O bebê medicamento no sistema jurídico brasileiro

Resumo:


  • A técnica do bebê medicamento é uma alternativa legítima para tratar doenças graves em irmãos, utilizando material genético do cordão umbilical do recém-nascido para curar o irmão doente.

  • Esta técnica não causa danos ao bebê medicamento, uma vez que apenas é utilizado material orgânico após o nascimento, não afetando sua vida normal.

  • A legalização do bebê medicamento traz benefícios como o nascimento saudável, evitando a transmissão de genes associados a doenças e possibilitando a cura de enfermidades graves em membros da família.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo trata dos aspectos jurídicos envolvendo o bebê medicamento nos dias atuais.

1. Bebê Medicamento

O bebê medicamento, chamado de “savior sibling” nos Estados Unidos da América, é aquele que nasce com particularidades genéticas escolhidas com a finalidade de tratar um irmão ou irmã portador(a) de doença grave.

Algumas doenças, tais como a leucemia, exigem a realização de transplante de medula óssea como parte do tratamento. Ocorre que tal procedimento exige um doador com imunidade compatível ao do receptor, desta forma, a melhor opção geralmente vem de um membro da família, mais especificamente um irmão.

Frise-se que irmãos possuem ¼ (um quarto) de chance de compatibilidade para o procedimento de transplante de medula óssea devido a herança genética dos genes HLA (Human Leukocyte Antigens) – os responsáveis pela rejeição de órgãos e tecidos em casos de transplante e essenciais no desenvolvimento de doenças auto-imunes.

Desta forma, hoje, em alguns países, é lícita a técnica do diagnóstico genético pré implantacional, que permite que pais que estejam dispostos tenham um outro filho que possa salvar o seu filho doente.

A técnica do diagnóstico genético pré implantacional envolve a fertilização in vitro, aonde há a indução do óvulo para estimular o desenvolvimento e amadurecimento dos ovócitos, o recolhimento dos mesmos e a coleta de esperma. Assim, recolhidos os gametas, prossegue-se com a fertilização dos ovócitos em um meio que simula as trompas de falópio.

Ademais, aproximadamente três dias após a fertilização, é necessário que sejam realizados testes genéticos no que concerne os genes HLA dos embriões. Destarte, os que forem compatíveis ao do irmão receptor serão implantados na mãe.

Quando a criança nasce, sangue do cordão umbilical é coletado e transplantado ao irmão doente para substituir a medula óssea – que não está funcionando da maneira adequada.

No ponto, insta salientar que o bebê medicamento, em nenhum momento, é machucado.

Cumpre destacar, ainda, que não existem estatísticas no que diz respeito a quantidade atual de bebês medicamentos, entretanto, alguns casos que ganharam destaque na mídia, como o de Umut Talha (que significa "Nossa Esperança"), o primeiro bebê medicamento nascido na França.

Na França, o procedimento que envolve o nascimento do bebê medicamento surgiu em 2004, contudo, foi apenas em janeiro de 2011, em uma família turca com um filho afetado pela chamada anemia do Mediterrâneo, que nasceu o primeiro savior sibling naquele país.

A anemia do Mediterrâneo é uma doença genética caracterizada pela produção inadequada de hemoglobina, que é a substância que transporta o oxigênio para todo o corpo. Sua forma mais grave é denominada talassemia.

No caso citado, o professor René Frydman e sua equipe foram responsáveis pela realização de testes, aonde foi certificado que o bebê que viria a nascer seria de fato um doar compatível com o seu irmão doente.

Após o nascimento do bebê medicamento, seu cordão umbilical foi conservado, visto que o tecido sanguíneo seria utilizado para fins de transplante.

Ressalta-se que a primeira experiência desse tipo aconteceu há mais de dez anos nos Estados Unidos. Além disso, países como o Reino Unido, Bélgica e Espanha também foram palco de nascimentos bem-sucedidos.

2. O Diagnóstico Genético Pré-Implantacional (DGPI) e o Bebê Medicamento - Escolha do Perfil Genético para Utilização de Células Tronco para o Tratamento de um Irmão Doente.

2.1. Histórico

A ideia do diagnóstico genético pré-implantacional (DGPI) é anterior ao nascimento do primeiro bebê de proveta, Louise Brown, nascida há 36 anos (25/07/1978, em Oldham, Inglaterra). Contudo, o DGPI só se tornou possível após a introdução da fertilização in vitro (FIV).

Com efeito, os primeiros casos de DPGI foram criados or Handyside e Verlinky, em 1990. De acordo com o relatório de DGPI apresentado por Fernando J. Regateiro ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) em 2007, “estes autores colheram blastômerospara identificação do sexo cromossômico em embriões com risco para doença hereditária ligada ao cromossomo X. Posteriormente, procederam, com sucesso, à sua implantação “in utero”. O trabalho destes autores apoiou-se no desenvolvimento prévio das técnicas de fecundação “in vitro” e de micromanipulação que permitiram extrair blastômeros do embrião e nos avanços metodológicos dos estudos de Genética Molecular. Em 1992, o mesmo grupo possibilitou o nascimento de uma menina sem a doença, após fecundação “in vitro” e DGPI num caso de risco para fibrose quística (Handyside et al, 1992).

2.2. Conceito

O DGPI pode ser definido como um diagnóstico feito em embriões, com o intuito de evitar que os filhos dos casais que recorrem a esta técnica tenham doenças hereditárias ao nascer, devido ao risco de ser gerado, pelos pais, um embrião com alterações genéticas.

Em outras palavras, é um método de diagnóstico pré-natal utilizado em técnicas de reprodução medicamente assistida e que visa prevenir a transferência de embriões portadores de graves doenças gênicas, devido ao risco que os pais tem de transmitir doença aos filhos.

Esta técnica pode evitar a implantação de embriões com anomalias genéticas que podem vir a determinar a interrupção da gravidez na fase fetal.

2.3. Procedimento

Como dito, o DGPI implica a fertilização in vitro, e o procedimento consiste na obtenção de gametas masculino e feminino, após o qual haverá a fecundação dos ovócitos in vitro, seguido do desenvolvimento e coleta do embrião.

Na maior parte dos casos, realiza-se a biópsia embrionária. Por este procedimento, se retira e analisa o material genético de uma ou duas células do embrião (blastômero), aproximadamente em seu terceiro dia de vida, quando este apresenta em torno de oito células.

Nessa fase, todas as células do embrião são idênticas. Assim, a ausência de uma ou duas não interfere no futuro processo de diferenciação celular e, consequentemente, não altera em nada o desenvolvimento do embrião. Interessante observar que o sistema nervoso não está formado, razão pela qual não há dor no procedimento.

Vale ressaltar que, pela biópsia, uma ou duas células são removidas e utilizadas para o diagnóstico. Como dito, este procedimento não prejudica o embrião, pois todas as células são idênticas, não havendo influência no processo de diferenciação celular, e, consequentemente, em seu desenvolvimento.

Esta técnica permite analisar melhor a saúde dos embriões produzidos in vitro ao identificar quais são os embriões sem alterações cromossômicas antes da transferência destes para o útero materno.

Importante observar que este procedimento pode, inclusive, ser utilizado pelos pais portadores de doenças genéticas que querem evitar que os filhos nasçam com a mesma alteração que possuem. Desta forma, possibilita o aumento da taxa de implantação, redução da taxa de abortamento e maior chance de nascimento de crianças saudáveis.

Por fim, uma vez constatado que o embrião é normal para os cromossomos analisados, tem início a gravidez. Esta, contudo, pode não ocorrer caso os oócitos não fertilizem ou caso seja necessário cancelar o tratamento se a mulher não corresponder bem aos medicamentos.

Após a biópsia e diagnóstico, algumas vezes, todos os embriões podem ser diagnosticados como afetados, e nesse caso, não terá nenhum embrião viável para transferência.

Um problema de diagnóstico ocorre quando o embrião não possui a mesma constituição cromossômica em todas as células (mosaicismo cromossômico), e então a célula objeto da biópsia pode não refletir o verdadeiro genótipo do embrião. O risco é muito baixo, mas para reduzir ainda mais esse risco, as empresas tentam analisar duas células do embrião.

2.4. Indicações

De acordo com o relatório de DGPI apresentado por Fernando J. Regateiro, “no caso particular do DGPI, a sua utilização tem como objectivo primordial, em famílias onde já se conhece uma mutação, identificar qual ou quais os embriões que herdaram a mutação em causa, por casal que inclua um membro da família. Este tipo de diagnóstico genético destina-se a situações com elevada gravidade potencial para o feto e ente nascido, quer tenham expressão precoce ou tardia, por risco de transmissão hereditária de anomalias génicas (de natureza autossómica dominante, autossómica recessiva e recessiva ligada ao cromossoma X) ou anomalias cromossómicas estruturais (v.g., translocações equilibradas de um dos progenitores).

Assim, o procedimento do DGPI é indicado, principalmente, para:

a) Casais com risco de transmitir alterações cromossômicas ou doenças monogênicas;

b) Casais com história clínica de aborto recorrente;

c) Fracasso de implantação após várias tentativas de fertilização in vitro (FIV);

d) Alterações da meiose dos espermatozoides;

e) Mulheres em idade avançada (costuma-se dizer maior de 35 anos); e

f) o estudo de embriões obtidos de casais em que um dos membros seja portador de uma alteração cromossômica estrutural equilibrada.

2.5.Vantagens

Muitas são as vantagens para quem adota referido procedimento. A primeira, e mais evidente, é a identificação de anomalias, visando prevenir a transferência de embriões que estão destinados a não implantação ou ao aborto espontâneo.

Não obstante, a DGPI também diminui a taxa de gravidez trissômicas. Dados do relatório revelam que a taxa na população geral é de 2,7%, enquanto que diminui para 1,3% nos casos submetidos ao DGPI.

Outrossim, aumenta taxa de implantação e diminui taxa de abortos espontâneos.

Tal método é capaz de identificar doenças ligadas ao sexo, cromossomos, ou mesmo doenças genéticas nos embriões disponíveis, permitindo com que somente aqueles que se apresentem saudáveis se desenvolvam, posteriormente, no útero materno.

O DGPI, dessa forma, se apresenta como uma excelente alternativa, por exemplo, em caso de parceiros que possuem incidência comum de doenças específicas em suas famílias, como câncer, hemofilia e anemia falciforme. Outras doenças que podem ser identificadas por esse método são a acondroplasia, talassemia, atrofia muscular espinhal, distrofia muscular progressiva de Duchenne e de Becker, fibrose cística, doença de Huntington, síndrome do X frágil, síndrome de Down, dentre outras.

De acordo com o artigo “Diagnóstico genético pré-implantacional: prevenção, tratamento de doenças genéticas e aspectos ético-legais”, publicado por Marcela Custodio Mendese Ana Paula Pimentel Costa, na Revista de Ciências Médicas e Biológicas, e 2010, “a técnica de DGPI é bastante atrativa, pois é menos invasiva quando comparada com algumas técnicas tradicionais de diagnóstico pré-natal, como a amniocentese (retirada de células do líquido amniótico), a cordocentese (retirada de células do cordão umbilical) e a retirada de amostras de células das vilosidades coriônicas. Além disso, não é necessária a manutenção da gravidez para que seja realizado o diagnóstico”.

Por fim, um argumento favorável à utilização dessa técnica seria o de que executar tal procedimento é melhor do que os pais cometerem o aborto, abandonar a futura criança, ou mesmo tratá-la com rispidez, sendo também um procedimento mais simples e seguro, se comparado à amniocentese e a biópsia de vilosidade coriônica: exames do pré-natal clássico que, dentre outras questões, podem provocar aborto espontâneo.

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2.6. Desvantagens

Apesar das enormes vantagens e benefícios que o procedimento tem, há desvantagens que merecem ser mencionadas.

Assim, temos o número de embriões viáveis para a transferência, que é reduzido; embora a maioria das aneuploidias seja de origem materna, a biópsia do corpúsculo polar não consegue detectar a aneuploidia paterna ou outras anomalias que ocorrem durante ou após a fertilização, tais como poliploidia, haploidia e o mosaicismo; o perigo de caminharmos para a eugenia, formando uma sociedade de “pessoas perfeitas” e, por fim, o possível desequilíbrio populacional de nossa espécie, considerando as inúmeras culturas que preferem filhos homens a mulheres.

Cumpre ressaltar que, diante das vantagens e desvantagens, uma característica é peculiar: a escolha de crianças com perfil genético específico, com a finalidade de utilizar suas células-tronco para o tratamento de um irmão doente (bebês medicamento).

2.7. Uso do DGPI na Terapia Gênica

Trata-se da aplicação do DGPI associado ao genótipo dos genes codificadores das proteínas componentes do antígeno leucocitário humano (HLA), permitindo aos pacientes que precisam de transplante de células-tronco encontrar doadores compatíveis.

Esta técnica foi utilizada pela primeira vez em 2001, reportada por YuriVerlinsky, sendo que O DGPI foi realizado em blastômeros retirados dos embriões após o terceiro dia de clivagem. Depois de realizados os procedimentos biológicos, químicos e médicos, e após o nascimento da criança, foram coletadas células-tronco de seu cordão umbilical, que foram transplantadas para a irmã doente.

Com efeito, segundo Marcela Custodio Mendes e Ana Paula Pimentel Costa no trabalho supracitado, “estes embriões tem seu HLA genotipado com o objetivo de encontrar aqueles totalmente compatíveis com o irmão doente. Deste modo, após o nascimento podem ser doadores. Essas crianças são conhecidas como 'irmãos salvadores'.”

No Brasil, este procedimento foi realizado, pela primeira vez, em 2012, por Figueira e colaboradores. “O objetivo era obter células-tronco para transplante em uma menina de 5 anos para tratamento de beta-talassemia. Neste caso, 10 embriões foram analisados, dos quais dois saudáveis e HLA-compatíveis com a criança doente foram implantados e um resultou em gravidez”.

Após o nascimento da criança, foram coletadas células-tronco de seu cordão umbilical. Estas células foram congeladas para serem transplantadas. Após, foi realizado o transplante de células-tronco do cordão umbilical e células da medula óssea. A medula óssea da irmã mais velha começou a produzir células saudáveis e ela foi considerada curada da doença que a acometia, beta-talassemia.

Devido ao êxito do procedimento, o mesmo tem sido reproduzido por outros cientistas e médicos, permitindo que outras doenças possam ser tratadas a partir do uso do DGPI, dentre os quais S.S. Grewal, em 2004, que também utilizaram o DGPI para seleção de embriões saudáveis e HLA-compatíveis para o tratamento de uma criança de 6 anos com anemia de Fanconi e mielodisplasia.

2.8. Aspectos Jurídicos e Éticos da DGPI

A regulamentação do DGPI varia de país para país, devido às técnicas e procedimentos realizados.

No Brasil, o diagnóstico genético pré-implantacional só é permitido para casos em que há o risco de serem manifestadas doenças raras, graves e que podem ser fatais ou, no mínimo, debilitadoras. A resolução CFM nº 1.358/92 é a que contempla essa questão.

De acordo com a Resolução, é permitido a utilização de DGPI para a obtenção de células-tronco. Contudo, a escolha de sexo, que não seja para fins de detecção de doenças genéticas, é proibida. Esta falta de regulamentação própria esbarra em aspectos éticos relevantes sobre a matéria.

Em primeiro lugar, podemos citar o fato das decisões serem tomadas única e exclusivamente sobre o ponto de vista médico, sem levar em consideração outros aspectos tão relevantes quanto a medicina.

Segundo, como descrito nas desvantagens, a possibilidade – e ideia – de criar os “seres perfeitos”, escolhendo as características de cada ser humano, incluindo sexo, cor dos olhos, cabelos, etc.

Não obstante, é interessante observar, como cientistas fizeram, a exemplo de Grewal e A. Kuliev, se os pais terão o mesmo cuidado com a criança gerada apenas para salvar outra já existente, havendo o risco da nova ser menos amada do que a primeira.

Diante de todo o exposto, o DGPI é uma técnica relevante e importante no atual cenário da medicina, tendo aplicação, inclusive, para salvar vidas de crianças, por meio das células-tronco. Sua ideia está bem difundida, no Brasil e no Mundo.

Contudo, é importante observar que este procedimento padece de regulamentação e esbarra em preceitos éticos importantes, razão pela qual sua aplicação deve ser feita com precaução, pois ainda são necessários estudos para a sua total compreensão.

3. Instrumentalização da criança e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança 

Aos 08 de fevereiro de 2011, 10 bispos, na França concluíram durante Conferência Episcopal Francesa que “gerar um filho para ser usado – ainda que seja para um tratamento – é não respeitar sua dignidade”.

O trabalho a respeito do tema começou após notícia do nascimento do primeiro bebê medicamento na França, em 26 de janeiro de 2011. Conforme já exposto, trata-se de uma criança geneticamente selecionada entre muitos embriões, cujas células-tronco, coletadas do cordão umbilical no nascimento, deveriam permitir curar um irmão mais velho, que sofre de uma doença genética grave.

Os bispos, dentre eles Dom Pierre d'Ornellas, afirmam que reconhecem o sofrimento dos pais e o esforço realizado para salvarem um filho que está acometido a doença grave.

Entretanto, asseveram categoricamente que não é digno do homem legalizar o uso de um ser humano mais vulnerável, que sequer tem discernimento e capacidade para tomar decisões, para curar outro.

Nesse sentido, os bispos citam a Convenção Internacional dizendo ser perigoso para uma sociedade não respeitar o interesse primordial da criança.

A Convenção Internacional dos Direito da Criança é o instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal. Aos 20 de novembro de 1989 a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a convenção como sendo a Carta Magna de todas as crianças do mundo e no ano seguinte foi oficializada como lei internacional. Referida Convenção foi ratificada por 193 países do mundo todo.

A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, em seu artigo 6º, afirma que os Estados partes reconhecem que toda criança tem o direito à vida.

Cada criança tem o direito de nascer pelo que ela mesma representa, ou seja, ser acolhida e amada em razão de sua própria existência.

Ocorre que não se pode negar e deixar de ressaltar que o bebê medicamento represente grande avanço na medica. Por ser da mesma família e possuir as mesmas origens genéticas, possui células-tronco compatíveis com o primogênito. Diante da sua finalidade específica em salvar a vítima de seu irmão, o futuro bebê medicamente, nessa fase ainda embrião, deve ser gerado in vitro, para que possa ser realizada a análise genética e descartados aqueles embriões que contenham a mesma anomalia que seu irmão.

O sangue rico em células-tronco é retirado do cordão umbilical e servirá ao tratamento da criança que se encontra enferma.

Alguns de posicionam contra a utilização do bebê medicamento, sobretudo religiosos, afirmando que a criança gerada é mero instrumento para o tratamento de um filho primogênito gravemente doente, acabando por ocasionar a chamada instrumentalização da criança.

Aqueles contrários à concepção com fins terapêuticos afirmam que cabe à biomedicina, em parceria com a bioética, o desenvolvimento de técnica que harmonize a dignidade da pessoa humana, protegendo, assim, os direitos dos mais vulneráveis, com os avanços da medicina.

A discussão central acerca do assunto gira em torno, principalmente, da gestação com outro fim, senão o do desejo de um filho por ele mesmo. A intenção da gravidez e de se conceber uma nova criança devem vir em primeiro lugar.

Nesses casos, existem argumentos afirmando que os pais preocupam-se exclusivamente com o tratamento do filho que se encontra gravemente doente, acabando por deixar de lado os interesses desta nova criança que está por nascer.

Aos olhos dos estudiosos, da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e dos princípios do nosso ordenamento jurídico, tratar uma criança como mero instrumento para solução de um caso médico, acabaria por afrontar os direitos que a ele são inerentes.

Cumpre destacar, quanto ao primeiro bebê medicamento nascido na França, a declaração de Christine Boutin, ex-ministra da moradia e representante do Partido Cristão Democrata, que reconhece que a medicina deu um passo extremamente grave e afirma: “eu parabenizo a proeza técnica, mas alerto para o fato de que uma pessoa foi concebida simplesmente para ser usada”.

Cada criança é livre pra expressar sua opinião a respeito de cada situação a que é submetida. Difícil estabelecer qual será a opinião do novo filho ao descobrir que foi concebido com a finalidade exclusiva de ser colocado à disposição de seu irmão primogênito.

Neste sentido, suprimir essa possibilidade legal de decisão e de manifestação de sua expressão e determinar e escolher o nascimento de um indivíduo previamente selecionado e com a finalidade de servir como instrumento para salvar outro ser humano, acabaria por afrontar os direitos do vulnerável.

Nesse sentido, é o entendimento de Claudia Regina Magalhães Loureiro:

“a instrumentalização do ser humano e, precisamente, do embrião, e seu uso como mero meio, é avesso ao que reza o principialismo personalista. Trata-se de uma visão antropológica considerar o homem um fim absoluto. Logo, o embrião, sob a visão antropológica, é um fim absoluto e não deve ser coisificado, não deve ser tratado como meio”[1].

Dessa forma, fica claro que, a proteção contra a instrumentalização inicia-se já em relação ao embrião e, assim, por óbvio, estender-se-á à criança.

À luz dos princípios norteadores da Bioética e Biodireito, encontramos o princípio da autonomia:

“O princípio da autonomia diz respeito à liberdade individual de a pessoa escolher o que é melhor para si, desde que haja a troca de informações entre o médico e o paciente sobre os tratamentos disponíveis.”[2]

É evidente que no caso do bebê medicamento, a nova criança a ser gerada não possui nenhuma vontade consultada. A vontade envolvida, no caso, é única e exclusivamente dos genitores, o que acabaria, para alguns estudiosos, ferindo o referido princípio.

A questão do bebê medicamento abre espaço pra grandes discussões, colocando de um lado o avanço da medicina em conjunto com a vontade dos pais de salvar um filho gravemente doente e de outro o interesse do próprio bebê medicamento que está por nascer.

Muito se debate à luz da Convenção Internacional dos Direitos da Criança acerca da instrumentalização da criança. Entretanto, se de um lado temos essas questões, também não podemos descartar os avanços da medicina e refletir a respeito da grande possibilidade de que um irmão tenha de fato a vontade de salvar a vida de outro.

Diante do caso do bebê medicamento francês, é possível asseverar que a França se adiantou em relação às demais legislações sobre o assunto, quando autorizou, através da Lei da Bioética referida prática em 2004. Proibiu-se a gestação para outro fim, senão o do desejo de filho por ele mesmo. É possível seja que continue a gravidez terapêutica a partir do sangue do cordão umbilical, seja que continuem as pesquisas relativas à cura do embrião no interior do útero.

Porém, é preciso se destacar todas as informações necessárias para tanto, garantindo à gestante a liberdade necessária e o acompanhamento digno. Por fim, acima de tudo, é preciso que a gravidez seja considerada boas notícias e que o fruto dela seja um filho desejado como fim e não como meio.

O desafio da humanidade está em medir qualquer técnica relacionada ao mais vulnerável, avaliando a investigação científica com a liberdade responsável, que escolhe o respeito como via de progresso.

Podemos afirmar, portanto, que o tema do bebê medicamento é extremamente delicado diante dos conflitos de interesses existentes. Se de um lado temos o interesse de salvar a vida de um ser humano, do outro temos o interesse de uma nova criança, que é considerada, por alguns, como um mero instrumento.

Ocorre que não se deixa de lado, em nenhum momento, os princípios da dignidade da pessoa humana e da razoabilidade, bem como a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, na ocasião da tomada a decisão a respeito do tema bebê medicamento.

4. Benefícios da Legalização do Bebê Medicamento

Uma das maiores vantagens da expansão da utilização do bebê medicamento é a garantia de nascimento saudável, visto que a fertilização assistida permite que seja realizada uma seleção dos embriões que serão utilizados na fertilização, evitando-se assim que o feto herde os genes advindos dos pais que estão associados à doença.

Esta nova técnica que ainda está começando a “engatinhar” visto o enfrentamento de muita oposição de uma parte mais conservadora da sociedade é segundo Adelino Amaral, consultor do Conselho Federal de Medicina (CFM) e presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, enxerga nestes casos um novo marco das técnicas de reprodução humana. Este ainda diz: “ninguém quer um filho doente. O diagnóstico prévio evita 200 doenças genéticas no bebê. Atrelar esta prevenção à viabilidade de transplante de um irmão é extremamente positivo”, considera o médico.

Este é um dos grandes benefícios, conquanto, as pessoas somente tomam ciência de tal fato a partir do momento que se deparam com  a problemática sob o próprio teto. Exemplo é dar a luz à um filho  portador de doença genética que poderia ser tratada com grande eficiência por meio deste método moderno do bebê medicamento.

Além disso, é importante constatar que, não há para o bebê, que não nascerá com genes associados à doença nenhum tipo de malefício, este terá uma vida normal, visto que somente se utiliza destes seus tecidos, sangue do cordão umbilical ou parte da medula óssea, que não irão impossibilitar este de forma alguma de levar uma vida saudável e normal.

Não há como se condenar uma técnica médica que possibilita o nascimento do bebê medicamento, visto que se trata de um procedimento tranquilo e nada traumatizante, que tem como o objetivo o livramento de uma doença que o irmão enfrentaria pelo resto da vida.

Deve-se ficar claro que não existe nenhuma garantia concreta que o bebê medicamento será a solução para o caso, pois existe a possibilidade que este não seja compatível com aquele o qual se almeja curar. Porém, é evidente que este tem uma chance infinitamente maior de possibilitar os resultados positivos do que qualquer outra pessoa que se procure com esse fim.

Benefícios claros deste embrião a implantar consiste em se evitar o aborto espontâneo e também RN com cromossomopatia grave. Há evidentemente como predito uma grande chance de sucesso da procriação medicamente assistida, além de baixa incidência de alterações genéticas. Além disso, há possibilidade de seleção do embrião pelo HLA.

Os argumentos contrários a esta prática são de grande monta, entre os mais debatidos estão: a possibilidade do uso destes bebês como mercadoria e a possibilidade de serem feitos muitas crianças pré-moldadas. Estas com toda certeza deve ser combatida com firmeza para que não se consiga tornar essa prática geradora de grande esperança em uma prática condenável.

Algo que deve ser colocado em questão é a necessidade de acompanhamento psicológico dos pais, tendo em vista que este novo bebê não será gerado apenas como meio de curar o primeiro filho. No ponto, é importante frisar que o filho não pode ser considerado, em hipótese alguma, apenas um instrumento utilizado para atingir determinado fim.

 Quando sopesamos todos os aspectos positivos e negativos da liberação desta prática controversa, resta claro que a possiblidade concreta de ter um ente querido curado de uma grave doença, possibilitando que este tenha uma vida saudável, ultrapassa qualquer barreira e qualquer argumento contrário.

De fato, o nascimento do “bebê medicamento” põe em destaque um grande desafio para humanidade, que se esconde por trás da revisão das leis de bioética. Trata-se de encontrar um caminho que combine, que harmonize, o respeito incondicional da dignidade humana, de qualquer ser humano, em especial o mais vulnerável, e a utilização das técnicas biomédicas, ora permitidas pelos avanços científicos, e é por este caminho que se encontrará o verdadeiro progresso da humanidade.

O desafio da humanidade está em medir qualquer técnica relacionada ao mais vulnerável, avaliando a investigação científica com a “liberdade responsável”, que escolhe o respeito como via de progresso.

Deveras, os defensores da utilização do bebê medicamento afirmam que,  perante a possibilidade técnica existente  como auxílio para salvar vidas, seria no mínimo antiético nada fazer.

À  vista disso, na Inglaterra, uma mãe de filho portador de doença, e, perante a aplicação da técnica em questão, afirmou: “I thought this was something I had to try because, if we had a daughter with this gene, and she was ill, I couldn't look her in the face and say I didn't try.”.

Isto posto, ante ao desenvolvimento técnico-científico, tal como viável legislação que regule a manipulação genética, verifica-se que não há afronta a direitos fundamentais do ser humano, menos ainda à sua dignidade de pessoal.

Insta ainda ressaltar que em nenhum momento do procedimento, o “bebê medicamento” é submetido a lesões.  Na medida em que, não se trata de cobaia, e sim de seres que porventura terão a oportunidade de auxiliar um ente a sobreviver.

Outrossim, não obstante aos benefícios que possui, a técnica enfrenta toda uma conservação política, legal, tal como religiosa para ser colocada em prática.

Contudo, trata-se de avanço, e como tal, deve ser discutido, colocando em afronta prós e contras, conquanto, deve ser apreciado o fato de indivíduos estarem no aguardo e condicionados a viver, esperando tramites legais, totalmente relapsos à dor e agonia de seres que dependem de um “bebê medicamento”.

5. conclusão

Diante de toda a análise realizada e exauridos os pontos controvertidos e divergências entre os ideais, temos por conclusão do presente estudo que a concepção do bebê medicamento é alternativa legítima e viável, passível de realização para a cura de enfermidades que acometem indivíduos já concebidos, através da utilização de material extraído do cordão umbilical, quando do seu nascimento, ou extração de medula óssea.

A causa é justa e a criança não é afetada de forma alguma. Não há que se falar em prejuízos ao nascituro, uma vez que nenhum de seus direitos é violado, tão somente é extraído material orgânico ao nascer com vida, com vistas ao auxílio de parente ou pessoa compatível.

O procedimento, como um todo, não causa dor ao nascituro e, tampouco, prejuízos aos embriões utilizados, uma vez que no pior dos quadros são descartados após apenas três dias da fecundação in vitro.

De fato deve haver legislação específica que verse sobre o tema, e não mero posicionamento feito por meio de Resolução do Conselho de Medicina, com vistas a dar maior segurança ao procedimento e embasamento que o permita.

De igual forma, deve ser tomado o cuidado de não ocorrer a coisificação ou transformação em mercadoria dos embriões e bebês medicamento. Estes, detém os mesmos direitos daqueles já concebidos e devem ser desejados e cuidados tanto quanto, com a peculiaridade de que, além disso, ainda trarão o benefício do auxílio à cura do receptor do material orgânico, ato que certamente não seria negado caso tivessem, no momento, o discernimento suficiente à sua manifestação.

Referências Bibliográficas:

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Técnicas de Reprodução Assistida. Disponível em: http://www.profert.com.br/temas/novas_tecnicas/index.php?item=3. Acesso em: 27 de outubro de 2014.

The Status of the Human Embryo A LEARNING AID FOR UK MEDICA - STUDENTS Saviour Siblings” Disponível em: http://embryoethics.smd.qmul.ac.uk/tutorials/embryo-and-the-law/saviour-siblings. Acesso em: 02 de novembro o de 2014.


[1] LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. Introdução ao biodireito. São Paulo Saraiva 2009, p. 12.

[2] LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. Introdução ao biodireito. São Paulo Saraiva 2009, p. 12.

Assuntos relacionados
Sobre as autoras
Natália Balbino da Silva

Graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Beatriz Carlos dos Santos

Graduanda de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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