Novo contraditório, novo processo.

O neocontraditório.

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23/09/2015 às 20:45
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[1]  Para se identificar, portanto, o processo é fundamental a participação dos destinatários da decisão em contraditório paritário.  Isso não significa a mera participação dos sujeitos do processo, não é o dizer e o contra dizer, não se resume em discussão. O “contraditório é a igualdade de oportunidade no processo, é a igual oportunidade de igual tratamento, que se funda na liberdade de todos perante a lei”.

[2] A figura do juiz natural decorre do devido processo legal, assim como o contraditório e a ampla defesa.

A instituição do devido processo legal aos moldes atuais, remonta à publicação da Magna Charta Libertatum, imposta ao Reio João Sem Terra, na Inglaterra em 1215.

Firmou também o princípio do juiz natural o Bill of Rights, nos idos de 1688, quando vedou a criação de comissões destinadas a substituir a pessoa do juiz. A república francesa ainda sobre o calor da revolução estabeleceu com a organização judiciária de 1790 e seguida pela Constituição de 1791, que os cidadãos não poderiam ser subtraídos dos juízes que a lei lhes indicasse por nenhuma comissão nem por outras atribuições que as determinadas pelas leis.

[3] Brota a noção de contraditório em simétrica paridade, que vincula compulsoriamente o autor, o réu, o interveniente, o juiz, o representante do Ministério Público (quando necessário) e seus auxiliares a atuarem em “pé de igualdade”. Novamente visualiza-se um contraponto, a noção instrumental do processo, pois garante a dialética participação não só de autor e réu, tradicionais destinatários do ato, mas também, das demais pessoas envolvidas na atividade jurisdicional. Sob este enfoque, todos são partes, como bem observa Pellegrini.

[4] Sobre os processos arbitrais, Elaine Nassif oferece melhores esclarecimentos, na tradução realizada da obra “Instituições de Direito Processual” de Elio Fazzalari, assim abordado. As ‘arbitragens’ são sequências de atividades por meio das quais se realiza uma espécie de justiça civil privada, isto é, a resolução de controvérsias por obra de um privado em vez de por um juiz. Por isso o seu exame é igual ao dos processos jurisdicionais. [...] As arbitragens são processo, porque deles participam os destinatários dos efeitos do laudo (a pronúncia com que cada uma de tais sequências termina), em pé de simétrica paridade: à qual corresponde a imparcialidade do árbitro.

[5] Com urgência, na perspectiva do Estado Democrático de Direito, é preciso recuperar o devido processo legal e, especialmente o princípio do contraditório. Assim, as partes poderão, através deste princípio, trazer ao processo [administrativo disciplinar] todas as suas alegações de modo democrático eis que, a democracia não é somente o “governo do povo”, mas essencialmente a [garantia da] participação popular nas deliberações do Estado.

[6] Dierle José Coelho Nunes, em sintonia de sentido, entende que a “metodologia normativa do processo constitucional” é que permite ao cidadão assumir a “função de autor-destinatário” dos provimentos cujos efeitos sofrerá. Na mesma linha de reflexão democrática está André Del Negri, para quem devido processo constitucional é instituição regente de qualquer tipo de procedimento, e representa, no processo legislativo, um direito-garantia do cidadão a uma produção democrática do direito, “em consonância com o eixo-teórico-discursivo atual (Direito democrático)”,

[7]paridade de armas proposta por Ihering evoluiu, na teoria de Fazzalari, para o contraditório, garantidor de participação em simétrica paridade no processo, dos sujeitos a quem se destinam os efeitos da sentença. São sujeitos processuais todos os atores envolvidos no processo, cabendo à figura do juiz o papel de um terceirodesinteressado, a quem compete a titularidade dos provimentos a serem emanados, e a responsabilidade de assegurar o contraditório como princípio jurídico, além das atribuições previstas em lei. Não se limitará o juiz a uma postura estática, porque assim não espera a sociedade, preconiza José Calos Barbosa Moreira, colacionado na obra de Aroldo Plínio Gonçalves. O juiz não é um contraditor, porque não tem interesse a ser disputado com as partes. “O contraditório se passa entre as partes porque importa no jogo de seus interesses em direções contrárias, em divergência de pretensões sobre o futuro provimento que o iter procedimental prepara”.

[8] Simplicidade e genialidade foram os dois adjetivos atribuídos pela doutrinadora Ada Pellegrini Grinover para a obra de Elio Fazzalari, que lecionou na Universidade de Perugia até 1964, na de Pisa até 1972, e na Universidade de Roma La Sapienza, quando desta se deligou em outubro de 200, sendo agraciado com o título de Professor Emérito.

[9] O contraditório, então, não será apenas o dizer e contradizer no processo, mas sim oportunidade igual às partes de atuação no processo, por meio de igual oportunidade de tratamento, como forma de garantia da liberdade de todos perante a lei. Essa é a essência do contraditório “enquanto garantia de simétrica paridade de participação no processo”, na teoria do processo como procedimento em contraditório, organizada por Elio Fazzalari.

[10] Contudo, as lições de Fazzalari não se encerram na noção de processo como procedimento em contraditório. Traz a baila o conceito de norma como um cânone de valoração de uma conduta, entendida como alguma coisa de aprovável, de preferível em determinada cultura. Assim, a exposição deste panorama permite afastar a nefasta proposta de Kelsen que concentrou o estudo da juridicidade no ilícito, para quem o processo traduz um ilícito. Para Fazzalari, portanto, o processo deve ser compreendido e praticado como uma garantia, logo, quando se inicia um processo não se exercita um ilícito, ao reverso, se pratica um direito constitucionalmente assegurado.

[11] Acrescente-se, que, na proposta de Fazzalari, a exteriorização do princípio do contraditório se opera em dois momentos, conforme atesta Alexandre Morais da Rosa. Inicialmente, com a informazione, se estabelece o dever de informação a fim de que possam ser exercidas as posições jurídicas em face das normas processuais e, em seguida, num segundo momento, a reazione, revelada pela possibilidade de movimento processual, sem se constituir, todavia, em obrigação

[12] Pela teoria discursiva é proposto um novo conceito de democracia que supera as concepções esgotadas e insuficientes do modo liberal-republicano. É a democracia deliberativa procedimental, proveniente de uma sociedade multicultural e racionalista que nega o individualismo exacerbado e a metafísica dos costumes. Júlio Cesar Marcellino Junior atesta que Habermas, por sua vez, entende que “um paradigma jurídico é deduzido, em primeira linha, das decisões exemplares da justiça, sendo geralmente confundido com a imagem implícita que os juízes formam da sociedade”.

[13] São consideradas posições subjetivas primárias: a faculdade, o poder e o dever. O direito subjetivo é uma posição de vantagem que um sujeito possuem em face de um bem descrito na norma jurídica. O conceito de direito subjetivo extraído a partir da posição de vantagem que um sujeito possui em face da norma.

[14] O estudo de Chiovenda sobre o processo começa com a demonstração de alguns conceitos imprescindíveis, como o de direito subjetivo. Para o italiano, o direito objetivo é a lei, em sentido lato, ou seja, a manifestação da vontade coletiva geral.

Fundando-se, com efeito, na vontade da lei, o sujeito jurídico pode aspirar à consecução ou à conservação daqueles bens, inclusive por meio de coação. Constitui tal aspiração o denominado - direito subjetivo, que se pode, portanto, assim definir, a expectativa de um bem da vida garantida pela vontade da lei. Assim a ideia do direito subjetivo, verificamos que se resolve numa vontade concreta da lei.

 A superação da teoria do processo como relação jurídica, fundada em um vínculo de sujeição entre as partes, de supra-ordenação, demanda uma reflexão a respeito dos demais institutos estruturantes da teoria do processo.

[15] Nessa linha, Lênio Luiz Streck observa em Habermas a propositura de um modelo de democracia constitucional que não se fundamenta nem em valores compartilhados, como a ideia da jurisprudência de valores, nem em conteúdos substantivos, “mas em procedimentos que asseguram a formação democrática da opinião e da vontade”

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[16] O mapeamento conceitual desenvolvido por Élio Fazzalari revela a incompatibilidade de sua teoria com a noção difundida por Dinamarco — e remanescentes da Escola Processualista de São Paulo —, de processo como instrumento da jurisdição, sobretudo, em razão da abertura democrática proporcionada pela atuação e influência das partes afetadas e interessadas, na elaboração do provimento final, antes somente a cargo do entendimento íntimo do julgador, desvinculado da construção processual erigida pelas partes.

[17] No Brasil, a incidência do princípio do contraditório no processo, inclusive, administrativo disciplinar, É garantido pela Constituição de 1988, está previsto como Direito Fundamental no art. 5º, LV. Assim, enquanto Direito Fundamental, segundo Ferrajoli configura-se o princípio do contraditório como vínculo substancial imposto à democracia política: vínculo positivo que nenhuma maioria pode deixar de satisfazer; e, vínculo negativo que impede a violação por qualquer maioria.

[18] Nestes termos, o princípio do contraditório não deve ser oportunizado em um único momento singular; ou melhor, o princípio do contraditório não é garantia que se esgote no cumprimento de um único ato. Ele requer toda uma série de manifestações e uma série de normas disciplinadoras, em conexão entre si, de forma a reger a sequência de seu desenvolvimento. Sem maiores rodeios, o princípio do contraditório importa a condução dialética do processo, haja vista, que compreende o acesso a qualquer informação necessária à defesa, bem como a condição de reação [facultativa] das partes.

[19] A doutrina italiana defende que a defesa substancial compreende a equação: defesa = contraditório, contraditório = participação, participação = audiência preventiva sobre elemento relevante para decisão. (Cf. ANDOLINA, VIGNERA, 1990, p 173). Propondo uma nova compreensão e justificação dos referidos princípios no modelo constitucional italiano, ressaltam os autores Andolina e Vignera, que o art. 3º da Constituição Italiana por si só é suficiente para fundamentar o contraditório como um princípio constitucional.

[20] O princípio da ampla defesa na teoria neo-institucionalista do processo é que vai permitir defesas não só em face de defeitos procedimentais ou contra o mérito, mas numa concepção expansiva da negação ou afirmação de constitucionalidade dos atos e conteúdos jurídicos das pretensões e de sua procedimentalidade formal. Ampla defesa é nessa concepção o direito processualmente garantido a um espaço procedimental cognitivo à construção de fundamentos obtidos dos argumentos jurídicos advindos das liberdades isonômicas exercidas em contraditório na preparação das decisões.

[21] O estudo da estrutura do procedimento que é uma das formas possíveis, posto que seja uma sequência de normas, atos e posições subjetivas.

A primeira norma e a conduta dela decorrente ligam-se à segunda como um pressuposto ou como sua fattispecie. Büllow e seus sucessores realizaram a separação entre os conceitos de processo e procedimento, assim se absorvia o processo no procedimento, como simples sequência de atos, e construir uma distinção baseada no critério teleológico. Assim, se distingue o processo por seu fim, sendo o instrumento pelo qual a jurisdição é operada, sendo mera sucessão lógica de atos, desvestido de qualquer finalidade. Atuou Fazzalari no sentido de excluir o critério teleológico, buscou em um critério lógico de inclusão, definir o que seja processo e que seja procedimento,

[22] Assim, tomando estes dois conceitos como base – direito de ação e contraditório –, a ampla defesa será compreendida como garantia das partes de amplamente argumentarem, ou seja, as partes além de participarem da construção da decisão (contraditório), têm direito de formularem todos os argumentos possíveis para a formação da decisão, sejam estes de qualquer matiz. Isto, pois a recorrente afirmação da distinção entre argumentos de fato e de direito, aqui estão compreendidos como indissociáveis.  Assim, a ampla argumentação garante como consequência lógica a possibilidade de ampla produção de prova para a reconstrução do fato e circunstâncias relevantes para o processo.

[23] A superação da teoria do processo como relação jurídica, fundada em um vínculo de sujeição entre as partes, de supra-ordenação, demanda uma reflexão a respeito dos demais institutos estruturantes da teoria do processo.

Já a adoção da teoria do processo como procedimento em contraditório se funda na adoção do paradigma do Estado Democrático de Direito, mas ela deve ser compreendida a partir deste marco definidor e da compreensão do modelo constitucional do processo.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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