O movimento de maio de 1968

21/09/2015 às 13:40
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Texto trata do movimento de maio de 1968.

Para muitos, entre eles o atual presidente da França Nicolas Sarkozy, maio de 1968 foi apenas um movimento de pessoas irresponsáveis e mal educadas. Ressalvadas opiniões preconceituosas, pergunta-se: o que foi, efetivamente, este movimento, e o que ficou?

Primeiramente diga-se que o movimento de maio de 1968 não teve inicio na França. Iniciou-se antes na Itália, Alemanha e Japão. Neste ultimo a Federação Japonesa das Associações Estudantis Autônomas, conduziu uma luta que foi mal compreendida pela sociedade local. Basicamente contestavam o imperialismo estadunidense. Na Itália os movimentos estudantis, sob influencia dos grupos marxistas, não se contentaram em ocupar universidades. Em Roma, Nápoles, Milão, Turim entre outras se contestou o método pedagógico implantado. De picaretas e capacetes enfrentaram os neonazistas e buscaram aliança com os trabalhadores. Já na Alemanha Ocidental a Liga dos Estudantes Socialistas não tinha contato com a classe operária. Seu líder, Rudi Dutschke, inspirado em Rosa Luxemburgo, Che Guevara e Herbert Marcuse, criticou a burocratização do marxismo e a sociedade de consumo (KAUFER, Remi. O ano de todas as revoltas. Em História Viva, ano V, n. 54, p. 32). 

Estes movimentos se espalharam por toda a Europa, inclusive a Polônia e Inglaterra. Neste, o foco foi o protesto contra a Guerra do Vietnã, atingindo inclusive a London School of Economics com a interrupção de cursos, assembléias gerais e greves (KAUFER, Remi. O ano de todas as revoltas. Em História Viva, ano V, n. 54, p. 32).

Já na França, os jovens tomaram as ruas em maio de 1968. Era estranho que naquele país os movimentos de 1968 ainda não tinham começado. Sufocados por uma burocratização e repressão, começam a lutar pela liberdade e o direto de viver de uma forma diversa daquela pregada como ideal. Note-se que naqueles tempos a França vivia seus trinta anos gloriosos, com grande crescimento econômico entre 1945 e 1973. Aumentou-se por demais o poder de compra e o consumo, ambos impulsionados pelo rádio e pela televisão (ROTMAN, Patrick. A geração das barricadas. Em História Viva, ano V, n. 54, p. 34/5).

O movimento na França, na verdade, liderado por estudantes e trabalhadores em maio de 1968, tinha como motor as reivindicações existenciais. Milhares de pessoas questionavam seu ser, o que eram, o que poderiam e queriam fazer e como fazer. Qual era o verdadeiro sentido de suas vidas e até onde tinham o controle de seus destinos. Ao mesmo tempo, os guardiões dos bons costumes se mantinham extremamente fortes. Exemplo disso é que na França não se admitia ministros de Estado divorciados. Nas universidades separavam-se os rapazes das garotas, além da censura prévia a livros e publicações. (ROTMAN, Patrick. A geração das barricadas. Em História Viva, ano V, n. 54, p. 34/5).

Esta geração, conhecida como baby boom, em nada se parecia com seus pais, tanto na maneira de vestir-se como em seu comportamento. Queria mais liberdades, mais emancipação e mais autonomia. Rejeitavam também a luta entre uma superpotência ocidental e um pequeno país pobre e agrário da Ásia. Criticavam, portanto, os valores ocidentais como a corrida desenfreada pelo lucro e o consumo, denunciavam a alienação e a perda do livre arbítrio dos indivíduos frente a produção exagerada (ROTMAN, Patrick. A geração das barricadas. Em História Viva, ano V, n. 54, p. 36).

Maio de 1968, na França, foi um simulacro “de revolução que levou a reformas sociais a longo prazo. A mais importante delas foi na relação entre homens e mulheres, conquistada pelo movimento feminista nascido em 1970, cuja luta de certa maneira, iria subverter o esquerdismo político. [...] os pais passaram, pela primeira vez, a manter um verdadeiro dialogo com seus filhos. Uma relação de confiança mútua foi criada. A escola, por meio de novas experiências pedagógicas, também iria passar por mudanças profundas. Toda esta revolução cultural do pós-Maio de 68 pode ser definida em uma frase: ‘a sociedade francesa desabrochou’. Era o fim do pudor exagerado e entrava-se numa nova era marcada pelo surgimento da liberdade sexual” (ROTMAN, Patrick. A geração das barricadas. Em História Viva, ano V, n. 54, p. 38/9).

No Brasil, o ano de 1968 começa com o assassinato do estudante Edson Luis pela polícia em uma manifestação no Rio de Janeiro contra o fechamento do restaurante universitário. Reivindicavam a escola publica e gratuita, isso de início. A classe média, que em sua grande maioria, apoiou o Golpe Militar de 1964 estava, pela primeira vez, contra o regime e insatisfeita. As marchas e manifestações contra a ditadura tomaram corpo pelo país. Foram brutalmente caladas, com a edição do famoso e sangrento Ato Institucional número 5, de 13 de dezembro de 1968 (VALENTE, Rodrigo. A resistência dos estudantes. Em História Viva, ano V, n. 54, p. 44/7).

Ainda no Brasil, o grande legado deste movimento de 1968 foi a manutenção do ensino público e gratuito, frente a onda iminente de privatizações. As privatizações, contudo, ocorreram pelas beiradas, com a falta de investimentos no ensino público, que gerou o sucateamento vivido pela grande parte das escolas e universidades públicas. Muitos dos líderes destes movimentos estudantis se tornaram, com a redemocratização, líderes nacionais (VALENTE, Rodrigo. A resistência dos estudantes. Em História Viva, ano V, n. 54, p. 44/7).

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O que se ressalta, contudo, é que os movimentos de 1968 estavam intimamente relacionados com a busca de si, questões relativas à intimidade e liberdade de expressão, cátedra e escolha. Transformar a vida cotidiana das pessoas em algo mais contemplativo e menos mercantilista era o objetivo.

No campo político, 1968 mostra o fim da inocência. O poder político posto não está imune as reivindicações sociais. Ele não mais revela a vontade das maiorias, e as velhas estruturas ditas éticas e morais passam a ser questionadas de forma aberta. Enfim: expõem-se as entranhas do poder e do modo de vida e educação liberais burgueses vividos até a década de sessenta.

Se hoje a regra é o consumo sem freios ou limites, sem qualquer apego à moral e respeito à liberdade de escolha das pessoas, isso em razão também de uma economia globalizada, parece que 1968 em nada contribuiu para verdadeiras mudanças de conduta e cultura. A burguesia, ou melhor, o modo de viver burguês, como em 1968, se matem como cultura. O que fica, contudo, é o fato de que a sociedade não é ingênua ao ponto de tolerar qualquer enlatado vindo desta cultura. As tripas do poder (em sentido amplo) foram expostas em 1968. Estudantes e trabalhadores sabem disso e sabem como fazer. O ano de 1968 é um alerta a toda a elite, casta econômica e poder público.

Há uma rebelião pendente sim, a fim de alterar de vez as estruturas postas. A diferença é que há também desconfiança quanto aos poderes postos pelo Estado Liberal e suas estruturas. (VALLESPÍN, Fernando. De la rebelión al consumo. Em Foreign Policy – Edición española número 26, abril/maio de 2008, p. 28/32).

 Tem-se, portanto, hoje, a obrigação e o compromisso de mostrar-se que 1968 valeu a pena e que há sim um legado cultural e social deste fantástico e exemplar movimento de massa ocorrido há quarenta anos. Que se faça ter valido a pena. Cabe a cada um fazer mais que a sua parte.

Sobre o autor
Rafael da Silva Marques

Juiz do Trabalho titular da Quarta Vara do Trabalho de Caxias do Sul; Especialista em direito do trabalho, processo do trabalho e previdenciário pela Unisc;<br>Mestre em Direito pela Unisc; Doutor em Direito pela Universidade de Burgos (UBU), Espanha; Membro da Associação Juízes para a Democracia

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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