INTRODUÇÃO
Dentro de uma perspectiva interdisciplinar buscaremos os contornos do direito e da sociologia como forma de pensar e dividiremos a experiência transformadora de um profissional do direito, ao ter contato com o raciocínio sociológico.
Em matéria jornalística foi veiculada matéria com o seguinte questionamento:
Desafie suas crenças – A maneira como você pensa pode estar emperrando sua vida. (...) A maioria de nossas ideias, a imensa maioria mesmo, não resiste a uma simples análise de lógica. Você já pensou nisso? Nossas escolhas frequentemente são baseadas em conceitos frágeis, capengas, destituídos de sentido ou realidade. Mesmo assim, costumamos abraçá-los como verdades únicas e absolutas, os embalamos como nossos próprios filhos e muitas vezes os defendemos até a morte – ou pelo menos até a próxima discussão de bar. “O ego gosta muito das ideias: se eu penso, logo existo, é o que Descartes costumava dizer. Por isso temos essa necessidade de agarrar nossos conceitos e crenças com unhas e dentes: o ego precisa se assegurar de que existe e de que é extraordinariamente importante”, diz com bom humor, e não sem uma pitadinha de ironia, o mestre budista Chögyam Trungpa. (ALVES, 2011, p.48).
Dispostos a reavaliar ideias e conceitos, pretendemos apresentar a evolução de um raciocínio juridicamente limitado, para outro bem mais amplo, para tanto iniciamos com uma brincadeira. Solicitamos a atenção do leitor para a figura a seguir. Que animal você vê?
Agora pedimos ao leitor que gire este trabalho noventa graus para a esquerda. Então, que animal você vê?
Assim como na brincadeira com a figura, passaremos de um olhar inicial, em que só víamos um animal, o sapo, para uma visão mais atenta e apurada em que passamos a ver dois animais, o sapo e o cavalo. Esperamos que, ao final deste trabalho, consigamos apresentar um mundo jurídico visto pelos olhos do direito e da sociologia.
Para atingir nosso objetivo utilizaremos como base teórica o texto: Aprendendo a pensar com a sociologia, cujo propósito é apresentado na introdução, com os seguintes termos:
analisaremos a ideia de aprender a pensar sociologicamente e sua importância no entendimento de nós mesmos, uns dos outros e dos ambientes sociais em que vivemos Para isso, iremos considerar a sociologia uma prática disciplinada, dotada de um conjunto próprio de questões com as quais aborda o estudo da sociedade e das relações sociais (BAUMAN, 2010, p.11-28).
Os autores dividem a introdução em dois blocos em uma primeira parte entitulada de em busca de distinção, investiga o que torna a sociologia uma disciplina única, já na última parte, Bauman e May mostram como é a relação entre o pensamento sociológico e o senso comum.
Partindo da fundamentação teórica acima alinharemos a experiência adquirida e consolidada dentro de um raciocínio jurídico com a recente incursão no pensamento sociológico. Assim como na obra comentaremos os traços distintivos do direito e da sociologia em seguida avaliaremos as relações das referidas disciplinas com o senso comum. Por fim, mostraremos uma mudança prática, possibilitada por uma reflexão jurídico-sociológica.
2. DIREITO E SOCIOLOGIA: É NECESSÁRIA UMA DISTINÇÃO?
Na introdução da mencionada obra base é apresentado um método para distinguir a sociologia das demais disciplinas. O método consiste na sucessiva formulação de questionamentos, que nos vão direcionando para o traço distintivo do campo de conhecimento. Vamos agora, seguir essa linha metodológica para buscar o traço distintivo do pensamento sociológico e o seu paralelo no âmbito jurídico.
“A sociologia engloba um conjunto disciplinado de práticas, mas também representa considerável corpo de conhecimento acumulado ao longo da história (...) Essa ciência configura-se, assim, uma via de constante fluxo, e os novatos acrescentam ideias e estudos da vida social às estantes originais. A sociologia, nesse sentido, é um espaço de atividade contínua que compara o aprendizado com novas experiências e amplia o conhecimento, mudando, nesse processo, a forma e o conteúdo da própria disciplina.” (BAUMAN, 2010, p.11).
Com essa explanação, os autores, nos levam a refletir sobra à hipótese de definir a disciplina, como conjunto de obras de sociologia, o que equivaleria a defini-la como um conjunto de estantes de uma biblioteca ou, em uma versão mais moderna, um arquivo virtual com tudo já escrito em matéria de sociologia, no entanto os autores descartam de plano essa reflexão.
Buscando mais um ponto para reflexão, os autores suscitam que as diferentes disciplinas se distinguem por abordar diferentes aspectos das ações humanas. Nesse passo, a sociologia se interessa pelas ações humanas atuais e o direito volta sua atenção para a ação humana regulamentadora. Voltando a brincadeira do sapo e cavalo significaria que o quadro seria a ação humana, o direito olharia o quadro e veria apenas o sapo, já a sociologia olharia e veria apenas o cavalo. Assim sendo, avançamos para mais um questionamento.
Será que a divisão entre disciplinas surge do desmembramento das ações humanas “ou do fato de que há grupos de especialistas com credibilidade, considerados conhecedores e confiáveis, que clamam direitos exclusivos para estudar determinados aspectos da sociedade e nos suprir com opiniões fundamentadas?” (BAUMAN, 2010, p.14).
Seguindo o raciocínio dos mestres, observamos que as ações humanas não podem ser divididas em categorias, pois quando olhamos para uma lei ou para um movimento social, vemos diferentes resultados da ação humana, mas não conseguimos desmembrar os fenômenos, com digressões do tipo: esse fragmento da lei é do campo direito aquele ali é sociológico, ou neste movimento essa conduta do grupo é puramente jurídica aquela ali é sociológica.
Não podemos falar que existe uma divisão natural das condutas humanas, mas sim uma divisão de trabalho entre especialistas, nas palavras dos autores, seria “um modelo construído com os blocos derivados das relações entre linguagens e experiência” (BAUMAN, 2010, p.15) de cada um dos ramos de conhecimento.
Como não foram encontradas, via método de pesquisa, significativas distinções entre sociologia e demais matérias a investigação toma outro rumo, passando para um questionamento final:
Logo, parece que nossa última esperança de encontrar o traço distintivo está nos tipos de questão que motivam cada campo, ou seja, aquelas que determinam os pontos de vista (perspectivas cognitivas) pelos quais as ações humanas são observadas, pesquisadas, descritas e explicadas por estudiosos dessas diferentes disciplinas. (BAUMAN, 2010, p.15-16)
Por esse prisma o traço distintivo da sociologia é a observação das “ações humanas como uma montagem não aleatória de atores reunidos em rede de dependência mútua (...) os sociólogos perguntam que consequências isso tem para os atores humanos, as relações nas quais ingressamos e as sociedades das quais somos parte. Em resposta, formatam o objeto da investigação sociológica. Assim, figurações, redes de dependência mútua, condicionamentos recíprocos da ação e expansão ou confinamento da liberdade dos atores estão entre as mais preeminentes preocupações da sociologia. (...) poderíamos dizer que a questão central da sociologia é: como os tipos de relações sociais e de sociedades em que vivemos têm a ver com as imagens que formamos uns dos outros, de nós mesmos e de nosso conhecimento, nossas ações e suas consequências?” (BAUMAN, 2010, p.17)
Já quanto ao direito seu traço distintivo consiste na observação da ação humana em uma perspectiva de colisão, divergência física ou de ideias. A questão que motiva o campo jurídico de conhecimento é o embate, por um viés preventivo, atores combinam condutas ou transformam matérias em lei visando com isso evitar futuros conflitos. Por um viés repressivo atores buscam positivar questões que estão gerando conflito, além de criar todo um mecanismo padrão para solucionar os diversos embates humanos.
Assim os estudiosos do direito voltam suas pesquisas e observações para a solução da lide, que em plano mais amplo se dá via lei, que pode ser para toda uma sociedade ou apenas para duas pessoas, boa parte dos estudos jurídicos se voltam para interpretação, aplicação, mecanismos de coerção, limites territoriais e geográficos da lei entre outras vertentes da lei. Nesse passo, contratos, interpretações, decisões judiciais, processos contenciosos e leis muitas leis estão sob a mira das pesquisas e observações jurídicas. Em síntese poderíamos afirmas que a questão central do direito consiste na observação da ação humana em uma perspectiva de conflito, seja antecipando situações, ou buscando solução para embates em curso.
3. SOCIOLOGIA, DIREITO E SENSO COMUM
“Aprender a pensar sociologicamente é uma atividade que se distingue também por sua relação com o chamado senso comum” (BAUMAN, 2010, p.17) assim se inicia a segunda parte da introdução da nossa obra base e nessa esteira vamos avaliar como a sociologia e o direito dialogam com o senso comum e definem sua forma de pensar. Traremos agora duas definições de senso comum, uma do dicionário e outra de Bauman e May:
“Senso comum. Conjunto de opiniões e modos de sentir que, por serem impostos pela tradição aos indivíduos de uma determinada época, local ou grupo social, são geralmente aceitos de modo acrítico como verdades e comportamentos próprios da natureza humana.” (FERREIRA, 2004, p.1829).
“...conhecimento rico, ainda que desordenado e não sistemático, em geral desarticulado, inefável, que chamamos senso comum.” (BAUMAN, 2010, p.18)
Como uma primeira distinção entre a relação jurídica e a sociológica com o senso comum, duplamente definido acima, vemos que a sociologia trata o senso comum com um maior carinho o levando em consideração para formar o seu pensamento. “Aprender a pensar sociologicamente é uma atividade que se distingue também por sua relação com o chamado senso comum” (BAUMAN, 2010, p.17).
A boa relação travada com a sociologia é explicada pelo respeito científico pelo que é produzido pelos atores sociais.
Vivemos em companhia de outras pessoas e interagimos uns com os outros. Nesse processo, demonstramos extraordinária quantidade de conhecimento tácito, que nos permite lidar bem com os desafios do dia a dia. (...) As ações humanas e as interações que os sociólogos estudam já receberam nomes e já foram analisadas pelos próprios atores, e, dessa maneira, são objetos de conhecimento do senso comum. Famílias, organizações, redes de parentesco, vizinhanças, bairros, aldeias, cidades, nações, igrejas e qualquer outro agrupamento mantido coeso pelas interações humanas regulares já se apresentam com significados e significações conferidos pelos atores. Por essas razões, a sociologia está intimamente relacionada ao senso comum. (BAUMAN, 2010, p.19-20).
Ao contrário do que ocorre no direito a sociologia constantemente dedica obras ao senso comum e a sua forma de ver o mundo, essa ciência, efetivamente, o considera como uma rica fonte de pesquisa, tanto que lhe, foi dedicada parte importante da introdução de um livro que visa ensinar a pensar com a sociologia. Por sua vez as obras introdutórias do direito, em sua grande maioria, não se importam em tecer os pormenores do senso comum. A sua relação com o direito quando muito é abordada em obras de filosofia do direito e não lhe é dada muita atenção. Talvez pelo mesmo motivo apontado na crítica dos autores “o senso comum, afinal, parece nada ter a dizer sobre os problemas que preocupam físicos, químicos e astrônomos.” (BAUMAN, 2010, p.18).
Quanto aos problemas que preocupam o direito o senso comum apesar de ter pouco prestígio junto à literatura jurídica, esse efetivamente tem o que falar. Ao contrário da sociologia, que parece travar com o senso comum uma relação de amizade, em que o conhecimento tácito seria uma espécie de bom conselheiro, o direito, por sua vez, parece travar com tal senso uma relação de amor e ódio. Por momentos o senso comum, seria a fonte inspiradora, chama que alimenta o direito e inspira as leis já em outros momentos o mesmo senso é totalmente descartado, por não estar ha altura da opinião de especialistas.
Essa relação tormentosa pode ser explicada pegando emprestados os fundamentos de Bauman e May. Quando o jurídico e o senso comum estão apaixonados os conhecimentos emanados do último são supervalorizados, assim sendo, todo regramento voltado para acordos, relações familiares, de vizinhança e resolução de problemas como um todo, podem ser encaradas, como criações do direito a partir do senso comum.
Chamamos atenção para uma tendência da filosofia do direito em enaltecer o senso comum, segundo os jurisconsultos romanos “a função do direito seria, sempre, uma função de realizar. Para isso o direito surge da própria índole humana e traduz o senso comum, mesmo quando formulado pelos doutores.” (FILHO, 1945, p.151). Cícero um dos mais notáveis afirmava “que a natureza deu a todos os homens a razão e, por conseguinte, o direito, que é a reta razão que manda e proíbe” (FILHO, 1945, p.152). Já no século XIX o celebre jurista Friedrich Carl von Savigny, assim raciocinava sobre o senso comum “as instituições jurídicas não devem ser impostas: - elas são o resultado das formas naturais, da atividade do povo (...) é na comum consciência do povo que vive o direito positivo” (FILHO, 1945, p.151).
Pela vertente beligerante da relação entre o jurídico e o senso comum, alguns pensadores do direito alimentam uma ideia de que pessoas não iniciadas na ciência jurídica, seriam incapazes de tecer qualquer comentário ou opinião sobre o tema, vale aqui trazer os mesmos argumentos utilizados para justificar a relação entre senso comum e astronomia
“...os objetos explorados pelas ciências físicas só são acessíveis sob circunstâncias muito especiais – por exemplo, através das lentes de telescópios gigantescos, cujo uso para desenvolver experimentos...é exclusividade dos cientistas, que dessa forma reivindicam para si a posse monopolística de um dado ramo da ciência(...) Não precisam competir com o senso comum pela simples razão de que este não tem pontos de vista sobre as matérias a respeito das quais essas áreas se pronunciam.” (BAUMAN, 2010, p.18).
Apesar do direito não ser acessível via telescópios gigantescos, este conta com algumas barreiras como um conjunto incontável, de leis, decretos, atos normativos, contratos de adesão entre outros, que funcionam como uma aparente muralha intransponível para o senso comum. Um outro argumento pode ser a postura dos juridicamente iniciados, que levantam seus narizes e fecham seus ouvidos tratando o senso comum como um nada.
O raciocínio jurídico em uma relação de ódio com o senso comum pode ser ilustrado pelo caso em que um profissional jurídico contesta um acordo atingido pelos genitores de um menor. Como quem acredita que o senso comum dos pais de uma criança não é aceitável frente à lei e o conhecimento jurídico. Seguem as decisões em comento.
DIVÓRCIO CONSENSUAL - ACORDO FORMALIZADO EM AUDIÊNCIA ABRANGENDO A REGULAMENTAÇÃO DE GUARDA, VISITAÇÃO E FIXAÇÃO DE VERBA ALIMENTAR PARA OS FILHOS MENORES - PARECER DESFAVORÁVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO - SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA - INCONFORMISMO DO ÓRGÃO MINISTERIAL COMO FISCAL DA LEI - AUSÊNCIA DE NULIDADE - SENTENÇA MANTIDA - O Ministério Público interpôs o recurso de apelação, almejando a anulação do julgado ao argumento de que a homologação do acordo não preserva suficientemente os interesses dos menores. Ajuste em que as partes ponderaram acerca do trinômio: necessidade, possibilidade e proporcionalidade. Sentença homologatória que não padece de nulidade e não merece qualquer reparo. Improvimento do recurso1.
PROCESSUAL CIVIL. DIVÓRCIO DIRETO HOMOLOGADO. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO SOB O FUNDAMENTO DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 1.121 DO CPC. DECRETAÇÃO QUE NÃO PODE SOFRER ÓBICE POR QUESTÕES RELATIVAS À PROLE. ACORDO SOBREGUARDA, VISITAÇÃO E ALIMENTOS ENTABULADO ENTRE AS PARTES E EXPLICITADO NA EXORDIAL. NEGATIVA DE SEGUIMENTO2.
Sem qualquer pretensão de afirmar qual das relações com o senso comum é melhor ou pior para o direito reiteramos nosso objetivo de apresentar uma visão mais atenta em que se possa contemplar como o direito e a sociologia olham para o senso comum. Nesse âmbito, concluímos que a sociologia apresenta uma relação horizontal, pautada em um fértil diálogo, com o senso comum. Por outro lado o direito apresenta uma relação vertical com o senso comum, por vezes o conhecimento tácito ocupa o polo superior da relação, já em outras vezes ocupa o polo inferior.
Talvez ao agregar o pensamento sociológico ao raciocínio jurídico poderemos despolarizar a relação senso comum e direito, tirando assim um maior proveito de todos os campos do conhecimento.
4. UMA MUDANÇA SOCIO-JURÍDICA
Em suma, vimos que o traço distintivo do direito é a regulamentação preventiva ou repressiva do conflito, por sua vez a sociologia se preocupa com o indivíduo e suas relações em comunidade. Quanto ao senso comum o direito trava com esse uma relação polarizada, já a sociologia se pauta por uma relação horizontal.
Como reflexo do raciocínio das disciplinas abordadas traremos um caso concreto em que se notabiliza o pensar jurídico influenciado pelo sociológico e em direta relação com o senso comum.
“Atores individuais tornam-se objeto das observações de estudos sociológicos à medida que são considerados participantes de uma rede de interdependência” (BAUMAN, 2010, p.17).
Conforme dispositivo legal, artigo 267, III e §1° do Código de Processo Civil os processos judiciais não podem ficar sem movimentação, por culpa de quem deu inicio ao procedimento, por mais de trinta dias. Nesses casos é determinado que o responsável pela movimentação processual seja, oficialmente, informado e caso nada faça em quarenta e oito horas, seu processo será encaminhado definitivamente a um arquivo do poder judiciário 3.
Dentro de uma repartição pública cabia a determinado funcionário realizar as seguintes tarefas. Primeiro verificava se o processo estava efetivamente paralisado a mais de trinta dias. Segundo verificava se houve a comunicação oficial do responsável pela movimentação processual e caso cumpridos os requisitos era lançada uma etiqueta, que viabilizaria a assinatura da autoridade judiciária remetendo o processo ao arquivo. Em uma lógica estritamente jurídica o trabalho se resumia a verificar se os requisitos legais foram cumpridos e informar o resultado para que a lei fosse cumprida com o arquivamento do feito.
Durante anos, este trabalho foi realizado e interiorizado como razoável dentro da lógica do direito, pois a lei estava sendo cumprida e se não havia interesse na continuidade do processo também não haveria conflito. Pelo plano do senso comum poderíamos afirmar que a conferência seguida de rotulação, via etiqueta, se tornou uma prática familiarizada.
“Quando repetidos com suficiente frequência, os fatos tendem a tornar-se familiares, e o que é familiar costuma ser considerado autoexplicativo: não apresenta problemas e pode não despertar curiosidade” (BAUMAN, 2010, p.24).
Agregando o raciocínio sociológico aos seus estudos o funcionário iniciou um processo de desfamiliarização em relação à tarefa processual e começou a verificar algumas peculiaridades tais como: No plano das ideias, que não fazia muito sentido uma pessoa entrar com um processo e depois abandoná-lo, salvo se tivesse resolvido o problema de outra forma. No plano material passou a verificar que em varias das comunicações oficiais continham os telefones de contato das partes que supostamente tinham abandonado seus processos.
“A desfamiliarização pode ter benefícios evidentes. Pode em especial abrir novas e insuspeitadas possibilidades de conviver com mais consciência de si, mais compreensão do que nos cerca ...” (BAUMAN, 2010, p.24).
Nessa nova perspectiva o funcionário antes de etiquetar os processos e quanto tinha as informações necessárias, passou a entrar em contato com os sujeitos que em tese teriam abandonado o processo e com isso a visão de mundo se ampliou.
Foi possível conhecer Ana Aurélia que tinha um processo no qual pleiteava do ex-marido alimentos para sua filha. Essa afirmou que não teria problemas em arquivar o processo, pois em razão da demora excessiva resolveu seu problema diretamente com o ex-marido.
Em outra ligação conheceu Regiane, mãe de Cauã, que tinha uma execução de alimentos cujo próximo passo seria a decretação de prisão do pai do menor que devia alimentos. Regiane foi categórica a não querer dar continuidade ao processo não porque seu filho estivesse recebendo os recursos de seu pai, mas porque sabia que dar seguimento processual significaria a ida de policiais a sua comunidade e isso poderia causar prejuízo a sua vida, pois mora em área dominada por criminosos.
Por fim contamos a história de Darnísia que não deu continuidade ao processo porque precisava trabalhar e não podia perder um dia indo a Defensoria Pública, mas desejava dar continuidade ao pedido de alimentos para o filho Nathan e até forneceu o endereço do trabalho do pai do menor e com essa informação uma etiqueta a menos foi colada e o jurídico se aproximou da realidade social.
Como passamos todo o trabalho falando por duas perspectivas iremos concluí-lo da mesma forma. Pelo aspecto jurídico fica a lição de que por detrás das leis estão pessoas, que precisam tanto de cientistas jurídicos como da sabedoria intuitiva do senso comum, já pelo aspecto sociológico faço minha última citação de Bauman e May “podemos concluir que aprender a pensar com a sociologia é uma forma de compreender o mundo dos homens que também abre a possibilidade de pensá-lo de diferentes maneiras. (...) No processo, esperamos encorajar uma atitude questionadora, na qual entender os outros nos permite melhor entender a nós mesmos com os outros.” (BAUMAN, 2010, p.17 e 28).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Liane. Crenças em Cheque. Revista Vida Simples, São Paulo, Edição 108,p.48-55, agosto 2011.
BAUMAN, Zygmunt. MAY, Tim. Aprendendo a pensar com a sociologia/Zygmunt Bauman e Tim May; tradução Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010.
BRASIL. Lei n°5869-11/01/1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. acesso em: 30/07/2014
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da lingua portuguesa. 3ª ed. Curitiba: Positivo, 2004.
FILHO, Cândido Motta. O direito e o senso comum. Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, v.40, 1945.
RIO DE JANEIRO. 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça. Apelação 000614024.2012.8.19.0067. Relator Desembargador Edson Vasconcelos. Decisão Monocrática 07/05/2014 DJ 13/05/2014. Disponível em <https://www4.tjrj.jus.br/> acesso em: 30/07/2014
RIO DE JANEIRO. 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça. Apelação 007820133.2013.8.19.0038. Relator Desembargador Adolpho Andrade Mello. Decisão Monocrática 03/02/2014 DJ 05/02/2014. Disponível em <https://www4.tjrj.jus.br/> acesso em: 30/07/2014.
Notas
1 RIO DE JANEIRO. 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça. Apelação 000614024.2012.8.19.0067. Relator Desembargador Edson Vasconcelos. Decisão Monocrática 07/05/2014 DJ 13/05/2014. Disponível em <https://www4.tjrj.jus.br/> acesso em: 30/07/2014
2 RIO DE JANEIRO. 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça. Apelação 007820133.2013.8.19.0038. Relator Desembargador Adolpho Andrade Mello. Decisão Monocrática 03/02/2014 DJ 05/02/2014. Disponível em <https://www4.tjrj.jus.br/> acesso em: 30/07/2014
3 BRASIL. Lei n°5869-11/01/1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 30/07/2014
Art. 267. - Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:
III - quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;
§ 1º - O juiz ordenará, nos casos dos nºs. II e III, o arquivamento dos autos, declarando a extinção do processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em 48 (quarenta e oito) horas.