INTRODUÇÃO
Na história da humanidade, o instituto da responsabilidade civil sempre esteve presente. Isso porque, ações e omissões ao longo desse tempo foram praticadas por parte das pessoas, que de alguma forma ocasionaram dano a outrem, surgindo, a necessidade de indenizar.
O presente trabalho analisará a responsabilidade civil dos transportadores no sistema jurídico brasileiro. Por conta da grande variedade de normas a que estão submetidos os contratos de transportes, e às diferentes modalidades de transporte, esse trabalho limitará seu foco ao transporte realizado dentro do território brasileiro pela via terrestre, aérea e marítima.
Atualmente, diante o avanço tecnológico e socioeconômico, observamos a extrema necessidade de promover, cada vez mais, o deslocamento de mercadorias, pessoas e coisas da forma mais adequada, rápida e eficiente possível. Diante dessa nova realidade, regem-se, no Código Civil de 2002, os contratos de transportes, em seus artigos de 730 a 756.
Devido esse fluxo de pessoas, mercadorias e coisas nas grandes cidades, o serviço de transporte acarreta a ocorrência da responsabilidade civil objetiva, de forma que há, quando imperfeito ou falho, a caracterização de culpa na configuração do ato ilícito, e, dessa forma, surge o dever da indenização para as vítimas.
Analisaremos, diante da pesquisa jurisprudencial prévia, a responsabilidade civil da transportadora no caso prático. Além disso, traremos o posicionamento majoritário atual sobre o tema.
ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL
IV Jornada de Direito Civil
ENUNCIADO 369 - Diante do preceito constante no art. 732 do Código Civil, teleologicamente e em uma visão constitucional de unidade do sistema, quando o contrato de transporte constituir uma relação de consumo, aplicam-se as normas do Código de Defesa do Consumidor que forem mais benéficas a este.
VI Jornada de Direito Civil
ENUNCIADO 559 – Observado o Enunciado 369 do CJF, no transporte aéreo, nacional e internacional, a responsabilidade do transportador em relação aos passageiros gratuitos, que viajarem por cortesia, é objetiva, devendo atender à integral reparação de danos patrimoniais e extrapatrimoniais.
EMENTA DO ACÓRDÃO
(Páginas 11 a 21 do arquivo PDF unificado)
“dano moral – ATRASO DE VOO E EXTRAVIO DE BAGAGEM CONFIGURAÇÃO - Pretensão da empresa ré de reformar sentença que julgou procedente pedido de indenização pelo dano moral sofrido pelo autor – Descabimento - Hipótese em que a empresa aérea limitou-se a imputar a culpa pelo ocorrido ao autor, sem carrear aos autos do processo prova alguma da regularidade ou do zelo nos serviços prestados - Responsabilidade objetiva da empresa aérea (art. 14, CDC), a qual não se desincumbiu do ônus da prova que lhe cabia sobre a regularidade dos seus serviços - Má prestação do serviço pela empresa que gerou grande atraso ao autor, perda de compromissos inadiáveis e extravio da sua bagagem - Precedentes do STJ - RECURSO DESPROVIDO.
DANO MORAL - Responsabilidade civil - Valor da indenização - Pretensão da empresa ré de diminuir o valor da indenização, fixada pelo juiz singular em R$ 10.000,00 - Descabimento - Hipótese em que, diante das circunstâncias do caso concreto e das partes nele envolvidas, o valor fixado a título de indenização mostra-se adequado para compensar o sofrimento e transtorno experimentados pelo autor - RECURSO DESPROVIDO.
DANO MATERIAL – Caracterização - Pretensão da empresa ré de reforma da sentença que julgou procedente pedido de indenização por danos materiais – Descabimento - Hipótese em que ficaram comprovados os danos materiais suportados pelo autor, os quais devem ser ressarcidos, nos termos como fixados em primeiro grau - RECURSO DESPROVIDO.”
COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO
O acórdão base para o presente comentário é oriundo da 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Trata-se de apelação interposta por TAM Linhas Aéreas S/A para ver reformada a sentença proferida em demanda ajuizada por Givaldo Veloso dos Santos, a qual julgou procedente o pedido de indenização por dano moral e material sofridos pelo autor.
A demanda baseia-se no pedido do autor de indenização por danos morais e materiais sofridos em decorrência da perda de voo em razão de uma falha na prestação de informação pela empresa aérea no Aeroporto de Guarulhos, o que lhe ocasionou grande atraso, perda de compromissos inadiáveis, gastos adicionais e extravio de sua bagagem.
A empresa apelante, irresignada com a sentença procedente, argumenta que a condenação é indevida, pois o autor não se apresentou ao portão de embarque, não comprovou abalo financeiro ao seu patrimônio, não provou os fatos constitutivos de seu direito ou qualquer situação que pudesse ensejar a indenização por dano de ordem moral que atingisse a sua honra, imagem, reputação ou qualquer outro bem moral.
Os membros da Câmara julgadora, por unanimidade, negaram provimento ao recurso e mantiveram a decisão do juízo a quo. O argumento utilizado pelos julgadores, utilizando precedente do STJ, é que a responsabilidade civil da empresa aérea é objetiva e regulada pelo Código de Defesa do Consumidor (“CDC”).
Entenderam os desembargadores que se deve aplicar ao caso em exame a previsão contida no artigo 14 do CDC, o qual, em seu caput, determina que “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”.
Nessa toada, para demonstrar que nesse tipo de relação jurídica, em que estão envolvidos entes com capacidades técnico-financeiras tão distintas, deve ser garantido o princípio consumerista da segurança, serviram-se os julgadores da lição de Sergio Cavalieri Filho:
“Na verdade, como fornecedor de serviço o transportador responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. E o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar (art. 14, § 1º). Eis aí o princípio da segurança no qual se estrutura todo o sistema de responsabilidade civil nas relações de consumo.
Depreende-se do disposto no art. 14 do CDC que o fato gerador da responsabilidade do transportador não é mais a relação jurídica contratual, mas, o defeito do serviço , que se caracteriza quando este não oferece a segurança legitimamente esperada”. (in “Programa de direito do consumidor”. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 256).
Além disso, entenderam que, pela ótica do direito consumerista, não tem lógica o argumento da apelante, maior empresa aérea do país, de que cabe ao autor, o consumidor, a incumbência do ônus da prova. Ressaltou-se no julgado a clara situação de vulnerabilidade do consumidor, da qual decorre a sua hipossuficiência técnica, pois a empresa aérea é quem detém o domínio da informação. Para ilustrar tal argumento, o voto da relatora ainda trouxe a citação da obra “A inversão do ônus da prova”, de Sandra Aparecida de Sá dos Santos, na qual fica evidenciado que na relação consumerista, a prova deve caber “àquele que, em regra, tem domínio e acesso às informações imprescindíveis à solução da lide”.
Ficou consignado, portanto, que o atraso no voo e os danos decorrentes desse fato, são de responsabilidade da empresa aérea, sendo esta também responsável pelo dever de indenizar moral e materialmente, uma vez que o ônus de provar que as alegações do apelado eram inverídicas lhe incumbia.
Quanto ao dano moral, fixado pela sentença e mantido pelo acórdão em dez mil reais, a Câmara entende que é aquele experimentado na alma, no espírito, atingindo valores morais como a paz, a tranquilidade e a reputação, e nele não há reparação de prejuízo, mas uma compensação pelo prejuízo experimentado pelo indivíduo. Ainda, utilizando os ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa, caracterizaram o dano moral como aquele em que “não há necessidade de se comprovar intensa dor física: o desconforto anormal, que ocasiona transtornos à vida do individuo, por vezes, configura um dano indenizável, como, por exemplo, o atraso ou cancelamento de um voo”.
No que concerne ao dano material, todas as despesas com novas passagens, hotel, etc., foram devidamente comprovadas pelo apelado e, portanto, necessária se faz a reparação dos prejuízos.
CONCLUSÃO
O trabalho aqui apresentado, teve como base pesquisa de decisões acerca da responsabilidade civil do transportador de passageiros em dez tribunais diferentes no país, visando entender se as decisões mudariam conforme a região, ou se há um entendimento uniforme no país sobre o assunto discutido.
A partir da pesquisa realizada, de jurisprudências dos seguintes Tribunais: Superior Tribunal de Justiça, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina observa-se que as decisões destacadas são unanimemente a favor do consumidor e implicando responsabilidade civil objetiva ao transportador, que muitas das vezes deve ressarcir o consumidor inclusive com danos morais.
Fica claro o posicionamento do judiciário de que o transportador responde pelos danos causados ao seu passageiro e deve arcar materialmente e moralmente com esses danos, uma vez que se visto pela ótica do Direito do Consumidor, observa-se que o passageiro é a parte hipossuficiente; pela ótica contratual civilista, há quebra unilateral do que foi contratado e; em termos de responsabilidade civil, ela é objetiva, pois independente de culpa, há o dever de reparar o dano.
A partir do exposto, portanto, o grupo posiciona-se favoravelmente ao entendimento majoritário jurisprudencial, defendendo que as empresas transportadoras devem zelar pelos serviços prestados, responsabilizando-se por qualquer dano que venham a causar, inclusive por aqueles de cunho moral.