Colisão entre os princípios da legalidade e da eficiência no âmbito da Administração Pública

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No âmbito da administração pública, os princípios da legalidade e da eficiência entram, constantemente, em rota de colisão. Para superar tal impasse, necessário se faz, portanto, a aplicação do método da ponderação de princípios.

Sumário: 1. Notas Introdutórias; 2. Aplicabilidade dos Princípios da Legalidade e da Eficiência; 2.1. Princípio da Legalidade; 2.2. Princípio da Eficiência; 2.3. Colisão entre os princípios da Legalidade e da Eficiência; 3. Princípio da Proporcionalidade como solução para o conflito entre os Princípios da Legalidade e da Eficiência; 4. Conclusão; 5. Referências Bibliográficas.

Resumo

No âmbito da administração pública, os princípios da legalidade e da eficiência entram, constantemente, em rota de colisão. Para superar tal impasse, necessário se faz, portanto, a aplicação do método da ponderação de princípios, assim como o princípio da proporcionalidade. A partir de algumas análises, podemos chegar a conclusão de que, atualmente, o princípio da eficiência dos atos administrativos deve preponderar sobre o princípio da legalidade, porém sem excluí-lo, com o intuito de garantir aos cidadãos os seus direitos e garantias fundamentais.

Palavras- Chaves: Conflito. Princípios. Legalidade. Eficiência. Administração Pública.

1.      Introdução

Já sabemos que, hodiernamente, o Direito não é composto, apenas, pela letra fria da lei, muito menos a sua aplicabilidade perante os casos práticos.

No âmbito da Administração Pública, não é diferente, ou seja, há vários princípios que orientam o administrador público durante a execução dos seus atos e, dentre eles, estão os princípios da Legalidade e da Eficiência, matéria de estudo do presente artigo.

Tais princípios estão expressos no texto da Constituição Federal de 1988, e, desta forma, não há duvidas quanto a sua incidência perante os atos da Administração Pública. Porém, é imprescindível traçarmos algumas considerações acerca da sua aplicabilidade, visto que podemos observar, constantemente, casos em que estes princípios entram em rota de colisão.

Para isso, devemos analisar como podemos ultrapassar este conflito e, portanto, é necessário considerarmos o princípio da Proporcionalidade como um norte a ser seguido por quem faz parte da Administração Pública.

2.      Aplicabilidade dos Princípios da Legalidade e da Eficiência

2.1.Princípio da Legalidade

De acordo com o pensamento exarado pelo Estado Democrático de Direito, vivido por todos nós atualmente, criou-se a lei com o intuito de limitar o poder absolutista do Estado, praticado através dos seus atos de governo.

Por sua vez, o Estado possui o dever de garantir os direitos fundamentais de todos os cidadãos, como por exemplo: a vida, a dignidade da pessoa humana, a saúde e a educação, agindo com discricionariedade em seus atos, com o intuito de também resguardar a ordem entre as relações humanas.

O princípio da Legalidade, previsto no art. 37, caput, da Carta Magna apresenta-se como o marco limitador, por meio do qual a Administração Pública, durante a execução dos seus atos, deve pautar-se conforme apenas o disposto expressamente na lei.

Nas palavras do doutrinador Hely Lopes Meirelles:

“A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”. (MEIRELLES. 2014, p. 90)

Diferencia-se, portanto, da autonomia da vontade presente nas relações privadas, onde é permitido fazer tudo aquilo que não for vedado pela lei.

2.2. Princípio da Eficiência

Outro princípio primordial na execução dos atos da Administração Pública é o da eficiência. Seu conceito confunde-se com a eficácia dos atos administrativos e, por sua vez, este último apresenta-se mais condizente com os reais anseios do homem.

Afere-se a eficiência, ou a eficácia, dos atos administrativos, quando a finalidade pretendida pelo Estado, através de seus atos, é alcançada.

Para melhor explicar, segundo Pedro Sabino Farias Neto:

“o objetivo do Estado consiste no bem comum, ou bem público, de certo povo, situado em determinado território. Dallari (2007) afirma que o bem comum pode ser considerado como o conjunto de todas as condições da vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana.” (NETO. 2011, p. 50)

Portanto, a partir do momento que o homem outorga poderes aos seus representantes para gerir a coisa pública, devendo este observar a vontade de todos no momento da execução dos seus atos, espera-se, por seu turno, que se faça valer, de forma eficaz, a proteção aos direitos inerentes aos indivíduos.

Conforme ensinamento de Hely Lopes Meirelles:

“O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhado apenas com Legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”. (MEIRELLES. 2014, p. 102)

Neste sentido, assevera Pedro Sabino Farias Neto (2011, p. 50): “O objetivo do Estado, portanto, é o bem público de modo a propiciar para o indivíduo a realização de uma vida melhor, especificamente, resultante do seu aperfeiçoamento físico, moral e intelectual”.

2.3. Colisão entre os princípios da Legalidade e da Eficiência

Não obstante ambos os princípios devam se aplicar simultaneamente no âmbito da Administração Pública, constantemente ocorre que a eficiência dos atos administrativos, levando em consideração a finalidade do Estado como o bem comum de todos, é limitada pelo princípio da legalidade.

O direito passa a ser aplicado como se apenas fosse composto por normas legais, que se amoldam ao fato concreto, não permitindo qualquer tipo de interpretação ou analogia.

Com isso, não é garantido aos cidadãos os seus direitos fundamentais, como a vida, a saúde, a moradia, entre outros, simplesmente porque, por diversas vezes, o legislador não prescreveu na lei os meios (legalidade) para se chegar à efetivação destes direitos, ou porque a lei exige intermináveis procedimentos que, ao final, não é atingida a eficácia dos atos da Administração.

Para citar exemplos, observemos as situações em que o Estado, através do seu Governo, deixa de fornecer medicamentos aos cidadãos por falha ou grande burocracia em processo licitatório.

 Ou então quando é negado determinado benefício previdenciário ao segurado da Previdência Social, porque a lei não prevê, no seu rol taxativo, a situação especifica deste segurado, mesmo que, em ambos os casos, estejam diante de uma extrema necessidade e urgência.

Para ir mais além, observa-se que a Administração Pública, na sua representação judicial perante o Poder Judiciário, procrastina, através de intermináveis recursos, as demandas em que se afigura do polo passivo, onde é requisitada para a execução de um ato administrativo, resultante de um direito fundamental de algum de seus governados, mesmo estando diante de um direito líquido e certo.

Percebe-se, em todos esses casos, que a Administração Pública se resguarda no Princípio da Legalidade, pois os seus atos estão conformes a letra fria da lei, mas esquece que não está cumprindo com a sua finalidade enquanto Estado, ou seja, não assegura aos cidadãos as suas garantias fundamentais mínimas, indo de encontro, assim, com a efetividade (eficácia) dos seus atos.

3.      Princípio da Proporcionalidade como solução para o conflito entre os Princípios da Legalidade e da Eficiência

A resolução desta divergência não se resolve com a mera subsunção de um direito em face do outro. Por tratar-se de princípios, deve ser encontrado um ponto de equilíbrio, ou seja, uma ponderação necessária à aplicação que melhor atenda o interesse público.

Quem melhor estuda o método de ponderação de princípios é o doutrinador Robert Alexy, que, citado por Natália Braga Ferreira, expõe:

“Dessa forma, as condições sob as quais um princípio precede o outro são determinadas levando-se em conta o peso dos princípios postos em questão. De acordo com Alexy, o peso dos princípios é determinado da seguinte forma: “O princípio P1 tem, em um caso concreto, um peso maior que o princípio oposto P2, quando existem razões suficientes para que P1 preceda a P2, sob as condições C dadas em um caso concreto” (FERREIRA. 2010, p. 10)

Ainda segundo Natália Braga Ferreira, há que se levar em consideração a concordância prática como finalidade da ponderação que, nestes termos, significa:

“...a concordância prática atua como parâmetro para que o intérprete analise o caso concreto e opte por uma solução mais harmônica e que imponha o menor sacrifício possível no que tange aos princípios conflitantes”. (FERREIRA. 2010, p. 14)

Busca-se, desta forma, a ponderação de um principio face ao outro, porém, sem excluí-lo, tendo como base o grau de “ferimento” às normas legais de cada um, no momento que entram em colisão. Portanto, necessário se faz analisarmos também o princípio da Proporcionalidade.

Segundo pondera Juarez Freitas:

“...a violação à proporcionalidade ocorre quando, tendo dois valores legítimos a sopesar, o administrador prioriza um em detrimento ou sacrifício exagerado do outro [...] Em nenhuma circunstância um direito deve suprimir inteiramente o outro na colisão, desde que ambos sejam lícitos. Pode e deve ponderar conforme as circunstâncias...” (FREITAS. 1999, p. 57)

Deste modo, o princípio implícito da Proporcionalidade, também plenamente aplicável no âmbito da Administração Pública, permite que os princípios da Legalidade e Eficiência possam conviver em harmonia.

Neste sentido, continua Juarez Freitas:

“Por razões históricas sobejamente conhecidas, praticamente resta abandonado, ao menos em teoria, um determinado tipo de legalismo estrito [...] neste caso, a legalidade faz as vezes de valiosíssimo princípio, porém somente experimentando significado apreciável na correlação com os demais [...] assim,  a subordinação da Administração Pública não é apenas à lei. Deve haver o respeito à legalidade sim, mas encartada no plexo de características e ponderações que qualifiquem como razoável.” (FREITAS. 1999, p. 60)

 Senão vejamos o posicionamento de Hely Lopes Meirelles em relação ao tema:

 “Cumprir simplesmente a lei na frieza de seu texto não é o mesmo que atendê-la na sua letra e no seu espírito. A administração, por isso, deve ser orientada pelos princípios do Direito e da Moral, para que ao legal se ajunte o honesto e o conveniente aos interesses sociais”. (MEIRELLE. 2014, p. 91)

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Observar o princípio da Proporcionalidade, portanto, significa está atento à moderna concepção do Direito, que se volta para a garantia dos preceitos fundamentais do homem. E tais direitos, no âmbito da Administração Pública, equivalem à eficácia dos seus atos praticados, onde é cumprida a finalidade do Estado (bem comum).

Esse também é o entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, através do voto da Min. Eliana Calmom no RESP 549253/RS, publicado no DJU em 15 de dezembro de 2003, in verbis:

“...o Judiciário não pretende imiscuir-se na atividade precípua do órgão público. A intervenção que se pretende é em nome do princípio da eficiência e da moralidade, porque não se pode admitir que permaneça uma comunidade a aguardar solução, por mais de hum ano. O que se espera é que haja uma resposta, uma informação, um reconhecimento, pelo menos.

A era da pós-modernidade está a exigir da Administração Pública postura que a identifique com a sociedade à qual serve, superando a grave crise de identidade e de gestão, ambas escondidas no princípio da legalidade, retórico, formal, ocultando, sem dúvida alguma, o intuito de manter-se no status quo.

Não se apregoa aqui a quebra do princípio da legalidade. Afinal, é ele a expressão maior do Estado de direito. No entanto, pretende-se proclamar, sim que o princípio da legalidade não pode ser entendido como submissão absoluta à lei, deixando os Poderes da República a reboque do Legislativo.

 Neste início de século, a lei e o princípio da legalidade colocam-se em função dos ideais de Justiça.

A nova proposta é para que se assente a legalidade, a que se submete a Administração, na dimensão global do ordenamento jurídico, no qual estão consagrados valores constitucionalmente inerentes ao modelo de Estado ali previsto. E, nesse modelo, a transparência, a eficiência e a moralidade transparecem como corolários da legalidade”.

Não é admissível, portanto, em pleno desenvolvimento deste Direito, somente a estrita observância às produções legais, esquecendo-se dos princípios que orientam todo o ordenamento jurídico.

 

4.      Conclusão

Diante todo o exposto, percebe-se que não é mais cabível o engessamento do Direito apenas às normais legais, principalmente quando se tratam de atos desempenhados pela Administração Pública, que envolvem os anseios de todos os cidadãos, legítimos detentores do poder.

Os cidadãos, ao outorgarem seus poderes aos Administradores Públicos, esperam em contrapartida que o bem comum - enquanto real finalidade do Estado - seja atingido. Cabe ao Estado, desta forma, elaborar as leis capazes de se chegar a este resultado almejado por todos.

A colisão que surge entre os Princípios da Legalidade e da Eficiência, quando o bem comum exigido pelos cidadãos não está previsto em lei, se resolve, conforme visto alhures, pela aplicação da proporcionalidade nos atos administrativos, por meio de um processo de ponderação entre tais princípios.

Neste atual momento em que vivemos, faz-se necessário, portanto, a preponderância da eficácia dos atos da administração pública, pois o grau de ofensa ao Princípio da Legalidade é diminuto quando comparado à agressão ao Princípio da Eficiência, ou seja, quando não resguardados os direitos fundamentais dos cidadãos.

A coletividade, por sua vez, busca diuturnamente que os seus direitos fundamentais sejam observados por parte do Estado, cobrando a eficácia dos atos públicos, independentemente de previsão desses anseios na lei.

Desta forma, o que importa é a fiel observância ao bem comum e não apenas o fiel cumprimento à letra fria da lei, que não permite qualquer interpretação analógica ou extensiva.

Por fim, deve-se esclarecer que o Princípio da Legalidade continua a ser observado, principalmente quanto se tratar dos atos abusivos do Estado. Há, apenas, a sua limitação frente à eficácia dos atos públicos, quando houver a colisão com este.

 

5.      Referências Bibliográficas

FERREIRA, Natália Braga. Notas sobre a teoria dos princípios de Robert Alexy. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/DireitoSerro/article/viewArticle/1290. Acesso em 23 de setembro de 2015.

FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e princípios fundamentais. 2ª Ed, São Paulo, Malheiros: 1999.

MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE, José Emmanuel Filho. Direito Administrativo Brasileiro. 40ª Ed, São Paulo, Malheiros: 2014.

NETO, Pedro Sabino de Farias. Ciência Política. 1ª Ed, São Paulo, Atlas: 2011.

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