônio, quase o triplo do que se via em outros bancos privados de porte semelhante. Essa falta de respeito à boa técnica bancária contribuiu para a formação de uma carteira de créditos podres.
           Ao que se apurou, o BNSA concedeu, entre 1986 e 1987, empréstimos a inúmeras empresas de pequeno e médio porte. O processo inflacionário galopante levou muitas delas à inadimplência; algumas chegaram à completa derrocada.
           Em razão da conjuntura econômica do período, as autoridades monetárias adotaram a Carta-Circular 974/85, regulamentada pela Resolução 1423/87, permitindo que as instituições financeiras deixassem de registrar como prejuízo em sua contabilidade, como seria de rigor fazer, os créditos que se encontrassem vencidos por menos de 450 dias. O BNSA lançou mão dessa faculdade, fazendo-o no balanço de 1987, relativo ao exercício de 1986. A liberalidade foi, contudo, revogada através da Resolução 1551/88, tendo a instituição financeira informado em balanços posteriores haver regularizado a escrituração das operações de crédito em atraso.
           Não foi isso, porém, o que de fato ocorreu. A fraude já havia se instalado no BNSA.
           É certo que medidas regulares também foram adotadas, como a alienação de patrimônio imobiliário ocioso, contenção da política de créditos e redução do quadro de empregados, embora os administradores desde logo as soubessem insuficientes.
           Selecionou-se, então, uma carteira de 1.046 daquelas contas de clientes que efetivamente haviam tomado empréstimos, mas que se tornaram inadimplentes, agrupando-se-nas, de início, sob a designação de “Natureza 100” e, mais tarde, de “Natureza 917”. Muitos desses empréstimos prosseguiram cobrados pelo Banco, originando execuções, algumas bem sucedidas (ou seja, ainda que judicialmente, os créditos acabaram sendo recuperados), inclusive com posterior solicitação de encerramento da conta por seus respectivos titulares/responsáveis. De outras execuções o BNSA simplesmente desistiu. Tais dívidas já inexistentes foram, contudo, mantidas em aberto, na carteira de empréstimos.
           Note-se, neste ponto, que os créditos concedidos, todos entre 1986 e 1987 e todos pelo prazo máximo de 3 (três) meses, não ultrapassavam, em média, o valor de US$ 10,000.00 (dez mil dólares norte-americanos). Mas o BNSA, unilateral e arbitrariamente, alterou as datas de vencimento dos contratos para que as contas permanecessem sempre ativas - vale dizer: na condição permanente de créditos normais da instituição -, delas alterando também os saldos, fazendo incidir taxas de juros tão absurdas que, em 18.11.1995, quando da decretação do RAET, cada uma das 652 contas que remanesciam no sistema e foram detectadas pelo BACEN apresentava, em média, a impressionante cifra de US$ 8,000,000.00 (oito milhões de dólares norte-americanos) em seu saldo. Tais taxas de juros - absolutamente discrepantes daquelas avençadas nos respectivos contratos, bem como das taxas médias então praticadas pelo mercado - eram calculadas levando-se em conta as necessidades do Banco, conforme, aliás, esclareceu o co-réu CLARIMUNDO SANT'ANNA ao declarar (fls. 1290) que: “... essas taxas incidentes no Grupamento NAT. 917, eram calculadas levando-se em conta o custo do dinheiro para carregar os ativos...”.
           Ainda de acordo com esse depoimento de CLARIMUNDO, a conduta quanto aos vencimentos era “simples”, pois apenas “alterava-se aquele prazo de forma tal que não ocorresse o efetivo vencimento nas datas aprazadas”.
           Ocorre que tais condutas criminosas comprometeram a saúde do Nacional, conduzindo-o à quebra. Para manter a carteira de contas de Natureza 917, “... o Banco tinha que captar recursos no mercado, a juros elevados...”, como afirmou CLARIMUNDO (fls. 1293). Assim, a bola de neve crescia.
           Mas não foi só. Como referido em alegações finais pelo d. MPF (fls. 5044) “o processamento dos sistemas do ex-Banco Nacional não observava critérios normais de um Centro de Processamento de Dados sério, visto que, conforme relatado no Laudo Material de Informática nº 39423, a equipe de sistemas alterava os programas, inserindo código com os números de contas correntes (normalmente as de Natureza 917) para o processamento dessas contas de forma diferenciada, aplicando-se índices estranhos ou atribuindo-se valores astronômicos nos cadastros dos clientes (a intenção foi dificultar uma eventual análise nos dados)”.
           Confira-se, a propósito, o seguinte trecho do depoimento de ELSO BRITO DE MELO TAVARES, funcionário do BACEN que atuou como Relator no Inquérito Administrativo (fls.       ):
“...que o princípio técnico utilizado na manipulação daquelas contas era bastante simples, ou seja, uma supervalorização de estoques, mas, a operacionalização disso era bastante sofisticada, ocorrendo dentro de computadores, sistemas próprios que sequer deixavam visualizar essas coisas, inclusive, ressaltando-se que a emissão de extratos das contas foi bloqueada;...”.
           Com efeito, esclarecimentos prestados pelos peritos criminais federais (fls. 4826) dão conta de que “a produção dos sistemas do ex-Banco Nacional não tinha critérios pré-estabelecidos, executando-se operações sensíveis por meio de códigos espúrios inseridos nos programas, com base em ordens urgentes recebidas por meio do CENA (Correio Eletrônico Nacional)”.
           Acresça-se que os responsáveis/titulares dessas contas ignoravam o uso que delas estava sendo feito, uma vez que os extratos eram inibidos pelos sistemas e o acesso aos dados eletrônicos restringia-se a algumas poucas pessoas.
           Através da Informação nº 024/2001-INC (fls. 4949/4956), os peritos informaram ao Juízo:
       “Inicialmente todas as versões disponíveis dos programas das séries USAP150 e USAP250 foram localizados e analisados, encontrando-se nos mesmos as matrículas e os códigos de usuários apostos nas tabelas constantes nesta Informação. Os programas da série USAP150 tinham como objetivo a emissão on-line de saldos dos correntistas. Os programas da série USAP250 tinham como objetivo a emissão on-line de extratos dos correntistas. Ambos os programas podiam ser utilizados tanto pelos correntistas como pelos funcionários do Banco.
       Com base nas análises feitas nos programas das séries USAP150 e USAP250, restou constatado que havia limitação de acesso às contas de natureza 917 e 100, sendo permitido apenas às pessoas cujas matrículas ou códigos de usuários estavam relacionados dentro dos tais programas. Desta forma, se os titulares das contas de natureza 917 ou 100 tentassem ter acesso a seus saldos ou extratos, mesmo possuindo senhas corretas, eles não conseguiriam, pois o sistema não permitia e retornava as seguintes mensagens de erro: 'SALDO NÃO DISPONÍVEL' e 'EXTRATO NÃO DISPONÍVEL', com códigos 2511 e 2510, respectivamente.”
Acrescente-se, outrossim, outro trecho do acórdão que bem esclarece as circunstâncias narradas nos autos:
           “Mas retornemos aos fatos. Como visto, a simples manutenção, na carteira de empréstimos, de valores já ajuizados, aliada à manipulação indevida e maliciosa de contas, tanto de clientes inadimplentes como daqueles já apenas pretensamente inadimplentes, fantasiando fossem todos constantes tomadores, tudo complementado pela deliberada violação dos sistemas de controles internos do Banco, longe fica de condizer com a transparência, segurança, certeza e licitude imprescindíveis, afetando sobremaneira a fidúcia requerida, de modo que não se pode classificar como meramente irregular uma gestão conduzida nestes termos. As adulterações dos sistemas de informática, para servirem a tais espúrias manipulações, reforçam vigorosamente a qualidade enganosa de uma tal administração, que, ao fim, e em virtude mesmo das infelizes, mas conscientes, opções feitas, mostrou-se capaz apenas de levar o tradicional Banco à mais completa derrocada e a expor todo o Sistema Financeiro a perigos extremos.
           Veja-se que até aqui não se deu qualquer ênfase à falsificação de demonstrativos contábeis, nem à prestação de informação falsa ou sonegação de informação sobre operação ou situação financeira da instituição capaz de induzir em erro qualquer dos sujeitos determinados no art. 6º da Lei nº 7.492/86. Todavia, ainda que os fatos ocorridos houvesse se limitado aos acima descritos, dúvida não haveria - diante de tais comportamentos, conscientes e voluntários - de que o BNSA foi gerido fraudulentamente, lembrando que a conduta incriminada não exige nenhum especial fim de agir, prescindindo, ademais, de qualquer elemento à guisa de resultado.
           De inteira cabida são, ademais, as seguintes colocações ministeriais estampadas às fls. 2578 dos autos:
       “O contrato de abertura de conta-corrente, assim como os de empréstimo bancário em suas variadas modalidades, incorporam direitos ao patrimônio dos clientes que os celebram. O recurso a estas contas e contratos, por parte da instituição financeira celebrante, por meio de seus gestores, fora da órbita da legalidade, mesmo quando não acarreta prejuízo material, direto, interfere e lesa concretamente a esfera jurídica dos clientes. Os ofendidos sofreram a ação delitiva no momento em que os contratos firmados com as empresas por eles legalmente representadas, foram unilateral e arbitrariamente renovados e seus saldos foram manipulados, dando origem a uma duplicidade de registros (um para efeitos de cobrança e outro para gerar lucros fictícios nos demonstrativos financeiros), tudo de forma artificial e fraudulenta.”  
           A tanto acrescento apenas, em apertada síntese, o que afirmou o Eminente Procurador Regional da República, à fl. 9420: não se pode olvidar que os valores eram fictícios; os titulares das contas não tinham conhecimento do manuseio de suas dívidas nem do incremento que sofriam com o lançamento de juros totalmente desvinculados de qualquer realidade; houve desprezo à boa fé e à confiança dos depositantes do Banco, que correram seriíssimos perigos sem a mínima noção do que se passava.
           Assim, as diversas realizações de fraude observadas em dada situação fática, não ostentando particularidades típicas que permitam integrá-las em outro tipo que possua natureza especial, serão necessária e logicamente subsumidas na figura mais genérica descrita no tipo do artigo 4º da Lei nº 7.492/86.
           As condutas, entretanto, não se restringiram ao tudo que até aqui foi comentado, porque, como visto, o esquema implantado no BNSA não se limitou à renovação fictícia de empréstimos em 1046 contas de clientes enganados, das quais, no momento da intervenção, restavam 652, espalhadas por mais de cem agências em valores girando sempre em torno de R$ 8 milhões cada, assim como não se limitou aos processos de execução findos e aos quais não se honrou com o devido respeito, forjada realidade bem diversa para empréstimos que, embora quitados na via judicial, permaneciam todavia em aberto e gerando receita através da incidência de juros e tarifas impressionantes.
           É que tais ilegais estratagemas tiveram reflexos na contabilidade, daí advindo a determinação para que fossem inseridas informações falsas nos demonstrativos contábeis - relativas aos dados constantes dos registros paralelos - e para que neles fossem omitidos fatos que forçosamente implicariam na baixa das respectivas contas, como acordos de quitação, ações de penhora, e pagamento de débitos na via judicial, tudo com a finalidade de escamotear a real situação econômico-financeira da instituição bancária.
           Respondendo aos quesitos que lhes foram apresentados, os peritos que elaboraram o Laudo Contábil atestaram (p. 124 do laudo):
         “Conforme descrito na resposta ao quesito II, as demonstrações financeiras do BNSA tiveram, no período compreendido entre julho de 1988 a junho de 1995, seus resultados manipulados com receitas fictícias no valor total de US$16.906.148.224,09. Este valor, se expurgado, revelaria um prejuízo total de US$10.181.442 mil (dez bilhões, cento e oitenta e um milhões, quatrocentos e quarenta e dois mil dólares americanos) -> vide tabela 16.
       Reconstituindo as DREs e DMPLs, os Peritos identificaram um prejuízo acumulado no valor de R$9.850.271 mil (nove bilhões, oitocentos e cinqüenta milhões, duzentos e setenta e um mil reais) e um passivo a descoberto no valor de R$9.294.044 mil (nove bilhões, duzentos e noventa e quatro milhões, quarenta e quatro mil reais) em junho de 1995 (...)”
           A sigla DRE significa Demonstração do Resultado do Exercício e com DMPL abrevia-se Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido, ambas inseridas no conjunto amplo do que se conceitua como demonstrações contábeis.”

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

No caso do estudo em tela, tem-se que o artigo 10 da Lei 7.492/86 prevê a conduta  “fazer inserir elemento falso ou omitir elemento exigido pela legislação, em demonstrativos contábeis de instituição financeira”. O comportamento incriminado consiste em falsidade ideológica direcionada especificamente aos demonstrativos contábeis da instituição, compreendendo, nos termos do artigo 176 da Lei 6.404/76, o balanço patrimonial; a demonstração de lucros ou prejuízos acumulados; a demonstração do resultado do exercício e a demonstração das origens e aplicações de recursos.
A lição de José Carlos Tórtima(Crimes contra o sistema financeiro nacional, Rio de Janeiro,  Ed. Lumen Juris, 2000, pág. 92), deve ser transcrita:
 “ Estamos diante do que vulgarmente denomina-se maquiagem de balanços, vale dizer, a adulteração dolosa dos demonstrativos da empresa financeira com os mais variados objetivos(não indicados no próprio tipo). Assim, pode o agente, v.g, ao pretender facilitar a captação de recursos, mediante o lançamento de títulos no mercado(...), adulterar os elementos de suas demonstrações financeiras para exibir um desempenho que na realidade a instituição não possui(sonegando dados de seu passivo circulante, por ex.)”
Os mais desavisados poderiam confundir os tipos penais inseridos nos artigos sexto e décimo  da Lei do Colarinho Branco. No artigo 6º tem-se: “ induzir ou manter em erro sócio, investidor ou repartição pública competente,relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente”. Ora, a conduta do artigo 6º não pressupõe a fraude como elemento executivo obrigatório, como concluiu Tigre Maia(Dos crimes contra o sistema financeiro nacional – Anotações à lei federal n. 7492/86, São Paulo, Malheiros Editores, 1ª edição, 2ª tiragem, 1999, pág. 71) Por sua vez é ainda José Carlos Tórtima(Crimes contra o sistema financeiro nacional – Uma contribuição  ao estudo da Lei nº 7.492/86, Rio de Janeiro, Ed. Lumen Juris, 2000, pág. 69) quem explica:
“ A conduta objetiva, descrita no art. 6º, consiste basicamente em sonegar informação ou prestá-la falsamente a eventuais sócios, investidores ou aos agentes do Poder Público, logrando, dessa forma, induzi-los ou mantê-los em erro quanto a operação ou situação financeira da instituição. Induzir tem aqui o sentido de levar a, fazer com que alguém incorra no erro, sonegando-lhe a informação ou prestando-a falsamente. Já manter significa, através do mesmo procedimento, lograr a manutenção da vítima no erro em que, adrede, já estava incursa. Erro é a falsa ou nenhuma representação da realidade concreta,no exatíssimo magistério de Nelson Hungria.”
Disse ainda o autor, na mesma obra, pág. 68:
“ O tipo penal em estudo foi introduzido pela Lei nº 7.492/86, não se registrando, quanto ao mesmo, qualquer precedente normativo especifico em nosso ordenamento jurídico penal. Entretanto, o art. 157, § 1º, da Lei nº 6.404/76(Lei das Sociedades Anônimas), já revelava a preocupação do legislador com as informações relativas ás operações e quaisquer outros atos e fatos relevantes das companhias abertas, a serem obrigatoriamente prestadas por seus administradores aos acionistas, por ocasião das assembleias ordinárias, embora sem estabelecer qualquer sanção penal para violação do respectivo dever”.
E conclui, às folhas 92, fazendo menção a conduta do artigo 10, que consiste em modalidade de falsidade ideológica e que possui como objeto material especificamente os demonstrativos contábeis da instituição financeira, nos quais se determine seja feita a inclusão de dado falso ou se estabeleça seja omitido dado exigido pela legislação. Realmente, aqui, sim, estar-se-ia diante daquilo que se chama de “ maquiagem de balanços”, mas que nada é mais do que “ a adulteração dolosa dos demonstrativos da empresa financeira com os mais variados objetivos.”
Em havendo balanços falsos e fraudulentos, em instituições financeiras, é caso de crime, como se lê do artigo 10 da Lei 7.492/86. Há hipótese desse ilícito quando as demonstrações financeiras elaboradas e aprovadas pelo Banco ocultam a existência de patrimônio líquido negativo.
Há duas modalidades de condutas previstas: uma, de cunho positivo; fazer inserir elemento falso. Outra, de natureza omissiva: omitir elemento exigido pela legislação. A conduta é fazer inserir elemento falso ou omitir elemento exigido pela legislação, em demonstrações contábeis de instituição financeira, seguradora ou instituição integrante do sistema de distribuição de títulos de valores mobiliários. Protege-se o sistema financeiro nacional. O fazer inserir pressupõe que o agente se sirva de terceira pessoa, que poderá ser processada como coautora, ao ter o domínio do fato. Mas qualquer pessoa pode cometê-lo.
Por certo, assim como nos crimes chamados unissubsistentes, em que não pode haver parada no caminho, porque este se vence em um salto instantâneo, nos crimes omissivos próprios, não se fala em tentativa. Isso porque se nesse momento a atividade não se deu, consuma-se o crime.
Paulo José da Costa Jr., M. Elisabeth Queijo, Charles M. Machado(Crimes do colarinho branco, São Paulo, 2000, pág. 101) ensinam que se trata de norma penal em branco, que deve ser complementada pela legislação financeira, que irá determinar os elementos exigíveis nos demonstrativos contábeis, a par da Lei das Sociedades Anônimas, onde a assembleia geral de acionistas deve deliberar com relação a sua aprovação ou não, e as instruções da Comissão de Valores Mobiliários, por exemplo.
O elemento subjetivo do tipo é o dolo, pois o agente deve comportar-se com a consciência e a vontade de que faz inserir elemento que sabe falso, ou de que omite elemento de que deveria constar. Levando em conta o princípio da especialidade, há uma falsidade material ou ideológica cometida.
O crime previsto no artigo 10 da Lei 7.492/86 é formal, perfazendo-se, na primeira modalidade, com a conclusão do demonstrativo contábil contendo a falsidade. Na segunda modalidade de conduta, onde há conduta omissiva, a consumação se dá com a conclusão do demonstrativo contábil, que não contém o elemento exigido na legislação.
Já o artigo 11 da Lei 7.492/86, envolvendo conduta de manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente a contabilidade exigida pela legislação, é o crime conhecido como do ¨Caixa 2¨, em que o agente mantém e movimenta recursos, que não contabiliza oficialmente, para fazer frente a despesas estranhas à vida da Instituição Financeira, ou, de forma censurável, propiciar lucros indevidos a diretores ou gerentes. Objeto material do crime é o recurso ou valor, mantidos ou movimentados no “ Caixa 2”. O crime é manter o recurso, crime permanente, que se protrai no tempo, que tem um momento consumativo  duradouro. O agente passa a manter um ¨Caixa 2’, e perdura enquanto mantiver tal sistema considerado ilícito. O importante é que o agente sonegue valores.
Não se fala no tipo penal na expressão: “com o fim de obter vantagem indevida”. Por essa razão a censura que lhe dá a doutrina.
O crime é próprio, pois o sujeito ativo é qualquer das pessoas indicadas no artigo 25 da Lei 7.492/86, e seu parágrafo: o controlador e os administradores da instituição, assim considerados os diretores e gerentes, o interventor, o liquidante, o sindico. Aliás, o Administrador da Companhia, do que se lê do artigo 153 da Lei das S.A  “ deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.”
Há o crime em discussão quando a movimentação de recursos paralelamente à contabilidade se der no âmbito de instituição financeira.
Manter é conservar. Movimentar é dar ou imprimir movimento. Disse Agapito Machado(Crimes de colarinho branco – Contrabando e descaminho, São Paulo, Malheiros, 1998), que, no caso de manter, são necessários a habitualidade e a permanência, não bastando apenas um ato, enquanto que no caso de movimentar, basta um só ato. Há, no delito, um tipo misto alternativo, pois a prática de uma ou de outra das condutas será suficiente para a caracterização do delito. Se houver ambas, por certo, haverá um crime único. Já na segunda modalidade o crime é instantâneo. Considera-se que, na hipótese em que o agente movimentar o recurso, o crime que tem a natureza de instantâneo, aperfeiçoa-se no momento em que o agente procede ao movimento.
Discute-se se é possível a tentativa. Na correta lição de Eugênio Raúl Zaffaroni e de José Henrique PIerangelli(Da tentativa, São Paulo, RT, 2ª edição, pág. 50), a ação se torna temível por ser ameaçadora, quando desde logo se estabeleça uma relação direta com a consumação, quando se estabeleça uma relação de imediatidade ou quando assim se a podem perceber desde logo o sujeito passivo e o direito, afirmando-se pela adoção de um critério objetivo individual, para efeito do que chamamos começo de execução(artigo 14 do CP), que é essencial para definição da tentativa, que tem por elementos: a conduta(ato de execução) e a não-consumação por circunstâncias independentes da vontade do agente. Para Paulo José da Costa Jr., M. Elisabeth Queijo, Charles M. Machado(obra citada, pág. 104), na hipótese do crime, em ambas as modalidades, se tratando de mera conduta, não se pode falar em tentativa. Para haver a tentativa há de se comprovar um começo de execução. Ademais, essa imediatidade do ato deve se estabelecer de conformidade com o plano do autor. Nessa linha pode-se falar em tentativa no crime em análise, à luz de teoria objetivo-individual.
De toda sorte, não estamos diante de crimes culposos, onde se afasta a tentativa, assim como nos chamados crimes habituais. Nos crimes discutidos há uma vontade dirigida para o resultado incriminado na lei, razão pela qual pode-se discutir a hipótese de tentativa.
Mais um exemplo de norma penal em branco, pois deve-se analisar o disposto na Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976(Lei das Sociedades Anônimas), que orienta com relação as demonstrações financeiras de origens e aplicações.
O elemento subjetivo é o dolo genérico.
Indiscutível que a prática do ¨Caixa 2”  em instituição financeira expõe a perigo os recursos dos poupadores, colocando em risco a liquidez e a solvência da instituição financeira(artigo 3º, VI, da Lei 4.595/64). Tem-se a lição sempre presente de Carvalho de Mendonça(Tratado de direito comercial, volume VII, n. 55) de que ¨a insolvência, por si só, não quer dizer cessação de pagamentos, nem a simples impossibilidade de pagar, significa o estado do patrimônio, no qual se manifesta o desequilíbrio entre o ativo e o passivo desfavorável àquele¨, na linha já adotada pelo Conselheiro Lafayette, quando discutiu, naquela época,  na Câmara dos Deputados, a Lei de Sociedades Anônimas, em 1882.
Trata-se de crime formal, como aludido, e crime de perigo, que não exige a implementação de qualquer lesão aos bens jurídicos protegidos, de sorte que a movimentação marginal de recursos expõe a perigo os recursos de terceiros protegidos por lei.
A teor do artigo 26 da Lei 7.492/86 a competência para instruir e julgar os crimes é da Justiça Comum Federal e a ação penal ajuizada pelo Ministério Público Federal.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos